o interior do zaire também é tupiniquim

Eu sempre reclamo que isso aqui é o interior do Zaire, e qualquer estrangeiro decente que mora aqui sabe que estou coberta de razão. Mas o Brasil tem horas que também testa a paciência da gente, vou te contar…

A irmã da Fabiola tá vindo pra cá pro Natal e resolvemos comprar cousas tupiniquins pros nossos respectivos pimpolhos e mandar entregar na casa dela, pra ela trazer. E daí começam as nossas duas sagas paralelas.

A minha saga

Fui lá no site, botei as minhas coisas no meu carrinho e fui fazer o check-out. Entrei com meu username e minha senha de sempre e quando vi a parada já tinha sido concluída, com uma mensagem de que o pedido estava feito. Fui checar o e-mail automático que me mandaram e vi que simplesmente diziam que estavam esperando o OK do banco. Só que vão ficar esperando até o próximo Big Bang, porque aquela conta não existe mais. Perdi HORAS tentando achar um jeito de alterar os meus dados bancários, mas nada. Então mandei tudo à merda; fiquei com preguiça de escrever pra eles reclamando e resolvi juntar as minhas compras ao pedido que a Fabiola estava fazendo pelo site da Livraria Cultura. Só que…

A saga da Fabiola

A Fabiola também tinha um cadastro antigo no site da Cultura. O cadastro deles tem um e-mail antigo dela, que não existe mais. Ela tentou fechar a conta, mas eles pediram a senha ligada ao tal e-mail; ela respondeu que não sabia mais a senha. Pra eles não mandarem a confirmação do pedido pro e-mail defunto, ela preencheu o formulário pra quem quer cadastrar um novo e-mail, mas não chegou nenhuma mensagem ao endereço novo. Lá vai a Fabiola escrever pra eles, avisando que a coisa toda é urgente porque a irmã dela tá vindo pra cá daqui a pouco, e eles escrevem de volta avisando que o pedido dela já está à disposição dela no Fashion Mall. Shopping do qual ela logicamente nunca ouviu falar, sendo de Americana e não tendo intimidade com o Rio (defeito grave, sabe, mas tudo beeimmmm). Uma googlada rápida e ela descobre que o shopping é o São Conrado Fashion Mall, no Rio. E ainda pedem pra ela preencher uma autorização de débito em conta corrente e mandar por fax. É mole ou quer mais?

Que beleza viver na era digital…

potocas e carolinices várias

Ultimamente a Carol tem duas grandes preocupações: se as coisas/bichos falam ou não falam, e de ver os olhos. Não dá pra explicar direito, então vamos exemplificar:

– Ih, olha, Carol, uma joaninha! Olha que linda! (boto a joaninha numa folha de papel e levo pra ela ver; foi o Mirco que começou com essa mania de Little Beast Appreciation Day – volta e meia ele chega em casa com uma caixinha furadinha com um bicharoco dentro, de besouros gigantescos e chifrudos a bichos-folha, passando por formigas e caramujos)

– Que linda, mamãe, ela é tão pinininha! Deixa eu ver o olho dela!

Ou então.

– Amor, cuidado pra não pisar na vespa ali na frente, ela tá dodói.

– Coitada! Ela não fala! Deixa eu ver o olho dela!

Ou ainda:

– E aí, Carol, que música você cantou na aula de inglês hoje? A dos macaquinhos?

– Foi… Mas o macaquinho não fala.

***

– E aí, Carol, o quê que você fez de bom na escola hoje?

– Eu peguei o papel que caiu no chão.

– Ah tá. E depois?

– Depois eu comi e depois você chegou!

***

Amanhã é o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. Aquela que o Vaticano não assinou.

***

Ontem foi feriado aqui, o dia da Maria Imaculada ou sei lá o quê. Como se já não bastasse o ridículo de venerar uma fulana que engravidou sem perder a virgindade (haja paciência…), eles ainda tornam a coisa mais estúpida ainda dizendo que a Madonnina distribui presentes, à la Papai Noel. Como eu nunca tinha vivido essa experiência Madonnal no contexto infantil, porque até o ano passado a Carol nem sabia o que era um presente (e até agora ainda não entende bem o conceito, como ilustrarei a seguir), pra mim 8 de dezembro era só mais um estúpido feriado católico como tantos outros. Mas na quarta-feira, enquanto estava no vestiário esperando a Carol trocar os sapatos, uma outra mãe perguntou pra Carol o que a Madonnina ia trazer de presente pra ela. Nunca tinha ouvido falar dessa maluquice antes. Por sorte a Carol estava cantando sozinha e não ouviu porque teria sido difícil explicar; eu respondi qualquer coisa que nem me lembro e ficou por isso mesmo. A outra mãe ainda se despediu da gente dizendo “Buona Madonna!”. O que significa “Buona Madonna”? Entendo desejar feliz natal, porque é um feriado mais longo, muita gente viaja, a maioria fica dias sem trabalhar, então na verdade estou desejando boas miniférias, mas Buona Madonna pra mim é exatamente igual a desejar bom domingo. Nada de especial.

***

A Carol quase não vê televisão, só DVDs (rigorosamente em português ou inglês, lógico; italiano é absolutamente proibido dentro de casa), de modo que não vê propaganda nenhuma de nada. Como a gente adora comprar mas tenta não passar isso pra ela no dia-a-dia, o conceito de presente não está bem claro na cabeça dela ainda, felizmente. Outro dia perguntei o que ela ia pedir pro Papai Noel e ela respondeu: um presente. Depois pensou um pouco e me perguntou: Mas mamãe, o que tem dentro do presente? Morri de rir (não na frente dela, lógico) :-) E o melhor desse desapego todo é que ela nem toca no assunto, não pede nada, não pergunta nada de quando o Papai Noel vem nem coisa nenhuma. Por enquanto parece que estamos fazendo tudo certinho.

Isso porque o lance do Papai Noel só rolou porque não dá pra escapar mesmo, já que todas as crianças só falam disso e até os panfletos do supermercado mostram fotos do velho. Aproveitei o ensejo pra usá-lo como suborno no esquema do cocô. Horrível, eu sei, mas eu já estava arrancando os cabelos! Não tinha jeito de botar a menina pra fazer cocô no vaso! Só precisei ameaçar UMA VEZ que Papai Noel achava muito feio criança fazer cocô na fralda quando já é perfeitamente capaz de fazer no vaso, e que não sabia se ela ia ganhar presente, pra ela parar com a bobeira e passar a fazer no vaso. Fiquei me sentindo péssima porque suborno é uma coisa pérfida, ainda mais com criança, mas eu já não sabia mais o que fazer mesmo. Ainda bem que funcionou.

***

Essa eu PRECISO contar porque é surreal demais.

O Marco, pai do Menino Que Não Pode Suar, é a pessoa mais certinha do planeta. Vamos esquecer por um minuto que é muito fácil ser certinho e fazer questão de usar camisa passadíssima e engomadíssima quando não é ele que passa ou engoma. Concentremo-nos no fato da precisão da criatura em si.

Ontem encontramos com eles numa pizzaria e começou a rolar o papo da árvore de Natal. Vamos ignorar o momento awkward quando o Menino Que Não Pode Suar perguntou por que a gente não tem presépio e a mãe dele respondeu “porque eles não têm espaço” em vez de deixar que nós mesmos respondêssemos. Prestem atenção na loucura:

O pai do Marco jogou fora a árvore de Natal do ano passado. Marco ficou furibundo mas resolveu comprar uma natural pra ver que bicho que dava. Só que achou a árvore “muito irregular” (lógico) e conforme foi montando foi achando que estava tudo muito estranho. Então entrou no carro, dirigiu até a esquina (uns 200 metros), analisou à distância a árvore na varanda da casa, e começou a apontar com aquele negocinho laser enquanto falava com a mulher no celular: “Tá vendo essa bola dourada aqui que eu estou apontando? Bota ela mais pra esquerda… Mais pra sua esquerda… Isso!”. E assim terminou a montagem da árvore de Natal.

Sem mais por hoje.

eu e a ioga, a ioga e eu

Como eu mencionei outro dia, estou fazendo ioga. Aulas com a Petulla (clique aqui se estiver na zona de Assis-Perugia e quiser fazer aulas com ela). Estou adorando, embora seja só uma vez por semana.

Facilita muito a minha vida iogal fazer ginástica há séculos, porque é lógico que o que nós chamamos de “alongamento” é tudo chupado da ioga, então conheço muitas das posturas. Também ajuda muito ser naturalmente flexível, embora eu tenha perdido muito nessa área ao longo dos anos. Ajuda um pouco menos estar enormemente gorda.

Mas estou achando legal mesmo. Ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas que eu conheço que fazem ioga, eu não saio de lá nada relaxada, mesmo fazendo o relaxamento final dando o melhor de mim (eu só sei relaxar dormindo, então tenho que me concentrar pra manter os músculos relaxados estando acordada). Saio feliz da vida por ter conseguido ficar em pé mais tempo na postura da árvore hoje do que na semana passada, por ter esticado a minha coluna, por ter alongado os pobres músculos da coxa, maltratados (no bom sentido) pela musculação pesada e pela aeróbica nossa de cada dia. Então só tem vantagens.

Recentemente descobri o PiYo, sempre da Chalene Johnson. Mostrei pra Petulla e ela adorou, ou seja, é uma coisa diferente mesmo – uma mistura de Pilates com ioga, mas não me perguntem mais porque não entendo nada nem de uma coisa, nem de outra. Comprei os DVDs da série FAN (não há um “programa” PiYo pela Beachbody, como tem do TurboJam e Turbo Fire, por exemplo) e achei bárbaro. Parece moleza mas é cansativo pra cacete, mas de um jeito bem diferente. Tudo bem que a estética é horrenda – cada aula é em uma academia diferente, camera work não é lá essas coisas, a voz em off é de péssima qualidade – mas os exercícios são muito interessantes.

O meu problema com a ioga é a esoterização que as pessoas fazem dela. Acho ótimo meditar, adoraria conseguir (ainda não tenho essa paciência toda), mas não fico me achando mais parte do universo só porque estou sentada numa posição maluca prestando atenção na minha respiração, sabe. Não fico transcendentalizando, esoterizando, sublimando, poetizando. Pra mim ioga é só mais um jeito de se exercitar, menos traumático, mais tranquilo, menos suadouro. Só. Gosto tanto da ioga quanto do Turbo Fire, que é praticamente uma rave em forma de ginástica – ontem eu cheguei a gritar e chorar de ódio da gordura de tanto que pulei pela sala dando chutes terrivelmente fortes no ar. E acho então essa espiritualização da coisa muito chata.

Pelo visto não sou só eu: o padre Amorth, o mais famoso padre exorcista italiano (juro que não estou brincando), também acha que a ioga tem toda pinta de religião, o que pra mim é só meio babaca mas pra ele logicamente é coisa blasfema e demoníaca (a clássica moral católica do “toda religião é válida mas a minha é mais válida do que a sua”, que eu adoro – NOT.). Se bem que ele também acha a mesma coisa dos livros do Harry Potter… Pra quem lê italiano, a notícia – que só não é mais engraçada por falta de espaço – está aqui. Os comentários são espetaculares: o meu preferido é aquele que diz que bota de cano alto em perna curta também é coisa do demônio. Ri até sair sopa pelo nariz.

para todo mal há cura

Estava eu googlando acupuntura & psoriasis quando caí na caixa de comentários de um blog de um cara com psoríase. O blog era uma droga (fazia parte de uma rede de blogs de médicos católicos…), mas a caixa de comentários era muito interessante. Várias dicas sobre técnicas de respiração da ioga e coisa e tal, e entre os muitos comentários tinha um sobre a dieta Cayce-Pagano. Lá fui eu catar os nomes.

Edgar Cayce era um cara estranho, mas aparentemente bem-intencionado. Não fui procurar as explicações científicas pra história dele (tenho certeza de que existem) porque sinceramente o que me interessava era parar com essa porcaria de coceira. Então fui procurar o Dr. Pagano, e achei o livro dele na Amazon. Fiquei horas lendo os reviews do livro – atualmente não compro nem água mineral sem perder um tempinho estudando os reviews da Amazon – e resolvi tentar. Mal não podia fazer.

A teoria do Dr. Pagano, baseado nos escritos daquele doido do Cayce, é a de que o que é conhecido por “leaky gut syndrome” provavelmente é a causa da psoríase e de muitas outras doenças. A tal da leaky gut syndrome nada mais é do uma condição anormal do epitélio intestinal, que se torna poroso; determinadas toxinas, em vez de sair no cocô, voltam da luz do intestino pra corrente sanguínea através desses poros, e vão causar problemas em outros lugares do corpo. No caso da psoríase, as lesões da pele seriam uma tentativa do corpo de eliminar essas toxinas.

Como vocês estão vendo, cientificamente a coisa faz muito sentido (senão eu nem teria continuado a ler porque tenho PA-VOR de explicações esotéricas, místicas, espirituais e afins). De acordo com a experiência do Dr. Pagano, que lida com psoríase há uns 30 anos, a imensa maioria dos pacientes dele com a doença têm prisão de ventre, o que seria mais uma confirmação da validade da teoria da leaky gut syndrome. Eu não tenho nem nunca tive, mas em compensação não suo nada, ou seja, um dos meus canais de eliminação de toxinas está sobrecarregado – a água que normalmente sairia pelo suor mas não sai tem que ser eliminada por algum lugar, ou seja, os rins. Pode ser a explicação pro meu caso.

Ao longo dos anos o Dr. Pagano foi adaptando os escritos do Cayce sobre a psoríase até chegar ao que ele chama de Pagano regimen. Há chás, realinhamento da coluna, hidrocolonterapia, banhos de sais, emplastros de óleo de rícino e outras coisas aparentemente estranhas mas todas explicadas de maneira séria e científica no livro, embora não haja estudos sobre o assunto; são só as teorias do doutor, que aliás não é médico mas chiropractor, mas que obviamente entende de fisiologia. Mas a parte mais importante do esquema dele é a dieta, porque as tais toxinas são de origem alimentar; o objetivo seria primeiro eliminar todas as toxinas e depois parar de ingeri-las, e então deixar o pH do organismo levemente básico, pra facilitar a reparação do epitélio intestinal e melhorar a saúde em geral através do melhoramento do funcionamento fisiológico do organismo, que aparentemente trabalha de maneira mais eficiente e resiste melhor a doenças quando tende ao alcalino.

Ele começa com a dieta desintoxicante de três dias: três dias à base de maçã (o uvas), ou então cinco dias à base de frutas em geral, com uma sessão de hidrocolonterapia ou enema no final de cada dia, e muito iogurte natural ao final da dieta pra reconstituir a flora intestinal perdida durante esses dias. Se fossem três dias à base de ovo, de sopa, de brócolis, de salmão, de queijo, de iogurte, praticamente de qualquer coisa eu conseguiria sem problemas, mas quando se trata de fruta eu num guento. Fiz dois dias e quase morri de tanto enjoar; no terceiro pedi arrego e comecei logo com a dieta.

Comidas absolutamente proibidas:
– A família das plantas chamadas “nightshades”: tomate, beringela, batata (batata-doce pode, porque não é batata; inhame também pode, mas infelizmente aqui não tem), pimentão (que eu felizmente odeio), páprika (da qual não sinto falta; o problema é que adoro curry e curry tem páprika), tabaco (pra quem fuma).
– Frituras
– Frutos do mar
– Farinhas brancas
– Carnes vermelhas, carne de porco, carnes processadas (embutidos etc)
– Álcool (ele permite um copo de vinho tinto de vez em quando)
– Morango, pra quem tem artrite de psoríase
– Refrigerantes

Comidas permitidas em quantidades moderadas:
– Grãos e cereais integrais e leguminosas (todos dão subprodutos ácidos, com a exceção de quinoa, milhete e amaranto)
– Frutas secas (a única com subprodutos alcalinos é a amêndoa)
– Carnes brancas (peru, frango, peixe – de preferência os peixes oleosos); carne de carneiro uma vez na vida outra na morte, pra quem gosta (eu detesto)
– Café, pra quem toma
– Açúcar
– Leite e laticínios, sempre low-fat, desnatados etc
– Azeite
– Ovos

Combinações proibidas:
– Frutas cítricas com carboidratos
– Maçã, melão e banana combinados com outras frutas; só podem ser comidos sozinhos

Comidas permitidas à vontade:
– Frutas, todas, cruas ou cozidas (tenho pavor de ambas as formas)
– Verduras – particularmente indicadas são alface romana, aipo, espinafre, alho e mais alguma que eu esqueci e estou com preguiça de procurar no livro. Uma das refeições do dia deve ser uma saladona, com verduras cruas. A proporção deve ser três vegetais que crescem acima da terra pra cada um que cresce embaixo da terra. Frutas e verduras devem formar 80% da dieta.

E, logicamente, quando se fala de “flush out” as toxinas, há que se beber muita água.

Obviamente não é uma dieta fácil de seguir, nem em termos práticos, porque ficar lavando essa verdurada toda é um porre, nem em termos psicológicos, porque viver rodeado de coisas que você não pode comer não é mole. O meu problema em particular é a fruta, que eu abomino, mas tomo um copo de suco por dia e de resto capricho nas verduras pra compensar.

Atualmente o que eu estou fazendo é tomar sopa no almoço (e às vezes no café da manhã também) e comer a maldita da salada no jantar. Faço sopão com oitocentos verduras e alguma leguminosa, rapidinho na panela de pressão, e dá pra uns três ou quatro dias. A salada normalmente tem atum, salmão ou ovo cozido como fonte de proteína. O lanche da manhã é um suco de frutas; o lanche da tarde são cinco amêndoas e um iogurte desnatado com lecitina de soja (um dos muitos suplementos “alcalinizantes” que ele recomenda). Com toda a sinceridade, não passo a menor fome, mas a vontade de comer uma focaccia de alecrim de vez em quando é muito difícil de controlar. Espero que cortando as farinhas a coisa fique mais fácil. Não estou oficialmente em dieta no-carb, mas quando não tenho vontade, não como. E quando como é só arroz integral, ou então aquelas misturas multigrãos que eu amo, com aveia, cevada, arroz vermelho/selvagem/preto, quinoa etc.

Segundo o Dr. Pagano um flare-up – uma piora – é de se esperar, porque em um certo ponto o corpo começa a purgar as toxinas acumuladas em excesso mais ou menos ao mesmo tempo, e uma piorada é normal, mas isso não deve desencorajar o pobre paciente. Pelas fotos do livro e pelos muitos reviews positivos na Amazon, o sistema funciona. Ele diz que tem pacientes que fazem a dieta por um tempo e se livram da doença e passam a comer normalmente depois, sem problemas; outros precisam seguir a dieta à risca a vida inteira mas de vez em quando se dão ao luxo de pular a cerca; outros ainda precisam ficar nesse esquema pra sempre e cada escapada significa um retorno da doença, precisando então voltar à dieta rígida. Sinceramente, eu gostaria de me enquadrar na última categoria: talvez se o meu cérebro entender que eu sou praticamente alérgica a essas comidas (e às farinhas…) fique mais fácil seguir o regime e parar de pensar em comida o tempo todo. Porque normalmente uma escapada leva a outra, e a outra, e a outra…

Dei uma melhorada depois de poucas semanas seguindo a dieta e tomando os suplementos, mas tive uma recaída (frutos do mar em um almoço que eu sinceramente não pude evitar) e piorei de novo. Agora estou na segunda semana de dieta séria, anotando tudo pra não enganar a mim mesma, e vamos ver no que dá. I’ll keep you posted.

escolinha do professor raimundo

A pedidos, vamos lá que não é difícil.

Vou começar com o primeiro link que achei googlando “crase”, com uma explicação bem fácil e simples. Depois vamos pros exercícios.

Eu sinceramente não entendo a dificuldade que as pessoas têm (esse circunflexo sumiu, né? Mas eu gosto tanto que vou deixar ele aí) com a crase. Há casos realmente difíceis, com verbos estranhos que ninguém nunca usa, mas normalmente esses são reservados às provas de português em concursos públicos. Nem em vestibular aparecem casos particularmente cabeludos, que eu saiba. A crase do dia-a-dia é bem fácil de usar. Mas pra saber usar tem que entender.

A crase não é o nome do acento, mas sim o nome do fenômeno, digamos assim. É o nome do encontro de um “a” preposição com um “a” artigo ou pronome FEMININOOOOOOOOO (não precisa lembrar dos nomes das funções gramaticais, mas tem que lembrar da formulinha: a + a = à, e principalmente tem que lembrar que é só no feminino, hein!). O nome do acento é simplesmente grave. Ou seja, o acento grave marca os casos de crase.

Agora que estou pensando melhor no assunto, acho que a dificuldade das pessoas vem do fato de que nós quase sempre usamos “para” ou “em” em vez de “a” – quase todo mundo fala “ir pra praia”, “ir no médico”, “dar pra ela” etc. Então na verdade o problema é saber quando é que um verbo precisa da preposição “a”, já que a gente quase sempre substitui com outra preposição…

Teste!

Complete com à ou a. Amanhã daremos as respostas.

– Vai ___ merda!
– Foi ___ roça, perdeu a carroça.
– Uma pulga na balança/deu um pulo, foi ___ França
– Eu disse ___ ela não… lalalala…
– Tuberculose ___ esclarecer (essa frase escrita errada era o que eu mais corrigia nos prontuários na faculdade…)
– Bife ___ milanesa
– Nada ___ ver
– Quem tem boca vai ___ Roma

P.S.: Na dúvida, não use a crase. Imagine que você está escrevendo esse post e tenha dúvidas quanto à crase ou não de “a pedidos”. Ou pesquise no Google ou não use. Na boa. Crase no lugar errado dói nos zoinho.

europa x eua

O Benny postou sobre os EUA essa semana. Concordo com absolutamente tudo o que ele disse, mas tenho que adicionar um porém: não existe país no mundo melhor pra se viajar do que os EUA. Porque TUDO é feito pra famílias e crianças, e porque a eficiência deles chega a dar medo, principalmente pra quem sai dessa zona que é a Itália. Aqui você praticamente tem que usar um megafone pra pedir um cadeirão pras crianças, e se o restaurante estiver cheio pode apostar que não vai ter pra todos, mesmo em restaurantes teoricamente mais direcionados pra crianças (como o napolitano onde vamos frequentemente porque tem um pula-pula gigante pros rebentos pularem enquanto os adultos comem com calma). Enquanto isso, nos EUA, quando a garçonete com o sorriso falso leva você até a sua mesa você já encontra o cadeirão, o papel e os lápis de cera esperando por você, assim como o copinho de plástico com canudo e tampa pra criança beber água. Não parece não, mas essas coisinhas fazem uma grande diferença durante uma viagem. Porque os EUA são um país previsível; apesar de ser imenso, culturalmente é bastante homogêneo (a não ser a Califórnia e NY que são mundos paralelos), o que logicamente pode ser visto como um defeito mas que tranquiliza muito quem viaja com pimpolhos e cujo maior pavor é o desconhecido em caso de emergência. De forma que não tenho do que reclamar; adoro viajar pra lá, adoro fazer compras lá (porque vamos combinar que tem muita coisa em termos de praticidade que não existe aqui na Bota), adoro a facilidade de fazer qualquer coisa, ao contrário do Brasil e da Itália.

No lugar do Benny, eu colocaria o sorriso falso em primeiro lugar. Me dá um nervoso danado. Outro dia estava eu fazendo a minha ginástica, levantando meus pesões power, quando o Mirco, que estava almoçando, perguntou “mas por que é que essas idiotas ficam rindo o tempo inteiro? Olha o tamanho do peso que a mulher tá levantando; que merda de sorriso é esse?”. Nos DVDs com os rounds de TurboKick, feitos pra instrutores e/ou pra quem está treinando pra virar um, a Chalene, que é a clássica americana, repete continuamente que é preciso sorrir sempre. Cara, na boa, essa auto-enganação é tão ridícula! Tipo, você finge que está mesmo super curtindo as suas flexões e eu finjo que acredito. Faça-me o favor! No caso da Disney eu nem digo nada; a ideia é mesmo a de estar em outro mundo, e esse tipo de comportamento ajuda a entrar na fantasia, mas pelamordedarwin, a mulher toda suada, quase sem fôlego, fazendo exercício de tríceps com peso de 17,5 pounds, e SORRINDO? Vai ser babaca assim no inferno.

Claro que na Europa neguinho exagera no outro sentido; normalmente os clientes são tratados pelos prestadores de serviço como se estivessem fazendo um grande favor em estar ali comprando o que eles têm pra vender. Ter que agitar os braços, apitar, botar neon na testa (ou, como fez o Mirco uma vez, depois de meia hora esperando pelo cardápio – simplesmente ligou do celular pro número do restaurante e falou “eu estou aqui na mesa tal e queria pedir o cardápio…”) pra chamar a atenção do garçom é quase tão irritante quanto ter que aturar o “is everything ok?” a cada 5 minutos no restaurante americano. Enfim, o que eu queria dizer é que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, saca.

Há muito tempo li um livro chamado Il Sogno Europeo (li em italiano na faculdade) e gostei muito. Apesar de fazer váaaarias previsões que não deram certo, o autor faz uma análise dos aspectos históricos que levaram às diferenças culturais entre Europa e EUA. Bem interessante. Não sei se o cara deu uma atualizada no livro, mas de qualquer maneira acho que vale a pena ler.

da série “onde é que eu fui amarrar a minha égua”

Vamos fazer um acordo? Eu finjo que essa bodega aqui não ficou abandonada por esse tempo todo e vocês fingem que sentiram uma falta e-lor-me dos meus escritos. Beleza?

Nessa pequena e delicada pausa pacamancal muita coisa aconteceu, obviamente. Várias viagens (NY, Valencia, Orlando, Amsterdã, Rio, Paris, Boston), distribuídas ao longo do ano, mas as melhores coisas aconteceram no segundo semestre. Carol começou a ir à escolinha, uma Montessori pseudobilingue (uma hora de inglês por dia, infinitamente melhor do que a média das escolinhas aqui, que nem sempre sequer oferecem inglês e quando oferecem é só uma hora por semana, enquanto que, pasmem, as aulas de religião tomam DUAS HORAS por semana – no comment) bem legal em Santa Maria, e com isso comecei a ter um pouco de paz de manhã. Ela entra às nove e poderia ficar até as 4, mas como ela ainda precisa dormir à tarde senão fica inadministrável, vou pegá-la à uma da tarde, depois que ela almoça na escola. Ter tirado esse almoço das minhas costas foi um alívio tão grande que vocês não podem imaginar; a pior parte do meu dia desde que ela nasceu sempre foi dar comida pra ela. Então ela almoça (muito bem) na escola, eu vou pegar, ela dá uma dormidinha e depois passamos a tarde brincando. Tiramos a fralda, pra xixi sem problemas mas o cocô tá difícil. Comecei a fazer ioga, com a Petulla, uma brasileira que veio morar aqui, coitada, e é absolutamente um amor. A Fabiola teve neném, uma coisa tchutchuca chamada Ettore. A avó do Mirco, que estava deixando a minha sogra absolutamente louca por causa da senilidade (no caso dela isso inclui espalhar cocô pelas paredes do banheiro e dar pão molhado pros coelhos comerem, que depois morriam de barriga estourada pela fermentação do pão), foi morar na casa do irmão da minha sogra, de onde aliás ela nunca deveria ter saído, porque é a casa dela, com as coisas dela – ela sempre detestou ficar morando na minha sogra. De modo que agora tenho uma sogra mentalmente equilibrada de novo, um alívio. Voltei a ouvir rádio, quando volto pra casa depois de deixar a Carol na escola e depois de novo quando vou pegá-la – por sorte são os horários dos meus programas preferidos, Il Ruggito del Coniglio (o rugido do coelho) de manhã e 28 minuti, da jornalista Barbara Palombelli, na hora do almoço. Pra quem fala italiano, aconselho vivamente, principalmente Il Ruggito, que é de matar de rir (podcasts disponíveis no site daquela merda da Rai ou catando na iTunes Store). Parece besteira, mas aprendo um monte de coisas com esses programas: com os meninos do Ruggito porque, apesar de serem comediantes, têm um senso de observação afiadíssimo e comentam as notícias do dia com pontos de vista que nunca passariam pela minha cabeça, e com a Barbara Palombelli porque ela sempre entrevista pessoas interessantes e fala-se de tudo, de economia e política a usos e costumes, passando por fecundação heteróloga e literatura. Não tenho conseguido ler muito, mas o pouco que tenho lido tem sido bem interessante. Aumentamos o limite de kW de casa, com a esperança de que a luz pare de cair toda vez que ligo o forno e a máquina de lavar roupa ao mesmo tempo (pra ficar tudo perfeito só faltava ter um ralo no banheiro e na cozinha, mas aí também já é querer demais). Minha mãe se mudou pra Ipanema, o que é sempre uma coisa positiva.

Lógico que nem tudo são flores: meu sogro vai encarar a segunda operação no joelho semana que vem, o país está falindo, minha psoríase anda cada vez mais galopante, com a Fabíola recém-parida fica difícil socializar, o Alessandro, o Menino Que Não Pode Suar e melhor amigo da Carolina, entrou pra escola primária e passou a ter aulas aos sábados, o que significa que não conseguimos mais nos ver às sextas, e a Carol sente falta. Nem vou comentar as chuvas em Gênova nas últimas semanas porque é coisa de arrepiar os cabelos: morreu gente, as avenidas da cidade viraram rios, foi uma coisa horrorosa e nunca vista antes naquela parte do país. Por aqui o tempo hoje está ótimo, solzinho e um calorzinho inédito nessa época do ano, mas é lógico que já já o frio vai cair matando, o que é sempre um pé no saco. Descobri que praticamente estou pagando pra trabalhar, porque os impostos são altíssimos – coisa que não me incomodaria se houvesse um retorno, mas, como no Brasil, aqui você paga, paga, paga e só toma na bunda, porque obviamente o país não funciona. Ano que vem tenho que pedir a renovação do permesso di soggiorno e já estou até vendo o perrengue que vai ser (na última vez levaram TREZE MESES pra entregar a merda do documento). Aliás, vou aproveitar pra pedir a cidadania ano que vem também, pra facilitar a minha vida. Minha nova faxineira, que cobra menos que a Naima, é uma equatoriana boazinha mas burra feito uma porta e lerda, mas lerda, mas lerda que vocês não imaginam. Tivemos problemas sérios com a desgraçada da Tim, que manda contas de 9.000 euros (até agora já foram 3) e leva anos pra ajeitar as faturas. Perdi um iPhone, roubado na praça em S. Maria, e um Samsung horrível que eu detestava, que deve ter caído no aeroporto em Paris no caminho pro Rio. Carol teve o que achamos que foi sarampo quando esteve no Rio; foi uma viagem muito, muito estranha, que incluiu a morte da minha avó e várias chateações familiares dignas de novela das oito (tia filhadaputa). Perdi o voo de volta pra cá (Freud explica) e tive que pagar a passagem de novo, morrendo em 1.500 eurinhos. Carol voltou do Rio falando carioquês fluente, mas agora está ficando com sotaque paulistano por causa da influência do italiano e, pra piorar, também está transferindo um monte de maluquices do italiano pro português, tipo botar o sujeito no final da frase.

Mas enfim. Vamos explicar o título do post: ontem teve uma festa na escolinha da Carol, uma coisa tradicional das escolas Montessori, que nada mais é do que uma apresentação simpática que as crianças maiores fazem pra receber os novos alunos. Eles cantam umas musiquinhas e depois todo mundo come minipizzas e docinhos. A Carol anda cantando o hino italiano já há umas duas semanas, logicamente sem entender nada e me matando de rir com os virunduns (“memo dixipo” em vez de “delll’elmo di Scipio”), porque o hino era a última música cantada na apresentação. Comecei a cantar o hino brasileiro pra ela, que agora toda hora pede “mamãe, canta o Piranga?”. Enfim, vamos pra escola de carro de manhã, eu às lágrimas cantando o hino e ela interrompendo pra perguntar “o que é liberdade?”, “o que é magiplácida?”, “o que é enteusseio?”, “o que é a propria morte?”. Aimeussais, onde é que eu fui amarrar a minha égua, como é que eu vou explicar essas coisas pra ela? Ter filhos é muito estressante, mas pelo menos de tédio não se morre ; )

P.S.: Lógico que ela não participou da apresentação. Entrou toda calma, foi pro seu lugar, me viu, começou a chorar, pediu colo e passou o dia inteiro emburrada.

meu kindle, meu tesouro

Comprei um Kindle, como eu disse no post sobre a viagem a Londres. Comprei pela Amazon inglesa e mandei entregar no Hiro, e peguei quando fomos passar a tarde com eles.

Quando eu perguntei no Twitter se comprava ou não o Kindle um monte de gente me falou que eu tava louca, que o negócio é preto e branco, pré-histórico, que não serve pra nada e coisa e tal, que eu deveria era comprar um tablet. Como vocês já devem estar carecas de saber, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O Kindle é pra ler, a conexão 3G vem junto pra você poder comprar livros pela Amazon (que é só onde eu compro mesmo, de modo que falta de acesso a outros vendedores não faz a menor diferença pra mim) onde quer que esteja, e o browser é só um bônus. Excrusive está no submenu “Experimental”, ou seja, sabe-se que é um quebra-galho que pode dar tilt a qualquer momento e azar o seu. O Kindle não faz mais nada além de ler, mas isso ele faz MOITO bem. Eu não sou do tipo que sublinha nem anota nada em livros, mas se você quiser pode fazer ambas as coisas, e a Amazon faz back-up de tudo pra você. Tem livro pra Kindle piratão na rede? Tem. Mas eu, sendo doentinha, já comprei a versão impressa de tudo o que eu li pelo Kindle e gostei até agora…

Porque é LÓGICO que não é a mesma coisa que ler no papel – quer dizer, pros olhos é a mesma coisa porque a tecnologia e-ink deles é uma maravilha e ler no Kindle não cansa nada, mas pro resto dos sentidos é muito diferente. Nenhuma sensação no mundo equivale à delícia de segurar um livro nas mãos, sentir o cheiro do papel, a textura das páginas nas pontas dos dedos, o peso dele, o prazer do ato de folhear. Mas sabe como é, não tem tu, vai tu mesmo, entendem? Tem horas que o Kindle é a única possibilidade. Porque ele tem uma vantagem eLorme: dá pra ler hands-free. Coisa linda da mamãe. Você bota o negocinho em cima da mesa, ou da pia, ou da bancada da cozinha, e consegue fazer outras coisas enquanto lê. Ma-ga-vi-lho-so!

Exemplo: a Carolina leva hooooras pra comer, e a televisão tem que estar ligada porque se ela se tocar que está comendo, para (exatamente o contrário de mim, que não paro nunca), então precisa de uma distração. E não adianta eu contar história nem ficar conversando com ela nem fazer teatrinho de boneco; tem que ser a televisão, aparentemente a única coisa alienante o suficiente pra deixá-la num estado parecido com o de animação suspensa, completamente passiva às minhas manipulações alimentares. Isso faz com que eu fique um tempo enorme com o garfo no ar, esperando a criatura acabar de mastigar e se dignar a abrir a boca, sem nada pra me distrair além do Nemo/Cinderela/Shrek/Wallace and Gromit na tela. Com o Kindle meus problemas de tédio acabaram! Enquanto ela mastiga, hipnotizada por Aladim e Jasmine, eu, em vez de ficar sem fazer nada, baixo os olhos pro Kindle apoiado na mesa e leio um tiquinho.

Estou conseguindo ler mais desde que trouxe o bicho pra casa do que desde que ela nasceu. Leio com o Kindle apoiado no porta-toalha enquanto escovo os dentes. Enquanto mexo o risoto, prato que requer supervisão constante. Enquanto tiro a louça da máquina de lavar. Enquanto faço a cama. Uma coisa de louco! Estou apaixonada, crianças.

Quanto à conectividade, pra ser sincera só testei de verdade na Inglaterra, porque me conectei pelo Kindle do aeroporto em Londres sem nenhum tipo de problema, mas aqui na Itália o browser não abre. Tudo bem que quando fui comprar o bichinho o site me avisou pra comprar pela Amazon americana, que pede pra você escolher o país em que o seu Kindle vai ser usado na maior parte do tempo, mas eu simplesmente estava me coçando toda de curiosidade e não podia esperar até o Natal, quando estaremos em NY (o frete era grátis pros EUA mas pra cá sairia carinho e ainda por cima eu estaria sujeita às taxas de importação. Não bom.). Meu raciocínio foi o seguinte: se a parada é feita pra você ter conexão 3G de grátis em 100 países do mundo, o país onde você o comprou não pode fazer diferença porque senão a coisa toda não tem sentido, certo, Biscoito? Vou levar o meu neném pra NY e ver se consigo me conectar de lá. Se der problema vou ter que entrar em contato com a assistência técnica deles pra saber o que fazer, mas tenho pra mim que o problema é com a Itália mesmo, e nesse caso não faz diferença porque conexão 3G por conexão 3G, melhor a do meu iPhone, que tem um browser decente.

Mais sobre o que ando lendo em futuros posts.

P.S.: Não sei se vocês sabem, mas o Guia para Hackear Línguas vem também em versão pra ser lida em e-readers, incluindo o seu Kindle. Fikdik.

a salvadora da pátria

A minha mais nova melhor amiga do mundo é a Fabiola. Não porque ela é brasileira, que como vocês já estão carecas de saber é muito pouco pra chamar alguém de amiguinho, mas porque ela é normal. Não é Jucileide, não é Michelly, não é Katylene, não é Suely Maria – é Fabiola. Uma pessoa normal, que fala italiano direito, condizente com alguém que mora aqui no Zaire há muito tempo. Uma pessoa normal, que tem amigos italianos, que não leva vida de gueto, que não veio pra cá caçar gringo. Uma pessoa que trabalha, que trabalhava direito no Brasil, que é estudada, que já morou em outros lugares, que gosta de viajar, que fala português direito (tá, tem o sotaque paulistano, mas a gente releva) – QUE FALA PORTUGUÊS DIREITO! Gente, uma pessoa normal. Vocês não estão entendendo. A Fabiola veio ao mundo pra me salvar do limbo intelectual botense.

A descoberta da Fabiola foi assim, ó: ela casou com o Petto (apelido do sobrenome), amigo/conhecido do Mirco (como todo o resto da cidade, que é um ovo). Toda a vez que cruzávamos com o Petto na rua o Mirco parava pra bater papo e depois, quando íamos embora, comentava que ele era um cara legal, que sempre tinha sido interessante e inteligente e coisa e tal. Mas não nos frequentávamos, por assim dizer. E aí o Petto casou com a Fabiola. E fez-se a luz.

A Carol adorou ela. Eu adorei ela. Nos entendemos como se nos conhecêssemos há anos. Agora tenho alguém com quem usar expressões como “fulano não quer nada com a Hora do Brasil”, “Mario? Que Mario? Hohoho” e outras pequenas delícias desse tipo. E ela me deu um pão de mel que o Petto trouxe da Sicília, que tem logicamente outro nome e leva umas cascas de laranja cristalizadas hediondas no meio mas estava absolutamente delicioso. I love pão de mel. Ela vai me dar receita de pão de queijo. Ela vai me usar como beta tester dos pães de mel que ela vai fazer pra vender e ficar rica vendendo doce decente pra italianada. Fabiolazinha querida, eu te amo.

post retroativo de quando eu estava no rio

Era mais um dia de inverno polar no Rio de Janeiro quando atravessei a Epitácio Pessoa pra pegar meu 157 direção Gávea. O termômetro da rua, coisa que aliás deveria ser obrigatória em todas as cidades do mundo de tão útil, marcava gélidos 32 graus. Esqueço que no Rio até o friozinho é quente; você às vezes está de moletom em casa mas se tiver que dar oito passos a pé na rua vai acabar suando, é uma coisa esquisita. Nesse dia eu fui uma anta mesmo porque o sol estava brilhando, logo estava quente. Aqui não existe aquele sol invernal do hemisfério norte que tem a potência térmica de uma lâmpada de geladeira: o sol saiu, prepare-se pra derreter, não importa em que mês do ano você se encontre. Mas a anta aqui esqueceu disso e saiu de casa de manga comprida e calça.

Mas tudo bem, o Rio é uma cidade onde as pessoas tiram as roupas de inverno do armário quando é inverno e não quando esfria, ignorando solenemente a meteorologia em prol do calendário, até pelo prazer de usar roupas diferentes das coisas sem mangas e das sandálias que uniformizam todo mundo na maior parte do ano. De modo que vi gente de suéter e de jaqueta nas ruas, como se realmente o inverno carioca fosse digno de ser chamado assim.

Enfim. O 157 é a minha linha de ônibus. Pego-a há anos (até porque aqui na Lagoa não pecamos exatamente pelo excesso de opções…), desde quando a linha era Estrada de Ferro-Leblon e não Central-Gávea como se chama hoje. Pegava o 157 pra ir pro colégio e mais tarde pra ir pras aulas de italiano aos sábados. Hoje estava indo pra Gávea mesmo, pro Detran, pra dar início à prática pra renovar a carteira de motorista. O caminho da linha é delicioso: segue pela Epitácio Pessoa, vira à esquerda pra passar em frente àquela aberração que é a Cruzada, depois à direita na General San Martin, atravessa o Leblon inteiro, cai na Visconde de Albuquerque e vai seguindo até passar em frente ao Shopping da Gávea; o ponto final é a PUC. É uma linha tranquilíssima; os motoristas são muito gentis, param fora do ponto quando vêem que você está desesperada correndo pela calçada e não vai chegar ao ponto em tempo; na época em que eu ia à escola os motoristas conheciam todos os alunos e sabiam a que horas eles normalmente estavam nos pontos, chegando a esperar um pouquinho quando viam que estava na hora e os meninos não estavam lá. Os passageiros usuais também costumam ser tranquilos, na maioria estudantes, e a viagem é sempre muito light.

Nesse dia fui aproveitando o passeio sem pressa. Tinha saído de casa com tempo de sobra, just in case, e estava numa rara modalidade zen. Fui apreciando o Leblon, bairro com o qual não tenho muita familiaridade porque tudo na minha vida era e ainda é principalmente em Ipanema, mas a sensação reconfortante de saber o nome da próxima transversal é muito boa. Estava sentada no lado esquerdo do ônibus e por isso pude admirar as casonas lindas da Visconde de Albuquerque, ao longo do canal. Morar em casa no Rio deveria ser um baita dum privilégio, mas na verdade é meio coisa de louco porque se tem uma coisa que o Rio não é é uma cidade segura. Mas as casas são deslumbrantes e fiquei imaginando como será morar ali. Desci com alguns estudantes no sinal antes do posto que marca o início da Marquês de São Vicente e andei um bocadinho no sentido contrário até o posto do Detran, onde dei entrada na papelada, coisa de 10 minutos. Enquanto saía do posto liguei pra agência que faz os exames médicos e psicotécnicos e a mulher disse que eu podia ir direto pra lá; deu um endereço na praça e lá fui eu voltar pela Visconde de Albuquerque toda pra pegar a Ataulfo de Paiva no final e ir subindo até a praça, em vez de virar em uma das transversais e cair direto nela. Uma bela caminhada.

Passando pelos bonitos prédios ao longo do canal, com grandes varandas, enormes jardins e às vezes até palmeiras dentro das portarias, fiquei pensando em como explicar esse modo de viver pra gente como meus sogros. Como explicar uma palmeira dentro do perímetro do prédio? Como explicar a existência de porteiros e o fato de que eles costumam morar nos edifícios onde trabalham? E o lance de ter empregada doméstica morando com você em casa? O Brasil realmente não é pra principiantes; nada nesse país faz sentido, é impressionante. E tenho a impressão de que o Rio é particularmente incompreensível pra quem não mora aqui. E lá fui eu elocubrando assim até a esquina com a Ataulfo.

Gosto muito do Leblon. Se você não mora no Rio, deve conhecer o bairro das novelas do Manoel Carlos com suas Helenas. Eu não passeava por ali há anos; ultimamente ainda vou muito ao Shopping Leblon, mas como ele fica logo no começo do bairro, pra mim ele fica mais no final de Ipanema do que no vizinho da novela, de modo que eu realmente não botava os pés no Leblon Leblon mesmo há o maior tempão. Achei engraçado como o comércio é bem diverso do de Ipanema, que conheço de cor. As lojas de cadeias estão dentro dos shoppings, o Leblon e o Rio Design, mas nas ruas as lojas são bem diferentes. Achei tudo bem diferente de Ipanema, não sei explicar bem diferente como, mas é. Talvez só as lojas de frozen yogurt, que são populares no Rio já tem um tempinho mas esse ano estão se multiplicando como cogumelos, sejam um ponto em comum com Ipanema e o resto da Zona Sul. Prefiro mil vezes um sorvete normal a um frozen yogurt, mas gordo que é gordo não dispensa sorvete não importa que nome ou aspecto ele tenha, de modo que saí do psicotécnico e sentei na sorveteria na saída da galeria pra tomar um muy dietético frozen com gotas de chocolate e cobertura de chocolate.

Como é bom poder apreciar uma cidade assim! Sentadinha na calçada, observando a fauna local, comendo um negocinho qualquer. Melhor ainda quando você realmente gosta do lugar onde está, conhece as linhas dos ônibus pela cor, tem memórias associadas a praticamente tudo – o ponto da Ataulfo perto do Santo Agostinho, por exemplo, é onde eu pegava o 433 pra Tijuca quando dava aula na Telemar, nos tempos da faculdade, quando morava na casa da minha avó durante a semana. E foi ali que esperei meu 157 vermelhinho pra voltar pra casa.

O passeio terminou com uma típica atração turística carioca: de dentro do ônibus testemunhamos um roubo na calçada da Epitácio Pessoa. Vimos um cara sair correndo com uma bolsa verde e depois a dona da bolsa chorando sem saber o que fazer. Tcaem coisas que nunca mudam mesmo.