post retroativo de quando eu estava no rio

Era mais um dia de inverno polar no Rio de Janeiro quando atravessei a Epitácio Pessoa pra pegar meu 157 direção Gávea. O termômetro da rua, coisa que aliás deveria ser obrigatória em todas as cidades do mundo de tão útil, marcava gélidos 32 graus. Esqueço que no Rio até o friozinho é quente; você às vezes está de moletom em casa mas se tiver que dar oito passos a pé na rua vai acabar suando, é uma coisa esquisita. Nesse dia eu fui uma anta mesmo porque o sol estava brilhando, logo estava quente. Aqui não existe aquele sol invernal do hemisfério norte que tem a potência térmica de uma lâmpada de geladeira: o sol saiu, prepare-se pra derreter, não importa em que mês do ano você se encontre. Mas a anta aqui esqueceu disso e saiu de casa de manga comprida e calça.

Mas tudo bem, o Rio é uma cidade onde as pessoas tiram as roupas de inverno do armário quando é inverno e não quando esfria, ignorando solenemente a meteorologia em prol do calendário, até pelo prazer de usar roupas diferentes das coisas sem mangas e das sandálias que uniformizam todo mundo na maior parte do ano. De modo que vi gente de suéter e de jaqueta nas ruas, como se realmente o inverno carioca fosse digno de ser chamado assim.

Enfim. O 157 é a minha linha de ônibus. Pego-a há anos (até porque aqui na Lagoa não pecamos exatamente pelo excesso de opções…), desde quando a linha era Estrada de Ferro-Leblon e não Central-Gávea como se chama hoje. Pegava o 157 pra ir pro colégio e mais tarde pra ir pras aulas de italiano aos sábados. Hoje estava indo pra Gávea mesmo, pro Detran, pra dar início à prática pra renovar a carteira de motorista. O caminho da linha é delicioso: segue pela Epitácio Pessoa, vira à esquerda pra passar em frente àquela aberração que é a Cruzada, depois à direita na General San Martin, atravessa o Leblon inteiro, cai na Visconde de Albuquerque e vai seguindo até passar em frente ao Shopping da Gávea; o ponto final é a PUC. É uma linha tranquilíssima; os motoristas são muito gentis, param fora do ponto quando vêem que você está desesperada correndo pela calçada e não vai chegar ao ponto em tempo; na época em que eu ia à escola os motoristas conheciam todos os alunos e sabiam a que horas eles normalmente estavam nos pontos, chegando a esperar um pouquinho quando viam que estava na hora e os meninos não estavam lá. Os passageiros usuais também costumam ser tranquilos, na maioria estudantes, e a viagem é sempre muito light.

Nesse dia fui aproveitando o passeio sem pressa. Tinha saído de casa com tempo de sobra, just in case, e estava numa rara modalidade zen. Fui apreciando o Leblon, bairro com o qual não tenho muita familiaridade porque tudo na minha vida era e ainda é principalmente em Ipanema, mas a sensação reconfortante de saber o nome da próxima transversal é muito boa. Estava sentada no lado esquerdo do ônibus e por isso pude admirar as casonas lindas da Visconde de Albuquerque, ao longo do canal. Morar em casa no Rio deveria ser um baita dum privilégio, mas na verdade é meio coisa de louco porque se tem uma coisa que o Rio não é é uma cidade segura. Mas as casas são deslumbrantes e fiquei imaginando como será morar ali. Desci com alguns estudantes no sinal antes do posto que marca o início da Marquês de São Vicente e andei um bocadinho no sentido contrário até o posto do Detran, onde dei entrada na papelada, coisa de 10 minutos. Enquanto saía do posto liguei pra agência que faz os exames médicos e psicotécnicos e a mulher disse que eu podia ir direto pra lá; deu um endereço na praça e lá fui eu voltar pela Visconde de Albuquerque toda pra pegar a Ataulfo de Paiva no final e ir subindo até a praça, em vez de virar em uma das transversais e cair direto nela. Uma bela caminhada.

Passando pelos bonitos prédios ao longo do canal, com grandes varandas, enormes jardins e às vezes até palmeiras dentro das portarias, fiquei pensando em como explicar esse modo de viver pra gente como meus sogros. Como explicar uma palmeira dentro do perímetro do prédio? Como explicar a existência de porteiros e o fato de que eles costumam morar nos edifícios onde trabalham? E o lance de ter empregada doméstica morando com você em casa? O Brasil realmente não é pra principiantes; nada nesse país faz sentido, é impressionante. E tenho a impressão de que o Rio é particularmente incompreensível pra quem não mora aqui. E lá fui eu elocubrando assim até a esquina com a Ataulfo.

Gosto muito do Leblon. Se você não mora no Rio, deve conhecer o bairro das novelas do Manoel Carlos com suas Helenas. Eu não passeava por ali há anos; ultimamente ainda vou muito ao Shopping Leblon, mas como ele fica logo no começo do bairro, pra mim ele fica mais no final de Ipanema do que no vizinho da novela, de modo que eu realmente não botava os pés no Leblon Leblon mesmo há o maior tempão. Achei engraçado como o comércio é bem diverso do de Ipanema, que conheço de cor. As lojas de cadeias estão dentro dos shoppings, o Leblon e o Rio Design, mas nas ruas as lojas são bem diferentes. Achei tudo bem diferente de Ipanema, não sei explicar bem diferente como, mas é. Talvez só as lojas de frozen yogurt, que são populares no Rio já tem um tempinho mas esse ano estão se multiplicando como cogumelos, sejam um ponto em comum com Ipanema e o resto da Zona Sul. Prefiro mil vezes um sorvete normal a um frozen yogurt, mas gordo que é gordo não dispensa sorvete não importa que nome ou aspecto ele tenha, de modo que saí do psicotécnico e sentei na sorveteria na saída da galeria pra tomar um muy dietético frozen com gotas de chocolate e cobertura de chocolate.

Como é bom poder apreciar uma cidade assim! Sentadinha na calçada, observando a fauna local, comendo um negocinho qualquer. Melhor ainda quando você realmente gosta do lugar onde está, conhece as linhas dos ônibus pela cor, tem memórias associadas a praticamente tudo – o ponto da Ataulfo perto do Santo Agostinho, por exemplo, é onde eu pegava o 433 pra Tijuca quando dava aula na Telemar, nos tempos da faculdade, quando morava na casa da minha avó durante a semana. E foi ali que esperei meu 157 vermelhinho pra voltar pra casa.

O passeio terminou com uma típica atração turística carioca: de dentro do ônibus testemunhamos um roubo na calçada da Epitácio Pessoa. Vimos um cara sair correndo com uma bolsa verde e depois a dona da bolsa chorando sem saber o que fazer. Tcaem coisas que nunca mudam mesmo.