carol e o português

Outro dia pedi pro pessoal no FB sugestões sobre temas pra postar aqui, porque estava sem inspiração. De início fui ignorada solenemente, mas depois de reclamar neguinho mandou algumas sugestões. Então hoje vou falar de bilinguismo, sugestão da Marcia. Desculpem se eu ficar muito técnica, mas é que eu adoro linguística, cês tão carecas de saber.

Primeiro, é importante definir alguns termos que aparecem frequentemente quando se fala desse assunto: língua majoritária é a língua mais falada no ambiente onde a criança se encontra (no caso da Carol, obviamente é o italiano); línguas minoritárias são as outras, às quais a criança é menos exposta. Até os dois anos e meio, quando ela entrou pra escolinha, o português era a língua majoritária porque ela passava o dia comigo e eu só falo em português com ela, desde que ela nasceu. Entrando pra escola, durante a manhã ouvia o italiano das professoras e dos amiguinhos; à tarde ficava em casa comigo e ouvia português, mas se saíamos pra jantar fora, por exemplo, ela era exposta mais ao italiano de todos os outros ao nosso redor do que ao português, que só vinha de mim. Agora que ela parou de dormir à tarde e fica até as 15 na escola, escuta menos português porque fica menos tempo comigo. De modo que esses conceitos, majoritário e minoritário, obviamente não são estáticos. Se nos mudássemos pro Brasil o italiano passaria a ser a língua minoritária, por exemplo. Outros termos que forem aparecendo eu vou explicando pelo caminho.

O negócio é o seguinte: não é fácil formar uma criança bilíngue. Não é fácil porque sem um mínimo de x horas de exposição por semana (há estudos sobre isso mas vocês sabem que eu não memorizo números direito) a uma determinada língua a criança não aprende. Então o grande desafio é encontrar maneiras de expor a criança à língua minoritária.

Na verdade é mais difícil do que parece. Nós aqui adotamos o método OPOL (One Parent, One Language, ou seja, cada genitor fala com a criança na sua própria língua) misturado com o método Hot House (dentro de casa só se fala uma língua): eu só falo português com ela, sempre, não importa quem estiver junto, não importa onde estivermos, não me interessa se os outros se sentem incomodados ou intimidados ou sei lá o quê. A minha língua com ela é o português e ponto final. Ela nunca OUSOU se dirigir a mim em italiano, e se um dia isso acontecer, vai ficar sem resposta. Ela sabe que eu falo italiano, lógico, até porque eu e o Mirco conversamos em italiano, mas nunca passou pela cabeça dela falar comigo em italiano. Provavelmente isso é porque sempre fui consistente com o português; nunca consegui me imaginar falando com ela em outra língua que não fosse a minha, e depois de ler alguns livros e artigos sobre o assunto o meu instinto, confirmado pela ciência, se solidificou totalmente. Além de achar absolutamente ridícula, pra não dizer desrespeitoso para com a parte brasileira da família, a ideia de ter uma filha que não fala a minha língua. Ela VAI FALAR PORTUGUÊS e acabou; pode um dia dispensar a cidadania brasileira e nunca mais querer botar os pés no Brasil, mas a língua ela vai aprender e pronto (logicamente sem forçar, a coisa tem que ser natural).

A parte do Hot House é assim: o Mirco também fala com ela em português. No português dele, claro, que é uma bosta, mas não importa. Isso tem duas consequências: uma, a Carol só fala com ele em português também, desde sempre, mesmo na presença de outras pessoas que não falam português e que estão conversando comigo e com o Mirco em italiano; duas, tem gente que acha estranho e pergunta por que ele não fala com ela em italiano, já que estamos na Itália. Essa segunda consequência me irrita uma quantidade, ao contrário da pergunta “você não se sente estranho falando em outra língua que não a sua?”, que eu entendo perfeitamente. Mas o Mirco já aprendeu a responder que ela já passa o dia na escola ouvindo italiano e precisa ouvir o máximo de português possível se quisermos que aprenda a língua.

Temos um problema meio chatinho aqui: a presença do dialeto, que aqui na Úmbria é medonho de se ouvir. Como meus sogros são semi-analfabetos, só falam em dialeto, que na verdade não é beeeeem dialeto mas simplesmente uma variante regional do italiano que todo mundo chama de dialeto. Em particular, aqui na província de Perugia todas as variantes locais (porque cada vilarejo tem a sua, lógico, pra simplificar…) têm em comum o fato de comer fonemas. Algumas particularidades do dialeto perugino nós também temos nos dialetos de Bastia e de Santa Maria (que são ligeiramente diferentes, apesar das cidades serem coladas uma na outra), como usar “gi'” em vez de “andare” (“ir”), “pia'” em vez de “prendere” (“pegar”), “magna'” em vez de “mangiare”, (“comer”), “lu” em vez de “lui” (“ele”), “lia” (ou “essa”, com o e fechado) em vez de “lei” (“ela”), “monno” em vez de “mondo” (“mundo”), “fo'” em vez de “faccio” (“faço”), entre outros horrores. Na escola, lógico, as professoras, ambas de Perugia, falam um italiano padrão, mas os amiguinhos, também expostos a pais e avós que falam em dialeto, acabam falando um italiano bem umbro que é feio de doer.

Além disso ela tem uma hora de inglês por dia na escola, o que na verdade é muito menos do que eu gostaria mas muito mais do que a maioria das outras escolinhas por aqui oferecem; normalmente ou não têm inglês at all ou só dão uma hora por semana. No nome a escola é bilíngue, mas na verdade não é porque as “aulas”, ou, no caso do jardim de infância, o tempo em que as crianças ficam com as professoras, é em italiano; essa hora diária de inglês é com musiquinhas, historinhas e tal, sem que as crianças entendam tudo e de eficácia duvidosa, na minha opinião. É uma coisa bem limitada, mas é a melhor alternativa aqui onde moramos. No final das contas, no caso particular da Carolina fica difícil dizer qual é a língua majoritária e quais são as minoritárias, porque a exposição dela ao italiano padrão está restrita às tias da escola, o português é só comigo e com o Mirco, o inglês é só durante aquela hora diária na escola e o dialeto é com os avós e os amiguinhos.

Pra aumentar a exposição dela ao português, em casa não se fala italiano, como eu disse lá em cima. Nada de televisão (não só porque tem propaganda, mas principalmente porque só tem em italiano), nada de música italiana, nada de livros em italiano (todos os que ela ganha ficam na casa da avó). Ela só vê DVD, quase sempre em português, embora tenhamos muitos em inglês e ela nunca tenha me pedido pra trocar de língua. Música, só brasileira ou em inglês (vocês sabem que ela adora Monobloco). Os livros são todos em português ou inglês (e alguns em espanhol e francês também). Sempre lemos uma história em português ou inglês antes de dormir; quando vou pra capoeira às quartas, o Mirco lê uma história em português pra ela.

Quando voltamos pra Itália, no final de julho, depois de dois meses no Rio, ela estava com um sotaque carioquérrimo muito engraçado. Já perdeu um pouco; os Ss continuam chiados e as vogais continuam alongadas, felizmente, mas de vez em quando ela solta um “einta” que me dá urticária, e está tendo problemas com o “ão” também, que ela tende a pronunciar como “on”. O R como H (como nos dois erres do português e no R pré-consoante do carioca) ela só consegue pronunciar no início de palavra e intervocálico, de modo que “rato” e “carro” saem direitinho mas “porta” sai “pota”. Ela às vezes duplica a consoante, principalmente em palavras que são parecidas nas duas línguas; por exemplo, ela pronuncia “cavalo” com dois Ls, como em italiano (“cavallo”). Parece besteira, mas a palavra acaba soando bem diferente, inclusive com alteração dos sons vocálicos que aparentemente nada têm a ver com a coisa. E ela faz umas maluquices com o português típicas do italiano, tipo começar a frase pelo objeto e não pelo sujeito (“isso a manu fez” em vez de “a manu fez isso”) – em italiano frequentemente o sujeito vai no meio ou no fim da frase, eles fazem uma bagunça danada. Ou então usa o presente do indicativo em vez de outros tempos, por exemplo, “eu pego?” em vez de “quer que eu pegue?”, porque em italiano se usa assim. Mas são detalhes que vão se ajeitando com o tempo e com muita paciência; no geral o português dela é ótimo, com um vocabulário bem, bem amplo.

O italiano dela tem algumas influências do português, lógico, mas não me preocupo com isso porque ela morando aqui vai acabar aprendendo a língua direito, querendo ou não querendo. E o inglês dela, ou melhor, as palavras em inglês que ela conhece, têm sotaque britânico porque a professora da escola é inglesa. Ela tem o maior interesse por inglês; quando assistimos juntas a A Bug’s Life ou Nemo, que só temos em inglês, ela me pergunta o significado de TUDO, e na maioria das vezes faz a pergunta certinha, distinguindo uma palavra no meio da frase.

Volta e meia ela comenta que uma coisa se diz assim em português e assado em italiano e reconhece perfeitamente o inglês quando o ouve em qualquer contexto. Faz o switch entre as línguas sem o menor problema quando eu e ela estamos com italianos, como por exemplo no almoço de domingo na casa da minha sogra. É uma frase em português comigo e uma em italiano com a avó, uma em português e outra em italiano, alternando direitinho, sem se confundir.

Quanto à alfabetização, todos os artigos que li são da opinião de que é melhor começar com uma língua só e depois adicionar outras. Ela conhece todo o alfabeto em português mas explico sempre que algumas letras têm sons diferentes em italiano e que na escola ela vai aprender a ler em italiano primeiro. Mais tarde entro com o português, quando ela já estiver lendo em italiano. O inglês vai ficar em terceiro plano, não porque seja menos importante (na verdade a menos importante das três é essa merda do italiano, que ninguém mais fala em lugar nenhum do mundo e não serve pra porra nenhuma) mas porque quem fala duas, fala três, e eu falando inglês fluentemente posso dar um mega suporte. Se ela tiver o mesmo jeito pra línguas que eu tenho, sem modéstia nenhuma porque você sabem que pra mim modéstia é coisa de gente hipócrita, vai aprender muito bem, obrigada, até por ser mais exposta do que eu fui.

Todos os livros que eu já li sobre o assunto são meio chatinhos, embora interessantes; recomendo o Raising a Bilingual Child, que é o melhorzinho. Leiam também os ótimos posts da Bel (de Aruba) e da Lu (que vocês já conhece) sobre o assunto; são muito iluminantes.

brinquedos

Entreter criança não é mole. Como diz a minha mãe, é mais cansativo que quebrar pedra. E isso porque a Carol é uma criança light, brinca bem sozinha por períodos de tempo admiráveis, tem boa capacidade de concentração e não precisa mudar de brincadeira a cada dez segundos, não é birrenta. Mesmo assim ficar enfurnada com ela em casa não é mole, e infelizmente esse ano foi cheio de dias de enfurnamento porque o tempo ficou uma merda por meses a fio. As alternativas não são muitas. Posso levá-la pra correr em algum lugar fechado, tipo o Ipercoop. Ou pra brincar num lugar como o Ramba Zamba (“como” não é o termo certo, já que só tem o Ramba Zamba num raio de muitos quilômetros quadrados), que é uma espécie de casa de festas que não abre só pra festa, digamos assim; tem brinquedão gigante, cama elástica e outras coisas maravilhosas cansadoras de criança, mas é carinho, não tem as fulaninhas que tomam conta das crianças, ou seja, tenho que ficar em pé na entrada dos brinquedões de olho nela, e ela fica brincando sozinha porque não conhece as outras crianças que estão lá e obviamente as crianças que a gente conhece não vão a lugar nenhum, nunca. Essas duas alternativas são altamente cansadoras, mas conseguir acertar o timing delas é meio complicado, como todo mundo que tem criança sabe: quando ela acorda depois do almoço tem que lanchar pra não ficar com fome na rua em horários esdrúxulos, e comer leva horas; troca de roupa, sai de casa, volta porque esqueceu o cachorro de pelúcia, prende na cadeirinha do carro, vai pra lá, solta da cadeirinha do carro, entra, ela fica tímida no início e perde uma meia hora colada na minha perna sem coragem de sair correndo, corre, brinca, cansa, e pouquíssimo tempo depois está na hora de voltar correndo pra casa pra ela jantar e tomar banho. É uma trabalheira danada pra pouco tempo efetivo de diversão. Então acabamos ficando em casa, muito frequentemente.

Em casa as alternativas são limitadas porque eu não sou uma mãe artista que fica inventando brinquedo do-it-yourself. Então ela pinta/desenha um pouco na mesa da sala, depois quer ler uma história, depois brinca na cozinha dela fazendo chá pra deus e o mundo, depois quer que eu fique tocando o pianinho de brinquedo enquanto ela dança vestida de Bela, e depois não tem mais nada pra fazer.

Entram os brinquedos da Orchard Toys.

Como muitas das coisas lindas da minha vida ultimamente, descobri na Amazon. Obviamente não lembro mais o que estava procurando, mas eles sugeriram esses brinquedos e fiquei apaixonada. Comprei logo um monte, que vou tirando do armário um a um conforme os outros vão cansando. Na verdade quando eu vou me cansando, porque ela ainda não aposentou nenhum definitivamente.

Os jogos são ótimos, inteligentes, pra criança realmente aprender brincando. Feitos no Reino Unido e não na China, o que por si só já conta pontos no meu score, são robustos, inclusive as caixas, porque pais não-chatos deixam a criança guardar os próprios brinquedos, o que significa que as caixas apanham bastante, coitadas. Bem coloridos, os desenhos são alegres mas não cafonas, as regras simples pra criança começar a aprender a seguir regras e entender o conceito de esperar a sua vez, enfim, maravilhosos.

Um dos preferidos da Carol é esse, o Dotty Dinosaurs.

Cada cartela é um dinossauro e tem dois lados, um com formas e outro com cores, pra duas brincadeiras diferentes. Tem dois dados, um pras formas e um pras cores; você escolhe o do jogo que quiser jogar. Por exemplo, se quisermos o jogo das cores deixamos os dinossauros com as cores viradas pra cima, jogamos o dado das cores, pegamos a cor que saiu no dado e colocamos no lugar no dinossauro. Uma espécie de bingo das cores, por assim dizer, e o mesmo com as formas. Quem completar o dinossauro primeiro é o vencedor. CLARO que o ideal é que várias crianças joguem juntas, mas mesmo só nós duas é divertido (pelo menos nas primeiras vinte vezes). Mas nessa ela aprendeu toda as formas, há muito tempo. E você pode brincar de falar as cores em outra língua, por exemplo.

O queridinho atual é o Spotty Dogs, pra aprender a contar.

Você roda a seta e vê o número que saiu. Por exemplo, se saiu o 3, tem que pegar uma carta com o cachorro que tem 3 pintinhas. Do outro lado da carta tem o desenho de uma caminha de cachorro, com 1, 2, 3 ou nenhum biscoito de ossinho. No final contam-se os ossinhos das cartas que cada um tem e quem tem mais ossinhos é o vencedor. Ainda tá cedo pra ela aprender a somar, lógico, mas ela adora contar e se diverte horrores.

Os quebra-cabeças deles também são geniais. Temos esse maior, o do avião, que ela AMA e já monta com o pé nas costas, e esse, menor, bom pra viajar e que ainda por cima tem dois lados, ou seja, dois em um. O legal é que tem tanta coisa interessante no desenho que dá margem a várias conversas. Que cor é o ônibus? Qual é o número da placa/do avião? Como se chama o moço que dirige o ônibus/avião? E a moça que tá na escada do avião pra receber os passageiros? O que a gente precisa mostrar pra moça pra poder entrar no avião? Pra onde você já viajou de avião? Que bichos você tá vendo no ônibus? Enfim, as possibilidades são infinitas. Pra não falar da facilidade de inventar histórias se baseando nos desenhos: era uma vez um macaco que dirigia um ônibus cheio de bichos…

Nem são tão caros assim, considerando quanto são bem feitos e quantas horas de distração (e aprendizado) oferecem. Sugiro altamente.

carolinices

– Mamãe, não quero mais usar fralda pra dormir não.
– Ah não?
– Não. Porque não dá pra coçar a bunda de fralda.

**

– Amanhã, quando eu ficar grande, vai crescer um rabo de sereia em mim.

**

– O Cristian é muito chato.
– Por quê, Carol?
– Porque ele me machucou aqui na minha ganganta.

**

– Hoje eu não quero botar o jaleco.
– Ué, por quê?
– Porque esse casaco que eu estou usando é muito lindo e eu não quero tirar.

**

Três e meia da manhã.
– Mamãe… Viu que tá tudo molhado aqui?
(tinha feito xixi na cama)

**

– Eu quero ir de Crocs pra escola hoje.
– Mas esse tá ficando apertado, não dá pra usar de meia, Carol. E ainda não tá calor o suficiente pra andar por aí sem meia.
– Então eu quero levar na mão.
– E vai botar onde? Não dá pra levar pra sala de aula.
– Eu boto no bolso do jaleco.

Detalhe: o bolso é microscópico.

a saga de morfeu

Estou sem dormir mais de cinco horas seguidas desde a primeira semana de gravidez. A Carol NUNCA dormiu direito, nunca, nunca, nunca.

Ontem foi assim: ela acordou cedo de manhã, não queria dormir depois de voltar da escola nem a porrada, tive que insistir MUITO e deixar que ela dormisse deitada em cima de mim, depois pra acordá-la foi um parto, resolvi mandá-la pra cama cedo com o Mirco pra poder sentar no sofá e ler um livro com calma. Deixei os dois na nossa cama, com Backyardigans na TV e o timer programado pra desligar em meia hora, porque o Mirco capota com a televisão ligada.

Dei boa noite e fui pra cozinha ligar a máquina de lavar louça e dar uma geral, tomar meu copão de água sagrado antes de dormir e coisa e tal. Foi eu acabar de sentar no sofá e ouço os passinhos dela vindo pelo corredor. A porta da sala abriu e lá vem ela, com a cara zangadíssima.

– Quê que foi?

– O papai dormiu!

– Ué, e daí? Dorme também!

– Não quero! Ele não pode dormir primeiro!

– E então o que você quer fazer?

– Quero dormir com você na minha caminha.

Lá se foi meu livro. Fomos pro quarto dela, liguei o umidificador, que tem uma porcaria de luzinha azul embutida forte pra caramba, deitamos na cama e ela começou a tradicional beliscação da minha mão, que eu ODEIO. E os olhões abertos olhando pra lá e pra cá.

– Carol, fecha o olho.

Nada. Vou lá desligar o raio do umidificador, porque pelo menos no escuro não há nada pra se ver e portanto nada pra distrair.

– Liga o negocinho, mamãe! Não tô vendo nada!

– Não é pra ver nada mesmo, tem que fechar o olho pra dormir.

– Eu quero ir na faixa. [o sling]

– Carol, por favor, vamos ficar abraçadinhas na cama pra dormir, vamos?

– Eu quero ir na faixa. [repetido vinte vezes]

Lá vai ela pra faixa. Vou sentindo que ela vai amolecendo, a frequência cardíaca e a respiratória baixando, mas nada de parar de me beliscar (ela só para de beliscar quando cai no sono).

– Carol, não aguento mais, eu tô andando com você nesse treco há meia hora, vamos pra cama.

– Liga o negocinho?

– Ligo, mas você fica olhando pras coisas e acaba não dormindo. Tem que fechar os olhinhos, combinado?

– Combinado.

QUARENTA E CINCO MINUTOS DEPOIS, ela finalmente cai no sono. Quarenta e cinco minutos de rolação pra lá e pra cá e muita beliscação na minha pobre mão ferrada pela psoríase. No total ela levou UMA HORA E MEIA pra pegar no sono. Meia hora depois de voltar pra minha cama ela me chama, pedindo pra ir pra caminha dela. Voltei pra minha cama mas ela acordou e me chamou de novo; acabei ficando direto na cama dela até de manhã, quando ela acordou às cinco pedindo a mamadeira. Consegui protelar até as sete, mas acabei não dormindo mais nada.

E depois eu ainda acho estranho quando às vezes acordo querendo me afogar numa piscina de Nutella ou desesperada pra matar um pão de forma inteiro com Philadelphia.

potocas e carolinices várias

Ultimamente a Carol tem duas grandes preocupações: se as coisas/bichos falam ou não falam, e de ver os olhos. Não dá pra explicar direito, então vamos exemplificar:

– Ih, olha, Carol, uma joaninha! Olha que linda! (boto a joaninha numa folha de papel e levo pra ela ver; foi o Mirco que começou com essa mania de Little Beast Appreciation Day – volta e meia ele chega em casa com uma caixinha furadinha com um bicharoco dentro, de besouros gigantescos e chifrudos a bichos-folha, passando por formigas e caramujos)

– Que linda, mamãe, ela é tão pinininha! Deixa eu ver o olho dela!

Ou então.

– Amor, cuidado pra não pisar na vespa ali na frente, ela tá dodói.

– Coitada! Ela não fala! Deixa eu ver o olho dela!

Ou ainda:

– E aí, Carol, que música você cantou na aula de inglês hoje? A dos macaquinhos?

– Foi… Mas o macaquinho não fala.

***

– E aí, Carol, o quê que você fez de bom na escola hoje?

– Eu peguei o papel que caiu no chão.

– Ah tá. E depois?

– Depois eu comi e depois você chegou!

***

Amanhã é o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. Aquela que o Vaticano não assinou.

***

Ontem foi feriado aqui, o dia da Maria Imaculada ou sei lá o quê. Como se já não bastasse o ridículo de venerar uma fulana que engravidou sem perder a virgindade (haja paciência…), eles ainda tornam a coisa mais estúpida ainda dizendo que a Madonnina distribui presentes, à la Papai Noel. Como eu nunca tinha vivido essa experiência Madonnal no contexto infantil, porque até o ano passado a Carol nem sabia o que era um presente (e até agora ainda não entende bem o conceito, como ilustrarei a seguir), pra mim 8 de dezembro era só mais um estúpido feriado católico como tantos outros. Mas na quarta-feira, enquanto estava no vestiário esperando a Carol trocar os sapatos, uma outra mãe perguntou pra Carol o que a Madonnina ia trazer de presente pra ela. Nunca tinha ouvido falar dessa maluquice antes. Por sorte a Carol estava cantando sozinha e não ouviu porque teria sido difícil explicar; eu respondi qualquer coisa que nem me lembro e ficou por isso mesmo. A outra mãe ainda se despediu da gente dizendo “Buona Madonna!”. O que significa “Buona Madonna”? Entendo desejar feliz natal, porque é um feriado mais longo, muita gente viaja, a maioria fica dias sem trabalhar, então na verdade estou desejando boas miniférias, mas Buona Madonna pra mim é exatamente igual a desejar bom domingo. Nada de especial.

***

A Carol quase não vê televisão, só DVDs (rigorosamente em português ou inglês, lógico; italiano é absolutamente proibido dentro de casa), de modo que não vê propaganda nenhuma de nada. Como a gente adora comprar mas tenta não passar isso pra ela no dia-a-dia, o conceito de presente não está bem claro na cabeça dela ainda, felizmente. Outro dia perguntei o que ela ia pedir pro Papai Noel e ela respondeu: um presente. Depois pensou um pouco e me perguntou: Mas mamãe, o que tem dentro do presente? Morri de rir (não na frente dela, lógico) :-) E o melhor desse desapego todo é que ela nem toca no assunto, não pede nada, não pergunta nada de quando o Papai Noel vem nem coisa nenhuma. Por enquanto parece que estamos fazendo tudo certinho.

Isso porque o lance do Papai Noel só rolou porque não dá pra escapar mesmo, já que todas as crianças só falam disso e até os panfletos do supermercado mostram fotos do velho. Aproveitei o ensejo pra usá-lo como suborno no esquema do cocô. Horrível, eu sei, mas eu já estava arrancando os cabelos! Não tinha jeito de botar a menina pra fazer cocô no vaso! Só precisei ameaçar UMA VEZ que Papai Noel achava muito feio criança fazer cocô na fralda quando já é perfeitamente capaz de fazer no vaso, e que não sabia se ela ia ganhar presente, pra ela parar com a bobeira e passar a fazer no vaso. Fiquei me sentindo péssima porque suborno é uma coisa pérfida, ainda mais com criança, mas eu já não sabia mais o que fazer mesmo. Ainda bem que funcionou.

***

Essa eu PRECISO contar porque é surreal demais.

O Marco, pai do Menino Que Não Pode Suar, é a pessoa mais certinha do planeta. Vamos esquecer por um minuto que é muito fácil ser certinho e fazer questão de usar camisa passadíssima e engomadíssima quando não é ele que passa ou engoma. Concentremo-nos no fato da precisão da criatura em si.

Ontem encontramos com eles numa pizzaria e começou a rolar o papo da árvore de Natal. Vamos ignorar o momento awkward quando o Menino Que Não Pode Suar perguntou por que a gente não tem presépio e a mãe dele respondeu “porque eles não têm espaço” em vez de deixar que nós mesmos respondêssemos. Prestem atenção na loucura:

O pai do Marco jogou fora a árvore de Natal do ano passado. Marco ficou furibundo mas resolveu comprar uma natural pra ver que bicho que dava. Só que achou a árvore “muito irregular” (lógico) e conforme foi montando foi achando que estava tudo muito estranho. Então entrou no carro, dirigiu até a esquina (uns 200 metros), analisou à distância a árvore na varanda da casa, e começou a apontar com aquele negocinho laser enquanto falava com a mulher no celular: “Tá vendo essa bola dourada aqui que eu estou apontando? Bota ela mais pra esquerda… Mais pra sua esquerda… Isso!”. E assim terminou a montagem da árvore de Natal.

Sem mais por hoje.

a escola da carol

Quando a Carolina nasceu, uma das primeiras coisas que a gente pensou foi: caraca, onde é que essa garota vai estudar? Porque sim, há várias creches por aqui, públicas e particulares, mas todas enquadradas no esquema educacional italiano, que eu odeio – basicamente preparam a criança pra vida de decoreba que terão ao longo dos anos de escola, ao final dos quais serão os piores da Europa em praticamente todas as matérias. Pra não falar das duas horas – DUAS, 1 + 1 – horas de religião por semana já na chamada “scuola dell’infanzia”, o nome oficial da preschool aqui. Felizmente nesse meio tempo abriram a escola dela em Santa Maria, a 7 minutos aqui de casa e within a short walking distance da minha sogra.

A escola tem um nome ridiculamente pomposo porque é administrada por uma fundação esquisita que ninguém sabe direito o que faz, fundada por um napolitano (hm…) egocêntrico aparentemente sem nenhuma formação científica ou humanística ou o que quer que seja. Pelo que ouvi falar o negócio é uma espécie de culto da personalidade, sabe, e é seguido pelos seus “fãs” com um certo grau de fanatismo. Mas como isso não tem a menor influência sobre a escola, que segue linhas pedagógicas bem precisas senão não pode ser chamada de montessoriana, a coisa não me interessa.

Descobrimos a existência da escola quando vimos um panfleto no consultório da pediatra da Carol. O panfleto dava a data de um open day pros pais conhecerem a escola, que já tinha um ano de funcionamento. No dia marcado fui lá com a Carol e conversei muito com a diretora (que não é mais a mesma, infelizmente) enquanto a Carol ficou sozinha, pasmem, com uma das professoras, brincando com os brinquedos de madeira em uma das salas de aula. Ela normalmente è muito avessa a estranhos, mas naquele dia eu saí da sala e ela nem me deu tchau, ficou lá brincando com aquela garota novinha que ela nunca tinha visto na vida. Achei um bom sinal. Fiz a pré-inscrição naquele dia mesmo, e voltei em janeiro pra pagar a matrícula e formalizar a inscrição.

A história da Maria Montessori, criadora do método do mesmo nome, é muito interessante (vão procurar porque vale a pena). Por aqui fizeram há alguns anos uma minissérie sobre a vida dela, com a ótima Cortellesi no papel principal, mas eu nunca consegui assistir inteira. A verdade é que qualquer escolinha que não tivesse um crucifixo na parede nem aulas de religião pra gente já seria uma maravilha, pois estamos ficando cada vez menos pacientes com religiões em geral conforme passam os anos, e ter encontrado um lugar que não só não tem nenhuma ligação com esses desgraçados da igreja católica mas também segue um método que eu aprecio muito foi um presente dos céus (hohoho). Porque um dos lemas da Montessori é que as crianças têm que aprender a aprender. Aprender a gostar de aprender. E aprender fazendo.

Não há brinquedos de plástico nas salas, só de madeira, todos desenvolvidos pela própria Maria segundo a lógica pedagógica dela. Não há portas fechadas – nada de armários, só prateleiras abertas às quais as crianças têm acesso livre, pois tudo está colocado na altura delas e elas têm total liberdade de mexer e futucar no que quiserem. As turmas não são divididas por idade, mas sim pela capacidade das crianças (isso mais tarde; por enquanto a scuola dell’infanzia tem uma só turma com crianças de 3 a 5 anos todas juntas, obviamente com capacidades muito diferentes); segundo a Maria crianças menores têm muito a aprender com as maiores, e vice-versa. As professoras são mais observadoras do que outra coisa, deixando que as crianças aprendam sozinhas como funcionam os brinquedos e só entrando em ação quando a criança realmente não consegue fazer o que quer e começa a ficar frustrada. Mesmo assim, as intervenções têm como objetivo ajudar a criança a resolver o problema sozinha e lidar com a própria frustração, ensinando-a a insistir até conseguir e a ter orgulho de tentar fazer as coisas sozinha.

A gente aqui em casa sempre tenta estimular a Carol a ser independente, e de fato ela fica pau da vida se você tentar ajudar quando ela tá lá lutando pra fechar o casaco ou enfiar o pé no sapato ou guardar os DVDs na estante ou sei lá o quê. Desse ponto de vista ela tem sorte por eu não ter horário fixo de trabalho, porque às vezes ela leva uns dez minutos até conseguir fechar o zíper do casaco pra gente finalmente sair de casa… Mas enfim, essa independência é muito estimulada na escolinha. Todos os dias duas crianças são escolhidas pra servir o almoço. Cada criança tem seus próprios talheres, seu copo e seu guardanapo de pano guardados em uma espécie de envelope de algodão que aqui se encontra até no supermercado, e seu joguinho americano (facilita horrores em termos logísticos porque evita brigas, já que cada um realmente tem o seu e pronto). Cada uma bota a própria mesa, por assim dizer, e depois os dois “garçons” do dia servem a comida, que vem em pratos de plástico selados com filme plástico pra não derramar. Todas comem sozinhas e depois cada uma guarda suas próprias coisinhas no seu próprio saco de pano, que por sua vez é guardado na sua mochila, na qual vão pra casa pra serem lavadas pelos pais. É a coisa mais fofa: todos saindo da sala do almoço em fila, jogando os pratos sujos no saco de lixo fora da porta e carregando cada um seu saco com os seus pertences e o joguinho americano, que são guardados em lugares específicos em outra sala.

Cada criança também tem sua própria toalha de rosto, com o nome bordado ou etiquetado; cada toalha fica pendurada num ganchinho na entrada do banheiro, e acima de cada ganchinho tem a foto do dono da toalha, pra ninguém usar a toalha dos outros. Todas vão ao banheiro sozinhas (a Carol adora o vaso sanitário “pinininho”, tamanho megasmall) e só chamam a Sonia, a assistente (leia-se limpadora de bundas infantis), depois que já fizeram o cocô e precisam de ajuda pra se limpar. No vestiário, onde ficam as mochilas, cada criança tem outro ganchinho com o seu nome, onde fica pendurada uma bolsa com duas mudas de roupa. Cada uma tem um cabide com o próprio nome escrito, onde pendura o casaco quando chega e o jalequinho quando sai.

(O jalequinho, que eles chamam de “grembiule” – avental, é um clássico da escola italiana, e acredito que também seja usado em outros países europeus, não sei. Quadriculado pequenininho, rosa pras meninas (…) e azul pros meninos, com ou sem algum personagem bordado na frente, pode ser comprado em qualquer loja de roupa de criança ou supermercado. O da Carol tem a Minnie e eu comprei no supermercado mesmo. Ela queria o azul, mas só tinha bicho feio bordado, esses monstros do Ben Ten e outros horrores que ela nem conhece e detestou, então fomos de rosa mesmo. Apesar de cafona, porque tem uma golinha ridícula praticamente vitoriana, é uma ótima ideia, pois quem fica sujo é o jaleco e não a roupa.)

Outra coisa legal: ninguém entra de sapato nas salas de aula. Cada criança tem a sua própria caixa de sapato no vestiário, com um par de sapatinhos pra andar dentro de casa (hediondos) ou Crocs (que felizmente quase todas as crianças usam atualmente; são horrorosos mas pelo menos divertidos e alegres, enquanto que os tais sapatinhos têm sempre uma cara de pantufa de velho, eca). A criança chega, tira os sapatos, calça os Crocs, bota os sapatos na caixa, guarda a caixa no lugar, pendura o casaco, veste o jaleco e vai pra sala de aula. Achei sensacional, porque vamos combinar que poucas coisas no mundo são mais asquerosas do que sapato, néam. Aqui em casa não se entra de sapato; desde pequenininha ela tira os sapatos assim que entra em casa, bota no armário e fecha a porta, de modo que nada disso foi novidade pra ela.

No caso dessa escola dela, o fato de ter inglês também fez a diferença, porque nessa idade as escolas não são obrigadas a oferecer línguas estrangeiras (isso explica muita coisa). A escola diz ser bilingue, mas o termo não é correto porque pra mim escola bilingue é aquela na qual uma boa parte das aulas ou atividades é feita em outra língua, o que não é o caso: todos os dias as crianças têm uma hora de inglês, metade da turma de cada vez, com uma professora inglesa muito legal, e isso já é muito mais do que a maioria das outras creches, que não tem inglês nenhum, mas bilingue bilingue mesmo não é. De qualquer maneira, a Carol já começa a dizer “what’s this?”, “sit down”, “be careful”, “excuse me”, e a identificar e perguntar o significado de várias palavras nos desenhos que assistimos em casa (porque aqui é terminantemente proibido ver TV em italiano, só em português ou inglês). Por exemplo: um dia ela falou “sei lá quem é stupido” e eu disse que não se diz “stupido”, que é uma coisa feia, e ela disse “mas a vovó fala”, e lá fui eu explicar que na Itália as pessoas praticamente se enchem de porrada e se ofendem das piores maneiras durante conversas normais, plácidas, pacatas, quotidianas, e que aqui isso é normal mas no resto do mundo não, de modo que não se usa “stupido” e pronto. Poucos dias depois estávamos vendo A Bug’s Life e o Hopper diz “Do I look stupid to you?” ou “Do you think I’m stupid”, não lembro, e ela, horrorizada: o Hopper falou *sussurrando* stupido! Coisa feia! Quando eu leio The Very Hungry Caterpillar pra ela, ela lembra que a palavra “moon” também aparece no desenho do Jack (Nightmare Before Christmas), quando uma das bruxas diz que o Jack é tão maravilhoso que chega a ofuscar a lua ou coisa parecida. Quer dizer, estamos indo bem. Gostaria de mais horas de inglês por dia, e possivelmente chinês, mas por enquanto tá bom assim.

Mas o que me ganhou mesmo foi o questionário eLorme que tive que responder quando fiz a matrícula. Além das perguntas mais tradicionais (e que mesmo assim nenhuma outra escola aqui da região perguntou pra ninguém; nenhum amigo nosso respondeu a questionário nenhum quando botou o filho na escola), tipo se a criança mamou no peito, se já foi à creche antes, com quem ficava em casa se não foi à creche, se tem alergias alimentares etc, tinha muitas outras perguntas interessantes e inesperadas. Quantas horas por dia a criança passa em frente à televisão? A criança entende a importância de botar as coisas no lugar? A criança tem liberdade pra mexericar em tudo em casa? A criança gosta de experimentar comidas novas, diferentes? O que ela gosta de fazer, de brincar? Há livros em casa pra ela brincar?

E a lista de materiais e recomendações que a escola manda antes das aulas começarem? Maravilhosa. Desaconselham firmemente o uso de roupas com botões, cadarços, babados ou qualquer outra coisa que possa ficar presa ou incomodar a criança, assim como tecidos desconfortáveis. Praticamente imploram que os pais mandem a criança pra escola de moletom em vez de jeans ou denim, tecidos duros que alguém decidiu que eram confortáveis e essa propaganda enganosa foi sendo perpetuada até hoje (DETESTO jeans, não consigo imaginar roupa mais desconfortável do que um par de calças jeans, aquele tecido duro – porque é duro mesmo quando o jeans é amaciado – e aquelas costuras grossas e rígidas, cruzes). A Carol tem uma invejável coleção de leggings, comprados a 5 dólares no outlet da Carter’s em Boston, montes de blusinhas de manga comprida simplérrimas da Zara kids, blusas de moletom compradas no supermercado, todas roupas ótimas pra “bater” e que não vou ficar chateada se manchar de molho de tomate ou pilot. E pensar que o Menino Que Não Pode Suar vai pra escola de camisa social…

como eu ia dizendo…

Pouco antes de sair do Brasil a Carol começou a dormir civilizadamente (i.e. sem acordar de madrugada pra tomar mamadeira). E continuou assim pelos 10 primeiros dias de Itália. Aí os malditos molares que faltavam começaram a dar o ar da graça de novo, mas só de leve, sabe, só aquele tiquinho suficiente pra deixar a garota irritada, hiporéxica de novo e, consequentemente, com insônia fome-related. De modo que ando um bagaço.

Ela vira outra criança quando os dentes saem. Fica chata, chata, chata. Normalmente ela acorda de bom humor, distribui beijos pra todo mundo, incluindo as capas dos DVDs preferidos dela, brinca sozinha por um certo tempo, precisando só da minha companhia no mesmo cômodo, ou seja, dá pra levar. Mas quando os dentes saem, ela entra na modalidade Insuportável Plus Deluxe, e já acorda choramingando, não posso sair de perto dela nem um segundo, pede colo o dia inteiro mas reclama e me expulsa quando dou um beijo nela, não quer nem saber do pai, chora de cortar o coração quando entra no carro do avô pra ir pra casa da Arianna, não quer sair de casa, não come merda nenhuma e me deixa enlouquecida, e ainda por cima acorda de madrugada – qualquer hora entre 2 e 5 da manhã – pra tomar a mamadeira salvadora. Sacooooooooo! O pior é que por duas semanas não posso nem contar com a Arianna pra ficar com ela durante a tarde pra eu poder respirar, porque ela e Ettore estão na Romênia tratando de assuntos odotológicos (don’t ask). E o pior ainda é que não para de chover praticamente desde que chegamos, de modo que não podemos ir a lugar nenhum (ela não quer sair de casa mesmo, mas quando o tempo melhora eu forço um pouco a barra e ela vai, nem que fique só meia hora correndo na rua). Quando consigo convencê-la a sair de casa é pra passear no shopping – atenção para o singular.

Mas como tudo na vida tem seu lado positivo, veja só que beleza: como tenho muita, mas digo MOOOITA dificuldade pra pegar no sono, principalmente quando acordo de madrugada, acabo ficando com as noites livres. Não tenho pego muito trabalho porque não dá mesmo, trabalhar de madrugada pra mim é suicídio, não consigo me concentrar, não tenho saco, não quero. Então eu fico lendo até o sono bater, ela acordar de novo ou me dar vontade de malhar, o que vier primeiro. E nessa consegui ler Hunger Games em três dias, um livro em cada madrugada.

Tá, tá, não tem nada de original, Lord of the Flies, Battle Royale etc e tal, li um monte de reviews na Amazon e já sei de tudo isso. Mas Hunger Games é MUITO bom. Muito mesmo. Não vejo a hora de sair o filme (ou os filmes, sei lá).

carolina e o sono

Como eu disse, muito obrigada pelos conselhos. “Chill out” foi o melhor que eu recebi, de um leitor cuja filha começou a dormir direito do nada. Como segundo a minha mãe tanto eu quanto meu irmão só fomos dormir decentemente aos 4 anos, presumivelmente sem que ninguém tenha mudado nada na nossa rotina, é possível que essa coisa de dormir mal seja uma fase que um dia vai passar espontaneamente, até porque eu já tentei tudo o que li/ouvi/pesquisei/inventei sobre o assunto, fora deixá-la chorar.

De qualquer maneira, a Carol começou a dormir melhor. Do nada. Começou dormindo direto duas noites seguidas, sem que eu tivesse feito nada de diferente, e acordando de madrugada no resto da semana mas caindo no sono de novo no máximo meia hora depois e sem fazer a confusão toda dela de me arranhar, fazer down dog, ficar passando os pés nas barras do berço pra fazer barulho, essas sandices suuuuperlegais de aturar de madrugada. Na manhã do segundo dia ela só acordou pra tomar a mamadeira às oito da manhã, e como parecia estar bem desperta aproveitei o ensejo e não a coloquei de novo pra dormir. Adiantei o almoço, adiantei a soneca da tarde e adiantei o jantar e a hora de dormir à noite. Ficamos nesse esquema a semana passada toda, eu acordando a coitada às nove e meia da manhã, dando almoço às onze e meia, meio-dia, ela tirando a soneca de uma a duas e meia mais ou menos, lanchinho logo depois, jantar às seis, no máximo seis e meia e cama às nove. Ela continuou acordando de madrugada, mas no mesmo esquema de levar menos tempo pra pegar no sono e sem arranhar a minha mão toda me levando à loucura. Em duas ocasiões ela vomitou a mamadeira TO-DA junto com o jantar e acabou indo pra cama de barriga vazia. Eu achava que ela acabaria acordando com fome lá pra meia-noite, mas ela aguentou firme e só mamou às seis, que é o horário de café da manhã de pedreiro dela. Não tem coisa mais nojenta do que a sua camisola e o seu cabelo pingando vômito de espinafre e mozzarella de búfala, mas pelo menos o vômito serviu pra gente saber que ela consegue dormir só com o jantar, sem a mamadeira depois. De modo que a mamadeira da noite foi sumariamente abolida, totalmente sem traumas.

Já faz duas semanas que ela pega no sono sozinha, sempre, sem encher. Ainda não tenho uma amostra grande o suficiente pra comprovar estatisticamente se ela dorme melhor quando vai pra cama mais cedo, mas aparentemente é isso mesmo. A minha teoria é a de que quando fica cansada demais ela não consegue fazer nada direito, nem mamar e nem dormir. O cansaço também acaba comigo, fico (mais) insuportável e demoro (mais ainda) a pegar no sono, mas infelizmente não me impede de comer; aparentemente, portanto, ela é muito parecida comigo no quesito resistência física à falta de descanso. A diferença é que ela precisa de muitas horas de sono, enquanto que pra mim bastam poucas, mas boas. Hoje ela dormiu às OITO e venho notando que chegar até as nove é um pequeno suplício pra ela. Acho que vou deixar que ela durma mais meia hora de manhã pra ver se ela aguenta firme até as nove, porque ir pra cama às oito da noite é sacanagem, o Mirco chega em casa às oito e meia… Agora são dez e meia e ela deu uma chorada mas parou sozinha. Vamos ver o que a madrugada dirá.

carolinices

Carol está na fase dos tantrums (leia-se “ataques de pelanca”). Tantrums acontecem porque crianças obviamente não sabem como lidar com frustrações, pois até pouco tempo atrás nada lhe era negado pois ela de pouco precisava – leite e fralda limpa, basicamente. Conforme a criança cresce e começa a querer coisas, você obviamente começa a dar limites e negar quando preciso, criando situações às quais ela não está acostumada e logicamente não entende. Logo o tantrum. Um pé no saco, mas totalmente normal, só que eu acabo sempre dando risada porque a cara que ela faz é TÃO engraçada, com o beiço pra fora, a cara fica logo toda vermelha, aqueles cabelos balançando, aquela cara de criança mais velha que ela tem, eu não aguento. Não cedo, mas tenho que virar a cara pra ela não me ver rindo e achar que é tudo uma brincadeira.

Ela anda chatíssima. Segundo a pediatra é o maldito molar saindo, pois dá pra ver aquela coisa branca e dura ali enchendo o saco, doida pra aparecer e nada – o detalhe é que ela tem os 4 incisivos superiores e só os dois centrais inferiores, que ainda por cima são nanicos. Os molares vão aparecer antes dos caninos e dos incisivos laterais, tenho certeza, só pra deixar tudo mais ridículo ainda e pra me dar mais vontade de rir quando ela abre a boca durante os ataques de pelanca. Outra causa da chatice provavelmente é a frustração de não falar – porque ela não fala uma palavra, senhores, nem não, que normalmente é a primeira, nem ma-ma, nem nada. Aponta pras coisas, dá grunhidos, faz sim e não com a cabeça, mas falar que é bom, nada. Imagino o quanto isso não deve ser chato pra ela (pra não falar pra gente, que fica se esforçando pra entendê-la). Fase chata, vou te contar.

s.o.s. sono

Preciso de ajuda. Não estou conseguindo regularizar o sono da Carolina, e o resultado óbvio é que estou à beira de um colapso nervoso.

Vou descrever a situação só pra dar uma ideia.

Ela toma a mamadeira da manhã às 6 (mas ultimamente acorda sempre um pouco antes; fico enrolando até as 6). Meia mamadeira, troco a fralda com ela em pé pra que ela arrote, termina a mamadeira, outro arroto enquanto dou uma enxaguada básica na mamadeira e jogo a fralda fora, vamos pro quarto, ela encosta a cabeça no meu ombro imediatamente, logo depois se deita no colo mesmo, ganha um beijo e vai pro berço. Vira de bruços, eu saio, fecho a porta e ela dorme sem dar um pio até as 11:30, com picos de 12:30. Esse soninho da manhã é que me salva, porque consigo dormir se não tiver dormido à noite, malhar, deixar o almoço engatilhado, tomar banho, dar uma geral na casa, trabalhar quando estou a fim. Perfeito, porque eu sou totalmente antivampiro, só funciono de dia e por mim iria pro caixão dormir assim que o sol se põe.

Acorda, troco a fralda, troca de roupa, brincamos um pouco, vamos na rua levar o lixo na caçamba, voltamos, almoço (normalmente vendo Aladdin). Quando o Mirco chega pra almoçar mais tarde ela fila um pouco da comida dele também. Depois começa a ficar agitada, de modo que ou fico brincando com ela até ela sentir sono ou, quando o sol não está esturricando, vamos dar uma volta, ela brinca à sombra das árvores do Percorso Verde e talz. Voltamos, rola um lanche – fruta, iogurte ou biscoito, dependendo da vontade da madame – e aí sinto muito mas é hora de dormir. Normalmente a coisa rola lá pras quatro: vamos pro quarto, ela começa a se agitar porque não quer dormir mesmo estando cansada, seguro firme no colo, ela fica quieta rapidinho, vai pro berço acordada, saio e fecho a porta, ela chora por tipo 10 segundos e capota. Dorme mais ou menos uma hora e meia, às vezes mais.

Acorda de novo, brincamos, lemos historinhas, tento evitar que ela destrua todas as plantas da varanda, jantar. Quando o Mirco chega ela fila o jantar dele de novo, ele dá banho nela, pijama, historinhas. Ela entra num estado de agitação extrema até as dez, quando toma a mamadeira e vamos dormir. Às vezes capota no meu colo e vai pro berço sem traumas; às vezes não tem santo que a faça dormir e eu tenho que deitar na cama-fouton ao lado do berço, com a mão dentro do berço pra ela ficar beliscando e arranhando. Lógico que depois de uns 40 minutos dessa palhaçada eu começo a me irritar e ficamos as duas loucas no escuro, ela rolando na cama tentando dormir sem conseguir, apertando os nós dos meus dedos com as unhas, e eu gritando/sussurrando PELAMORDEDEUS PARA COM ISSOOOOO! FECHA O OLHO E DORME! FICA PARADA, COMO E’ QUE VOCE VAI CONSEGUIR DORMIR FAZENDO DOWN DOG, SUA MALUCA?

Alternativamente, eu dou banho rápido depois do jantar (dela) e saímos pra jantar fora. Ela fila o jantar da gente no restaurante também, e dependendo do lugar corre pra lá e pra cá feliz da vida rindo e dando gritinhos de alegria ou então fica irritada na cadeirinha dela resmungando sem parar e querendo pegar tudo o que está na mesa, obviamente ignorando todos os seus próprios brinquedos e livrinhos. Pijama no próprio restaurante. Se estiver muito cansada, dorme no carro; em casa vai direto pro berço enquanto eu boto o pijama, escovo os dentes, faço xixi, boto o relógio (pra saber que horas são quando acordo de madrugada com ela, vocês sabem que eu fico nervosa se acordar e não souber que horas são), preparo a mamadeira. Tiro a madame do berço, ela muito puta da vida, mas termina a mamadeira, arrota e capota imediatamente.

De madrugada as possibilidades são três.

1) Ela dorme a noite inteira sem acordar nunca, coisa que acontece tipo por uma semana a cada dois meses, mais ou menos.

2) Ela acorda de madrugada, quase sempre mais de uma vez, porque perdeu o raio da chupeta. Entro no quarto, rechupeto a menina e ela dorme de novo rapidinho. Essas noites assim são pouco traumáticas pra mim porque faço tudo em modalidade zumbi e nem lembro direito de ter me levantado da cama de madrugada.

3) Ela acorda uma vez, sempre num horário que não é mais tarde da noite nem cedíssimo de manhã, ou seja, o horário que mais me deixa destruída no dia seguinte (das 2 às 4 da manhã, digamos), e fica naquela loucura de me beliscar.

Não sei o que fazer. Já tentei tudo, menos deixar ela chorando (na verdade deixei uma vez, mas depois de 2 minutos, quando eu já estava quase tendo um treco, ela vomitou de tanto se esgoelar). Já chegamos à conclusão que a qualidade/quantidade do sono dela não tem absolutamente nada a ver com o cansaço ou com o nível de atividade durante o dia. Tem dias em que ela não dorme à tarde (normalmente é na Arianna que isso acontece), passa o dia na horta com a avó ou brincando com os cachorros ou na casa da vizinha da Arianna, uma prima deles, comendo cereja e correndo na rua (não passa carro), e mesmo assim não dorme. Tem dias em que ela faz tudo isso e dorme feito uma pedra. Tem dias em que não saímos de casa porque realmente não tenho forças e ela capota; em outros dias semelhantes ela dorme mal.

Vejam bem, não é que ela não queira dormir. Ela quer; fica rolando na cama, esfregando os olhinhos, não fala, não ri, não levanta, não pede coisas, nada disso. Ela não quer brincar, quer dormir mas não consegue. Não consigo entender o motivo.

Qualquer sugestão é bem-vinda.
Grata,
leticia