30.06.05

japa

E então aproveitei que tem um salão no andar térreo de onde fica a escola em Perugia, e fui ajeitar as madeixas. Andrea, o cabeleireiro-mor, aparentemente é não-viado e nada antipático – antes que venham me encher, não tenho nada contra viados mas vamos combinar que cabeleireiro bicha com complexo de general e que não faz nada do que você pede e toma decisões sozinho é um porre. Ele foi muito simpatiquinho, usou um novo produto americano (deve ser do tipo que alisa os pixains das negonas americanas, aqueles superpower, porque elas ficam todas lindas) que tem cheiro de óleo de fígado de bacalhau, me explicou como fazer a manutenção e coisa e tal e enquanto ele me ajeitava a cabeça terminei um Camilleri (Gli Arancini di Montalbano).

O problema é que eu não tenho cara de lisa. As olheiras árabes não mentem: minha carapinha é genética e tão médio-oriental como os cedros do Líbano. Quando me vejo lisa no espelho tenho vontade de rir. O Mirco acha que fiquei com cara de mulher madura, e que os cachos me rejuvenescem (faz-me rir, eu nasci velha, meu filho), mas querido, repliquei, estou quase nos 30, ridículo seria eu fazer que nem a Regina Duarte, envelhecendo de cabelão e franjinha, FRANJINHA!, por favor! Mas vamos ver até quando vou continuar com essa brincadeira, antes de me render ao maldito crespo outra vez. Ou de raspar a cabeça de vez e encerrar o assunto.

Postado por leticia em 23:18

29.06.05

caldo

O calor está de matar, literalmente. Velhinhos já começam a sucumbir. Vento fresco é só uma memória longínqua. O sol frita, sinto meus melanócitos se agitando, doidos pra exocitar melanina, mas o escudo solar fator 60 não deixa. Todo mundo desfilando bronzeados de pescador, artificiais ou não, Mirco com os braços, a cara e o pescoço pretos mas o torso branco onde a camiseta cobre, e eu amarelinha como mamãe me fez. Adoro.

Mas como eu dizia, o calor. O calor!!! Tudo bem que dura só um par de meses, em vez de quase o ano todo como no Rio, mas exatamente por isso aqui ninguém está preparado pra essas temperaturas. Ar concidionado praticamente só no cinema e no supermercado, de preferência nas vizinhanças de queijos e iogurtes. O resto, meus queridos, é senegalês mesmo. Aquele bafo quente dos diabos quando você bota a cara na rua. Aquela sensação de estar copiando o destino do frango prestes a ser assado, quando você entra no carro fervente. Uma coisa enlouquecedora. De manhã cedo já estamos nos 30 graus, à noite não se dorme, outro dia acordei de madrugada sozinha e fui encontrar Mirco dormindo no chão da sala, que é piso frio. Não vemos ninguém na rua antes do pôr-do-sol, porque não dá pra sair de casa. Me sinto na Sicília. Ou no sul da Espanha. Uma modorra diária, que consome as forças. Não quero fazer nada além de dormir. Nem isso, porque acordo com as costas úmidas de suor.

Temos que comprar mais água mineral.

Postado por leticia em 23:29

28.06.05

perusia

Minha relação com Perugia é meio tumultuada. Gosto da cidade, mas não conseguiria morar lá. O trânsito é terrível, há imigrantes fedorentos demais, há ladeiras demais, tudo é caro demais, e o sotaque perugino é irritante demais. Mas há os arcos etruscos, as construções incrivelmente antigas, os becos de pedra, as surpresas arquitetônicas em cada esquina, a Fontana Maggiore, o Palazzo dei Priori, o Corso Vannucci.

Daqui de casa até lá posso fazer dois caminhos: ou pegar a estrada velha, que eu honestamente já fiz várias vezes no banco do carona e não saberia encontrar sozinha, ou a superstrada, construída só nos anos 70, e que continua até Florença ou Roma. Pra pegar a saída pra superstrada posso voltar um pouco no retão que vai ao centro de Bastia, e aí entro na superstrada pela saída Bastia-Torgiano, ou escolher umas estradinhas que passam entre os campos de trigo e tabaco, o mesmo percurso que faço quando vou correr, e cair direto na saída Ospedalicchio, mais adiante. É esse segundo que eu faço sempre.

Depois de Ospedalicchio, a próxima saída é pra Ponte San Giovanni – Torgiano. É ali que eu caio quando vou pra escola direto da oficina, em Torgiano. Depois tem uma bifurcação: à esquerda você vai na direção de Terni e depois Roma, e pegando a direita, onde tem aquele gato morto há semanas cujo esqueleto ainda não é visível, continuamos na direção de Perugia.

A primeira saída é a Perugia – Piscille. Aqui o conceito de bairro não é muito comum, mas Perugia tem alguns. Nunca ouvi ninguém se referir a Piscille como bairro, mas essa saída é a que pegamos quando vamos ao Policlinico doar sangue ou ao cinema no centro. Depois tem Perugia – Prepo, onde eu bati com o carro, e é a que eu pego pra ir ao Estudante Endocrinologista, à estação de trem, ao tabelião. Mais pra frente tem Perugia – San Faustino, que depois bifurca: à direita vou pra Motorizzazione, onde fiz a prova de motorista, e pra zona industrial da Via Settevalli; à esquerda posso continuar direto e só no final virar à esquerda de novo, pra cair no centro, ou virar logo de cara novamente à esquerda, subir a ladeira da Banca dell'Umbria e dar mil voltas, sempre subindo, vendo o Palasport, o estádio de vôlei, lá embaixo, até chegar à zona residencial de Madonna Alta, onde dou aulas. A última saída de Perugia é Madonna Alta, que vai pras zonas industriais de Madonna Alta, San Sisto e Sant'Andrea delle Fratti, e é onde vou pegar tinta no fornecedor. Ali também ficam o hospital Silvestrini e vários fornecedores de peças da oficina.

E depois começam as saídas pras periferias de Perugia: primeiro tem Ferro di Cavallo, depois Olmo, que vai cair atrás do cinema, depois Corciano, que é a saída mais usada pra quem vai ao cinema. E a próxima, Magione, é muito depois, já no Lago Trasimeno, na direção de Florença.

Esse post não interessa a ninguém, só a mim mesma.

Postado por leticia em 23:45

27.06.05

tutti al mare

Ontem, pela primeira vez na Itália, e pela primeira vez depois de MUITOS anos, fui à praia. A família da Chiara é de Fano, na região de Marche, e eles ainda têm casa lá. Vocês sabem que eu detesto praia com todas as moléculas do meu ser, mas Fano é uma cidade romana antiqüíssima que eu queria conhecer. Também tinha curiosidade de ver como é que se vai à praia na Itália. E a companhia de Gianni e Chiara não é de se jogar fora. Então, meio a contragosto, lá fomos nós.

Eu e Mirco temos sérios problemas de orientação espacial, de modo que pegamos uma estrada muito comprida, passando por Foligno em vez de ir direto por Gubbio, alongando assim a viagem em uns 40 minutos. O calor tava de matar. O Mirco ODEIA dirigir, acha uma perda de tempo ridícula, e não consegue nem aproveitar a paisagem, além de ficar reclamando o tempo todo do calor, da estrada comprida, de não chegar nunca, do velho que anda a 30 por hora à nossa frente, em uma estradinha estreita que não permite ultrapassagens. Mas eu nunca tinha passado por ali, nunca tinha ido a Marche, e estava achando tudo diferentão.

É diferentão mesmo; é uma pena que Foligno não tenha conseguido virar província, porque as cidades ali em torno são muito diferentes do resto da província de Perugia, nem parece a Umbria. Não sei explicar o que é, mas a diferença é visível.

A estrada é terrível, cheia de curvas, viadutos e túneis longuíssimos, e tenho pena dos motoristas de caminhão que têm que enfrentá-la – têm mesmo, porque não há outra estrada ligando a Umbria a Marche. Mas a paisagem é interessantíssima, com formações rochosas estranhas, estilo canyon, a terra é vermelha, as colinas são muito próximas umas das outras, as casas são isoladas, os nomes das cidadezinhas são engraçados. Muitos motoqueiros na estrada.

Quando finalmente chegamos, comecei a ver as muralhas de Fano, o centro histórico, os castelos, as fortalezas. Tudo isso na beira do mar, muito maneiro. Mas claro que não deu pra ver nada direito, porque tava um calor do cacete. Almoçamos na casa da Chiara, macarrão com molho bolognese que a mãe do Gianni mandou por nós, e depois ficamos batendo papo sobre a viagem à Normandia, estudando os guias e propondo roteiros, até o sol baixar um pouco. Depois, cobertos de filtro solar, caminhamos a curta distância até a praia.

Praia aqui é assim: na imensa maioria dos casos, você não pode chegar e jogar a sua canga e deitar pra torrar onde bem entender. Porque as praias são cobertas de cadeiras de praia com guarda-sol, tudo devidamente igualzinho, numerado e administrado por pessoas que só fazem isso da vida, e a quem obviamente você tem que pagar. Não tenho idéia de quanto custe um guarda-sol, porque o pai da Chiara todo ano aluga um, há anos, porque ele tem barco e aproveita muito a casa em Fano, enquanto que Gianni e Chiara quase nunca vão e não sabiam me dizer o preço. Mas você também pode alugar por dia, claro. Sei que é caro porque todo ano neguinho reclama na TV do carospiaggia, aumento nos preços das praias, mas não sei exatamente quanto. A cadeira é uma espreguiçadeira com uma espécie de pára-sol quadrado, acoplado, que você movimenta ao seu bel prazer, pra cobrir os olhos contra os raios do sol. Nada de canga, só toalhas cafonas estendidas por sobre as espreguiçadeiras. O guarda-sol inclui uma minimesinha onde você pode apoiar seus pertences, e levantando o tampo descobre-se uma minilata de lixo, e também há ganchinhos onde você pode pendurar sua bolsa. A convivência entre vizinhos de ombrellone é pacífica, e muitas vezes, vendo que a espreguiçadeira ao lado da sua está vaga, você joga suas tralhas ali e quando o verdadeiro dono aparece, você recolhe seus trapinhos e pronto, nada de confusão. O mar, o Adriático, não parece lá essas coisas. Chiara não cai na água porque não sabe nadar, e eu não caio porque tenho mais o que fazer, mas de modo geral vi pouca gente na água. A maioria vai pra praia pra torrar mesmo, e a maior parte das mulheres não molha o cabelo. Não sei o que europeu tem contra lavar a cabeça, mas a coisa se mantém até na praia.

De vendedor ambulante, só africanos vendendo CDs piratas com os hits mais chatos do verão. Nada de sanduíche natural, picolé, Matte Leão, claro. Pra comer ou beber você traz de casa, ou vai ali no bar, perto de onde se paga a taxa ombrellone, e paga uma fortuna. Tudo muito tranqüilo, muitos sotaques diferentes ao nosso redor, barcos tabajara saindo e entrando na minimarina, crianças tostadas de sol brincando de carrinho na areia.

Enquanto o Gianni pegava sol pra secar a psoríase dos cotovelos, Mirco dormia na sombra, ao meu lado, e eu, de camiseta e short, irritada por causa da dor de cabeça de origem fotofóbica, pegajosa de filtro solar, os pés cheios de areia grudada (filtro solar até no pé por causa da cicatriz do tombo de lambreta), morrendo de calor sem conseguir suar (tenho poucas glândulas sudoríparas), terminei Un Mese con Montalbano (de Camilleri). Quando finalmente a tortura acabou, todo mundo acordou e voltamos pra casa pra tomar banho, o sol já tinha dado uma baixada.

Jantamos uma piadina horrível num lugar tipo Chez Michou ali perto mesmo, tomamos um sorvete horrivelmente pesado e doce sentados de frente pro mar, e depois nos mandamos. Ainda pegamos um trânsito horrível pra voltar, no melhor estilo Região dos Lagos no Carnaval, por causa de desvios na estrada devido a obras mal programadas. E por causa de morrinhas que insistem em viajar a 50 apesar da fila interminável de faróis acesos atrás. Chegamos em casa tarde e cansados, e o dia só valeu pela companhia e pelo sono tranqüilo do Mirco na praia. Essa vida al mare realmente não é pra mim.

Postado por leticia em 23:09

26.06.05

show

Ontem queríamos ir ao cinema. Gianni e Chiara tinham um casamento, e então ligamos pra Roberta. Mas eles já tinham programa, e nos convidaram pra ir com eles a Umbertide, cidade que não conheço, pra um show do Rockin’ Umbria. Esse festival foi, como tudo aqui, muito mal publicizado, e ninguém sabia do que se tratava. Sei que teve Elvis Costello em Spello, mas fora isso, mais nada.

Pois bem: o show de ontem foi dos Kings of Convenience, de quem só conhecia uma música, trilha sonora de uma propaganda que passa toda hora na TV. Vi no site que eles vão estar no Tim Festival, no Rio, em outubro.

Umbertide é uma cidade lindinha, e a praça onde rolou o show é uma graça. Mas o calor tava foda, e a música dos meninos, apesar de bonitinha, é estilo Simon & Garfunkel, ou seja, depois de uns trinta segundos te faz bocejar. Eles são noruegueses e totalmente minimalistas, em roupas, palavras, expressão facial. Não faz muito o meu estilo, mas não é exatamente desagradável, e detectei várias bases de bossa nova, pra não falar na voz sussurrada dos rapazes. Cantam juntos, o que piora muito as coisas: uma voz única talvez tirasse aquela impressão de S & G. No final entrou um cara com um violino e o produtor da banda, um italiano baixinho e de cavanhaque totalmente estereotipado, com o baixo acústico. Aí começou a ficar mais legal. Lá pra última música conseguimos, eu e Roberta (porque os meninos já tinham sumido pra tomar cerveja longe do palco há muito tempo), chegar pertinho do palco, até porque não tinha muita gente mesmo. Um dos rapazes é muito bonitinho e ambos são muito simpáticos, apesar de aparentemente tímidos e devagar-quase-parando. Depois fomos encontrar nossos respectivos no quiosque no centro da cidade, batemos um papo, catamos o carro e fomos embora.

Show de música é legal até quando a música é mais ou menos.

Postado por leticia em 23:23

25.06.05

hoho

Essa semana teve esame di maturità aqui na Bota. Não é exatamente um vestibular, tá mais pro provão de fim de 2o grau, sabe. Só alguns cursos universitários requerem um exame de admissão porque as turmas têm número limitado de alunos; na maior parte dos casos praticamente entra quem quiser, e o único fator filtrante é esse esame di maturità, porque quem foi reprovado não pode cursar universidade.

Não é como no Brasil, que a gente tem que estudar todas as matérias. A prova é a mesma pra todos os estudantes do país, já que é uma coisa do Ministério da Educação e não tem nada a ver com as universidades. A prova de italiano, que na verdade não inclui gramática mas é só redação, é obrigatória pra todo mundo, e a outra prova é só de uma matéria. A cada ano são sorteadas as matérias para cada tipo de escola superior. A escola aqui dura 2 anos a mais que no Brasil, e os últimos 5 anos são especializados – ou escola técnica, como a que fez o Mirco, ou liceu, que pode ser clássico, lingüístico, científico ou artístico, se não me engano. Isso vai mudar porque já há novas leis tramitando, mas no momento é mais ou menos assim que funciona. Pois bem: em 2005 quem fez liceu lingüístico teve prova de língua estrangeira, quem fez o artístico fez prova de desenho livre, quem fez científico fez prova de matemática, e por aí vai.

Todo ano há uma imensa expectativa quanto aos temas da prova de redação; a coisa é assunto do telejornal das 8. O aluno pode escolher o tipo de texto que vai redigir: ensaio breve, comentando um artigo de jornal ou revista; análise de um texto literário; dissertação sobre temas atuais; dissertação sobre personagem histórico. Todo ano alguém consegue furar o segredo e descobrir quais vão ser os temas. Só que acho que nem precisavam se dar ao trabalho, porque olha a criatividade dos temas esse ano: tsunami e catástrofes naturais, viagem, um cântico do Paraíso de Dante, e a única surpresa, Einstein, quando todo mundo apostava no Papa defunto.

O detalhe é o tempo da prova. São mais ou menos duas páginas, pelo que me disseram. O aluno tem SEIS HORAS pra escrever. SEIS HORAS pra escrever duas páginas.

E depois os ignorantes somos nós.

Postado por leticia em 08:18

24.06.05

aaaaaah! :)

Ontem, pela primeira vez em muito tempo, tive uma folguinha à noite. Cancelei a aula com os Salames porque teve jogo do Perugia com o Torino, partida de ida decisiva pra conseguir a última vaga pra série A do campeonato italiano. A torcida (tifoseria) do Perugia é das mais ferozes e fanáticas do país, ainda mais em uma situação crítica como essa de ontem. São os chamados grifoni, porque o grifo é o simbolo antiqüíssimo da cidade de Perugia. Melhor não arriscar, porque o horário do jogo coincidia exatamente com o da aula, e o estádio fica na mesma zona onde fica a escola. Pior ainda com a loucura no trânsito que rola toda vez que tem jogo. O Mirco detesta futebol, e eu até gosto de ver uma bela partida mas não presto a menor atenção no que acontece no mundo esportivo a não ser em copa do mundo ou olimpíadas, então os jogos sempre nos pegam de surpresa. Já perdemos a conta de quantas sessões de cinema já perdemos por não saber que tinha jogo na cidade, sair de casa lépidos e fagueiros e dar de cara com engarrafamentos homéricos, carros da polícia em tudo que é lugar, saídas da estrada bloqueadas. Ontem eu jamais teria conseguido chegar à escola, e ainda corria o risco de levar umas porradas pelo caminho, porque quem é que entende a cabeça de torcedor fanático como funciona. Então depois da aula com o Aluno Endocrinologista, que terminou às duas e meia, vim direto pra oficina, arrumei umas coisas, fui a Bastia resolver uns lances com o contador, voltei pra oficina, resolvi mais umas coisas, estudei um pouco de francês, e miraculosamente conseguimos mandar os operários pra casa e enxotar os clientes chatos às seis e meia, horário completamente teórico de fim de expediente. Corremos pra casa, tomamos banho e fomos pra Foligno, pra pegar um cineminha.

Eu adoro Foligno. É uma cidade muito civilizada, limpa, muito arborizada, com um centro histórico lindo e imensas alamedas com villas de cair o queixo. Lugar de gente rica; não é à toa que, juntamente com Città di Castello, tem fama de ter as mulheres mais lindas da Umbria (e é verdade). Demos umas voltas a pé até as sete e meia, e fomos os primeiros a entrar no restaurante chinês. O alto-falante tocava música pop chinesa. Quando perguntei à nossa garçonete do que falava a canção, ela custou um pouco a responder, mas disse que era "uma coisa mista, meio de amor e meio de outras coisas", o que quer que isso signifique. Nós vamos muito a esse restaurante e tem dois garçons que sempre nos atendem: um novinho de penugem no bigode que não entende xongas de italiano e só nos traz as bebidas, e uma com cabelo até a cintura que fala italiano muito bem, com o sotaque ridículo de Foligno, o que nos faz morrer de tanto dar risada. Ontem não tinha nenhum dos dois. Comemos o de sempre (ravioli de carne no vapor, frango com amêndoas, carne com cogumelos e bambu, arroz cantonês), pagamos, peguei meu anel chinês tabajara de brinde (já tenho uma coleção) e tocamos a pé pro cinema. Tava um calor do cacete, apesar de já serem oito e meia da noite, e foi um alívio entrar no cinema fresquinho. Só nós e um outro casal. Vimos White Noise, que eu achei bem legal. Não acredito em espírito nem alma; pra mim quando morremos viramos húmus, e destino mais nobre não consigo conceber, mas gosto desses assuntos sobrenaturais. Bem tratados, dão o maior medão. Adoro.

A soirée terminou às dez e meia. Às onze estávamos mimindo. Só de pensar que normalmente eu estaria chegando em casa àquela hora, tenho vontade de chorar.

Postado por leticia em 22:09

23.06.05

socorro

Reclamo dos Salames, mas não posso me lamentar tanto assim. Hoje dei uma das últimas aulas pro Aluno Endocrinologista, e quase morri de rir. Normalmente ele é fechadão e discreto, mas quando pega confiança começa a falar besteira. Conta uma piada atrás da outra, na maioria dos casos em dialeto perugino.

Hoje contou vários causos. Estamos no final do curso, só temos mais duas aulas semana que vem, já terminamos o livro, estamos na fase de revisão e exercícios, e ficamos horas fazendo Murphy e interrompendo a cada minuto pra falar besteira. O ar condicionado estava ligado mas ele ainda sentia calor; eu disse pra ele virar o vento pra nós (aqui ar condicionado é quase tudo portátil), e ele deu graças aos céus deu não ser daquelas que bota a culpa de tudo no ar condicionado. E dali passamos a trocar histórias de ambulatório e de crendices populares e a falar das doenças típicas de cada país.

Brasileiro adora botar a culpa de tudo no fígado, enquanto que o italiano tem várias doenças de estimação: cervicale, indigestione, congestione, normalmente causadas pelo colpo d'aria (golpe de ar, corrente de ar), ou por beber água gelada demais (...), ou por comer pimentão à noite, essas coisas sem pé nem cabeça, primas da manga com leite. Contei a história da veia do piolho que a Arianna tirou sabe-se lá de onde, e ele quase caiu no chão de tanto rir. Contei a história do Paulo Cintura, o aluno de quarta à noite e de sábado na hora do almoço, que disse que o pai "pegou" um derramamento pericárdico porque foi capinar o campo suado. Quem disse que consegui convencer o menino de que o suor não tinha nada a ver com a história? Principalmente porque está um calor do cacete? A primeira coisa que eu perguntei foi se o pai tinha insuficiência cardíaca, e é lógico que a resposta foi sim. Mas pergunta se ele entendeu que o derramamento era culpa da insuficiência? Pergunta se adiantou explicar o mecanismo do edema e do extravasamento de líquido? Nã nã nã, porque na semana seguinte perguntei se o velhinho já tinha saído do hospital, como estava, e ele respondeu: ele vai acabar tendo a mesma coisa de novo, porque insiste em capinar sem camisa, suado, ao ar livre. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!!

Como me irrita essa mania de não ligar o ar-condicionado porque senão dá congestão quando você sai no calor! Não adianta ver todo ano na TV os islandeses todos cozinhando na água quente dos geisers enquanto a temperatura do ar é gélida; não adianta contar que em tudo que é churrasco no Brasil neguinho faz sauna e pula direto na água fria da piscina, muitas vezes depois de uma feijoada básica; não adianta dizer que tudo que é americano só bebe líquido se estiver entupido de gelo, e isso não altera a incidência de "congestão" nos EUA. Não adianta, porque discutir com camponês é perda de tempo total e absoluta. Impressionante como neguinho aqui detesta uma novidade! Já falei pra Arianna mil vezes pra parar de reclamar das alfaces furadas pelas lesmas, e botar um copo de cerveja na terra como eu já cansei de ver na TV e de ler em revistas e na internet: as lesmas aparentemente são chegadas numa loura, e vão todas serelepes na direção do copo, achando que vão tomar todas, mas acabam se afogando. Poxa vida, quê que custa tentar, pelo menos pra ver se funciona? Não, jacaré. Melhor continuar reclamando das alfaces furadas, porque é assim que se faz há séculos. Vou te dizer, que canseira, viu.

Postado por leticia em 22:56

22.06.05

pane

Poucas coisas nessa vida são mais bonitas, poéticas e antropologicamente significativas do que um campo de trigo, tão dourado quanto os pães em que um dia vai se transformar. Muitos já estão maduros o suficiente pra colheita, alguns já foram devidamente colhidos. Tratores imensos e muito coloridos e cheios de luzes cortam as estradas das cidadezinhas do interior do Zâmbia.

Os girassóis já estão assanhadíssimos, espichando os rostinhos pro sol que, a essa altura do campeonato, já torna os dias quentes de verdade, estilo fritemos um ovo no asfalto. Girassóis são flores lindas, mas as plantas propriamente ditas são feinhas que dói. O milho também é uma planta feia pacas, como eu já disse aqui, mas as espigas são simpáticas.

Mas o trigo me impressiona. A cor é sugestiva, e não consigo deixar de imaginar quanto pão e quanto macarrão vão sair daqueles mares dourados. Ainda mais porque aqui pão é uma coisa muito séria. Mais até do que o macarrão. Italiano que é italiano não come sem pão, hábito que felizmente não incorporei – pra mim pão é pra fazer sanduíche e só. Quando eu explico o que é farofa, ou faço arroz branco, a primeira reação de TODO MUNDO é: aaaah, no lugar do pão vocês comem arroz/farofa. Fulano é pobre de marré deci, dizemos nós; aqui dizem que fulano é tão pobre que só come pão com cebola. O pão é figura central na culinária italiana, leia-se na cultura italiana. Não os culpo. Quer coisa mais simples, e mais gostosa, do que uma bruschetta das mais frugais, com alho, azeite e sal?

Tudo que é cidadezinha tem seu próprio tipo de pão. Em toda a Itália há zilhões, literalmente, de tipos de pão. Infelizmente fui cair aqui no centro da Bota, onde o pão, por razoes históricas que já mencionei aqui ene vezes, é completamente desprovido de sal. Eu acho superbroxante e só como o pão cascudo umbro sob forma de bruschetta. Pro meu café da manhã, que continua contrariando os costumes botenses, mantendo-se fielmente salgado, uso pão de forma integral, que eu adoro. Eu sou louca por pão, mas pão que eu considero "de verdade" – pãozinho francês, pão careca, baguete, ou pão árabe, que aqui obviamente neguinho não sabe fazer, nem quer, porque são considerados pães "inferiores". Quando estive na Sicília quase enlouqueci, porque as padarias são maravilhosas e têm váaaaaaarios tipos de pães maneiros. De região pra região, não muda só o formato do pão, nem o tipo de farinha, nem a quantidade de sal: o sabor e a textura são influenciados pelo tipo (dureza) da água, pela umidade e pela temperatura média local, pelo tipo de moinho usado (aqui ainda há moinhos que usam mós de pedra, e o pão sai mais escuro, com gosto esquisito de terra, e dura mais), pelo tempo de fermentação, pela adição de ingredientes (queijo, azeitonas, bacon, sementes de erva-doce, de gergelim, de papoula, entre tantos outros), pelo humor do padeiro, pelo tipo da lenha usada no forno, se você tiver sorte de ter um padeiro que tem forno a lenha. Muita gente ainda faz pão em casa, no forno a lenha do quintal. Muita gente ainda tem inclusive o móvel que se usava antigamente pra armazenar a massa-mãe e o pão, muito interessante – a tia do Mirco tem um, se chama mattera no dialeto local. Uma boa mattera, antiga de verdade, bem feita e bem conservada, hoje vale uma pequena fortuna nos mercados de antiquariado.

Hoje jantei uma saladinha com os dois tipos de alface que a mãe do Aluno Endocrinologista me deu, feijão branco (que aqui felizmente encontra-se enlatado, sem tempero, praticíssimo) e um punhado de milho verde. E pra fechar a noite, bruschettinha. Diliça.


Postado por leticia em 23:51

21.06.05

Depois dos muitos episódios de "não consigo enviar e-mail", agora parece que a coisa vice-versou: não estou recebendo nada pelo pacamanca. Como também não estou com tempo de responder, não faz muita diferença. Espero ter um pouco mais de calma amanhã pra postar direito e falar do Batman e do Godfather e do Hitchhiker's Guide to the Galaxy e de outras coisas. Se der, deu, se não der, não deu - vai ficar pro fim de semana.

Postado por leticia em 23:18

20.06.05

batman

Vimos Batman Begins ontem. Eu gosto do ator galês, comé que se chama mesmo. Tem horas que acho o menino horroroso, tem horas que acho interessante. Liam Nisson, de quem normalmente gosto muito, está ridículo. Os ninjas todos são ridículos. Aquela garota torta de Dawson's Creek é absolutamente odiosa – no mesmo patamar que ela, só aquela insuportável bochechuda da Renée Zellwegger.

O filme é muito... estranho. Eu gostei, porque gosto do Batman, gostei do visual favelão-futurista de Gotham City, gosto do clima sombrio do filme. Mas achei muito estranho, achei muitas coisas forçadérrimas, muitas coisas inexplicadas, muitas coisas nada a ver. Mas no bojo, como já dizia aquele, vale a pena ver, porque Batman é Batman.

O detalhe engraçado é que morcego, em italiano, é pipistrello, palavra que eu acho de uma comicidade ímpar.

Postado por leticia em 23:32

19.06.05

salames

De tanto eu falar que meus alunos são ótimos, simpáticos, engraçados, espertos, estudiosos, pronto, me deram de presente uma turma de salames.

São dois, macho e fêmea, cujo nível de relação interpessoal ainda não identificamos e está corroendo todo mundo de curiosidade na escola. Ele trabalha na TV, mas é todo misterioso e nunca diz exatamente o que faz. Ela é comerciante, self-made woman, tem uma espécie de estrabismo à esquerda que possivelmente é conseqüência de um acidente, e usa óculos de grau com lentes esverdeadas. Quarentona enxutona, lourona, mas nada perua, graças aos céus.

Ela é mais espertinha, interessante, gosta de viajar. Ele é um salame daqueles assim, sabe, embalados a vácuo. Do tipo que vive pro trabalho, e conseqüentemente passa o dia inteiro assistindo à TV, mas quando falo de um artista qualquer ele nunca ouviu falar. Não se interessa por mais nada além do trabalho. Fica difícil dar exemplos práticos pra uma pessoa que olha pra uma foto da Julia Roberts e depois olha pra mim, como se fosse uma 3 x 4 de uma maricota qualquer que ninguém conhece. Salame, salame.

Olha, eu sei que inglês é uma língua esquisita, cheia de mumunhas, de phrasal verbs, de pronúncias malucas que não fazem sentido, de regras que botam exceções pelo ladrão, de modos de dizer, de expressões idiomáticas. Sei que o italiano é cabeça-dura pacas quando se trata de língua estrangeira. Mas caraca, se o cara leva 8 horas pra ENTENDER o verbo to be – convenhamos, não tem o que entender, se conjuga assim e pronto, joga o verbo pra lá pra fazer a pergunta e vamos nessa, junta um not, come uma vogal, tasca um apóstrofo e vambora, não tem explicação, é assim porque é e pronto – tem alguma coisa errada. A Salama sopra todas as respostas pra ele, porque ele não é capaz de fazer um exercício que é todo igual – TODO igual, só substituindo they por mike and susan, you and I, the girls, my brothers, etc. Veja bem, um exercício com oito questões, TODAS elas com uma lacuna pra preencher com o MESMO verbo are, e o cara não acertou NENHUMA. Tudo bem que ele também é todo pessimistão, saca o tipo?, aquele que fica balançando a cabeça o tempo todo e fazendo tsc tsc e resmungando nunca vou aprender isso, caraca, como é difícil, que língua maluca, nunca vou conseguir entender, não compreendi o mecanismo. QUAL MECANISMOOOOOOOO, pergunto, arrancando os cabelos. Não tem mecanismo, não chegamos ainda na fase do mecanismo, você só tem que decorar a porra da conjugação de um verbo ridiculamente fácil, e decorar que é pra jogar o verbo antes do sujeito na pergunta, e decorar que is + not = isn't, e are + not = aren't! Caralho, exclamou a princesinha!

Além disso é lento. Ele não sabe uma resposta, eu e a Salama dizemos qual é, ele leva uns dez segundos pra começar a escrever. Quando achamos que ele já terminou de escrever e tocamos pra frente, de repente vejo o Salame olhando ainda pro exercício de antes, uma palavra escrita pela metade, a caneta da RAI na mão, parada no ar. Morte aos lentos. Odeio-os todos.

Volto da aula rouca, frustrada e com dor de cabeça. Pra não dizer completamente exausta.

Postado por leticia em 22:43

18.06.05

porque sim.

legolas gosta de ficar (dormindo) sentado entre as alfaces e o canteiro de salsinha.

Postado por leticia em 15:27

cousas

Apesar do cansaço, de ter chegado tarde ontem da última aula, de ter ficado acordada até meia-noite pra ver o finalzinho de Contact na TV, não consigo dormir até tarde e às oito da manhã já tinha voltado da corrida matinal. Limpei a casa toda meio correndo porque tinha aula mais tarde, preparei o molho de tomate pro almoço do Mirco, botei roupa pra lavar, estendi roupa no varal, tomei banho e lavei o cabelo, comi minha salada de trigo e tava botando a chave na fechadura pra sair quando me liga o Paulo Cintura, o aluno de sábado, dizendo que tava em Arezzo e muito provavelmente não conseguiria chegar em tempo pra aula. Até quarta-feira, se despediu.

E então, tudo já arrumado, limpo, preparado, organizado, só um pouco de roupa pra passar mas foda-se, resolvi fazer uma coisa que até hoje nunca tinha tido tempo de experimentar: botei uma cadeira na varanda e fiquei lendo, aproveitando o vento fresco e a claridade sem o sol escaldante, que estava a caminho da varanda do quarto. No inverno a varanda é infreqüentável por motivos óbvios. De qualquer maneira, normalmente não tenho tempo nem pra me coçar, e quando boto os pés lá fora ou é pra estender roupa ou pra cuidar rapidinho das plantas. Aaaaaaaah que maravilha, eu sentadinha na minha cadeira hedionda de plástico, rodeada de cravos rosa-choque, ervinhas cheirosas, plantas bizarras, os pés estendidos sobre uma outra cadeira, o celular e o telefone sem fio à mão, cabelinhos lavados, só curtindo o ventinho e vendo as árvores balançarem lá nos jardins públicos.

Pena que o Godfather não engrena nunca. Fosse um outro livro melhorzim a coisa toda teria sido melhor ainda.

**

Hoje à tarde Gianni, Chiara e Roberta vêm aqui pra fazer as reservas da viagem de agosto, que vai ser Paris e Normandia. Eu preferiria ir a outro lugar, porque estou obcecada com essa idéia de voltar à França só quando estiver falando francês e com dinheiro no bolso pra gastar, mas como sempre sou voto vencido. Gianni achou um vôo barato que sai aqui do Aeroporto Internacionalmente Tabajara de Perugia, ou seja, maior mão na roda. Então vai ser França mesmo, again. Não tem problema; Valerio ontem me deu mais uma aula de francês e disse que vou aprender rapidinho. Xeroquei um monte de exercícios e vou tentar estudar entre um aluno atrasado e outro, ou quando estiver de bobeira na oficina.

E mais tarde vamos jantar na festa do tartufo em Ripa, com FeRnanda e Fabião. Uhu!

Postado por leticia em 13:17

17.06.05

o poderoso chefão

Depois de The No. 1 Ladies' Detective Agency, ataquei de The Godfather (Mario Puzo). Mas o que é que há com os escritores americanos modernos que não têm a menor intimidade com a língua? A trama é interessante, os personagens são claramente definidos, mas caramba, estilo literário zero. Que porre. Fora que tudo parece ter sido escrito já tendo em mente o futuro filme-baseado-no-livro. Não gosto de livros obviamente cinematográficos. Acho a maior forçação de barra. Vou terminar de ler, mas não estou feliz da vida não. Decepções literárias me irritam deveras.

Postado por leticia em 22:59

16.06.05

uai é uai, uai

A mãe do Aluno Endocrinologista me ama, por algum motivo que não consigo identificar. Nas poucas vezes em que nos encontramos na garagem do prédio (ela mora no apartamento ao lado), faz uma tal festa que parece que sou a rainha da cocada branca.

Hoje quando cheguei no Aluno pra dar aula vi duas sacolas IMENSAS de supermercado, cheias abarrotadas de verdura, na cadeira da cozinha. Em cima, um bilhetinho: x la sig.ra Letizia (aqui usa-se "x" como nós usamos "p/"). Eles têm uma casa de campo grande na periferia de Perugia, e ela me mandou esse monte de insalata de presente.

Uma vez um cliente do Mirco, que tem um trailer que vende porchetta, queijos locais, salames, pagou uma parte da conta em dinheiro e a outra em comida. Ganhamos três formas de queijo (uma de pecorino fresco e duas de pecorino maturado, que fácil fácil chega a € 15/kg), dois salames (um de porco e um de ganso) e mais uma outra coisa comestível que não lembro o que era.

Chico Bento perde.

Postado por leticia em 23:05

15.06.05

;)

Now constipation was quite a different matter. It would be dreadful for the whole world to know about troubles of that nature. She felt terribly sorry for people who suffered from constipation, and she knew that there were many who did. There were probably enough of them to form a political party – with a chance of government perhaps – but what would such a party do if it was in power? Nothing, she imagined. It would try to pass legislation, but would fail.

The No. 1 Ladies’ Detective Agency, Alexander McCall Smith

Postado por leticia em 23:25

14.06.05

fofocas

. Ontem à noite, chegando do trabalho, Mirco encontrou a velhinha aqui de frente, a mãe da Foca Monaca, lembram? Nossa vizinha gorda, fofoqueira, que dorme com os velhinhos da vizinhança pra ganhar uns trocados porque o marido não lhe dá dinheiro nenhum. Pois a velhinha tava lá do outro lado da praça, e ela é velha pra cacete e não conseguia voltar sozinha. Mirco se ofereceu pra trazê-la pra casa e a velha começou a resmungar: aquela prostituta da minha nora me deixou ali no meio da rua, aquela vaca, ela quer me convencer de que vai buscar água [não me perguntem onde, não sei], mas eu sei bem onde ela foi e o que anda fazendo!

Caramba.


. Suely Maria mudou de carro. Deu tchau ao Escort conversível branco com a Arbre Magique tigrada pendurada no espelho, e agora tem uma Smart com um gato de pelúcia no painel. Smart é carro de cocota, vocês sabem. Em cidades onde estacionar é um problema eu até posso entender, embora o preço seja salgado demais pra pouco espaço, mas aqui na roça, na Umbria despopulada, não faz o menorrrrrrrrr sentido, e só tem mesmo quem gosta de se exibir e anda de óculos-vespa e todas aquelas coisas que a Simone descreveu brilhantemente aqui.

. O companheiro de Suely Maria sumiu, não vejo há uma semana, maravilha. Joguei tanto rato morto nele que é capaz dele ter caído num buraco qualquer em conexão direta com o mármore do inferno, ele, seu cigarro, seu Porsche ridículo, seus óculos escuros e todo o conjunto da obra. Já vai tarde.

. Suely Maria trabalha num bar. FeRnanda uma vez entrou num bar, que ela nem lembra qual era, pra comprar sei lá o quê, e a ouviu falando em português no celular, ou com uma amiga, não sei direito. FeRnanda, desprovida do instinto anti-suelymaria com o qual aparentemente nasci, tentou puxar conversa, perguntando, em italiano, usando até a forma de cortesia, vejam só: Lei è brasiliana? Como resposta ouviu um Sì grunhido, uma carranca e um olhar esnobe. Hohohoho.

. Um amigo da Roberta, irmã do Gianni, mora no prédio gêmeo do nosso. Uma vez, conversando, Roberta disse que tem uma amiga brasileira (eu) morando no prédio ao lado. O cara fez uma cara de nojo e ela se apressou em dizer "não é essa que você tá pensando, é outra!!!" e ele fez ah, bom. Vejam, meus amigos, que não sou eu que sou biased. Vulgaridade é reconhecível a quilômetros por qualquer pessoa normal.

. Mudando de assunto, a Bota deu mais uma vez um show de atraso mental e egocentrismo dos botenses no plebiscito do último fim de semana sobre as ridículas leis atuais de fecundação artificial (riproduzione medicamente assistita, diz-se aqui). Só um quarto do povo apareceu pra votar, e com isso tudo ficou na mesma, e a Itália continua com as leis mais atrasadas do mundo sobre o assunto. O Vaticano achou o máximo. Atualmente os embriões não implantados são jogados foraaaaaaaaaaa porque a lei proíbe pesquisas de células-tronco nesses embriões. Então vão todos pro lixo, e as poucas instituições de pesquisa do ramo têm que importar embriões de outros países. O Papa fala de proteger a vida e coisa e tal, que o embrião é vivo e humano desde o momento da fecundação e blah blah blah. Mas então eu é que devo ter entendido mal: entre o direito de ser jogado no ralo e o direito de ser usado pra estudos que podem salvar e melhorar a vida de zilhões de pessoas, a igreja prefere o direito de ser jogado no ralo? Então tá.

. Demos mole, não compramos logo as passagens em oferta com a Aerolineas e perdemos a promoção. Dançou a Argentina, e vai ser Escandinávia mesmo em agosto, então. Estou tristíssima, olhem só minhas rugas. :)))))))))))))))

. Hunka, se você não vier esse ano eu te encho de porrada.

Tuco e Carol, idem.

. Beijos e saudações flamenguistas à Carol do Werther e à sua tia Dita, que pelo que ouvir dizer é gente boa pacas :)

Postado por leticia em 08:21

13.06.05

de línguas

Hoje foi um dia pesado. Saí de casa cedo e toquei pra Perugia, onde fiz a prova do CELI – o certificado de língua italiana mais ou menos equivalente aos de Cambridge pro inglês, por exemplo. Não sei por que cargas d'água não fiz assim que terminei o curso na Stranieri em 2002, até porque os exames são organizados por eles, mas enfim.

Sei que passei, mas o teste foi chato pra cacete. Cada texto chato, cada múltipla escolha safada. Pra variar, acabei rápido a primeira parte e fui catar alguma coisa pra comer, já prevendo que não voltaria pra casa antes das nove e meia da noite – minha última aula começa às sete e meia, em Perugia mesmo, e não valia a pena voltar pra casa, nem pelo tempo e nem pela gasolina. A prova foi num hotel de nome ridículo (Etruscan ChocoHotel. CHOCOHOTEL. Quequeísso, gente. E La Spo' ainda me pergunta se a culpa do clima maluco é do homem na lua. O clima maluco é culpa de gente que funda um hotel e lhe dá o nome de ChocoHotel. Não há Eurochocolate no mundo que justifique. Estamos falando de um nome do nível de Suely Maria, vejam bem.), bem perto de onde mora o Aluno Endocrinologista. Bom, porque amanhã de manhã volto pra prova oral, e às onze vou dali direto dar aula.

A segunda parte da prova foi a mais fácil. Tudo gramática, aquelas coisinhas bobas de completar um texto com as palavras corretas, de achar erros bestas nas frases (tipo "al ponte di" em vez de "al punto di"), de completar com os verbos no tempo correto. Fiz em 7 minutos, contados no relógio. O tempo da prova era de uma hora e quarenta e cinco minutos. Na boa, não é pra esnobar, mas puta que pariu, estamos falando do último nível de italiano; se uma criatura leva mais que meia hora pra botar uma dúzia de verbos no passado, ela está no nível errado. Não lembro direito das provas do Proficiency, mas lembro perfeitamente que era gramática das mais cascudas, sentence transformation, uns negócios barra pesada. A gramática dessa prova me surpreendeu. Nem um condicional! Nem um subjuntivo esquisito! Nem um passato remoto, minha única dificuldade com o italiano! Nada. Tudo facílimo. Levei mais dois minutos pra preencher os quadradinhos da ficha de respostas e fui lá pra fora continuar lendo The Bookseller of Kabul – delicioso, by the way.

A última parte de hoje foi o listening, também chatérrimo. A compreensão do que diziam os fulanos não era difícil, muito pelo contrário, até fácil demais, já que eles claramente se esforçavam pra falar devagaaaaaaaaar e tão pausadamente que parecia que estavam falando com retardados. Só que as perguntas eram terríveis, mal-feitas. Gosto mais daqueles listenings cheios de números e horários que te confundem, e você tem que se concentrar de verdade pra ouvir o que a mulherzinha fala com o barulho da estação de trem no fundo, sabe, coisas assim.

A mulherada – porque é só mulher que estuda línguas, impressionante – estava toda nervosíssima, principalmente o pessoal que faz o mestrado da Stranieri sobre didática da língua italiana pra estrangeiros. Se não passam no teste, não ganham o certificado do mestrado. Pra facilitar as coisas, quem queria podia escolher fazer o teste no nível 3. Não sei pra vocês, mas pra mim parece a história do inglês não mais obrigatório pro Rio Branco. Se você vai dar aula de italiano e está inclusive freqüentando um mestrado sobre o assunto, acho mais que razoável que você fale a língua PELO MENOS muito bem. Quem não vai além do nível 3 não fala nem razoavelmente bem, fala assim assim. E eu não gostaria de ter aulas de uma língua com alguém que a fala assim assim. Mas o mundo é estranho e poucas coisas me surpreendem.

Depois da chatice dos testes fui pra Ponte San Giovanni matar um par de horas até as seis, hora marcada pra minha aula de francês com o Valerio. Estacionei na sombra, no estacionamento da Coop, àquela hora vazio, escancarei as portas do carro, respirei o cheiro resinoso de pinheiro que acho que vinha da cerca-viva da casa limitante com o estacionamento, e ataquei o Bookseller of Kabul. E depois fiz minha aulinha de francês, fui cumprimentada pela minha pronúncia, voltei a Perugia, dei minha aula capenga de inglês porque tinha esquecido o livro e as fitas, e agora estou aqui em casa escrevendo pra vocês em vez de tomar banho e ir dormir, porque eu é que não tenho mais saco de dirigir até a casa do Gianni e da Chiara pra discutir uma viagem à Argentina que eu não estou nem um pouco disposta a repetir.

Boa noite.

Postado por leticia em 23:23

12.06.05

uia

O dia tava bem gostosinho hoje. Sol forte compensado por nuvens passageiras, empurradas por uma brisa fresca. Depois de uma boa arrumada na garagem, que tava o samba do crioulo doido, fomos cedo pra Arianna e ficamos horas brincando com a bicharada. As filhotas da Priscilla já tão saindo da casinha delas e tocando o maior rebu no jardim, subindo em árvores, provocando os gansos através da grade, brincando com penas de peru que acham caídas pelos cantos. Quando der vontade subo as fotos. Subi pra ajudar a botar a mesa enquanto o Mirco ficou lá embaixo vigiando a lasagna no forno a lenha.

Comecei a bater papo com a avó do Mirco, a Lucia (lutchía), em família carinhosamente chamada de Laspo' (de La Sposa, A Esposa, como a chamava o falecido marido). Ela é uma bonequinha, miúda e calada, foférrima, e sempre preocupada em depilar o buço antes de fazer suas poucas aparições em público. Pois então: falávamos de amenidades, de como o tempo anda estranho, de como não se entende mais nada de coisa nenhuma, se vai chover, se não vai, se o calor vai durar, se a neve vai cair em junho no Abruzzo, enfim, essas coisas. Ela perguntou, meio ressabiada, se eu não achava que a lua tinha alguma coisa a ver com esse clima doido. Hmmmmmmm como assim? Ela perguntou se eu acreditava que o homem tinha mesmo pisado na lua, e se isso tinha alguma coisa a ver com o clima. Achei tão bonitinha a pergunta, parecia coisa de criança mesmo! Expliquei com o máximo da simplicidade o efeito estufa, e ela fez oooooh. Não é uma coisinha fofa? :)

***

Ontem à tarde aconteceu uma coisa bizarra. Finalmente terminei a tradução que estava sugando meu sangue há tempos (não porque não tenha sido legal, é que faltou tempo pra me dedicar comme il faut), tomei banho, fui lá fora ligar a máquina de lavar roupa, e quando voltei pra dentro estava espirrando sem parar. A narina esquerda coçava terrivelmente. Impossível ser alergia, pensei. Me recuso a virar alérgica. Não tenho paciência pra ser alérgica. Minha pele é sensível demais, se eu tiver que viver assoando o nariz em lenço de papel meu nariz vai cair de tanto atrito com o papel. Não posso virar alérgica porque alergia é uma das coisas mais chatas do mundo.

Mas mesmo depois do jantar de peixe com Mirco e Stefania a narina esquerda continuava coçando. E hoje acordou coçando de novo. No final da tarde me irritei; depois de ver Meet the Fokkers (que filme chato, benza deus!), tomei um Fenergan que tenho vergonha de dizer de onde veio, e nos mandamos pra festa da cereja em Capodacqua, uma frazione de Assis. O tempo foi passando e comecei a sentir os efeitos do Fenergan, que até hoje eu só tinha tomado pra dormir quando tinha insônia (sim, tenho meus momentos McGyver-improvisativos). Fui ficando boba, boba. Não entendia nada. As pessoas falavam comigo e eu levava horas pra entender. Não consegui nem curtir as lindas casas da zona, o belo galpão de madeira, a delícia dos ravioli com nozes e formaggio di fossa (don't ask). A cabeça pesava e tudo parecia tãaaaao longe, tão sem importância, tão esquisito. Acabamos vindo embora mais cedo, porque eu já tava quase rindo sozinha de tão boba. Eu, hein.

Postado por leticia em 23:02

11.06.05

Ótimo post da Simone sobre Paris e as italianas bizarras, aqui.

E uma receita da Mary que eu nem ousei dar copy-paste e salvar mas que deve ser o ó, aqui.

E a sempre esperta Carola falando de adaptação, aqui.

E a pergunta que não quer calar, feita pela Fernanda, aqui.

E um pouco de MarinaW, claro.

Pra finalizar, uma pitada de Overheard, que voltei a ler depois de muitos, mas muitos anos de esquecimento de que ele existia. Adoro.

Postado por leticia em 09:07

10.06.05

:)))))

Por motivos puramente ilustrativos, vamos fingir que os três volumes do Gibbon, que eu queria ler há aaaaaaaaanos, desde que li How the Irish Saved Civilization pela primeira vez, se materializaram do nada aqui na minha estante. Vamos fingir que The Bookseller of Kabul veio parar aqui por vontade própria. Assim como The Godfather. Vamos fingir que segunda-feira eu não gastei nenhum euro na minha livraria preferida – fui lá só pra dar uma bizoiada rotineira na seção de livros em língua original.

A seção de livros em língua original é uma espécie de ilhota, uma pequena estante não mais alta que meus olhos, alojada em um tipo de beco sem saída que abriga nas prateleiras de suas três paredes dicionários e livros didáticos para aprender outras línguas. Essa ilhota também tem três lados – o quarto virou uma espécie de balcão, onde ficam expostas as últimas novidades no setor de aprendizado lingüístico. Dois lados da ilhota são ocupados por livros em inglês; o outro é um mix de francês, espanhol e alemão. Há algumas poucas obras em russo, e é triste notar que Paulo Coelho faz parte de todas essas seções.

Eu estava ali olhando os Stephen Kings e os Douglas Adams, alguns Penguin Classics que pretendo comprar no Rio a 5 reau (ainda custa isso? Non credo), uma prateleira inteira muito chata sobre o Da Vinci Code, e outras coisinhas. Minha bolsa estava no chão, minha agendinha Moleskine estava aberta na página onde anoto os nomes dos livros que me atraem mas que não tenho dinheiro pra comprar agora mas um dia quem sabe. Ouço vozes, e noto que não estou sozinha. Freqüento a livraria há muito tempo, mas nunca tinha encontrado ninguém na ilha da língua original. Sei que alguém mais além de mim compra livros em língua original, porque noto que à distância de semanas muitos (tá bom, alguns) desaparecem, mas nunca tinha visto com meus próprios olhos nenhum outro companheiro leitor de língua original. Era um casalzinho jovem, os dois muito bonitinhos, roupas despojadas – nada de lápis de contorno labial sem batom, cabelo entupido de cera, saltos destruidores de vértebras, óculos de sol gigantes. SENTARAM NO CHÃO – sentaram no chão, olha que intimidade com o bookselling environment, sentaram no chão e ficaram discutindo livros em voz baixa. A menina queria levar o Silmarillion (quase enfartei), o menino um Chuck Palahniuk (quase morri). Puxavam outros livros da estante, um Harry Potter, um Hobbit, um Lovecraft, e acabei não me contendo.

- Palahniuk é muito bom, caramba. Mas o Silmarillion é um livro que não acaba nunca.

Os olhos do menino se acendem.
- Você leu Fight Club?

- Tenho em casa, mas queria esperar passar mais tempo desde que vi o filme pela última vez, pra não ler o livro imaginando o Brad Pitt.

- O filme é bem diferentinho do livro, pode ler sem medo.

- Beleza, vou ler mesmo! [estou lendo, mas não tenho tempo de entrar no ritmo]

A menina pergunta se o Silmarillion é mesmo chato.
- Não é que é chato, é difícil, pesado, mesmo traduzido.

- O LoTR eu li, mas o Silmarillion eu nunca terminei nem em italiano, que dirá em inglês – responde o garoto.

- O LoTR eu já li umas treze vezes e não me canso nunca.

- Eu não passei das cinco vezes – ele ri.

Puxo dois livros da minha prateleira.
- Olha, esse aqui é muito gostosinho [é The Curious Incident of the Dog in the Night-Time]. E esse aqui é interessante, não tanto pelo hermafroditismo [aqui a emoção de estar conversando com gente que actually reads enrolou a minha língua e saiu algo tipo hermafodritismo] do personagem principal, mas a história da família grega é bem interessante [estava falando de Middlesex]. É o mesmo autor de Virgin Suicides, que infelizmente nunca vi aqui.

A garota descartou The Silmarillion. Leram as contracapas juntos, o garoto distribuiu os livros na mão como se estivesse jogando pôquer, e eu fui embora sorrindo antes de ver o que ela escolheu.

Eles agradeceram, mas em vez de se despedir com ciao disseram arrivederLa. Caraca, tô ficando velha mesmo.

**

Vamos combinar que Bruce Chatwin foi uma das maiores decepções literárias da minha vida. In Patagonia é UM PORRE. Nunca vi livro sobre viagem que descreve praticamente só pessoas, e só conta história idiota. Pode até ser que tudo aquilo tenha um sentido, mas se tem, é só pro autor mesmo. Parei no meio, vejam só de que nível de chatice estamos falando. Me agarrei no Fight Club, que não tenho tempo de ler enquanto não terminar a tradução que tenho que entregar até amanhã.

**

Quarta-feira dei a primeira aula de português pro Valerio. Ontem ele deveria ter me dado a primeira de francês, mas houve um contratempo e não rolou. Fiquei irritadinha. Vamos compensar na segunda, ele disse. Hmpf.

Postado por leticia em 23:30

09.06.05

tralalá

A vantagem de fazer cooper na roça é que você pode parar pra comer amoras selvagens que crescem na beira da estrada.

Postado por leticia em 07:53

07.06.05

macacos me mordam

Está praticamente decidida a próxima viagem do ano. Adivinhem.

Eu sugeri São Petesburgo – Tallinn – Helsinki, mas é caro. Sugeri Budapeste – Bucareste – Vienna, mas não querem. E vamos acabar indo pra Argentina outra vez. Agora vai ser Península Valdez, e eu vou dar um pulo no Rio. Gianni e Chiara acho que também vão, se conseguirem interromper a comilança deslumbrada de carne em terras hermanas.

Postado por leticia em 18:02

05.06.05

matrimonio

Hoje fui ao meu primeiro casamento em terras botais. Todo mundo já tinha me avisado há séculos que era melhor mesmo que eu nunca tivesse ido a nenhum porque é uma coisa muito chata, e principalmente cara, já que os presentes das listas custam todos os olhos da cara e é considerado feio dar algo de menos de € 150. Nesse de hoje tivemos sorte, porque o Mirco pintou a cama antiga de ferro do casal, e esse trabalho foi o nosso presente de casamento – na verdade o trabalho vale muito mais que € 300, mas tudo bem.

A coisa toda é muito diferente por aqui. Pra começar, normalmente a cerimônia é de dia, seguida não de uma festa, mas de um almoço. Muitas vezes, além da igreja e do almoço (normalmente em um restaurante), há também o chamado rinfresco, que costuma ser na casa da noiva, à noite. São comes e bebes estilo festa americana, uma coisa mais light. Às vezes rola também uma apresentação da casa onde os recém-casados irão morar: parentes e amigos íntimos fazem uma espécie de tour da casa antes da cerimônia. Hoje o pessoal anda mudando de costume e oferecendo jantares aos amigos em casa, depois do casamento.

Os noivos de hoje eram Peppe e Stefania. Peppe é amigo de infância do Mirco. O pai era finanziere (trabalhava na Guardia di Finanza), ganhava muito bem, conhecia todo mundo, era influente na cidade, e comprou muitas propriedades ali na zona. Morreu quando Peppe ainda era jovem, mas deixou um hotel na avenida principal da cidade, que hoje é administrado em conjunto pelo Peppe, a irmã mais velha, Teresa, e a mãe, Cleofe (don't ask). A irmã do meio (Peppe é temporão) é casada com o Moreno, dono do restaurante que fica ao lado da loja do Fabrizio, o Louco – cansei de ir lá buscar o almoço do Fabrizio e também cansei de recusar propostas de trabalho do Moreno, porque garçonete realmente não dá. O hotel ficou bonito depois da reestruturação de 95, é um 3 estrelas todo novinho, com restaurante em dois andares e um jardinzinho na frente. Peppe vai morar com a esposa num edifício pequeno que pertence à família e fica logo atrás do hotel.

Stefania é de Costa di Trex, um pedaço de Assis que fica no alto da colina, inacessível em dias de chuva ou de neve (ontem mesmo a estrada principal estava fechada por causa de deslizamentos de terra e tivemos que passar por uma estradinha de terra batida cheia de pedregulhos, estreita e perigosa, pra ir ao rinfresco). O pai trabalhou como motorista de ônibus por muitos anos. A mãe não sei o que faz, mas Stefania é filha única e sempre estudou ballet, o que hoje se reflete nas veionas saltadas dos braços musculosos. Formada em Engenharia, hoje trabalha na faculdade onde estudou. A família tem dinheiro; os montanari (a gente da montanha) por aqui têm fama de espertos, no bom sentido; de gente que sabe ganhar dinheiro e trabalha duro.

Tanto Peppe quanto Stefania, que namoram há duzentos anos, são muito envolvidos com a igreja. Mas muito mesmo, do tipo não posso jantar fora esse fim de semana porque estamos em retiro espiritual lá não sei onde com a paróquia de Santa Maria. Ressalto que por aqui ser amigo dos frades é muito conveniente, principalmente pra quem trabalha com hotelaria. A maior parte dos hotéis é deles, que mandam clientes a outros hotéis amigos, como o do Peppe, quando os deles ficam lotados. Hoje o Peppe é diretor da Caritas local, e nem vou me pronunciar quanto a esse assunto porque gosto muito dele, mas acho que vocês já entenderam mais ou menos.

Bom. O casamento foi no altare maggiore da Basílica de Santa Maria degli Angeli. Ninguém nunca tinha se casado ali. Não é permitido; a igreja é importante demais pra se dar ao luxo de aceitar esses caprichos, e só quem freqüenta o altar principal são os funerais. Em um grande exemplo de humildade e voto de pobreza, o casamento foi realizado no altar onde nunca ninguém se casara antes, na igreja mais importante da cidade, quinto maior templo católico do mundo. Vozes já correm na cidade há algumas semanas, gente revoltada, gente reclamando, gente gesticulando. A justificativa oficial da paróquia local é que foi introduzido um rito novo, e o casamento do Peppe foi uma espécie de teste, pra ver que bicho que dá. Então tá.

Enfim. Quando chegamos a noiva já tinha entrado. A igreja estava cheia, inclusive de turistas, que vinham visitar a Porziuncola (a basílica foi construída por fora da Porziuncola, pra protegê-la), davam de cara com aquela noiva microscópica no altar, e paravam pra ver. Ficamos em pé o tempo todo, coisa terrível pra quem está de salto alto.

A missa foi LONGUÍSSIMA. Nunca vi tantos frades juntos na mesma cerimônia, mas gente influente é assim mesmo, sabe, junta multidões. Muitos paramentos que eu nunca tinha visto, mas eu não entendo dessas coisas, então pode ser que tudo fosse muito normal em meio a sacerdotes de ordem franciscana. Um coral de vozes clericais e laicas cantava entre uma liturgia e outra. Hoje a igreja conta com várias caixas de som espalhadas pelos quatro cantos, mas sei que o edifício foi construído levando em conta certas capacidades acústicas cujo efeito sobrenatural é fácil de constatar. Quando o padre fala, sua voz ribomba, como acredito que os crentes imaginem que seja a voz de deus. Quando o coral canta, me vem em mente que se eu acreditasse em anjos, seria assim que eu pensaria que eles cantam. Adoro música de igreja. É hipnotizante, atemorizante, mas realmente te transporta pra outra dimensão. Só faço questão de ignorar as palavras, pra não me irritar, mas o som é realmente divino, única palavra que na minha opinião descreve o que ouvimos.

Já jurei a mim mesma não falar mais de igreja aqui, mas não resisto.

O padre falou, falou, falou. E falou mais um pouco. Leu o que os noivos escreveram um pro outro – Stefania 6 páginas, Peppe 1, o que fez todo mundo da platéia rir. Peppe é o típico gordinho bonachão, que não se irrita nem se preocupa com nada, não é dado a discursos nem firulas, conhece todo mundo e nunca brigou com ninguém. Na escola ele era assim mesmo, dizem: enquanto a Stefania se esforçava pra escrever redações e trabalhos magníficos, ele se contentava com meia dúzia de linhas e já tava muito bom. O padre continuava falando, intercalando seus discursos com o belíssimo coral ou com o canto a cappella de uma freira muito jovem, vestida de cinza. Falou da onda de divórcios, esquecendo de mencionar que na época em que a bíblia foi escrita neguinho vivia até 40 anos, se tivesse sorte, e é muito fácil aturar alguém até que a morte os separe quando dura-se tão pouco. Também esqueceu de mencionar o fato de que basta pagar quantias escandalosas à Sacra Ruota no Vaticano pra ter seu casamento anulado, não importa o quão ridícula seja a situação, só pra ter o privilégio de casar novamente na igreja – só aqui no vale os casos são numerosos demais pra contar; todas as famílias "bem" têm gente divorciada e re-casada na igreja. Falou da onda de relacionamentos homossexuais, como se fosse coisa nova na espécie humana e inexistente entre os celibatários frades e padres. Falou de tudo isso só pra depois dizer que não, eles são pecadores tradicionais, de valores tradicionais, e preferem continuar acreditando que essas coisas não se fazem, é feio se divorciar, é feio acabar o amor, é feio casar de novo (a não ser que você pague à Sacra Ruota, claro, mas isso ele não mencionou), é feio ser viado ou sapatão, é feio ter dinheiro, é feio esbanjar (mas da anormalidade do casamento no Altare Maggiore também não se falou), essas coisas legais e principalmente MUITO sinceras que a igreja prega sempre. No terço final da cerimônia, o tal rito novo, que consistia em quatro dos padrinhos segurando os cantos de um véu branco e muito longo, por cima dos noivos. O padre explicou que aquele não era um simples véu, mas representava a nuvem que camuflou os judeus na fuga pelo deserto ou coisa do gênero.

Enquanto o padre falava aquelas coisas irritantemente hipócritas, eu e Mirco nos ocupávamos da análise estética dos convidados, já que a basílica não é nenhuma Brastemp e não oferece horas e horas de entretenimento arquitetônico como a de São Francisco, em Assis. Vimos:

. Scarpins rosa-choque
. Calça jeans e sandálias de salto agulha com gigantescas flores azuis de plástico no peito do pé
. Calça de seda marfim com elástico na barra, cobrindo o sapato
. Bundas imensas espremidas em calças brancas de seda, com direito a fio dental e celulites se manifestando sob o tecido
. Bundas imensas pertencentes a senhoras de uma certa idade, espremidas em calças azul-marinho transparentes
. Costas mais gordas do que as minhas derramando tecido adiposo por entre as fitas de um corpete apertado demais
. Rapazes com camiseta amarelo-ovo escrito Brasil nas costas
. Frade com gel no cabelo
. Muitos frades jovens, alguns lindos, infelizmente
. Cabelos estilo poodle, permanentados na frente e lisos atrás. E vice-versa
. Muita, mas muita boca contornada com lápis e sem batom
. Saia jeans e camiseta e tênis
. Uma jaqueta preta muito bem cortada e com belos botões na frente, mas com uma cobra IMENSA bordada atrás
. Sapatos masculinos de couro de crocodilo e ponta fina
. Machos de sobrancelhas feitas
. A melhor amiga da Stefania, uma garota muito esquisita, de vestido longo cor de cocô e um chapéu imenso, totalmente nada a ver
. Muita, mas muita alça de sutiã colorido aparecendo por baixo de vestidos tomara-que-caia, ou de um ombro só, ou de alcinhas finas
. Uma calça maravilhosa, branca com listras pretas na vertical, irregulares. O tecido era maravilhoso, babei
. Xales horrendos daqueles 150% poliéster
. Uma sandália baixa, prateada, linda de morrer
. Bizarras combinações de camisa xadrez e terno listrado
. Perucas masculinas
. Narizes alcoólatras, inchados, vermelhos, cobertos de telangectasias
. Bebês fofinhos adormecidos
. Crianças entediadas

entre outras coisas.

Enquanto eu sofria no meu salto alto desconfortável e morria de calor na minha calça de xantungue roxo da Animale e blusa de palha de seda creme da Mariazinha, o Mirco suava no seu terno cinza-escuro com sapatos da Mr Cat. De vez em quando um monstro do pântano passava na nossa frente, dando-nos uma bolsada ou uma cabelada, e ele repetia: mamae-so-fórtchi, sua última aquisição lexical, que ele adorou tanto que usa em qualquer situação ridícula, relacionada ou não ao uso de camisetas sem manga para exibir os bíceps.

O raio da missa estava demorando uma eternidade, e como depois da cerimônia os noivos tradicionalmente vão pra sessão de fotos, fomos lá pra fora pegar um arzinho e descansar os pés, porque não dava mais pra agüentar. Ficamos sentados num banco de pedra em frente à Libreria Internazionale Francescana, o que quer que isso seja, batendo papo com o Stefano. Stefano é amigo deles há anos, trabalha no Ipercoop e é um pedaço de mau caminho. Alto, físico de atleta, olhos penetrantes e sorriso perfeito, coisa MUITO rara por aqui, mesmo em se tratando de gente que tem dinheiro. Ao meio-dia e meia os noivos finalmente saíram da sessão top model; fomos cumprimentá-los, pegamos o carro estacionado em frente à peixaria e fomos pegar o Moreno em casa. Ele tinha trabalhado até meio-dia e vinte e não pôde ir à missa, sorte dele.

O almoço foi no hotel da família, lógico. Quer dizer, lógico seria se o lugar fosse suficientemente grande. Mas não é, e foi preciso dividir a galera: parentes no restaurante do térreo, amigos no restaurante da sobreloja, digamos. Gente demais, ar condicionado que não dava conta do recado, e todo mundo com dor de cabeça por causa do ar consumido, como se diz aqui. O antipasto foi servido em pé, no jardinzinho da frente, entre a cerca-viva de louro e oleandros brancos: espetinhos de tomate-cereja, mozzarella e manjericão, salada de trigo (deliciosa), enroladinho de massa folhada com recheio de espinafre e lingüiça despedaçadinha, enroladinho de massa folhada e recheio de salsicha (würstel), salada de rúcula, pinoli, uva-passa e parmesão, rolinhos de bresaola (um tipo de ensacado típico do norte, eu não gosto) com recheio de rúcula e molho branco, salame fatiado, lascas de parmesão (adoro), pedaços de queijos variados – queijo de leite de ovelha, queijo duro, queijo mais ou menos, queijo com tartufo, queijo com peperoncino. Água mineral, prosecco e uma coisa não alcoólica cor-de-laranja que não tinha gosto de nada. Terminado o antipasto, todo mundo pra dentro do hotel.

Demos sorte: não havia lugar marcado e dividimos a mesa para dez com Moreno e mais três casais de amigos do Peppe que o Mirco não via há muitos anos. Gente simpática mas meio paracula demais pro meu gosto; levaram uma hora e meia pra descobrir que eu não era italiana, mas a partir daí ficaram me encarando o tempo todo, como se eu fosse um bicho no zoológico.

O catering ficou por conta da empresa Il Quadrifoglio. As garçonetes eram muito simpáticas e eficientes. Na mesa, um cardápio pra cada um; fiz como manda a tradição e trouxe o meu pra casa, pra lembrar o menu da festa – normalmente o menu é a única memória que fica do casamento, e todas as conversas sobre festas de casamento giram em torno da refeição. Além do cardápio, um saquinho de algodão cru bordado em estilo inglês contendo, como manda a tradição, um número ímpar e superior a um de amêndoas confeitadas. Felizmente as de hoje eram cobertas de chocolate e não só de açúcar :) Como Peppe e Stefania são muito caridosos, os saquinhos foram comprados de uma empresa que dá trabalho a gente pobre em países pobres. Nossos saquinhos foram bordados à mão por mulheres de uma cidade indiana cujo nome esqueci. Muito bonitinho, e as amêndoas são deliciosas.

Comemos muito bem. Foram três primi piatti e dois secondi, na ordem: risotto di caciotta dolce (a caciotta é um queijo macio que não tem gosto de nada, e eu AMO) e fiori di zucca (flores de abobrinha), crespelle di asparagi (crêpes de aspargos) e ravioli di melanzane (berinjela), pomodorini Pachino e ricotta salata (Pachino é uma cidade siciliana que produz esses tomates pequenos, mas maiores que os cereja, famosos pelo sabor, dizem, maravilhoso. Eu não sou fã de tomate e pra mim é tudo a mesma coisa.), depois agnello farcito al tartufo nero di Norcia (carne de carneiro recheada com trufas negras da região. Normalmente acho carneiro pesado e gorduroso demais, mas esse tava uma delícia) con mazzolino di fagiolini al fumé (um maço de meia dúzia de vagens enroladas em uma fatia de bacon) e por último carrè di vitello agli aromi naturali (carne de vitela com ervinhas), patate fondenti (batatas deliciosamente gratinadas) e misticanza (salada mista). Pra beber, um Bianco di Torgiano pros primi, e um Rubesco pros secondi, tudo Lungarotti. Parece uma quantidade absurda de comida, mas não é, creiam-me: duas colheres de risoto, um mini-crêpe, seis ravioli pequenos por pessoa. Uma fatia de carneiro, uma fatia fina de carne de vitela, meia dúzia de fatias de batata.

Quando todo mundo já tava a ponto de desmaiar de calor, as garçonetes mandaram a gente ir lá pra fora, pro bolo e pra sobremesa. O bolo, simples, de três andares redondos e enfeitado com rosas verdadeiras, era imenso e quase caiu quando duas crianças passaram correndo na frente das três pobres coitadas que o carregavam. Um amigo fez um discurso engraçado, em versos, antes dos noivos cortarem o bolo. Fila pro bolo; eu ataquei os morangos, mas também tinha kiwi fatiado, abacaxi em pedacinhos, melancia em cubinhos, melão cortadinho. Pegamos nossas bomboniere, caixinhas de vime com saquinhos de chá do Sri Lanka dentro, sempre no estilo vamos dar trabalho ao pessoal dos países pobres. Uma ótima alternativa às normalmente ridículas lembrancinhas de prata que não servem pra absolutamente nada, custam os olhos da cara e só ocupam espaço. O nosso chá é de limão aromatizado com mel. Pena que eu não tomo chá.

E dali não agüentei mais e fomos embora porque já eram cinco da tarde e meus pés estavam literalmente me matando. Deixamos o Moreno em casa e nos mandamos.

Mirco chapou no sofá imediatamente, vítima da combinação calor + comida boa + vinho. Eu ainda resisti e vi um pedaço de Conduzindo Miss Daisy antes de chapar. Acordei com um toró dos diabos lá fora, tirei a roupa do varal em tempo, rezei pra chuva continuar e estragar a última noite da festa da primavera e voltei a dormir.

Reacordamos às nove da noite! Outro banho, troca de roupa e fomos pro tal rinfresco. Felizmente a chuva tinha passado, senão não teríamos conseguido chegar naquele fim de mundo. Chegamos tarde e já não tinha mais nada; as meninas do Quadrifoglio estavam desmontando as mesas. Ainda sobraram algumas bomboniere, e peguei mais uma: dessa vez era chá verde aromatizado com gengibre. Batemos um papo rápido com Roberto e Cristiana, com Carlo Belli, irmão do Mario, que casa mês que vem, com um amigo do Mirco que namora uma equatoriana, e fomos embora pra casa.

Eu custei pra burro pra dormir. Fiquei vendo Drácula de Bram Stoker na TV, que nesse momento me foi profissionalmente útil. Ainda terminei de ler o original do texto a traduzir, tomei um iogurte de banana e só fui dormir às duas e meia da manhã.


Postado por leticia em 17:59

04.06.05

greve

Greve dos jornalistas da RAI hoje. Resultado: telejornais ainda mais superficiais, incompletos e parciais do que o habitual, e o jogo Noruega x Itália transmitido sem narrador. Coisa muito estranha de se ver, diga-se de passagem.

Postado por leticia em 14:37

03.06.05

querem uma foto patografada, querem?

Quem viu La Prova del Cuoco na quarta-feira viu duas fotos do Legolas sendo mostradas no ar, ao vivo. A história é a seguinte: a Antonella, a apresentadora mais bonita, simpática, atolada e gorducha da TV italiana, tem um labrador chamado Oliver, que estava procurando uma namorada. Começaram a chover e-mails e cartas na redação do programa, invariavelmente acompanhadas de fotos de cachorros, machos e fêmeas, pequenos e grandes, velhos e jovens, feios e lindos, labradores, microcães, pugs, vira-latas e até outros bichos. Ela lê as cartas no ar e ainda há uma galeria de fotos. Semana passada resolvi mandar duas do Leguinho pra ver no que dava. Uma é inédita, uma dele deitado no chão de boca aberta e língua de fora, com um pedaço de pau na bocona, e a outra é essa. Antonella leu uma parte do meu e-mail no ar: esse é o meu cachorro brasileiro, Legolas, que brinca com os gatos – ou algo desse tipo. Mostrou as fotos e fez voz de criança pra dizer como era lindo ele dando beijo na gatinha.

Cachorro popstar são ooooooutros 500... ;)


Postado por leticia em 19:50

02.06.05

guerre stellari

Hoje foi feriado (dia da República) e aproveitamos o dia bonito mas não excessivamente quente pra dar uma passeada. Moreno estava aqui por perto e passou pra pegar uns negocinhos pra tapar os ouvidos. O pai tem um terreno perto de casa, onde planta videiras, batatas e outras coisinhas, e o dono do terreno vizinho às vezes se faz de desentendido e planta milho até dentro do terreno dele. Cansados de reclamar, resolveram fazer uma cerca. Pra fazer a cerca, precisa cavar buracos profundos, mas máquina esburacadeira faz um barulho danado e Moreno cismou que queria os negocinhos pros ouvidos. Aproveitamos que ele ia a Santa Maria e pegamos uma carona. Do terreno à casa da Arianna deve ser um quilômetro e meio, que fizemos a pé, admirando as belas casas da zona. Ainda demos mais uma volta com o Leguinho depois, pra distrair o coitado enquanto o Ettore não voltava da consulta pós-operatória. Meu carro e a lambreta estavam lá desde o início da semana, e aproveitamos pra trazê-los de volta pra casa. Almoçamos tagliatelle com molho de ganso e enquanto o Mirco chapou no sofá aproveitei pra terminar uma tradução chata.

Acabei dormindo também e quando acordamos já tava no final da tarde, e as provas de som pra festa aqui embaixo já tavam começando. Fomos ao cinema em Foligno, que é mais barato e mais tranqüilo, ver, finalmente, o último Star Wars.

O cinema tava vazio, como sempre. Em Foligno não há shopping center e os cinemas são de rua, de instalações modernas mas em prédios antigos, e aí neguinho não vai. Melhor pra gente, que não gosta de farofada.

Eu gostei do filme. Muito. Preciso rever todos os outros mais uma vez, pra entender detalhezinhos que me escaparam, mas achei muito maneiro. Nem vou comentar a canastrice do Anakin porque a Igor-ciganice dele é tão óbvia que nem vale a pena. Nem vou falar dos figurinos também, porque vocês tão carecas de saber que eu a-do-ro essas coisas. Vou reclamar é da dublagem/tradução italiana. Porque aqui Darth Vader virou Darth Fenner (com direito aos dois enes pronunciados comme il faut). Leia virou Leyla. Chewbacca virou Chewbecca. E Jedi, pasmem, se pronúncia djédi. Fora esses pequenos detalhes broxantes, me diverti muito. Jantamos no chinês ali perto e estávamos tão cansados da semana pesada que nem nos incomodamos com a música chata da festa, capotamos assim mesmo.

Postado por leticia em 23:54

01.06.05

ainda plantinhas - UPDATED

Já escrevi aqui mil vezes louvando as virtudes do cravo. Planta danada de resistente, dá flores bonitas, precisa de poucos cuidados e cresce terrivelmente na primavera. Olha que beleza.


E essa é minha mini-horta de temperos, que o Mirco carinhosamente apelidou de erbette del cazzo (não é um elogio e eu sou proibida de usá-las na comida). Em sentido horário, partindo do alto à esquerda: tomilho (timo), manjericão (basilico), hortelã (menta), rúcula (rucola). No centro, no vasinho pequeno, o famoso serpilho (serpillo), primo bastardo do tomilho. Na segunda foto, alecrim (rosmarino) e sálvia.


E as piante grasse, literalmente plantas gordas, que não sei como se traduz em português. As folhas são espessas e polidas, como um cáctus sem espinhos. A menorzinha não se abala com nenhuma condição climática estranha, e dá florezinhas amarelinhas que parecem de plástico. A outra foi a tal que a Arianna roubou uma mudinha da IKEA há três anos e plantou na varanda. Virou uma plantona linda. E sozinha na foto uma outra que a Arianna me deu, eu esqueci na varanda no inverno e murchou, e quando eu achei que tinha morrido definitivamente apareceram uns brotinhos lindos. Botei pra dentro de casa e ela continuou crescendo. Agora na primavera ela já tá firme e forte.

UPDATE: Ig acaba de me informar que as piante grasse em português chamam-se plantas suculentes. Nunca ouvi falar, mas eu sou botanico-ignorante mesmo. Mais detalhes aqui.

Postado por leticia em 08:43