10.05.06

malona

Eu tenho tido uns alunos meio estranhos ultimamente. A última figura que me apareceu hoje foi uma mala sem alça filha de uma outra mala sem alça que fez algumas aulas comigo e outras com a Liese, e foi odiada por nós duas. A filha já fez aula com todo mundo ali na escola, e sempre foi odiada por todo mundo; era uma espécie de lenda metropolitana que eu ainda não tinha conhecido.

Começamos mal: ela é o tipo de pessoa que acha realmente que uma aula a cada três meses, sem livro, só "conversação" (como odeio esse termo!), é suficiente pra manter o seu parco inglês funcionando. E quando vi a figura a coisa só piorou: clássica balzaquiana que pensa que tem 18 anos (tudo bem se você tem um corpo de 18, mas isso não significa que você tenha que se vestir como se tivesse 18, pelamordedeus), dois quilos de pó-de-arroz e base na cara, boca inchada de silicone, um nariz com cara de plastificado mas que não é porque o da mãe é idêntico, sorriso forçadérrimo de Katie Holmes, cabelos chapinhados até o bulbo, decote vertiginoso mostrando os peitos siliconados e a lingerie de florzinha, cinto com brilhantes na fivela, pulseira com o seu nome escrito em brilhantinhos, e, cerejinha no chantilly, um crucifixo imenso formado por duas vezes a palavra amore ao contrário, também de brilhantes. O perfume não podia ser mais óbvio: doce e fortíssimo.

Aí ela abre a boca e começa a falar. Tem duas lojas de roupas pra homens, uma no shopping de Trevi e a outra no centro de Foligno; de manhã ela não trabalha porque tem vendedoras nas duas lojas, e só começa no "batente" depois do almoço; é formada em Belas-Artes e desenha as camisas das lojas, mas já imagino o que não deve sair dos seus sketch books; nos fins de semana sai com os amigos pra discoteca. A conversation foi indo, horror dos horrores, aquela pronúncia italiana hedionda, palavras em italiano misturadas na conversa, ela disse que confundia inglês com francês (...) porque falava francês muito bem, embora tenha soltado um "Tulúse-Lautréc-a" em um certo momento; falou que viaja muito, ah, sim, porque viajar abre a mente (...), mas viaja sempre de excursão (..........). Quando fiz a pergunta fatal – o que você lê? – a resposta foi a única possível: "aaaah amo molto Paulo Coelho, Dan Brown, Sidney Sheldon..."

Juro, passei sessenta minutos me segurando pra não encher a garota de tapas na cara. Quando finalmente saímos da clausura, vi Simona sentada na secretaria, segurando o riso. Quando a mala foi embora, ela começa: por que demorou tanto? Tava doida pra ver a tua cara depois de uma hora com essa insuportável! Imita, imita! Você também sentiu vontade de encher a cara dela de porrada?

Simona e eu somos almas gêmeas em certas coisas.

Postado por leticia em 23:08

06.07.05

ai meus sais...

Paulo Cintura acabou de ligar cancelando a aula. Tá com diarréia, segundo ele porque comeu melancia gelada ontem à noite.

E viva a hipocondria italiana.

Postado por leticia em 17:48

04.07.05

a foca

Há alguns dias nossa querida vizinha fofoqueira, a Foca Monaca, nos surpreendeu. Eu sei que ela freqüenta a tia chata do Mirco, mas não imaginava que se lembrasse dos nossos nomes, até porque não damos muita confiança. Mas outro dia cheguei em casa depois de uma aula com o Paulo Cintura, às dez da noite, e dei de cara com ela e a família pegando um arzinho fresco em cadeiras de plástico no jardim de casa. O yorkshire histérico, que acho que se chama Jimmy mas não tenho certeza, começou a latir. Aí veio a surpresa, porque ela começou a falar com o cachorro, vai lá, Jimmy, vai lá com a Letizia, olha quem é, é a Letizia, Jimmy! E eu pensando, comé que essa mulher lembra do meu nome? Porque aqui, mesmo todo mundo me chamando de Letizia que nome mais italiano não existe, o fato de que eu não sou italiana faz com que todos esqueçam meu nome, automaticamente, como se eu me chamasse Mohamed, Ivanova, Suely Maria, Rosemary, Tanaka, Shun-Li ou outra coisa que eles não conseguem pronunciar. Estranhamente, quando eu chamei o cachorro veio, em vez de continuar latindo como sempre faz. Veio, e ainda deitou no chão, no meio da rua, de barriga pra cima. Enquanto fiquei lá coçando a barriga dele, porque afinal de contas ele é histérico e chato mas é sempre um cachorro, leia-se gente boa, a Foca se aproximou e começou o interrogatório:

- Ué, cadê o Mirco?
- Não sei, acabei de chegar, ainda não nos falamos. Não sei nem se está em casa.
- Eu achei que você trabalhasse com ele.
- Também trabalho com ele. Mas dou aula de inglês em Perugia quando não estou na oficina [reparem no meu estranho bom humor nesse dia; em vez dos tradicionais sim e não resolvi ser explicativa]
- Ah tá... E volta a essa hora?
- Pois é, coisas da vida.
- Você faz a contabilidade da oficina?
- Faço, entre outras coisas.
- Ah tá... E não tem secretária não?
- Não, sou eu a secretária agora, só que eu não fico lá oito horas por dia.
- Ah tá...

Nisso chega o Mirco de lambreta. Olha ele aí, eu digo. Por isso que ele não ligou como faz sempre quando termino de dar aula, porque tava de lambreta.

- Ué, mas ele usa lambreta? E o carro?
- Fui jantar na casa da Arianna [o Mirco não chama os pais de pai e mãe, mas de Ettore e Arianna]
- Ah tá... Mar por quê, o carro quebrou?
- Não, é que tá fresquinho, gosto de andar de lambreta. E eu queria parar na estrada pra pegar um girassol pra Z [sou eu], mas estavam todos muito longe da beira da estrada, não consegui.
- Ah tá... Então essa lambreta é de vocês, não sabia...
- Bom, vamos subir, né? Boa noite!
- Boa noite, boa noite!

Na manhã seguinte saímos cedo pra oficina e vimos a Foca sentada, de camisola lilás de babados, no balancinho do quintal. Dormindo.

Postado por leticia em 23:21

23.06.05

socorro

Reclamo dos Salames, mas não posso me lamentar tanto assim. Hoje dei uma das últimas aulas pro Aluno Endocrinologista, e quase morri de rir. Normalmente ele é fechadão e discreto, mas quando pega confiança começa a falar besteira. Conta uma piada atrás da outra, na maioria dos casos em dialeto perugino.

Hoje contou vários causos. Estamos no final do curso, só temos mais duas aulas semana que vem, já terminamos o livro, estamos na fase de revisão e exercícios, e ficamos horas fazendo Murphy e interrompendo a cada minuto pra falar besteira. O ar condicionado estava ligado mas ele ainda sentia calor; eu disse pra ele virar o vento pra nós (aqui ar condicionado é quase tudo portátil), e ele deu graças aos céus deu não ser daquelas que bota a culpa de tudo no ar condicionado. E dali passamos a trocar histórias de ambulatório e de crendices populares e a falar das doenças típicas de cada país.

Brasileiro adora botar a culpa de tudo no fígado, enquanto que o italiano tem várias doenças de estimação: cervicale, indigestione, congestione, normalmente causadas pelo colpo d'aria (golpe de ar, corrente de ar), ou por beber água gelada demais (...), ou por comer pimentão à noite, essas coisas sem pé nem cabeça, primas da manga com leite. Contei a história da veia do piolho que a Arianna tirou sabe-se lá de onde, e ele quase caiu no chão de tanto rir. Contei a história do Paulo Cintura, o aluno de quarta à noite e de sábado na hora do almoço, que disse que o pai "pegou" um derramamento pericárdico porque foi capinar o campo suado. Quem disse que consegui convencer o menino de que o suor não tinha nada a ver com a história? Principalmente porque está um calor do cacete? A primeira coisa que eu perguntei foi se o pai tinha insuficiência cardíaca, e é lógico que a resposta foi sim. Mas pergunta se ele entendeu que o derramamento era culpa da insuficiência? Pergunta se adiantou explicar o mecanismo do edema e do extravasamento de líquido? Nã nã nã, porque na semana seguinte perguntei se o velhinho já tinha saído do hospital, como estava, e ele respondeu: ele vai acabar tendo a mesma coisa de novo, porque insiste em capinar sem camisa, suado, ao ar livre. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!!

Como me irrita essa mania de não ligar o ar-condicionado porque senão dá congestão quando você sai no calor! Não adianta ver todo ano na TV os islandeses todos cozinhando na água quente dos geisers enquanto a temperatura do ar é gélida; não adianta contar que em tudo que é churrasco no Brasil neguinho faz sauna e pula direto na água fria da piscina, muitas vezes depois de uma feijoada básica; não adianta dizer que tudo que é americano só bebe líquido se estiver entupido de gelo, e isso não altera a incidência de "congestão" nos EUA. Não adianta, porque discutir com camponês é perda de tempo total e absoluta. Impressionante como neguinho aqui detesta uma novidade! Já falei pra Arianna mil vezes pra parar de reclamar das alfaces furadas pelas lesmas, e botar um copo de cerveja na terra como eu já cansei de ver na TV e de ler em revistas e na internet: as lesmas aparentemente são chegadas numa loura, e vão todas serelepes na direção do copo, achando que vão tomar todas, mas acabam se afogando. Poxa vida, quê que custa tentar, pelo menos pra ver se funciona? Não, jacaré. Melhor continuar reclamando das alfaces furadas, porque é assim que se faz há séculos. Vou te dizer, que canseira, viu.

Postado por leticia em 22:56

15.04.05

porrada! porrada!

Quarta-feira eu estava no bem-bom do meu lar, traduzindo minhas coisinhas depois do almoço, quando o Mirco liga da oficina pedindo pra eu ir buscá-lo porque um marroquino ex-funcionário dele tinha entrado no escritório e lhe dado vários socos e pontapés.

A história é a seguinte: ano passado meu sogro, que é buono come il pane mas péssimo pai, administrador e dono de cachorro, emprestou uma bela grana a esse marroquino. Até aí nada de mais, se não fossem os seguintes poréns: ele sempre se recusou terminantemente a emprestar dinheiro à filha, que queria abrir um bed & breakfast; o marroquino em questão já tinha sido mandado embora e readmitido por ele mesmo mais de uma vez; o marroquino em questão vivia arrumando confusão com todo mundo na oficina, até mesmo com os outros marroquinos, que não o suportam; alguns meses depois de ter pego o dinheiro, e tendo pago só duas prestações, o marroquino em questão pediu demissão e picou a mula. E então o Mirco entrou com o advogado na história.

Essa semana, provavelmente, deve ter saído a decisão oficial de que uma parte do salário dele, na nova empresa onde trabalha, vai ser descontada pra saldar a dívida com o Ettore. Como ele sabe muito bem que quem articulou a coisa toda foi o Mirco, porque o Ettore não sabe nem o nome do país onde mora a filha, quanto mais pra que serve um advogado, volta e meia o marroquino em questão aparece lá na oficina pra ameaçar. Inclusive os Carabinieri já tinham sido notificados, porque uma vez o marroquino em questão apareceu por lá ameaçando o Mirco de morte, entre outras coisas desagradáveis. Dessa vez ele entrou na oficina, porque o Ettore, que além de tudo aquilo lá em cima é teimoso feito uma mula, insiste em deixar o portão aberto, invadiu o escritório, onde o Mirco tava de costas pra porta, falando no telefone, e começou a porrada. Levou um soco só, o primeiro que o Mirco deu em toda a sua vida, e deu vários – porque infelizmente o imigrante, em certos aspectos, é mais bem protegido pela lei do que o italiano, e se o Mirco revidasse seriamente iria perder a razão. Conseguiram segurar o cara, que ainda falou alguma coisa em árabe com os outros marroquinos – eles o detestam tanto que contaram pra gente que os ameaçou caso testemunhassem contra ele.

Quando cheguei na oficina, os Carabinieri tavam lá anotando tudo, fomos ao hospital em Assis e ontem de manhã o Mirco foi entregar a denúncia formal e o relatório médico. Não houve nada de particular: contusões, hematomas, dor na nuca e leve tonteira, e dor no esterno, porque foi onde ele levou o soco mais forte, mas nada de ooooooooh. Só que agora fica aquela coisa: eu já cansei de surpreender o Mirco tarde da noite na oficina, concentrado no trabalho, às vezes no escritório, às vezes dentro do forno, pintando. Pular o portão é sopa no mel; eu mesma já pulei mais de uma vez, inclusive cheia de casacos e cachecóis. Um cara desses, que não tem nada a perder, entra armado na oficina, ou então entra desarmado mas pega uma chave de roda qualquer dos carrinhos de ferramenta, e bye bye lanterneiro. Legal, né?

Postado por leticia em 07:31

13.02.05

a outra vizinha

Quase todos os edifícios por aqui têm algum tipo de comércio no andar térreo. Nosso prédio tem um irmão gêmeo, que fica em cima de um bar e de um jornaleiro – na verdade o jornaleiro é uma continuação do bar e pertence ao proprietário deste, que larga a máquina de café pra lá pra ir buscar a revista que você pediu. Embaixo do nosso prédio há um salão de beleza (Parrucchiera Valeria), cuja placa luminosa, instalada num poste no canteiro central da rua de acesso ao aglomerado de casas e prédios onde moramos, é um ponto de referência em Cipresso. Você vem vindo pela estradona de Cipresso, e quando vir a placa Parrucchiera Valeria vira à direita, tá? Ao lado do salão da Valeria ficava uma loja de artigos pra caça e pesca (só coisa super útil, cês tão notando?) que era outro ponto de referência pra quem vinha lá em casa pela primeira vez. O nosso prédio não é o do bar, é o da loja de caça e pesca, tá? Quando nos mudamos pra cá a loja já estava desativada, com jornais velhos e amarelados colados nos vidros da vitrine, mas o letreiro ficou lá, vivo e forte, ajudando gente a encontrar o nosso prédio, até uns meses atrás. Não víamos ninguém, mas todo dia notávamos que um pedaço da vitrine estava livre de jornais, depois surgiu uma parede amarela, depois uma placa com um peixe encostada no chão, depois uma vassoura num canto. Achamos que era a loja de caça e pesca que reabria, ou um clube de pesca, ou uma outra coisa inútil qualquer. Até o dia em que surgiram, do nada, umas roupas horrorosas penduradas em CORRENTES, estendidas a esmo por toda a vidraça. Pela falta de cuidado estético e de qualidade das peças, TODAS claramente de tecido sintético, com costuras tortas e apliques em pelúcia, achamos que fosse um bazar de Natal ou coisa do gênero. Até o dia em que apareceram lá dentro um balcão com uma máquina registradora, um vaso de plantas e um aparelho de som. Na porta de vidro, uma fotografia de uma mulher com os olhos muito maquiados, o pescoço enrolado num lenço de oncinha esvoaçante, em uma pose daquelas de femme fatale, que eu honestamente acho incrivelmente broxantes. Ficamos achando que fosse algum bazar beneficiente pra uma menina morta, que seria a da foto, sei lá, não seria incomum. Até o dia em que o Mirco chegou em casa na hora do almoço dizendo que tinha ouvido no rádio algo sobre uma imprenditrice de Bastia que abriu uma loja em Cipresso, e pra conseguir o dinheiro necessário fez um calendário, bancado do proprio bolso.

E aqui pauso pra explicar o lance dos calendários aqui na Itália. Todo mundo que fica famoso faz um calendário, inevitalmente em trajes sumários, poses sexy e em um cenário paradisíaco e supostamente exótico (e conseqüentemente afrodisíaco, dizem). Todo VIP italiano já fez um calendário. Todo mundo que saiu do Grande Fratello já fez um calendário, ao menos. Pode-se dizer que o calendário é um indice de VIPidez, porque VIP que é VIP TEM que fazer pelo menos um calendário na vida. Não sei quem compra essas coisas porque honestamente se toda banca de jornal resolvesse vender tudo que é calendário que sai, não haveria mais espaço pra jornais, revistas ou coleções de bonecas de porcelana ou modelos de carros antigos.

Sei que a tal mulher fez o diabo do calendário pra cobrir as despesas da abertura da loja, que não tem nome nem letreiro nem coisa nenhuma, só a foto dela colada na porta com fita durex, lenço de oncinha no pescoço, os olhos afogados em kajal preto, na tal pose sexy. Mirco anotou o nome da mulher e assim que chegou em casa fomos direto catar na internet. Descobrimos links pras fotos do calendário, que são qualquer coisa. Imaginem uma mulher nem feia nem bonita, corpo que só fica legal quando ela levanta os braços e arqueia a coluna, com maquiagem feita em casa, camisolinhas que ela deve usar de verdade, fazendo poses ridículas em lugares absurdos – no bosque perto do estádio em Perugia, na cadeira da sala de estar, com direito a estante no fundo e tudo, enrolada em lenços coloridos, deitada no meio de folhas secas.

No dia da suposta grande inauguração da loja, em cima do balcão lá dentro viam-se umas garrafas tamanho família de Coca-Cola, uma bacia de plástico provavelmente cheia de salgadinhos gordurosos comprados no supermercado dos imigrantes, uma pilha de guardanapos brancos. Duas garotas, claramente suas amigas e não clientes, lhe faziam companhia. As luzinhas piscantes do aparelho de som denunciavam a presença de música, com certeza algo bem meloso da categoria da Laura Pausini. Mais nada.

A loja tá aberta desde antes do Natal e eu nunca vi ninguém entrando nem saindo, nem lá dentro, nem com sacolinha na mão ali pelos arredores. E olha que eu entro e saio de casa vinte vezes por dia.

Agora imaginem eu saindo de casa pra trabalhar outro dia e dando de cara com uma folha de papel pautado colada na porta da loja, com a seguinte mensagem escrita à mão, com caneta Bic Cristal azul: A LOJA FICARÁ FECHADA ATÉ A PRÓXIMA SEXTA-FEIRA, POR MOTIVO DE ENTREVISTA NA TV.

Gente, viver em cidade pequena é uma fonte eterna de grandes emoções. Juro.

Postado por leticia em 13:48

04.01.05

eu, hein

Devem ser as influências malignas dos Botenses, que só sabem falar berrando. Sei é que ultimamente quando chego em casa estou sempre com a garganta doendo, como se eu tivesse passado horas me esgoelando em um show de rock. Comecei a prestar mais atenção a como eu dou aula, e freqüentemente me pego literalmente berrando em sala, ainda que não seja absolutamente necessário, já que a única turma minha que tem mais de um aluno tem DOIS alunos, e que até onde eu sei não têm nenhum déficit auditivo. O que será isso?

Postado por leticia em 21:19

29.11.04

Da série no comments, ou pára o mundo que eu quero descer, ou devo realmente ter picado salsinha na tábua dos dez mandamentos pra merecer uma coisa dessas

Essa eu ouvi, ninguém me contou.

Eu, quando vi o filho bastardo do idiota do tio do Mirco com uma piranha escrota, de cabelo raspado na cozinha da Arianna ontem à noite, descascando avelãs: Ih, F., deu piolho na escola, foi?

Arianna: Pois é... Todo mundo tem aquela veia aqui na nuca, né, aquela dos piolhos...

Eu, depois de um breve intervalo de silêncio pra tentar captar o sentido da frase: Que veia?

Arianna: Aquela veia na nuca, de onde saem os piolhos!

Eu, sentindo a pressão arterial (que aqui se chama arteriosa, hahahahahahahahahaha) subir em alguns milímetros de mercúrio: Arianna... Piolho é bicho infestante, que nem rato, barata, pulga. Mosquitos. Tipo assim, eles vêm, passam de um cabelo pro outro porque as crianças brincam juntas, tocam muito umas nas outras. Piolho não pula, por isso que é mais comum em escolas e creches, adulto se encosta menos, pro piolho não somos bons hospedeiros.

Arianna: Mas e a veia?

Eu, já em ponto de arrancar os cabelos: QUE VEIA, ARIANNA? Eu tenho três anos de idade e estou coberta de piolhos, vou brincar de massinha do seu lado na creche, chego perto de você pra roubar a sua massinha verde que a minha acabou, encosto a minha cabeça na sua, o piolho tá lá nos meus cabelos, não sabe a diferença entre o meu cabelo e o seu, simplesmente vai andando numa boa, e quando vê está na sua cabeça e você está infestada.

Arianna: Tá, mas todo mundo sabe que piolho tem essa história da veia na nuca. Senão de onde vêm os piolhos? Onde eles ficam?

Eu, entrando em colapso nervoso, coma irreversível, animação suspensa: E de onde vêm os mosquitos? E as baratas? E os ratos? E as pulgas? Onde você acha que vão parar os mosquitos e moscas no inverno? Arianna, please, eu estudei Parasitologia por seis meses, é pouco, eu sei, mas eu vi o piolho no microscópio, estudei o ciclo de vida do piolho, eu tinha até uma professora louca de Parasito que imitava o piolho esmagado no microscópio. Pelamordedeus, não me venha falar de piolho em veia na nuca que eu me sinto desmoralizada.

Arianna, resmungando: Pode até ter estudado, mas...

Sorte que o tio idiota mudou de assunto, senão era capaz deu ter caído de joelhos e chorado ali mesmo.

Postado por leticia em 08:26

18.07.04

ai, meus sais...

Tenho feito vários inimigos no Orkut. Invariavelmente é gente que não respeita a diferença de gostos. A internet anda cheia delas.

Um paulista-oriental que insiste em não usar espaço depois da vírgula e tem um português péssimo abriu um thread recomendando a cozinha coreana. Eu falei que nunca experimentei e não quero porque tenho trauma, porque a Hunka tinha vizinhos coreanos que empesteavam o prédio no domingo, quando resolviam cozinhar. Escrevi isso lá porque achei que era uma historinha engraçada, não?

Pronto. Como você é preconceituosa! Como você pode julgar a culinária de um país inteiro por um vizinho que cozinha mal? Os restaurantes coreanos vivem cheios de gente famosa, deve significar alguma coisa, né? (ma che cazzo di argomento è???)

Respondi que nem que eu quisesse poderia experimentar comida coreana, porque aqui onde eu moro não tem. Um idiota responde, sempre em português sofrível:

Eu estive em Roma e vi restaurantes tibetanos, peruvianos, tailandeses, coreanos...

Eu não moro em Roma, querido. E restaurantes estrangeiros não fazem exatamente um sucessão aqui, como qualquer um que conheça um italiano pode demonstrar. O que você acha que um italiano pede quando vai a um restaurante chinês? Spaghetti com frutos do mar, frango com amêndoas, carninha na chapa. Nada de bizarro, italiano não gosta de arriscar quando o assunto é comida.

Ai vem a pérola do paulista-oriental (estou omitindo os erros de digitação e de gramática):

Viva quem aprecia comida estrangeira sem culpa...

Culpa? Não entendi.

Fechei com a Grande Verdade Universal: GOSTO NÃO SE DISCUTE, PORRA.

Postado por leticia em 09:35

17.07.04

num to intendeindo

Quanto mais o tempo passa e mais coisas eu vejo, mais dou importância à capacidade comunicativa das pessoas. Pois não existe inteligência emocional? Musical? Esportiva? Matemática? Com certeza existe comunicativa também. A diferença, acho, é que não se comunicar direito causa problemas em todas as áreas da vida, enquanto que ser desafinado, por exemplo, é só levemente desagradável.

Lembro da minha época da faculdade, quando fazíamos prova no anfiteatro principal, estilo anfiteatro grego, com bancos de madeira e total visibilidade das fileiras à frente. Eu enxergo muito bem e sou muito curiosa, e sempre tive o hábito de xeretar nas provas dos outros, mesmo quando sabia as respostas. E ficava impressionada com a incapacidade das pessoas de entender o que foi perguntado e dar uma resposta adequada. Via gente respondendo em páginas e mais páginas a questões do tipo "Cite três sintomas...". Eu pensava, cacete, citar NÃO é explicar, por que essa criatura está escrevendo tanto??? Ou não entendeu a pergunta ou não é capaz de escrever uma resposta sucinta – ambos defeitos graves, na minha opinião. Extrapolando um pouco a coisa, eu imaginava essa futura médica explicando a um paciente a sua doença, as opções de tratamento, os efeitos colaterais de uma medicação. Com certeza não seria uma explicação clara, muito menos sucinta.

Essa pessoa também com certeza vai ter problemas até quando for ao Ponto Frio Bonzão comprar um liquidificador. Como a senhora quer o seu liquidificador, senhora? Imagine uma resposta de meia hora, que não responde nada.

Claro que nem todo mundo sabe escrever bem. Cada um tem seu talento individual e seus defeitos individuais. Eu escrevo bem mas não sei desenhar nem casinha e também não sei fazer regra de três de cabeça, mas isso não atrapalha em nada a minha vida. Não tenho a pretensão de que todo mundo deva ser um Verissimo. O que eu acho é que neguinho anda muito burrinho, muito incapaz de entender e, consequentemente (que saudade do trema!), incapaz de se fazer entender. E isso não tem nada a ver com escrever e falar BEM, mas com escrever e falar pelo menos CLARAMENTE. Coisas muito diferentes.

(E eu diria que essa idiotice generalizada é um fenômeno muito brasileiro, porque em threads semelhantes a essa abaixo, em comunidades americanas semelhantes, a discussão é de altíssimo nível, tanto em termos de conteúdo quanto de forma).

Vejam os exemplos de um thread numa comunidade de ateus do Orkut. Começou com um topic do Eduardo, um evangélico chatérrimo que adora encher o nosso saco.

Já que vocês não acreditam em Deus, quero saber... 7/16/2004 1:43 PM
1. Todo Cristão é culpado pelas mortes causadas pela Igreja católica (que nunca foi muito cristã!) durante inquisição, etc?
2. Dentre todas as religiões existentes (teístas), quais o qual [SOCORROOOOOOOOO] você consideraria como a mais lógica?
3. Você se tornou ateu porque cansou da religião? Ou porque sempre procurou por Ele, e Ele nunca te respondeu?
4. Vocês acham mesmo que não tem fé?
5. Vocês acham que não existe nada além daquilo que podemos enxergar ou pensar?

Até!

Algumas respostas selecionadas pelo pouco nexo que apresentam (e reparem também nos repetidos assassinatos gramaticais. Os negritos gramaticais e os itálicos de sem nexo são meus, assim como os comentários entre colchetes.):

1. Claro que não, isso não tem nada haver uma coisa com (onde foi parar a preposição?) outra.

2. Na minha opniao, as mais logicas são o satanismo(como religiao pessoal) e o paganismo.

3. Na verdade eu nunca acreditei muito nessa história, as pessoas são ignorantes, coisas que não entendem dizem que é obra divina.

4. Essa história já esta morta, já foi mais do que provado que a fé nao tem nada haver com deus, ou religiao alguma, a fé é uma forma de pensamento positivo, isso já foi provado cientificamente (já pareceu no Fantástico inclusive.

5. Isso foi umas das coisas mais ignorantes que eu já , sem comentários.


Vejam que pérola do nonsense:

1 - aaah mas na inquisição o papa pediu desculpa depois. quantas culturas indigenas massacradas, nas cruzadas, sua igreja mediocre de lutero foi criada simplesmente porque a SIRG [reparem que estamos falando de um Império. Substantivo masculino.] queria anexar terras da igreja católica. a [o que seria isso? Um "Ah,"?] mas a 1 GM nao tem nada a ve com a 2 GM nem vo cita história
2 - na espiríta, foi a única que começou com processos lógicos e racionais antes de se jogar na fé com oq nao explicava (nao curto espiritismo)
3 - procurando ou nao procurando continuava a mesma coisa, novamente, se deus existe eu nao gosto dele e eu sou anticristo
4 - sim, na mesma intensidade que acho vc alienado
5 - se deus está até alem do seu pensamento, nao pode existir ;) vc sempre acaba caindo em contradições te perdoo


Outra:

1. Não é bem assim. Eu não confundo a igreja com o clero. Apesar de ser "mentirosa" [Quem é o sujeito? A Igreja, presumo], há muitos clérigos que podem passar uma lição de vida muito melhor que ateus revoltados e satanistas ou simplismente desinformados. Assim como tem clérigos que como muitos seres humanos é ganancioso [o plural onde foi parar?] e não se importa com a vida alheia. Eu imagino um ateu, na situação do clero, onde eles tinham [eu usaria um futuro do pretérito aqui, e vocês?] que manter o poder. Fariam [aqui ele acertou o verbo, vai entender] ainda pior, porque mesmo alguns inquisidores acreditavam que faziam o que faziam por deus. Se o ateu não acredita em um pós vida, seria ainda mais sarcastico. Claro, levando em consideracao que o ateu seja tão mal quanto o padre. Lembre-se, ha bons padres e maus padres. Assim como todo ser humano [falta alguma coisa aqui...].

2. Ah... Exceto o islamismo e algumas criadas na Reforma, todas são perfeitas, levando em conta a existencia de deus, pois todas explicam tudo ded um modo perfeito. Mas, como ele nao existe, nao ha religiao teista logica.

3. Me tornei ateu porque estudei. [Nota-se].

4. Em algumas coisas. Eu tenho fé que se eu soltar um lapis a uma certa altura ele vai cair. Mas em deus eu nao tenho.

5. Acredito que a ciencia chega lá e vai resolver todos os misticismos.


Minha resposta ligeiramente desaforada:

1. Não merece nem resposta, essa tua pergunta. O máximo que eu posso dizer é que aceitar fazer parte de uma religião que causou tantas guerras, tantas mortes, tanta pobreza e sobretudo tanta ignorância não é um bom indício de lucidez. Não importa se o Papa pediu desculpas ou não. Hoje a Igreja Católica não manda mais ninguém às Cruzadas, mas continua matando indiretamente, ao ser contra a camisinha em tempos de AIDS, por exemplo. Apoiar esse tipo de pensamento é ser conivente com as consequências. Que, diga-se de passagem, não são nada light.


2. Nenhuma, obviamente, já que religião e lógica são coisas diametralmente opostas, por definição.


3. Nunca acreditei em deus, porque nunca fez nenhum sentido pra mim, além de nunca ter entendido por que as pessoas precisam tanto acreditar nele. Meus pais tiveram a sensatez de não me batizar (ainda bem, porque essa imposição da escolha religiosa me dá um nojo que você nem imagina) e de não me botar em escola religiosa. Cresci livre pra pensar. Não é maravilhoso?

4. Isso tudo depende da sua gramática, querido. "Não tem fé" se refere a quem? Porque se você está perguntando se nós achamos que não temos fé, teria que ter botado um circunflexo no verbo "tem", pra fazer o plural. Como não botou, esse "não tem fé" pode querer dizer inclusive "não há fé". Nesse caso a resposta é sim, infelizmente. Infelizmente existe fé, aquela cega, que impede a visão do mundo ao redor. Aquela dos antolhos.

Marcelo, o seu exemplo do lápis não tem nada a ver com fé. Ter fé é acreditar cegamente. Quando deixamos o lápis cair SABEMOS que ele vai cair, e sabemos o porquê também. Saber é diferente de acreditar cegamente.

Não me batam, mas a minha única fé cega é a de que um dia o pessoal que se manifesta publicamente vai ter um nível de Português um pouquinho melhor e parar de botar vírgula entre sujeito e predicado, crase antes de verbo e de palavra masculina, vai parar de errar os acentos dos porquês. Será que é otimismo demais da minha parte? ;)


5. Essa também não merece resposta.

Eduardo, na boa, não subestime a cabeça do pessoal aqui. Só porque os outros escrevem mal, que nem você, não significa que são estúpidos e cegos, que nem você. Pelo contrário, os argumentos dos membros dessa comunidade costumam ser muito lúcidos e interessantes. Ao contrário dos teus, sempre repetitivos e desprovidos de embasamento científico ou de opinião própria. Culpa dos antolhos...

**

Uma das coisas mais tristes é a falta de coerência gramatical (pra não falar das idéias). Já cansei de ler respostas com diferentes erros sobre o mesmo assunto na mesma frase – como o que escreveu mau e mal acima, em contextos idênticos, acertando num caso e errando no outro. Que síndrome é essa da atiração pra todos os lados? O cara não sabe como se escreve "nada a ver", então ele escreve na mesma frase "nada haver", "nada a vê", "nada ver", pra ver se acerta em pelo menos uma? Queísso! Pelo menos escolhe um e fica fiel ao seu errinho! Eu tenho meus erros de italiano de estimação, que fico com preguiça de olhar na gramática pra consertar. Mas pelo menos são sempre os mesmos.

Gente estranha.

(podem deixar que eu darei detalhes da minha expulsão da comunidade.)

Postado por leticia em 13:10

18.06.04

uhuuu

Amanhã cedinho parto pra Todi, onde vou encontrar aquela mala do Leo, deixar o meu carro estacionado sei lá onde, e juntos vamos ao aeroporto de Roma pegar aqueles americanos milionários pra quem eu vou trabalhar como intérprete. Talvez eu volte amanhã mesmo e só comece a trabalhar de verdade do domingo até o começo de julho, mas de qualquer maneira não se assustem quando eu sumir: estarei rodando pela Toscana, vendo lugares maravilhosos que eu ainda não conheço, e podem deixar que estou levando meu diário convencional e quando voltar faço o relato completo.

E falando em gente cheia da grana, nem contei a história do canadense e seu Car from Overseas.

Estou eu entrando na agência outro dia, com a sólita má-vontade, quando vejo uma ruivinha sentada à frente da Roberta, uma das secretárias. O sotaque era inconfundível: ou era americana ou canadense. E era canadense. Ativei meus Super Ouvidos de Tuberculoso pacamanca Inc. e pesquei a seguinte história: ela era a assistente pessoal (será que um dia eu vou ser tão rica que vou precisar de assistentes pessoais em outros países?) de um canadense que comprou uma casa no monte, atrás de Assis (avaliada em 400.000 euros), e que, apesar de ter cidadania italiana, não tem residência oficial aqui, e por isso não pode comprar carro. Como aqui não rola nada sem carro, ainda mais pra quem mora no morro, ele quer trazer o carro dele do Canadá pra cá. Vou repetir, se alguém não entendeu direito: ELE QUER TRAZER UM CARRO DO CANADÁ PRA CÁ. E a discussão toda era em torno da possibilidade ou não de fazer uma coisa do gênero, em termos assicurativos. Parece que depois de sei lá quantos meses aqui, um carro estrangeiro tem que obrigatoriamente ser registrado na Itália e pegar placa italiana. Fiquei curiosíssima, needless to say, e outro dia, quando ela voltou com o tal canadense, que aliás é muito simpático e não tem a menor cara de milionário, até porque é bem jovem, eu bem dei um jeito de me intrometer e bater papo em Inglês. Não deu tempo de descobrir como é que essa criatura ganha toda essa grana porque o maldito cliente com quem eu tinha horário marcado chegou, mas eu já falei pra Roberta perguntar, assim como quem não quer nada, a próxima vez que ele aparecer lá (ele tem que ir levar e assinar uns documentos).

Postado por leticia em 09:31

28.04.04

tolinha

Diálogo surreal na padaria ontem:

Cliente: ...então eu acho que vou deixar esse sonho com chantilly e pegar o Diplomata. Tem menos calorias.
[O tal Diplomata é um doce de massa folhada com crema pasticcera e, last but not least, açúcar de confeiteiro por cima. Só pra ilustrar.]
Eu (que tenho o péssimo habito de meter o nariz onde não sou chamada): Senhora... No final das contas é capaz do Diplomata ter mais calorias do que o chantilly...
Cliente: Não, não, a crema pasticcera é mais leve, a massa folhada da Maria é muito leve...
Eu: Imagino que seja leve, não posso dizer com certeza porque não gosto de doces desse tipo, mas sei que de qualquer forma a massa folhada leva manteiga, assim como a crema pasticcera.
Cliente: Não, não, engorda menos. Olha que eu entendo um pouco de cozinha, sabe...
Eu: Bom, se é por isso, eu, além de cozinhar, sou formada em Medicina, ou seja, entendo um pouco também do valor nutricional dos alimentos...
Cliente, com cara de cu: Ah, a senhora é médica? Trabalha em Assis?
Eu: Não trabalho como médica.
Cliente: A senhora deveria experimentar o Diplomata, vai ver como é leve.
Eu: Não gosto de doce desse tipo, senhora.

A cliente sai. A padeira, que há anos serve a família do Mirco e já me conhece, olha pra mim com cara de coitada:
- Mas se a massa folhada leva manteiga, como é que pode engordar menos...?
- Exatamente.
- Bom, mas ela tava tão convencida... Melhor deixar quieto, né?
- É que eu tô cansada de ouvir besteira na boca do povo por aí, sabe...

Ela deu uma risada, embrulhou meu pão sem sal e eu fui embora.

Postado por leticia em 12:20

17.03.04

Domingo, antes daquela cachorração toda, resolvi aproveitar a temperatura agradável pra dar uma guaribada na minha mini-micro-horta de varanda. Além da jardineira comprida que a Arianna me deu meses atrás, na qual plantamos salsinha, alho, hortelã e aipo, eu comprei um vasinho de tomilho, um de tulipas, um de uma planta meio cactus mas com florzinhas bonitinhas, e sementes de manjericão e de cravos. Arianna me deu um vasinho de alecrim. Na sexta-feira eu tinha comprado mais uns vasos maiores e mais bonitos e um pacote de 20 quilos de terra, e no domingo transplantei o alecrim e o tomilho pra esses vasos grandes e fiz uma coisa que eu nunca tinha feito na vida: plantei sementes. Adorei a experiência. Queria tanto morar numa casa pra ter um jardim e poder me dedicar a essas coisas! Claro, ainda tenho que ver se os raios das plantas vão nascer. Não duvido nada que eu tenha plantado tudo errado e as bichinhas resolvam não sair da casca. Vamos ver.

**

Então segunda-feira começou o tal treinamento pra vendedor de seguros. Na verdade eles trabalham muito mais com investimento e planos de previdência do que com seguros, coisa que eu não sabia. No primeiro dia achei tudo um saco, fora a parte da tarde, dedicada ao sistema previdenciário italiano – muito esclarecedor. As pessoas que participam são meio estranhas:

Giacomo, de Fabriano, da mortíssima região Marche, onde nada acontece. É um sujeito alto, jogador de basquete, com voz profunda mas faz muitas pausas quando fala. É bonzinho e razoavelmente esperto e ontem implorou pra eu falar português na mesa do almoço. Acabei ligando pra FeRnanda e ele achou interessantíssimo.
Adele, que é de Abruzzo mas mora em Fabriano também. Uma lourinha baixinha e atarracada muito esperta, agitada e sorridente. Gostei dela.
Fabrizio, perugino (começamos mal) com o cabelo entupido de gel todo penteado pra frente (continuamos mal), cuja auto-apresentação na segunda consistiu em “a única coisa interessante e característica da minha vida é que sou fanático por futebol” (nem preciso dizer que a partir dessa palavra “fanático” essa criatura passou a ser ignorada pela minha pessoa).
Sabina, de só 19 anos, moradora do Lazio, uma chata de galocha, capa e guarda-chuva. Hiper arrogante porque é magra e tem um brilhante no nariz e outro no dente, e porque já trabalha na agência de seguros há um mês. Volta e meia solta comentários do tipo “aaaah, realmente, isso acontece muito”. Acontece muito o quê, cara-pálida? Um mês de experiência enfurnada numa agência te ensinou o quê? Maquiadíssima, fuma e tem orgulho disso, usa sapatos com ponta fina estilo mata-barata-no-canto-da-parede. Também digna do meu desprezo.
Silvia, perugina (começamos mal), advogada recém-formada, com dentes tortos E cinza (pronto, já não existe mais pra mim. Quem é Silvia?). Repete tudo o que o instrutor fala como se fosse uma conclusão brilhante dela mesma, diz coisas sem sentido só pra dizer alguma coisa. Mais ou menos como “Ah, é, mas então... Sabe? Pois é.”
Michela, perugina sem sotaque (começamos bem), formada em Ciências Políticas, suuuper calada mas muito clara e sintética quando abre a boca. Parece muito tímida, mas é inteligente. Se veste MUITO mal.
Antonio, napolitano barbudo que mora em Perugia há 9 anos. Muito calado mas simpático e não-burro.
Riccardo, de Foligno (começamos mal), clássico italiano Cepacol, magro, alto, de camisa social justa com colarinho altíssimo e punhos grossíssimos, gravata com nó gigante, calça justa e blazer de grife. Super calado. Fuma e tem cara de bobo.

O instrutor se chama Massimo e tem bem cara de vendedor de seguros mesmo. Muito esperto, engraçado, simpático, diplomático, também é jornalista esportivo e tem vários clientes jogadores de futebol. Gostei dele.

Pois então: segunda foi um dia chato, mas ontem foi mais divertido. De manhã falamos sobre comunicação. Depois de muito falar, Massimo nos fez ir lá pra frente contar alguma coisa que nos tivesse acontecido – qualquer coisa, só pra testar nossos talentos de comunicação. Eu contei o dia em que eu e Valéria almoçamos em Capri na casa de uma família que não conhecíamos, cuja prima Valéria conheceu no barco que nos levou de Sorrento a Capri. Fui aplaudidíssima e muito elogiada pelo meu incrível domínio da língua italiana, pela minha mímica facial expressiva, pelas risadas que provoquei – tudo coisa que eu já sabia, mas não custa nada ouvir de vez em quando. Mais tarde, conversando a sós com o Massimo, ele disse que eu não posso desperdiçar esse talento, não posso jogar fora esse emprego, que sou uma vendedora nata. Não gosto de vender, apesar de saber que o faço bem. Mas quanto a uma coisa ele tem razão: não posso jogar fora a oportunidade desse emprego. É uma empresa consolidadíssima no mercado italiano e internacional, há boas perspectivas de crescimento na carreira, o salário é ótimo, não vou ficar enfurnada numa agência mas rodando e conhecendo gente de tudo que é tipo, vou poder organizar meu próprio tempo, e ainda por cima vou aprender a mexer com dinheiro. Nunca tive grana suficiente pra investir em nada e não gosto de números, então realmente não entendo nada do assunto, mas gostaria de. Então acho que vou pegar. O treinamento vai até sexta-feira, e na segunda tenho que me apresentar na agência pra começar o estágio remunerado de 4 meses, renovável por mais 4, com possibilidade de carteira assinada no final desse período. Vamos ver. Se eu não gostar, pulo fora.

**

No almoço de ontem, Fabrizio o Perugino Retardado deu mais mostras do seu retardamento. Como qualquer pessoa limitada por um só interesse na vida (futebol, no seu caso), sua visão do mundo é muito restrita e sua ignorância é impressionante. CLARO que o papo acabou caindo no Brasil, e CLARO que ele começou a soltar um monte de besteira e eu acabei me irritando seriamente. Tipo:
- Ah, só de escutar a palavra Brasil eu já sinto um clima...
- Clima de quê, Fabrizio? É um país como outro qualquer.
- Ah, não é não... Tem toda aquela alegria, as festas, as pessoas dançando na rua...
- Quem foi que disse que as pessoas dançam na rua?
- Ah, todo mundo sabe!
- Todo mundo sabe também que todo italiano é mafioso e dança tarantella.
- Não é verdade!
(olhar congelante da minha parte)
- Eu sei também que rola muito tráfico de órgão no Brasil.
- Tenho certeza de que rola, como também rola aqui, mas o campeão mundial de tráfico de órgãos é a Albânia, meu querido. Nossos problemas são outros.
- Não, tenho certeza que é assim!
- Querido... Eu sou brasileira, morei lá minha vida toda. Você NÃO vai querer discutir comigo sobre o meu próprio país, vai por mim.
- Po, mas eu sei que é um país muito atrasado...
- Em muitas coisas sim, mas em tantas outras estamos anos-luz à frente da Itália. (mencionei o nosso avançadíssimo sistema bancário e as nossas eleições automatizadas. Ele fez cara de “é mentira”. Sorte dele que não tenho porte de arma).
- Fabrizio, na boa... Se você não sabe nada sobre um assunto, e claramente você não sabe nada sobre muitas coisas, é melhor ficar calado. Fica quietinho, fica.

Massimo muda habilmente de assunto. Fabrizio acende um cigarro, arregaça as mangas da camisa e vemos uma originalíiiiiissima tatuagem de teia de aranha no cotovelo. Também há um tribal muito mal feito no antebraço esquerdo e mais duas tatuagens nas costas. Pronto! Esse menino, que antes gozava apenas do meu saudável desprezo, agora entrou na categoria “o mundo seria melhor sem ele”.

**

Hoje o assunto é técnicas de venda. Acho que vou me divertir. Quero só ver Silvia, Fabrizio ou a mala da Sabina simulando vendas. Deles eu não compraria nem uma bala Juquinha. Minha religião não permite ter nenhum tipo de contato com gente da minha idade que tem dentes tortos E cinza.

Postado por leticia em 07:42

02.03.04

Diálogos reais no ICQ

Stranger: - Hi, where are you from?
Leticia:- I’m from a nice place where people are educated and don’t disturb strangers marked as “away”. I see you're not from there.

Fulano: - Oi, quer conversar?
Leticia: - Se eu realmente quisesse conversar, não seria com você, que eu não conheço. Se estou como “away” é porque não posso conversar, mesmo que quisesse, não acha?

Beltrano: - Quer tc?
Leticia: - Minha religião não permite nenhum tipo de contato com gente que ainda acha que “tc” esta na moda.

Tizio: - Ciao, vuoi chattare?
Leticia: - No, grazie, io non chatta. Tu chatto sì, però.

Postado por leticia em 13:58

18.02.04

Há um ditado italiano que diz que “il mondo è bello perché è diverso”. Realmente são as diferenças entre as pessoas que fazem a vida ser tão interessante. Mas tem vezes que isso tudo enche o saco e eu me pego suspirando, sonhando com vidas padronizadas como descrito em 1984 ou em Brave New World, que ainda estou terminando. Quando vejo a imbecilidade e a cegueira das pessoas tenho que admitir que um mundo onde todo mundo pensasse igual e vivesse anestesiado crente que está feliz seria muito mais fácil de se lidar.

Tô falando isso por conta desse bafafá do Blogger Brasil. Foi uma sacanagem sim o que eles fizeram, cortando acessos sem avisar nada. E a justificativa ridícula que deram não colou, nem por um minuto. Mas putz grila, gente, um blog é só um blog! Ninguém vai morrer se ficar sem blogar, ou se ficar sem ler um blog! Aliás, vendo a quantidade de besteira que neguinho bota na rede sem nem se dar ao trabalho de corrigir gramaticalmente antes de publicar, eu acho que foi é ótimo ter sumido esse bando de blog mesmo. Quem gostava mesmo da coisa e escrevia bem, ou pelo menos escrevia coisas interessantes, vai acabar simplesmente mudando de endereço mas continuando a escrever. Quanto aos blogs cheios de coisas piscantes, palavras despropositadamente em itálico e negrito no meio das frases, erros de Português lamentáveis, espero realmente que desapareçam no limbo internético e nunca mais voltem.

Solidária com o problema, que não me afetava diretamente porque, além de ter meu blog no blogspot, não sou boba e tenho backup de tudo, desde o primeiro post, traduzi o texto do manifesto que iríamos publicar em Inglês e Italiano. E inscrevi-me na lista que a Luciana Misura organizou pra manter o movimento organizado. Mas, caralho, exclamou a princesinha. Como neguinho é desprovido de objetividade! Como neguinho é tapado! Como neguinho tem prioridades erradas! Como neguinho pega o bonde andando E NÃO PERCEBE!!! E' impressionante a absoluta incapacidade que a maioria do rebanho tem de ler nas entrelinhas, de associar idéias, de extrapolar. Putz grila!

Tenho paciência pra isso não. Saí da lista. Não posso continuar participando de uma lista através da qual recebo 60 emails por dia, a maioria do tipo “é mesmo!!!!! Bjos!!!!!!”, outros super agressivos e mal-educados, atacando gente que não tem pissurucas a ver com a história. Ora, façam-me o favor. Depois o tráfico na rede fica lento e neguinho reclama. Se as pessoas usassem os benefícios da vida moderna pra se divertir, pra coisas úteis, pra aprender e/ou ensinar, em vez de encher o saco dos outros ou passar certificado de bocó, o mundo seria um lugar muito melhor pra se viver.

Coitada da Luciana, que criou o raio da lista e agora vai ter que embalar o Mateus que pariu.

Postado por leticia em 08:55

12.02.04

Última manhã de arrumação na loja do Fabrizio o Louco. Não fizemos nada além de botar Baygon em pó nos cantos e remarcar preços. Tudo aumentou, porque no ano passado a chuva foi pouca e caiu a produção de azeite, tartufos, cogumelos, vinhos. Fabrizio desesperado porque alguns produtos tiveram aumentos de até 5 euros! Né nada, né nada, 20 euros por um vidrinho minúsculo de tartufo em fatias finas é coisa de doido. Até o macarrão “artesanal” (cof cof) que ele vende subiu pra caramba, por causa da queda na produção de trigo. Um pacote de meio quilo de pappardelle all’uovo, que no supermercado compro rigorosamente igual por menos de um euro, ele vende por € 3,90. Quero ver arrumar cliente pra comprar.

**

Nas ruas, praticamente ninguém, apesar do dia lindíssimo. As ruas pertencem aos japoneses. Só eles têm vontade e saco de fazer turismo nessa época do ano, quando hotéis e lojas estão fechados. Desfilam em imensos grupos pra lá e pra cá, as mulheres de meia-calça colorida cobrindo pernas invariavelmente tortas e se equilibrando (mal) em saltos completamente inadequados a longas jornadas de passeios a pé, caminhando com os famosos micropassinhos saltitantes japoneses, algumas de maria-chiquinha, outras com cabelos de cores muito estranhas; todas com bolsas Burberry ou de alguma grife italiana, que só elas têm dinheiro pra comprar. Os homens de cabelo estilo capacete, muitos de cabelos tingidos de louro ou ruivo, a maioria com ralos bigodinhos adolescentes cultivados com cuidado. Todos, homens e mulheres, sempre rindo muito, entendendo pouco e tirando fotografias com o celular. Olhando pra eles, coloridíssimos contra o céu azul, parece até que estamos no verão, no auge da estação turística – a única diferença é que agora eles não desfilam carregados de sacolas de compras, porque as lojas só abrem lá pra março.

Voltamos pra casa na velha Twingo vermelha do Fabrizio, que ele dirige sempre em terceira marcha e a 50 por hora, mesmo nas estradonas vazias ladeadas de agriturismos que comunicam Assis a outras cidadezinhas como a nossa. Repete trinta vezes a mesma coisa, e me diz constantemente que tenho que rezar a Deus pra nos mandar turistas porque senão a loja fecha. Ahan...

Acho engraçado essa mania de catequese que só os religiosos têm. Acho religião um assunto quase tão pessoal quanto sua vida sexual ou convicções políticas. Se ninguém te perguntou, não tem por que tocar no assunto – ainda mais quando você sabe que o seu interlocutor tem idéias COMPLETAMENTE diferentes da sua. Mas não! Normalmente o que sobra em fé falta em bom senso, e eu sou obrigada a ficar ouvindo essas coisas, e sou tratada como aborígene porque não creio em nada. Vai ver que vencer pelo cansaço é uma técnica de caça dos católicos praticantes, quem sabe...

**

Mirco não vem almoçar hoje. Aproveito pra comer feijão com arroz. Já resolvi que hoje à tarde não saio de casa nem por um decreto. Vou só ali no Fabrizio, do outro lado da estrada, pegar meu dinheiro por esses 4 dias de trabalho, e basta. Vou ficar em casa, fazer faxina, ler meu livrinho e o jornal, terminar de botar em ordem essas bostas de faturas. Amanhã é dia de rodar por aí resolvendo coisas, então hoje compenso não saindo da toca.

Postado por leticia em 13:40

31.01.04

Dois novos modelos de mala no mercado, além dos famosos Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e se Acham OOOOS Alemães: são a senhorita Helio, que não entende nada de crase, apesar de estudar Comunicação Social, e a senhorita Alonso, que não paga as contas no restaurante (e também não entende nada de crase). Ou as duas não pagam as contas no restaurante e eu estou confundindo uma com a outra? Vai ver que fiz confusão porque o nível de chatice delas é tão grande que obscura as suas personalidades individuais e as transforma em um único Ser Desconhecedor de Crases e Pentelhador de Pessoas.

**

Ontem fomos ver The Jury, com aquela fofura do John Cusack, o fodão Gene Hackman e o eterno Tootsie Dustin Hoffman. Olha, eu falo, falo de subliteratura, mas adoro um Grisham. Não pela emoção, porque quem tem um mínimo de tarimba de cinema saca logo onde ele quer chegar, onde a coisa vai terminar; mas pelos sutis detalhes psicológicos e truques jurídicos, e pela revelação de novos pontos de vista sobre coisas aparentemente óbvias. Eu adoro filme/série de advogado e medicina legal. Pena que aqui eu não tenha TV a cabo, e na TV aberta só passa CSI (que eu amo, mas dublado tira metade da graça). Adorava Law and Order, Family Law e outros seriados do gênero. E adoro os filmes baseados em livros do Grisham. São todos essencialmente iguais, mas maquiados de modo diferente, digamos. Eu gosto. Gosto de ver aqueles diálogos absolutamente impossíveis na vida real, onde um personagem manipula as emoções e as palavras do outro com tanta facilidade.

Bom, mas também eu gosto de filme onde o carro cai da ribanceira e explode, tão querendo o quê...

Não que eu jamais vá ao cinema pra assistir a filmes mais densos. É que eu acho a vida já tão complicada que quando vou ao cinema quero só abstrair, relaxar, esvaziar o céLebro mesmo. E pra isso não tem nada melhor do que um bom filme hollywoodiano, cheio de chavões e com final meloso e feliz.

Mas tenho que admitir que a safra ainda muito ruim. Os últimos filmes super hiper mega fodas que eu lembro de ter visto foram Traffic e The Insider, anos atrás.

De repente eu me empolgo e termino de escrever o roteiro que comecei quando fiz o curso de roteiro cinematográfico na PUC, eras glacias atrás... ;)

Se bem que, do jeito que anda a coisa, mais fácil seria escrever um combinado de guia de turismo/tratado antropológico sobre a sociedade umbra/livro de receitas... Que viria, é claro, com uma foto patografada do Legolas de brinde.

Postado por leticia em 08:37

23.12.03

Ah, Roma...

Então eu pego o meu já amigo trem das 6:17 partindo de Bastia, me adormento e como sempre acordo em Orte, quando a cabeçada que trabalha/estuda em Roma entope o trem e faz um barulho danado; durmo de novo e acordo na Tiburtina. Dali são alguns minutos até Roma Termini. Pego um táxi e vou parar na embaixada da Sérvia e de Montenegro, numa ladeira lá pros lados da Villa Borghese. Quando eu estou esticando meu dedinho pra tocar a campainha a porta abre, e saem três eslavos batendo papo. Seguram a porta aberta pra eu passar, olham pra minha cara e dizem alguma coisa em eslavo. Eu faço a-han e penso, mas será o benedito? Eu com essa cara de nacionalidade não-identificada mas DEFINITIVAMENTE não eslava e esses falando comigo na língua deles? Entro, pego o visto, que leva dez minutos e vinte e um euros pra ficar pronto, olho pra cara do visto, que é uma etiqueta pré-impressa e preenchida à mão, dou tchau pro antipaticíssimo cara da portaria, e vou-me embora.

E aí começa a missão “vamos encontrar uma agência dos correios”. Os bancos têm tarifas altíssimas, então optei por abrir conta no BancoPosta, que cobra menos (e funciona super mal, uma vez que não é privado). Precisava tirar uma grana no caixa eletrônico, mas uma gorda antipática na banca de jornal disse que ali perto de onde eu estava só tinha uma agência, mas teria que caminhar bastante. Intrépida, habituada a caminhar quilômetros, fui seguindo as instruções da gorda: desci uma ladeira, subi outra, e dali tinha que subir umas escadas, que não achei. Entro num mercadinho/açougue pra pedir mais informações, e começa a italianada (muito semelhante à cariocada, diga-se de passagem):
- Fulano, mas não tem que subir as escadas?
- Tem sim. Vira ali à esquerda...
- Mas que esquerda, fulano! Direita!
- Direita?
- Direita sim, ali depois dos portões, tem as escadas, e depois das escadas vira à esquerda.
- Esquerda? Não tinha que descer a rua à direita?

No final das contas um romano gatinho (mas pequenininho; ó vida, ó céus, por que os mediterrâneos são todos pequenininhos? Não podiam ser altos também, além de charmosos e divertidos?) sai do mercadinho e me leva até as escadas. Faço o que tenho que fazer, e quando passo pelo mercado de novo, voltando pro ponto de ônibus que eu já muito espertamente tinha localizado como sendo-me útil, ele sai da loja e vem perguntar se eu achei a agência. Achei sim, darling. Sorrisos, buone feste, auguri, e vou-me, contente. Adoro esses arroubo de simpatia nas pessoas.

Pego o primeiro ônibus que me deixará numa estação de metrô. Desço na Piazza Barberini, pego o metrô, sempre entupido e sempre atrasado, e desço na Ottaviano. Dali caminho até a via Cola di Rienzo, resisto à tentaçao de uma lindíssima bolsa Gucci, tão falsa quando a cobra de onde em teoria saiu seu couro marrom, ando mais um pouco e entro na Castroni, ma-ra-vi-lho-sa loja de coisas comíveis de todo o mundo. Me emociono com o guaraná, a goiabada, o polvilho doce, o preparado pra pão de queijo. Compro leite condensado, pão de queijo, guaraná, feijão preto, doce de leite (infelizmente argentino). Pego o metrô pra estação de trem, almoço um McChicken e fico esperando o trem, que só sai às 14:14. Magari! Saiu quase às 15.

Sentado à minha frente, um tipo repugnante: o homem não-homem. O homem não-homem é transparentemente pálido, magro, tem ombros estreitos (ó céus, quer coisa mais broxante que ombrinhos estreitos?), tem mãos brancas e delicadas, aranhescas, os dedos longos e bem-feitos – mãos de quem não faz nada da vida, mãos de homem que não sabe nem trocar lâmpada. Uma delicadeza, uma fragilidade totalmente não-masculina. Joelhos pontudos marcam as calças jeans quando ele cruza as pernas como uma mocinha. A cintura é fina, a respiração é difícil – além de delicado deve ser vegetariano. Nojo, nojo.

O atraso do trem significa que perdi a conexão em Foligno. Um frio desgraçado, um vento maldito, um bando de gente que perdeu a conexão amontoada na cabine de espera na estação. A próxima conexão, que deveria sair às 17:06 (o que perdemos saía às 16:20), chegou na hora mas demorou pra sair por conta de um Eurostar que vinha no mesmo trilho e chegou atrasado, como todo bom Eurostar.

Eis que adentram a cabine duas brasileiras. Uma senhora com cara de baixo Q.I. e uma jovem de cabeça achatada e cara de empregadinha e a arrogância de quem acha que deu o golpe do baú. Essa última vestia um casaco comprido de camurça falsa cor camelo, forrada com pelúcia 100% nylon, no melhor estilo ursos Peposos. E aí começa a conversa assassina (assassinaram a gramática, ô ô):
- Não, muié, falta der minuto ainda!
- Ah é... Mas e as criança, hein? As criança hoje come em casa?
- Num sei não...

Por que é que eu tenho que ficar encontrando essas peças em tudo que é lugar que eu vou? Pra piorar, subiram bem no meu vagão! Logo logo a velhinha que tava sentada em frente à garota sacou, pelo óbvio sotaque “è liberu qui?”, que era estrangeira, e puxou papo. E logo a garota começa a sorrir e explicar que sim, “sonu brasiliãna”, saca da carteira umas notas de reais pra mostrar pra velha, desvencilha dos brincos de ouro fake (aqueles de 1,99 que se compram nas estações do metrô no Rio) uma mecha dos belos cabelos castanhos. Pronto! É assim que começa, comprovando a eficácia da campanha boca-a-boca: a velhinha provavelmente vai contar a uma média de 9 pessoas do seu círculo de amizades o encontro que teve com a brasileira, coitadinha, tão lerdinha, tão despreparada, mora aqui há anos e ainda não aprendeu a língua, feito uma mexicana qualquer... Cada retardada dessas fora do Brasil dificulta em uns 5% a vida de brasileiras normais que vão morar no exterior com a melhor das intenções e grande capacidade de adaptação. Dei à garota um olhar schifoso quando me dirigi à saída do vagão, depois de ter guardado na bolsa meu último Ian McEwan (Atonement. Lento, mas interessante.).

Desço em Bastia, pego o carro (estou com a Fiat Punto do Mirco, que trocou de carro) e vou à oficina, deixar a Punto e pegar o Volvo do lanterneiro, porque o carro dos eslavos quebrou e eles vão pra casa com a Punto do Mirco. O vento sacode o carro, que vive embaçando desde que limpei os vidros com desembaçador, há muuuitos meses atrás; não vejo nada, o aquecedor demora pra engrenar, minhas mãos congeladas dentro das luvas, meu nariz mais duro que mármore, meus pés insensíveis, com as terminações nervosas todas congeladinhas, coitadas. Chego na oficina, troco de carro, volto pra casa. Não tenho vontade de fazer nada, mas amanhã é dia de fazer os doces pra família da Marta...

- C***lho, exclamou a princesinha, preciso descansar!

**

Natal pra mim significa somente o aniversário do meu pai, e um feriado. Mas como convenção social é convenção social, desejo a vocês, que acham essa data uma coisa especial, um Natal interessante (poucas qualidades são, pra mim, mais importantes do que interessante). Esse ano não consegui mandar cartão pra ninguém, coisa que muito me envergonha, visto que tenho muito orgulho de ser adepta do snail-mail. Mas perdoem-me; 2003 foi um ano horripilante e cansativo, e não só por causa das minhas 4 mudanças de casa. Não tenho forças pra escrever nem telegrama, quanto mais cartão de Natal. Por isso considerem-se todos devidamente abraçados, beijados e presenteados. E que todo mundo, inclusive eu, tenha um 2004 show de bola. Até porque a Ane, com quem tive o prazer de falar hoje no telefone, tem razão: pior do que 2003 é difícil, viu, meus queridos.

Postado por leticia em 19:12

10.11.03

socorro

A garota da calça dourada hoje esta com tenis-bota E jaqueta prateados. Ui.

Postado por leticia em 11:54

08.09.03

...

Então vamos ao exercício de hoje:

Relacionar as colunas, onde a primeira coluna representa mais ou menos (não tô com saco de procurar no post e copiar igualzinho) o que eu disse nos posts sobre a feiura dos alemães, e a segunda coluna representa o que os patetas do forum de brasileiros na Alemanha interpretaram:

(a) Como os alemães são feios!
(b) Tenho horror a brasileira caça-gringo
(c) Almoçamos no Burger King...
(d) Ninguém fala Inglês em lugar nenhum!

( ) Odeio os alemães
( ) Freqüento o Burger King
( ) Falo Inglês tão mal que ninguém me entende
( ) Toda brasileira é caça-gringo

Outro exercício, dessa vez relacionando os contra-argumentos dos patetas com os meus comentários:

(a) Como os alemães são feios!
(b) Como os alemães se vestem mal!
(c) Berlim é feia, suja e cheia de punks esquisitos
(d) Os alemães não sorriem jamais

( ) Os italianos têm pernas tortas
( ) Os italianos são filhinhos de mamãe
( ) Por que tantos travestis brasileiros vão trabalhar na Itália?
( ) O trânsito nas cidades italianas é louco por causa das lambretas, enquanto que na Alemanha o trânsito é super
organizado


Agora analisem comigo: mesmo que os argumentos da segunda coluna forem verdadeiros, Berlim torna-se, aos meus olhos, mais bonita, os alemães mais belos, simpáticos e bem-vestidos? Não, né. Então tá.

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Ontem eu e Claudia trabalhamos na loja desde as onze da manhã. Só nós duas, sem o louco do Fabrizio, que é super gente boa mas absolutamente biruta e cansativo. Super light, poucos e bons clientes, gente disposta a pagar € 8,50 por um pacote de biscoitos de amêndoas, € 25 por uma garrafa de bom vinho umbro, € 28/kg de presunto de javali. No meio da tarde, quando o movimento tinha caído bastante, aparece uma americana meio mendigona, amiga do Fabrizio (ele é amigo de tudo que é maluco em Assis. Acho que ele se sente culpado porque nos paga mal e não nos dá presente nem bônus de Natal, nem adicional por trabalhar no feriado, e porque acha ruim que nós comamos na loja, então faz caridade pra quem não faz nada da vida. Bem do jeito que eu gosto.). Perguntei como é que ela foi parar em Assis, vindo da Pensilvânia, e ela começou a contar toda a história da sua vida, sua vocação para o claustro, suas duas expulsões de dois conventos das Clarissas, o tempo passado colhendo algodão no Novo México, entre outras coisas. Isso tudo bebendo uma cervejinha Moretti, que ninguém é de ferro (eu não, ela; não bebo cerveja). Quando viu uma procissão passando pela praça, indo na direção da Basilica di S. Francesco, foi pra porta da loja se benzer e pensar se deveria ir atrás ou não. Resolveu que não, porque o pessoal andava rápido demais, e suas pernas velhas não aguentavam. Então deu um longo suspiro e me perguntou se eu rezava. Respondi que não. Ela perguntou se eu sentia a presença de demônios. Levantei uma sobrancelha e disse que não só não sentia nada, como não acreditava em demônios. Então ela deu a sentença final: então, minha filha, você está de bem com Deus, e não precisa nem de reza, nem de psicólogo.

Mesmo ela tendo botado Deus no meio, adorei a velha.

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Estou no pior dos humores hoje. Esse tempo nublado ACABA comigo. Acho que vou fazer uma sopinha de ervilha básica pra ver se eu melhoro, jah que nao posso contar com o lanterneiro, que estah de cama com febre alta e amigdalite.

Postado por leticia em 11:23

05.09.03

Giovanni, que é como chamamos o Ion, romeno que trabalha fazendo os toners pra impressora a laser, voltou das merecidas férias na Romenia trazendo o filho pequeno, que ele nao via hah tres anos (porque sem documento nao podia voltar pra casa, e o permesso di soggiorno dele soh saiu no inicio de agosto). O garoto se chama Andrei e é uma gracinha, olhoes azuis como os da mae, que também trabalha aqui empacotando cartuchos. Fala pra caramba; logo logo vai aprender italiano. Virou logo o xodoh da empresa: a mae do Chefe Meio Idiota acaba de sair com ele na Mercedona do Chefe pra fazer compras. Ela é uma mulher microscopica, sabe quando a gente ve uns carros na rua que parece ter motorista invisivel, e depois olhando melhor vemos que tem alguém muito pequeno dirigindo? E' assim. Ela dirigindo (e fumando, que chaminé, putz grila) e o garoto atras; ela falando italiano e ele romeno. Que espetaculo :)

Postado por leticia em 17:05

08.08.03

ui

Indumentário do Chefe Meio Idiota hoje:

- calça laranja
- camisa listrada, fundo roxo escuro, listras finas nas seguintes cores: laranja, azul-claro, amarelo-claro, marrom
- sandálias de couro.

Homem com sandália de couro definitivamente faz parte da minha lista de Coisas Que Deveriam Ser Universalmente Proibidas/Exterminadas. Junto com dente de ouro, gente que cospe no chão, gente que joga lixo na rua, homem com qualquer tipo de jóia, de qualquer cor, tamanho, material ou simbolismo, louros/as falso/as, lingerie preta sob roupa branca, homem fazendo jogging só de sunga e tênis, homem fazendo jogging acompanhado de poodle, poodle, pimentão, azeitonas, dobradinha, perfume doce, todos os fumantes do mundo. Entre outras coisas.

Postado por leticia em 12:49