29.03.04

Não custa repetir: Roma é tudo na vida...

A intenção ontem era das melhores. A irmã do Mirco voltava da Holanda pra temporada de verão no agriturismo toscano onde ela trabalha há três verões e precisava de carona pra buscá-la no aeroporto. Seu vôo chegava às 17:35 no aeoporto menorzinho de Roma, o Ciampino, e decidimos aproveitar a viagem à cidade que é tudo na vida pra entrar de graça no Museu do Vaticano, que abre grátis no último domingo de cada mês. Deveríamos ter saído cedo de casa, mas com o horário de verão que entrou na madrugada de sábado pra domingo, não tivemos forças pra sair antes das 8:30. Considerando que daqui a Roma são quase 2 horas de viagem, mais o tempo pra ir do aeroporto ao centro, quando chegamos já era a hora do almoço. Mas vamos com calma.

Como o Mirco, além de odiar dirigir, tava morrendo de sono, eu acabei pegando no volante enquanto ele roncava no carona. A viagem foi agradável e tranquila, o dia estava leeendo, fora os bancos de neblina entre Fratta Todina e Acquasparta, a temperatura estava amena, Live tocando no CD player. Deixamos o carro no estacionamento do aeroporto e pegamos um ônibus que nos deixaria em Anagnina, estação final da linha A do metrô de Roma.

O buzão faz um caminho muito esquisito, passando pelo centro da cidade de Ciampino, que é horrorosa, feito com uma cidade qualquer do Vale do Paraíba; por uns cruzamentos perigosos; pela autostrada onde o limite de velocidade é 130 km/h; tudo muito estranho. Descemos na Anagnina, que deve ser uma das estações de metrô mais esculhambadas do mundo. Saca feirinha de coisas inúteis? Saca camelódromo? Agora bota um bando de chinês ilegal vendendo essas coisas inúteis em barracas ou em panos estendidos no chão. Imagina uma quantidade indescritível de lixo, papel, guimbas de cigarro (malditos fumantes escrotos), copos e garrafas de plástico, bilhetes velhos de ônibus e metrô, tudo isso esvoaçando pra lá e pra cá e se amontoando nos cantos. Imagina um mar de gente feia, mal vestida e fedorenta comprando essas muambas ridículas. Parece com alguma estação que você conhece? Conheço várias no Rio que poderiam ser a Anagnina.

Enfim, pelo menos conseguimos lugar pra sentar no metrô, já que o pegamos na estação inicial. 19.786.641,72 estações depois descemos em Cipro e fomos seguindo as plaquinhas pra chegar no Vaticano, crentes que íamos descolar uma tarde cultural di grátis. Como somos inocentes! Não imaginávamos que TANTOS outros unhas-de-fome como nós estariam lá, formando uma fila grossa e incrivelmente longa, e que ainda por cima, por ser italiana, era tão confusa que tinha que ser organizada por guardas de trânsito. Lógico que o programa cultural furou. Pegamos o metrô de novo (os ônibus não passavam no horário porque várias ruas estavam interrompidas por causa da Maratona di Roma) e descemos na Piazza di Spagna. Acabamos almoçando no McDonald’s, porque almoçar em cidade turística é sempre muito arriscado, então preferimos cair no "risco seguro" do Mc. Depois fomos à sorveteria La Palma, atrás do Pantheon, pra tomar sorvete: eu de maracujá e doce de leite com Nutella, o Mirco de maracujá e babà (é um doce napolitano).

Fomos dar umas voltas, o Mirco mancando porque não quis levar a muleta e eu morrendo de vontade de apertar o passo, porque pra mim é muito difícil andar devagar. Acabamos indo parar na minha piazza preferida, a Navona, onde fica a nossa embaixada. Mirco deitou num banco e dormiu no sol, feito um mendigão, enquanto eu olhava o desfile de turistas e artistas de rua. Em um certo momento esses três loucos pararam pra bater papo: o de fraque já vi várias vezes em diversas piazze de Roma, com seu monociclo; o patinador eu nunca tinha visto mas tinha uma cara de louco que nem te falo; o outro obviamente fazia esculturas de balão.

Ali mesmo na Navona barganhei com um africano uma bolsa fake da Prada muito bonitinha. O engraçado é que o mercado informal italiano é todo segmentado: africanos vendem bolsas falsas, paquistaneses e indianos vendem castanhas e, quando chove, guarda-chuvas, chineses vendem coisas inúteis, como gafanhotos de papel e as clássicas quinquilharias paraguaias. Cada um na sua, sem invadir o segmento de mercado de ninguém.

Voltamos à Piazza di Spagna e pegamos o metrô de volta a Anagnina. Não tinha UM italiano no nosso vagão, eram (éramos...) todos imigrantes, de tudo que é lugar do mundo. Gosto de cidades cosmopolitas, mas não nesse estilo – estilo pobre-feio-mal-educado-desdentado-fedorento que vai pra Zoropa ganhar a vida mas continua se vestindo com casaco de plástico imitando couro, botas felpudas, roupas azul-royal, cabelos mal tingidos de louro. Mas fazer o quê, é a vida. De Anagnina pegamos o buzum de novo pro aeroporto, Stefania chegou pouco depois, e picamos a mula de volta pra casa. Jantamos na Arianna e vim pra casa dormir que não me aguentava em pé.

p.s.: essa é a Poppy, "labratriz" simpaticíssima que encontramos no Pantheon.

Postado por leticia em 20:20

27.03.04

mindinho verde

Minha floresta varandal, transferida da varanda da sala pra varanda do quarto pra tomar banho de sol da tarde. Lá no alto, o cactuzinho estranho com suas estranhas "flores" vermelhas. Nos três vasos médios, da esquerda pra direita: tomilho, o manjericão tímido, as tulipas do supermercado. No vasão de cima, a sálvia. Ao lado dela, no vaso menorzinho, os brotinhos de cravo (tão vendo os pontinhos verdes? São eles :) E na parte de baixo da foto, meu alecrim querido.

Postado por leticia em 17:54

ui!

Ontem, na TV, no meio de uma das enésimas reprises de Hunter (essa porcaria passava no Brasil?) – aquelas reprises tipo tapa-buraco-na-programação – vejo o George Clooney novinho, FEIO, com cara de mexicano, e usando ombreiras!!! A Mastercard tem razão mesmo: certas coisas não têm preço...

Postado por leticia em 17:52

jean e mel

E fomos ver I Fiumi di Porpora 2, que não sei como é em português – Rios de Sangue, talvez? Rios Vermelhos? Eu gosto de thrillers com tema religioso. Acho a história de qualquer religião uma coisa tão sinistra que não consigo imaginar um background melhor pra ambientar um filme desse tipo. Então fui toda pimpona, crente que ia ver um filmaço, tipo Second Name, do qual gostei muito. Doce ilusão, ó paca.

O filme começa mais ou menos bem, com algumas belas imagens e o charme antipático do Jean Reno. Mas logo o roteiro começa a mostrar-se como é: incrivelmente esburacado e sem sentido. Não se explica nada, não há nenhuma noção de tempo ou de espaço, os personagens não têm nenhuma profundidade, TODOS os lugares do filme são sinistros e lúgubres (vai ser óbvio assim na China), e há vários absurdos científicos que só podem ser resultado de duas coisas (ou uma combinação delas): 1) a certeza de que os espectadores são todos idiotas E desinformados e 2) preguiça de fazer direito a pesquisa necessária quando se fala de anfetaminas, de Linha Maginot, de Bíblia. Saí do cinema decepcionada. E isso me deixa meio irritadinha.

Então começamos a falar sobre o filme do Mel (sentiram a intimidade?), que felizmente não vai ser dublado quando sair aqui, dia 7 de abril. Acaba que o Peppe, amigo carola do Mirco, já viu o filme, legendado em Inglês, num CD piratão que depois foi devidamente repassado aos frades do convento que ele frequenta (aquele onde fomos ver um jogo da Juve ano passado, vão lá procurar nos arquivos que eu não lembro mais quando foi). Vamos ver se ele faz a caridade cristã de nos fazer uma cópia do CD. Porque eu não tô a fim de pagar 7 euros pra ver esquartejamento de ninguém na tela, mas ao mesmo tempo tô morrendo de curiosidade...

Postado por leticia em 08:59

caninos brancos

Ontem passei pela minha primeira experiência dentística aqui na Itália. O lance é que eu não ia ao dentista há séculos, porque obviamente confio mais nos dentistas brasileiros, mas como a viagem ao Brasil não sai, decidi parar de empurrar com a barriga e fazer a limpezinha básica de sempre.

Devo confessar que tava com uma certa meda. Não medo "de dentista" em geral: nunca tive cárie e as únicas vezes em que tive que tomar anestesia foram pra arrancar um dente de leite que se recusava terminantemente a cair e pra tirar um siso. Ou seja, nada de traumas odontológicos. Mas as histórias que circulam por aqui sobre um famoso dentista-açougueiro em Assis me deixaram meio relutante. E o Mirco não ajudava muito quando dizia que seu dentista não tinha alguns dentes. Não preciso nem dizer o quanto é grande meu desprezo por dentistas com dentes mal-cuidados – só se equipara ao meu desprezo por médicos que fumam. Mas como não tendo tu, vai tu mesmo, e eu já tava ficando nervosa sentindo meus dentes sujos, ontem fomos lá limpar nossos caninos.

Acaba que o cara é um amor, fez Medicina e se especializou em Odonto (há muitos anos atrás era assim que se fazia aqui), não tem dois dentes da frente porque nasceu sem (se chama “agenesia”. Lembro que meu primeiro cadáver, em Valença, tinha agenesia de um musculinho bobo da batata da perna...), fez vários cursos de especialização nos EUA, bate papo pra caramba, viaja pra burro, e tcham tcham tcham tchaaaaaaaaaam NÃO ME COBROU NADAAAA! Do Mirco cobrou 40 € em vez de 50, mas de mim, que sou “colega médica e ainda por cima brasileira” (a boa fama dos dentistas brasileiros é internacional, quéridos), não cobrou nada. ADOOOORO quando isso acontece, ainda mais quando estou completamente a seco no banco... ; )

Claro que o consultório do cara não é nenhuma chiqueza, não é todo tecnologicamente modernoso como costumam ser os dos nossos dentistas tupiniquins. Inclusive acho que ficaria muito estranho, já que o prédio dele fica na praça mais no alto de Assis, é super antigo e as salas são meio cavernas, como uma adega. Mas ele foi competente, usou todos os instrumentos aos quais estou acostumada, e ainda elogiou a minha técnica de higiene bucal. Mal sabe ele que 80% do mérito são da genética e dos antibióticos que tomei na tenra infância, que deixaram meus dentes menos brancos porém incrivelmente resistentes (como os do Mirco, que também nunca teve cárie).

Postado por leticia em 08:50

25.03.04

enquete

Alguém mais tá tendo problemas pra ler o blog ou é só a minha mãe?

Postado por leticia em 08:36

a menina do mindinho verde desbotado

Fiz uma série de transplantes vegetais anteontem. Passei as tulipas pra um vaso maior, o tomilho pra um vaso mais bonito, a salsinha pra uma jardineira só dela, a primula pra um vaso maiorzinho, embora tão vagabundo quanto o velho, o cactus-zinho idem. Joguei fora o alho, que cresceu pra cima e pra baixo mas pros lados que é bom, nada. E quando fui remover a salsinha, fui achando umas raízes malucas que ocupavam todo o “subsolo” da jardineira, formando uma rede fortíssima que eu não conseguia arrancar nem com a vaca tossindo. Era o hortelã! Que planta desgraçada!!! Umas raízes grossas, fortes, compriiiiiiiiiidas, e folhinhas nascendo em tudo que é lugar, absolutamente sem terem sido convidadas! Falei ah, é?, e replantei várias mudinhas dela num micro-vaso. De repente assim, sozinho num espaço confinado, meu hortelã toma tento e pára de querer dominar o mundo.

Ainda no assunto jardinagem tabajara, ando preocupada com meus dons vegetalizantes. As sementes de cravo que eu plantei já estão brotando, e são a coisa mais linda de se ver! Mas o manjericão ainda nem deu as caras. Pode ser culpa do tempo, que há semanas anda no estilo Londres, com direito a fog, céu cinza, chuva, chuvisco, frio, encheção de saco. O manjericão é chegado num calorzinho, e tenho que admitir que se eu fosse ele também não teria brotado ainda, só de despeito. Dizem que no fim de semana o sol deve finalmente aparecer. Vamos ver se o manjericão resolve fazer o mesmo.

Postado por leticia em 08:35

24.03.04

16 euros a pequena

O jantar em Deruta até que foi agradável. O restaurante, escolhido pelo Super Chefão da Iron, fica numa casa antiga de pedra muito bonita, mas com estacionamento precário e perigosíssimas escadas em caracol. O menu era fixo:

Antipasti:
Verdure grigliate – abobrinha, berinjela e pimentão na grelha
Affettati (frios fatiados) – prosciutto crudo, pancetta (bacon enrolado), salame
Fave – favas num molhinho picante delicioso
Fagioli e salsiccia – feijão e linguiça desmanchada num molhinho delicioso

Primi:
Macarrão curto in bianco (sem molho de tomate) com linguiça e aspargos
Macarrão longo alla perugina (molho de tomate com linguiça)

Secondi:
Carne fatiada com radicchio e vinagre balsâmico (nem precisa dizer que dispensei alegremente... Vinagre me faz vomitar e radicchio cru não é muito a minha praia)
Lombo fatiado com vagem refogadinha levemente picante (uma delicia)

Dolce:
Mousse de chocolate, miraculosamente bem feita – digo miraculosamente porque a maioria dos restaurantes acha que qualquer creme de chocolate é mousse, quando na verdade sabemos que mousse é aquela toda furadinha, aerada, leve, delicada.

Café, grappa, limoncello e vino liquoroso. Muita água mineral. Vinho tinto da casa, que era gostosinho, mas me deixou de herança uma dor de cabeça fenomenal hoje.

Tudo isso por 20 € por pessoa. Não é muito, se consideramos a quantidade de comida, mas é que a qualidade não era láaaaa essas coisas. O macarrão curto tava cozido demais, mas fora isso, convenhamos, massa com molho de tomate e linguiça é coisa pra se comer em casa. Quando como fora gosto de pedir coisas que normalmente não faço em casa, por falta de saco, habilidade, ingredientes, sei lá. Mas no final das contas nos divertimos, e é isso o que conta.

**

Tive dois ataques de riso sérios ontem. Um por culpa dos galos de Deruta. Já expliquei aqui, pouco tempo atrás, que Deruta é famosa por aquelas cerâmicas majólicas horripilantes. A FeRnanda trabalha numa loja de souvenir em Assis que vende tudo que é cafonice de Deruta, de sininhos inúteis a porta-água-benta, passando pelas famigeradas jarras de vinho em formato de galo – o vinho sai pela boca. Quantas vezes fui visita-la na loja e ficamos horas discorrendo sobre a cafonice do galo!

Pois ontem quando chega o vinho dentro dos galos, na mesa, não resisti e mandei um SMS pra ela contando a beleza que era ter vinho servido saindo do bico do bicho. A resposta curta e rasteira me fez engasgar com o vinho:
- 16 euros a pequena.

Fiquei rindo feito uma besta por horas a fio.

Mas a pior mesmo foi a do Mirco contando suas peripécias da infância. Falava-se das aulas de catequismo, que os meninos só frequentavam pra poder jogar futebol nos intervalos e depois da aula; falava-se das freiras, que pegavam no pé dos alunos. E aí entra o comentário do Mirco:

- A irmã Fulana brigava comigo porque eu comia pedra.

Olhares estupefatos. Alguém (eu) tem a coragem de desenvolver o assunto:
- Como assim, comia pedra?
- Eu comia pedrinha. Claro que não qualquer pedrinha; eu escolhia aquelas que pra mim pareciam diamantes...

Comecei a rir e não consegui mais parar por 10 minutos, até porque cada um começou com a sua piadinha – mas a pedrinha era temperada, era al dente, era fresca, etc.

O problema é que chegamos em casa quase à uma da manhã. Acordei sozinha agora às 7, tomei banho, fiz beicinho pra névoa chata lá fora, e daqui a pouco tenho que ir pra agência. Tô mortinha...

Postado por leticia em 08:19

23.03.04

potocas

E ontem foi meu primeiro dia de estágio (que aqui se diz em Inglês mesmo, stage, mesmo não tendo nada a ver). Não fizemos nada de especial: rodamos muito, conversamos com algumas pessoas, telefonamos a outras, mas aparentemente era um daqueles dias que não dão certo, porque a maioria das pessoas não respondia ao telefone ou não estava no lugar onde fomos procurá-las. Por isso resolvemos deixar o grosso do trabalho pra amanhã (hoje não vou à agência porque meu tutor é ator e está organizando uma peça de teatro pro próximo fim de semana, e hoje tava meio atolado com essa história).

Então hoje vou aproveitar pra fazer faxina que amanhã FeRnanda e Fabião vêm jantar (bruschette, massa com salmão defumado e abobrinha, e o petit gateaux da Marcinha) e amanhã não vou ter tempo de limpar nada. E vou transplantar meu alecrim pra um vaso maior, porque eu AMO alecrim e quero que a minha plantinha vire uma floresta de alecrim. E vou transplantar minhas tulipas de supermercado pra outro vaso também. Mas só vou tirar fotos da minha varanda florestal quando tiver plantado flores, coisa que me desaconselharam a fazer agora porque aparentemente vem outra semana de frio intenso por aí, e o que eu plantar agora vai murchar logo logo.

**

Ontem à noite vimos a primeira parte do primeiro filme do Senhor dos Anéis que passou na TV. E, milagre dos milagres: lanterneiro, que odeia fantascienza (pronúncia "fantachentsa" e quer dizer sci-fi, ficção científica), adorou e quer que chegue logo a próxima segunda-feira pra ver a segunda parte.

**

E hoje tem jantar em Deruta com os ex-colegas de trabalho do Mirco (aqueles da empresa import-export de ferro). Normalmente nos divertimos muito com eles, mas o último jantar, em janeiro, foi chatíssimo, não se sabe por quê.

E fomos também convidados pra jantar em Todi essa semana. Ando fazendo umas traduções de e-mail pra um cara que tem uma agência de aluguel de carros com motorista pra turistas abastados que querem ter um carro à disposição quando vêm pra Umbria. Todos os contatos são feitos via e-mail e esse cara não fala nada de Inglês, por isso me paga pra traduzir as mensagens. CA-LARO que perguntei logo de cara se não precisava de uma intérprete também, e com o e-mail a traduzir que ele me mandou ontem veio também um convite pra jantar pra discutir essa coisa alternativa. Nada mal rodar pela lindíssima Umbria em carro confortável, explicando pra americanos ricos que aquela villa ali foi construída em mil seicentos e alguma coisa, que aquela planta amarelinha se chama mimosa, que em Gubbio (ou Gualdo Tadino? Não lembro) San Francesco domou um lobo que aterrorizava a cidade... E ainda por cima ser paga pra isso. Tomara que dê certo.

Postado por leticia em 09:09

weekend

Piano piano, devagar devagarinho, vamos voltando à programação normal.

O feijão com arroz de sexta foi ótimo. Sábado fomos ao cinema ver Gothika (gostei). Domingo a Renata, irmã da FeRnanda, e o marido Stefano estavam aqui procurando casa pra morar. Aproveitamos e depois dos respectivos almoços sograis fomos todos juntos visitar os descendentes diretos do meu espetacular cachorro.

Foi aí que a FeRnanda proclamou que, já que ela e Fabião estão indo morar em Ripa (o Mirco aprendeu a falar ripa na chulipa), e que há duas outras casas à venda por lá, a Renata e o Stefano TÊM que ir morar na menor dessas casas e eu e o Mirco TEMOS que comprar a outra, que fica fora dos muros da cidadela mas encostada neles – essa casa fora do burgo tem quintal, e eu PRECISO de quintal, vocês sabem. Então tá, respondi, ficou decidido, o novo consulado brasileiro na Itália vai ficar em Ripa. Falta só saber quem vai pagar a casa, já que dinheiro eu não tenho. Mas digam se não é um lugar divino, Ripa na Chulipa:

Voltando de Torgiano, ou seja, da oficina onde estão os cachorrinhos, resolvemos passar por Brufa em vez de pegar a estrada reta direto pra casa. Brufa é uma cidadezinha no alto de uma colina (classic), que pertence ao comune de Torgiano mas fica a meros 3 quilômetros daqui de casa – excrusive já fui a pé com o Legolas, que voltou com três metros de língua de fora porque a ladeira não é mole não. Fora uma fábrica de rações que fica no alto de uma das colinas do vale e estraga a vista, Brufa é um amor. Lindas villas espalhadas pelo verdejante vale, cipressos aqui e ali, esculturas modernas de aço inoxida... HEIN? O que fazem esculturas modernas (leia-se hediondas) em aço inoxidável, ferro ou madeira laqueada entre cipressos e villas centenárias?

Eu já tinha visto essas aberrações no meio da praça principal da cidade quando estive lá a pé, então lá fomos nós conferir.


A entrada da praça é esse trambolho de ferro que, além de ser horroroso, deve ter custado uma fortuna, segundo avaliações do lanterneiro, que trabalhou 5 anos em uma empresa import-export de ferro e sabe do que está falando. Dentro da praça, lá num canto, há uma... uma COISA em aço escovado que parece um biombo prateado, sem sentido nenhum. Uma mulher de lábios finos demais, uma senhora com ares de atarefada enfiada num moletom colorido, está saindo da sua casinha fofa perto da escultura. Abrimos a janela do carro e perguntamos se ela conhecia esse escultor ma-ra-vi-lho-so. E aí começa mais um episódio de Cenas Italianas:

Velha: “Não sei quem é não... Por quê?”
Mirco: “A gente queria bater nele, porque essas esculturas são horrorosas.”

Pronto! A velha se soltou:
“Aaaaaaaaaaah, nem me fala! Queriam botar esse mijador (referia-se ao biombo, N.d.R.) prateado na frente da minha casa, eu falei, só se passar por cima do meu cadáver!”
Mirco: “A senhora sabe se esse escultor mora aqui?”
Velha: “Quem mora aqui?”
Mirco: “Ele mora aqui?”
Velha: “Quem, eu? Eu moro logo ali, ó”
Mirco: “Não, o escultor!”
Velha: “Não sei não senhor, eu não entendo nada de arte.”
Mirco (rindo): “Mas e aquela entrada da praça, o quê que a senhora acha?”
Velha (se exaltando): “Oscena! (pronúncia “ochêna” e obviamente quer dizer obscena) Se tivessem botado um arco de pedras tinha mais a ver com a praça, mas aquele negócio de ferro é osceno!”
Mirco: “Eu acho que vou tirar umas fotos e mandar pro Striscia la Notizia, quem sabe eles não vêm investigar quem deu permissão pra estragar o visual assim?”
Velha: “Acho ótimo! Tem mais é que derrubar isso tudo mesmo! Coisa horrorosa! E o pavimento dessa praça? Todo feito com resto de pedras da prefeitura! A praça ficou toda torta, toda desnivelada, outro dia caiu uma velha aqui do lado! Mas... vocês não são parentes do escultor não, né?”
Mirco: “Deus me livre ser parente de alguém que faz um negócio feio desses!”
Velha: “Então tá... Agora dá licença que meu filho tá indo me levar ao cemitério.”

Ainda gargalhando, fomos embora. Desnecessário dizer que se tivéssemos ficado lá ela teria contado quem estava indo visitar no cimitério, há quantos anos morava ali na praça, teríamos trocado receita de ragù, ela teria nos convidado pra um café.

Postado por leticia em 08:41

19.03.04

Nem precisa dizer que ainda tenho muito o que arrumar aqui. Mas hoje tem jantar brasileiro aqui em casa, e infelizmente tenho que dar prioridade ao feijao e ignorar o blog até amanha. Aguardem e confiem.

Postado por leticia em 07:17

18.03.04

BBI

Momento Grande Fratello (Fratellão pros íntimos):

Carolina é uma piranha, Tommaso é um paraculo, Katia é uma mala, Serena é maluca, Rob, Bruno e Patrick são sensacionais, Ascanio é ridículo. E o melhor da casa é o Rodolfo, filhote de Terranova que acabou de ser integrado à casa.

Postado por leticia em 23:00

17.03.04

Domingo, antes daquela cachorração toda, resolvi aproveitar a temperatura agradável pra dar uma guaribada na minha mini-micro-horta de varanda. Além da jardineira comprida que a Arianna me deu meses atrás, na qual plantamos salsinha, alho, hortelã e aipo, eu comprei um vasinho de tomilho, um de tulipas, um de uma planta meio cactus mas com florzinhas bonitinhas, e sementes de manjericão e de cravos. Arianna me deu um vasinho de alecrim. Na sexta-feira eu tinha comprado mais uns vasos maiores e mais bonitos e um pacote de 20 quilos de terra, e no domingo transplantei o alecrim e o tomilho pra esses vasos grandes e fiz uma coisa que eu nunca tinha feito na vida: plantei sementes. Adorei a experiência. Queria tanto morar numa casa pra ter um jardim e poder me dedicar a essas coisas! Claro, ainda tenho que ver se os raios das plantas vão nascer. Não duvido nada que eu tenha plantado tudo errado e as bichinhas resolvam não sair da casca. Vamos ver.

**

Então segunda-feira começou o tal treinamento pra vendedor de seguros. Na verdade eles trabalham muito mais com investimento e planos de previdência do que com seguros, coisa que eu não sabia. No primeiro dia achei tudo um saco, fora a parte da tarde, dedicada ao sistema previdenciário italiano – muito esclarecedor. As pessoas que participam são meio estranhas:

Giacomo, de Fabriano, da mortíssima região Marche, onde nada acontece. É um sujeito alto, jogador de basquete, com voz profunda mas faz muitas pausas quando fala. É bonzinho e razoavelmente esperto e ontem implorou pra eu falar português na mesa do almoço. Acabei ligando pra FeRnanda e ele achou interessantíssimo.
Adele, que é de Abruzzo mas mora em Fabriano também. Uma lourinha baixinha e atarracada muito esperta, agitada e sorridente. Gostei dela.
Fabrizio, perugino (começamos mal) com o cabelo entupido de gel todo penteado pra frente (continuamos mal), cuja auto-apresentação na segunda consistiu em “a única coisa interessante e característica da minha vida é que sou fanático por futebol” (nem preciso dizer que a partir dessa palavra “fanático” essa criatura passou a ser ignorada pela minha pessoa).
Sabina, de só 19 anos, moradora do Lazio, uma chata de galocha, capa e guarda-chuva. Hiper arrogante porque é magra e tem um brilhante no nariz e outro no dente, e porque já trabalha na agência de seguros há um mês. Volta e meia solta comentários do tipo “aaaah, realmente, isso acontece muito”. Acontece muito o quê, cara-pálida? Um mês de experiência enfurnada numa agência te ensinou o quê? Maquiadíssima, fuma e tem orgulho disso, usa sapatos com ponta fina estilo mata-barata-no-canto-da-parede. Também digna do meu desprezo.
Silvia, perugina (começamos mal), advogada recém-formada, com dentes tortos E cinza (pronto, já não existe mais pra mim. Quem é Silvia?). Repete tudo o que o instrutor fala como se fosse uma conclusão brilhante dela mesma, diz coisas sem sentido só pra dizer alguma coisa. Mais ou menos como “Ah, é, mas então... Sabe? Pois é.”
Michela, perugina sem sotaque (começamos bem), formada em Ciências Políticas, suuuper calada mas muito clara e sintética quando abre a boca. Parece muito tímida, mas é inteligente. Se veste MUITO mal.
Antonio, napolitano barbudo que mora em Perugia há 9 anos. Muito calado mas simpático e não-burro.
Riccardo, de Foligno (começamos mal), clássico italiano Cepacol, magro, alto, de camisa social justa com colarinho altíssimo e punhos grossíssimos, gravata com nó gigante, calça justa e blazer de grife. Super calado. Fuma e tem cara de bobo.

O instrutor se chama Massimo e tem bem cara de vendedor de seguros mesmo. Muito esperto, engraçado, simpático, diplomático, também é jornalista esportivo e tem vários clientes jogadores de futebol. Gostei dele.

Pois então: segunda foi um dia chato, mas ontem foi mais divertido. De manhã falamos sobre comunicação. Depois de muito falar, Massimo nos fez ir lá pra frente contar alguma coisa que nos tivesse acontecido – qualquer coisa, só pra testar nossos talentos de comunicação. Eu contei o dia em que eu e Valéria almoçamos em Capri na casa de uma família que não conhecíamos, cuja prima Valéria conheceu no barco que nos levou de Sorrento a Capri. Fui aplaudidíssima e muito elogiada pelo meu incrível domínio da língua italiana, pela minha mímica facial expressiva, pelas risadas que provoquei – tudo coisa que eu já sabia, mas não custa nada ouvir de vez em quando. Mais tarde, conversando a sós com o Massimo, ele disse que eu não posso desperdiçar esse talento, não posso jogar fora esse emprego, que sou uma vendedora nata. Não gosto de vender, apesar de saber que o faço bem. Mas quanto a uma coisa ele tem razão: não posso jogar fora a oportunidade desse emprego. É uma empresa consolidadíssima no mercado italiano e internacional, há boas perspectivas de crescimento na carreira, o salário é ótimo, não vou ficar enfurnada numa agência mas rodando e conhecendo gente de tudo que é tipo, vou poder organizar meu próprio tempo, e ainda por cima vou aprender a mexer com dinheiro. Nunca tive grana suficiente pra investir em nada e não gosto de números, então realmente não entendo nada do assunto, mas gostaria de. Então acho que vou pegar. O treinamento vai até sexta-feira, e na segunda tenho que me apresentar na agência pra começar o estágio remunerado de 4 meses, renovável por mais 4, com possibilidade de carteira assinada no final desse período. Vamos ver. Se eu não gostar, pulo fora.

**

No almoço de ontem, Fabrizio o Perugino Retardado deu mais mostras do seu retardamento. Como qualquer pessoa limitada por um só interesse na vida (futebol, no seu caso), sua visão do mundo é muito restrita e sua ignorância é impressionante. CLARO que o papo acabou caindo no Brasil, e CLARO que ele começou a soltar um monte de besteira e eu acabei me irritando seriamente. Tipo:
- Ah, só de escutar a palavra Brasil eu já sinto um clima...
- Clima de quê, Fabrizio? É um país como outro qualquer.
- Ah, não é não... Tem toda aquela alegria, as festas, as pessoas dançando na rua...
- Quem foi que disse que as pessoas dançam na rua?
- Ah, todo mundo sabe!
- Todo mundo sabe também que todo italiano é mafioso e dança tarantella.
- Não é verdade!
(olhar congelante da minha parte)
- Eu sei também que rola muito tráfico de órgão no Brasil.
- Tenho certeza de que rola, como também rola aqui, mas o campeão mundial de tráfico de órgãos é a Albânia, meu querido. Nossos problemas são outros.
- Não, tenho certeza que é assim!
- Querido... Eu sou brasileira, morei lá minha vida toda. Você NÃO vai querer discutir comigo sobre o meu próprio país, vai por mim.
- Po, mas eu sei que é um país muito atrasado...
- Em muitas coisas sim, mas em tantas outras estamos anos-luz à frente da Itália. (mencionei o nosso avançadíssimo sistema bancário e as nossas eleições automatizadas. Ele fez cara de “é mentira”. Sorte dele que não tenho porte de arma).
- Fabrizio, na boa... Se você não sabe nada sobre um assunto, e claramente você não sabe nada sobre muitas coisas, é melhor ficar calado. Fica quietinho, fica.

Massimo muda habilmente de assunto. Fabrizio acende um cigarro, arregaça as mangas da camisa e vemos uma originalíiiiiissima tatuagem de teia de aranha no cotovelo. Também há um tribal muito mal feito no antebraço esquerdo e mais duas tatuagens nas costas. Pronto! Esse menino, que antes gozava apenas do meu saudável desprezo, agora entrou na categoria “o mundo seria melhor sem ele”.

**

Hoje o assunto é técnicas de venda. Acho que vou me divertir. Quero só ver Silvia, Fabrizio ou a mala da Sabina simulando vendas. Deles eu não compraria nem uma bala Juquinha. Minha religião não permite ter nenhum tipo de contato com gente da minha idade que tem dentes tortos E cinza.

Postado por leticia em 07:42

14.03.04

Meu cachorro se reproduziu

Legolas andou tendo um caso com uma dálmata da oficina em frente à do Mirco. A cachorra sempre foi agitadíssima, desde filhote, e eu cansei de botar água na cumbuca dela porque, na agitação, ela acabava virando a tigela. De tão chata que ela é, acabaram deixando-a acorrentada, coisa muito comum por aqui e que eu acho de péssimo gosto, mas essa cachorra é MUITO chata, pula em cima dos outros, suja todo mundo, corre sem parar, é birutinha. Mas fazer o que, tem gosto pra tudo: Leguinho se apaixonou e nasceram 5 filhotes, 4 machos pretos e uma fêmea malhada que alguém já levou pra casa. Hoje de manhã fomos ver os pimpolhos. Deleitem-se.


Houve boatos sobre a verdadeira paternidade dos rebentos, mas o jeito de sentar não deixa dúvidas. Meu cachorro finalmente desencalhou, depois de 6 anos de celibato total! Uhuuu!

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Aproveitamos a manhã cachorral pra dar banho nos cachorros na Arianna. Aqui vemos Demo no início do processo, lambendo a água com sabão da cara, e com cara de eu-sou-o-mais-miserável-dos-cachorros, no final, curtindo o efeito porco-espinho.

Postado por leticia em 14:53

13.03.04

Plantão Pacamanca informa: Legolas é

Plantão Pacamanca informa: Legolas é papai. Mais informações amanhã.

Postado por leticia em 22:40

Era uma vez um artroscopia

Então o Mirco tinha um pedaço de menisco supostamente solto que tinha que ser removido. O ortopedista opera regularmente no hospital de Terni, a outra província da Umbria, a uns 70 km daqui. Então lá fomos nós sair de casa cedo na quinta-feira, pra chegar cedo a Terni. Chovia e fazia frio e o Mirco, além de estar morrendo de fome por estar em jejum, estava muito nervoso.

O hospital é grande, mas, como tudo na Itália, incrivelmente desorganizado. Pergunto na portaria qual o andar da clínica ortopédica: quarto andar. Subimos. No quarto andar, nenhum tipo de recepção, só alguns cartazes escritos à mão indicando direções opostas àquelas indicadas pelas placas oficiais, em letras brancas sobre fundo azul. Fomos parar na parte de Day Hospital Ortopédico, onde esperamos meia hora sem ver ninguém até que eu cacei uma enfermeira que passava pra perguntar se era ali mesmo que deveríamos estar. Não, querida, vocês têm que ir lá pro outro lado, no fim do corredor, na enfermaria de Ortopedia (onde não havia ninguém antes, e cujas portas estavam fechadas, e cujas luzes estavam apagadas). Lá vamos nós. Tocamos a campainha, abrem a porta, vamos lá falar com a enfermeira-chefona, que nos dá uma bronca por não termos chegado antes. Levam o Mirco pra enfermaria, onde colhem sangue pros exames pré-operatórios e rodam o ECG. Inicialmente me mandam sair, enquanto os médicos fazem o round, mas quando digo que sou médica alguém me arruma um jaleco pra eu poder ficar lá dentro. Os outros dois pacientes do quarto são um senhor que fez uma hilária cara de incredulidade quando lhe foi comunicado que sua operação, de coluna, vai ser feita na segunda-feira depois da Páscoa (aqui eles comemoram a Pasquetta, na segunda-feira, e a sexta-feira santa não é feriado como no Brasil), e um quarentão simpático com um descolamento do menisco direito.

As horas passam. O senhor almoça; Mirco e Claudio, o quarentão, são mantidos em jejum. Não vem ninguém dizer nada, perguntar nada, explicar nada. De vez em quando vou lá fora no corredor perguntar a alguma enfermeira se há alguma previsão de horário pra cirurgia. Ninguém sabe nada. Não estou nervosa porque sei que hospital é confuso mesmo, imprevistos acontecem e horários são difíceis de ser respeitados. Mas sempre achei uma profunda falta de respeito essa mania de achar que o paciente tem mais é que esperar quietinho. Poxa, neguinho nervosão, frágil, sentindo dor, preocupado, e tem que esperar HORAS sem saber o que está acontecendo, sem saber direito o que vão lhe fazer? Eu já levei a família inteira do Mirco ao médico aqui na Itália e sempre fiquei impressionada com a distância, o abismo que existe entre médico e paciente. A começar pela maluquice dos horários das consultas: não existe horário marcado, o médico atende das cinco às oito? Você vai ao consultório dentro dessa faixa horária, e vai ser atendido por ordem de chegada, o que significa zilhões de pessoas amontoadas na sala de espera. E como a maioria dos médicos atende em consultórios divididos com outros médicos ou dentistas, você nunca sabe se toda aquela gente está ali esperando o seu médico ou outra coisa. Então cada pessoa que chega, além do buongiorno ou do buonasera obrigatório, pergunta sempre “Quem é o último da fila pro Dr. Fulano?”. Uma coisa muito pouco prática. Às vezes realmente acho que estou morando em Coimbra.

Mas então, voltemos à enfermaria. As horas passavam. Mirco dormiu; eu desci pra comer uma torta al testo com presunto e queijo na cantina do primeiro subsolo. Lá pras duas da tarde vêm recolher Mirco e Claudio pra levar pra sala de cirurgia. Lá vou eu atrás; boto o pijaminha verde do centro cirúrgico, que eu não vestia há anos, a maldita touca que nunca consegue cobrir todo o meu cabelo, os sapatinhos, a máscara que um dia usei sem nem prestar atenção mas que dessa vez ficou incomodando o nariz, como na primeira vez.

Mirco está nervosíssimo. Como eu, ele fica irritado se não entende direito o que está acontecendo, principalmente se é alguma coisa que está acontecendo diretamente com ele fisicamente. Eu tenho essa vantagem de ser médica que ele não tem: pelo menos sou capaz de entender com detalhes o que está rolando e de saber mais ou menos o que esperar; ele não tem idéia e ri de nervoso o tempo todo. Pra piorar, ele é naturalmente desconfiado, o que não é ajudado nem um pouco pelas frequentes histórias de erro médico que se lêem nos jornais; então sua resposta a todo mundo que vem perguntar quem ele é (toda hora vinha uma enfermeira diferente fazer algum procedimento pré-anestésico ou pré-operatório) é Mirco Balducci, joelho esquerdo. Assim, só pra reduzir as chances de ser operado erradamente no joelho direito. Resolvem dar um tranquilizante, e ele começa a falar coisas sem sentido e a ter dificuldade de articular palavras. Fazem a anestesia, um bloqueio da perna toda através de injeções na região inguinal e no meio do glúteo, e vamos pra sala de cirurgia.

Posicionados todos os campos cirúrgicos, pincelam a perna com aquele desinfetante marrom-amarelado que já cansamos de ver em filmes e Globo Repórter, prepara-se o equipamento de artroscopia e começa o procedimento. Não vou ficar aqui explicando tudo porque não interessa. O que interessa é que eu fiquei horrorizada, apesar de ter sido uma coisa muito simples. E pensar que um dia eu já fui capaz de ver um procedimento desses e pensar nossa, que lindo, que interessante! Pensar que um dia eu já fui capaz de futucar dentro de alguém e achar isso a coisa mais natural do mundo! Onde é que eu estava com a cabeça, alguém me diz, por favor? O ortopedista futucava, puxava, cortava, mostrava, olha lá, não é o menisco, o menisco está firme (ele puxa o menisco com a pinça, várias vezes, com força), é um ligamento mucoso congênito que inflamou e agora está retesando tudo, tá vendo?, vou cortar (e corta), e eu lá, chocadaça, sem saber se olhava pra tela ou pro joelho amarelo do Mirco, que estava tão nervoso que esquecia de respirar e chorava sem parar. Fui ficando nervosa porque ele não respondia quando perguntávamos se estava sentindo dor. Mais tarde ele contou que depois do tranquilizante tudo ficou, obviamente, muito nebuloso e ele se lembrava só de algumas palavras, do médico batendo no rosto dele perguntando se tava sentindo alguma coisa, da enfermeira que marcou os pontos de anestesia com pilot, do campo verde que impedia que ele visse a tela (se tivesse visto alguma coisa ele teria morrido de nervoso, com certeza), dos enfermeiros pincelando a perna, das luzes do corredor da sala de cirurgia enquanto ele esperava um outro enfermeiro que o levasse de volta ao quarto.

Quando acabou, a sensação de alívio que eu tive foi uma das coisas mais significativas que eu já senti na minha vida. Não pertenço mais àquele mundo. Acho que jamais pertenci; foi tudo sempre uma ilusão idiota. Sempre digo que não me arrependo de ter estudado Medicina; aprendi coisas interessantíssimas, matei toda a minha curiosidade sobre o corpo humano, conheci pessoas ótimas, dei muita risada, aprendi a ouvir as pessoas, a aprender com os outros, a entender a dor alheia. Mas não sou médica. Nunca fui. E só fui entender isso anteontem.

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Como ele teve que dormir no hospital, voltei pra casa sozinha. Chovia muito e o trânsito estava horrível. Quando consegui chegar na estrada, começou o calvário. Sou muito fotofóbica e dirigir à noite na estrada é muito desconfortável. Na cidade, que bem ou mal é bem iluminada, não tem problema, mas no escuro da estrada qualquer luz de farol, de olho-de-gato iluminado, de outdoor na beira da estrada, me dá um lampejo nos olhos e me deixa momentaneamente cega. Depois de meia hora eu não entendia mais as distâncias, a terceira dimensão; perdi a noção do ponto de freagem nas curvas; não conseguia ler as placas; não conseguia achar o timing pra ultrapassar porque olhando pelo retrovisor não conseguia entender se o carro atrás de mim estava longe ou perto. Cheguei em casa cambaleando de cansaço e com a cabeça explodindo de dor. Fiz um risoto de pacote e fui direto dormir.

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Ontem o dia estava lindo. Saí de casa cedo pra ir a Perugia pegar um cheque por um trabalho que fiz ano passado, e enquanto estava lá, perdida (eu sempre me perco em Perugia), Mirco liga dizendo que já estava pronto pra ir embora. Faço o que tenho que fazer e volto pra estrada, pegando a direção de Terni. O dia continua lindo. Boto Skank no CD e canto A Cerca a plenos pulmões. A paisagem é divina, divina; as cidadezinhas no alto das colinas vão passando, muito claras contra o céu azul; o verde obsceno dos campos chega a ofuscar; castelinhos, casarões e mosteiros abandonados me enchem de curiosidade. A Umbria é linda, linda, linda. Ali na altura de Todi a paisagem é particularmente deslumbrante. Alguém vem me visitar, por favor, que eu preciso mostrar isso pros outros!

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Semana que vem começa o curso de agente de seguros, lá em Terni mesmo. É uma cidade industrial, principalmente siderúrgica, muito, muito feia. Há muitas pedreiras também, então as colinas em torno são todas “mordidas”, a feia pedra branca exposta ao sol, em contraste com os escuros ciprestes e pinheiros. Já estou prevendo uma semana chatérrima.

E agora dá licença que meu paciente precisa de uma injeção de heparina.

Postado por leticia em 08:05

12.03.04

Outro dia me peguei perguntando por que só falo de bobagem aqui, por que nem sequer comento acontecimentos de grande porte na ordem mundial. Como essa coisa hedionda em Madrid, cidade que ainda não conheço.

A verdade é que não há o que dizer. Discutir o óbvio é muito cansativo, como diz minha mãe. Não há o que dizer. De verdade. Além do que a vida já é muito, muito ruim nas CNTP, então prefiro não ficar remexendo esses assuntos, sobre os quais tenho opinião formada sem precisar ficar discutindo eternamente ou vendo fotografias horríveis no jornal. Prefiro falar das panquecas de Nutella, que pelo menos adoçam a vida.

Mas confesso que agora fiquei com medo de ir a Paris na Páscoa.

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Então mais tarde escrevo sobre o meu momento de iluminação no hospital e sobre a horrível volta pra casa dirigindo sozinha pelas estradas da Umbria, ouvindo Red Hot Chili Peppers. Agora tenho umas missões office-boy pra resolver. Meu ócio, apesar de aprazível, infelizmente não ajuda Madrid nem dá dor de cabeça ao Mr. Bin (Laden).

Postado por leticia em 08:01

11.03.04

E hoje o Mirco foi fazer a artroscopia do joelho. Foi uma experiência reveladora em muitos sentidos, mas agora estou muito cansada e amanhã escrevo com calma.

Postado por leticia em 22:11

O jantar de ontem ficou ótimo. Inventei umas receitas malucas, testei uma receita da Ane e tudo saiu gostoso. Eu, FeRnanda e Dila fofocamos muito em Português. Faz bem socializar assim de bobeira de vez em quando.

Vamos ao menu:

Antipasto: Mini-tortas de cebola e de queijo com presunto
Primo piatto: Gnocchi lunghi com molho de tomate picante
Secondo piatto: Carne Assada Boazuda
Contorno: Forminhas de batata com espinafre
Sobremesa: Panquecas de Nutella (usei a minha receita clássica de panqueca, só juntei uma colher de sopa de açúcar à massa. Passei uma grossa camada de Nutella em uma metade da panqueca, dobrei-a e pronto.)

Detonamos uma garrafa e meia de Rosso di Montefalco da Caprai, um dos nossos preferidos, e uma de Rubesco da Lungarotti que o marido da Dila trouxe.

Postado por leticia em 22:10

09.03.04

Suely Maria

A quantidade anormalmente grande de produtos de limpeza na varanda da vizinha por si só já era uma confirmação da sua nacionalidade brasileira. Mas o nome que vi numa conta de luz que o carteiro deixou em pé sobre o escaninho por não ter encontrado nenhum escaninho com aquele nome fechou o diagnóstico: Suely Maria. Não é bom, mas podia ser pior. Vamos ver.

Amanhã tem jantar aqui em casa. Além da FeRnanda e do Fabião, vêm a Dila, baiana casada com o Italo, primo distante do Mirco, e talvez Selminha, que estudou comigo em Perugia há dois anos e é amiga da Dila. Ainda não decidi o cardápio; tinha resolvido tudo mas mudei de idéia várias vezes e agora não sei mais o que cozinhar.

Postado por leticia em 11:05

Holanda

sexta-feira, 5 março

Saímos de casa às quinze pras dez da manhã. O vôo saía às 13:45 do aeroporto de Pisa, mas é bem longinho daqui, por isso tanta antecipação. Mesmo assim chegamos na lata, mal deu tempo de comer alguma coisa antes de embarcar. Na nossa frente, na fila do embarque, uma bicha velha beijava seu companheiro, que ficou em Pisa. Tava tão ocupado se agarrando que simplesmente tinha se esquecido de fazer o check-in, e queria embarcar só com o numero da reserva eletrônica! Levou um esporro da mulherzinha que fica dando instruções ao pessoal tapado da fila.

Viajamos com a BasiqAir, companhia low-fare holandesa. A bicha velha sentou no corredor, na fila à minha esquerda. Na fila à frente dele, duas holandesas e um bebê que chorou muito no início do vôo. As duas conversaram o vôo todo e davam tanta risada que todo mundo já tava rindo junto com elas. De repente, um cheiro de cocô no avião – a mãe do bebê resolveu trocar a fralda do garoto ali no banco, um fedor pavoroso, e a amiga só rindo, rindo, gargalhando. Dei muita risada também :) Na fila à frente delas, um casal de velhos holandeses e uma mulher-macho holandesa. Essa foi uma das últimas a embarcar, e, não achando mais lugar nos bagageiros próximos a onde ela estava sentada, acabou botando sua bagagem de mão no bagageiro bem em cima de mim. Ela veio pegar uma sacola de sanduíche e quando voltou pro seu lugar acho que pisou no pé do velho, que deu um grito de dor tão alto que todo mundo no avião parou pra ver o que ela. Começou então uma discussão estranhíssima em holandês, a coitada da mulher pedindo mil desculpas e tudo mais. Durou uns 2 minutos. Depois começaram a conversar amigavelmente e logo logo já estavam rindo do incidente. A senhora holandesa sentada do lado do Mirco, na janela, tinha comprado uma máquina de café espresso tão grande que não conseguia botar em lugar nenhum. Ajudamos a coitada a espremer o caixote no bagageiro cinco fileiras atrás, e ela ficou só sorrisos a viagem toda. Gosto desses holandeses; são simpáticos.

Rob, o namorado da Stefania, estava nos esperando no aeroporto de Schiphol. Stefania estava vindo de trem de Rotterdam e estava ligeiramente atrasada, como sempre. Demos umas voltinhas, cumprimentamos três afghan hounds que estavam com os donos esperando o filho deles que chegava de viagem, e fomos pegar o carro. Eram quatro da tarde, e decidimos aproveitar o resto da tardinha pra visitar Amsterdam correndo, já que estávamos lá mesmo.

Olha... AMEI. AMEEEEEEEEEEEI. A cidade é DIVINA. A arquitetura é uma coisa de louco: as casas são longas e estreitas e com amplas janelas tanto na frente quanto atrás, o tijolinho é o material mais usado, de todas as cores, formatos e combinações possíveis. Praticamente não existem persianas e são raras as cortinas: o máximo de privacidade é uma faixa de vidro opaco no meio da janela, ou tipo um quadro de vitrais coloridos apoiado na vidraça ou suspenso do teto através de correntinhas. De qualquer forma, dá sempre pra ver a janela do fundo da casa, que invariavelmente dá pra um jardinzinho fofo. Todo mundo bota alguma coisa bonita na janela: na maioria dos casos belíssimos vasos de flores, mas também vi gatos (de verdade e não), réplicas de veleiros, esculturas. A impressão que dá é que o pessoal bota essas coisas bonitas pra adoçar os olhos de quem passa na rua. O engraçado é que, apesar as janelas dando diretamente pra rua, e assim tão expostas, tão amplas, tão nuas, em momento nenhum tive uma impressão de invasão. As pessoas passam e olham porque é bonito, mas não ficam tentando ver lá dentro, fuxicando. Por outro lado, quem está do lado de dentro não tá nem aí: trabalham em seus computadores, tomam chá, brincam com os gatos, sem dar a menor bola pra quem está passando e olhando.


As casas ao longo dos canais são ligeiramente inclinadas pra frente, e têm um negócio perpendicular à parede, lá no alto, onde são instaladas roldanas quando há necessidade de levar móveis pra dentro ou pra fora de casa. Toda essa maluquice tem uma explicação, não menos maluca: como as escadas internas das casas são incrivelmente apertadas, perpendiculares e com degraus estreitos, não há mesinha de cabeceira no mundo que consiga passar por elas, quanto mais um sofá! Por isso as mudanças são feitas pelo lado de fora.

As ruas são limpíssimas e as bicicletas passam pra lá e pra cá sem incomodar ninguém. A quantidade de imigrantes é impressionante: segundo o Rob, são quase 40% da população da cidade. Há restaurantes e lojas especializadas de tudo que é nacionalidade: dos onipresentes turcos aos do Suriname. O cheiro de comida no ar muda a cada dez metros, dependendo do tipo de restaurante em frente ao qual você está passando.

Essa é o buraco pra correspondência na porta de uma casa em Rotterdam: o dono da casa colou um adesivo que explica o tipo de publicidade que ele quer ou não receber. Ja (sim) pra vendedores porta-a-porta, e nee (não) pra panfletos em geral. Muitas casas têm adesivos nee pras duas coisas. É sempre o mesmo adesivo; deve ser comprado em papelaria. Achei bem legal. Aqui na Itália muita gente cola um bilhetinho na caixa de correspondência de casa, dizendo que panfletos não são bem-vindos. Não é necessário dizer que tais bilhetinhos são solenemente ignorados pelos distribuidores de panfletos.


Passamos pelo bairro da luz vermelha. Casas de show pornô mostram muito, digamos, graficamente, em grandes fotografias, o tipo de espetáculo que oferecem. As prostitutas nas vitrines em neon vermelho falam no celular pra se distrair enquanto se exibem de sutiã e calcinha. A maior parte delas, previsivelmente, é imigrante, feia e gorda.

A noite vai caindo e os interiores das casas vão se iluminando. A cidade fica transparente: pelas grandes janelas vê-se perfeitamente tudo que está lá dentro. Muito estranho, muito bonito, muito tranqüilo.


Infelizmente não deu pra ver nada direito. O Rob é altíssimo e pernilongo e anda muito rápido (e olha que eu também ando quase correndo, mas não dá pra competir com aquelas pernas enormes). Além disso já estava escuro e chovendo, e as lojas fecham cedo, no final das contas não entramos em lugar nenhum, só demos umas (mil) voltas a pé mesmo. Mas valeu cada bolha no pé. Quero voltar com mais calma, na primavera ou no verão.

Pegamos a estrada e fomos pra Rotterdam, onde o Rob mora. Deixamos as malas em casa e fomos jantar no restaurante de um amigo dele. Veio outro casal de amigos, a Petra, filha de mãe tailandesa e pai também oriental, e René, muito simpático. A comida não era lá essas coisas, mas fazer o quê... Acho que estou ficando chata que nem os italianos. Tudo o que eu experimento de novidade eu acho uma porcaria e não trocaria por um bom prato de massa nem por todo o dinheiro do mundo. Mirco pediu risoto de legumes e uma carne, mas o cozinheiro achou estranho pedir as duas coisas (aqui na Itália seriam dois pratos separados, um primo e um secondo), achou que era comida demais e resolveu, por contra própria, juntar tudo no mesmo prato, em porções reduzidas. Engraçado foi que eu também fiquei indignada ;) A gente se acostuma a tudo nessa vida.


Estávamos cansados e morrendo de sono, então voltamos logo pra casa. O Rob é meio alternativo, e a casa dele é cheia de coisas esquisitas, o telefone fica no chão, o colchão idem, há quadros estranhos nas paredes. Mas ao mesmo tempo é muito legal. Stefania espalhou suas ervinhas aromáticas pela casa toda. E obviamente não faltam os vasos nas janelas.


bado, 6 de março

Eu e Mirco acordamos cedo e com fome. Lá fora nevava sem parar, mas mesmo assim volta e meia passava um maluco de bicicleta embaixo da janela.

Ficamos batendo papo esperando alguém se levantar, mas tanto o Rob quanto a Stefania são meio lentos pra acordar, então descemos e fomos tomar café. Quando estávamos terminando a Stefania desceu, juntou-se a nós, trocou de roupa e fomos dar um passeio a pé, pra aproveitar que a neve tinha parado de cair (o tempo é muito louco por aquelas bandas, cruzes). Fomos ao supermercado, onde compramos várias coisas que nem sei o que são mas tinham embalagens lindas, e à farmácia. Quando voltamos o Rob já estava de pé e pronto pra sair. Pegamos o carro e fomos até a área portuária de Rotterdam. Vimos as casas-cubo, horripilantes – mas até nelas neguinho bota flor na janela, não tem jeito.


Paramos num barzinho pro Mirco comer alguma coisa, que já era tarde, e depois fomos até a central do Spido, um barcão que faz um tour do porto. Achei muito pouco turístico porque porto é porto, pombas, é um saco de ver, mas até que deram algumas informações importantes: vimos um galpão-frigorífero IMENSO onde armazenam suco de laranja, quase todo vindo do Brasil; fiquei sabendo que o porto de Rotterdam é o maior do mundo em volume de carga e descarga de petróleo; e fiquei boba com o nível de automatização da coisa. Fiquei com a impressão de que nós no Brasil estamos anos-luz atrás.


Voltamos pro centro e fomos pra um barzinho enorme, de pé direito altíssimo, super descolado e cool, chamado Dudok. Comemos uns belisquetes, alguns super picantes mas deliciosos, uns croquetes de carne típicos da Holanda, e pedaços de um queijo típico holandês que gruda no céu da boca. Àquela altura do campeonato já eram seis e meia, e não nos restava nada além de voltar pra casa e nos preparar pro jantar duas horas depois, num restaurante de comida da Indonésia que o Rob tinha reservado.

O tal restaurante é o seguinte... Achei a comida uma merda, mas já falei que estou virando xenófoba alimentar feito os italianos, então não levem muito em conta a minha opinião. Nós pedimos uma coisa chamada rijsttafel, palavra holandesa (não me perguntem a pronúncia, que língua miserável esse holandês! É bonito de ler, cheio de duplas vogais esquisitas, mas falada é pior que alemão, vou te dizer) que significa mesa de arroz. Em teoria seria uma combinação de vários tipos de arroz, mas é uma combinação de vários pratos da culinária da Indonésia. Claro que ninguém come assim na Indonésia, mas a coisa foi pegando e acabou virando um clássico em todos os restaurantes desse tipo na Holanda. A rijsttafel é mais um exemplo de bobeira adaptativa, como o biscoito chinês da sorte que não é chinês coisa nenhuma mas uma invenção americana que acabou colando.

A comida é TODA picante. Não havia NADA de não-picante em toda a mesa – e olha que eram 22 pratos. Muitas coisas agridoces, combinações bizarras (que tal côco frito com vagem?), um molho de amendoim que é uma das coisas mais horríveis que eu já experimentei na vida. Acabou que comemos pouquíssimo; eu e Mirco porque não gostamos de nada e Stefania porque é vegetariana. Rob mandou ver. A conta veio tão picante quanto os pratos. Fomos dormir sonhando com um prato de pasta al pomodoro e basilico, tão simples e tão maravilhoso.

domingo, 7 de março

Chovia muito, MUITO, quando acordamos. Eu acordei cedo com as crianças do vizinho de cima, que marcham pra lá e pra cá pela casa o dia todo. Tomamos banho e descemos pra tomar café. Começamos a ver Como Água para Chocolate em DVD enquanto o Rob não descia (que filme bobo!) e acabamos saindo sem ver o final. Fomos procurar moinhos e acabamos indo parar em Kinderkijk, não muito longe de Rotterdam. A paisagem é de tirar o fôlego, e ainda demos sorte que o sol deu uma saidinha e cheguei até a tirar as luvas e o cachecol em alguns momentos. Claro que sem vento os moinhos não giram, mas considerando o clima, foi melhor assim. Se estivesse ventando eu não teria saído do carro nem por um milhão de moinhos cravejados de diamantes.

Pois é, então, os moinhos. São lindos, lindos, lindos. Há moinhos velhos e novos, todos limpos, pintadinhos, habitados, com jardinzinhos atrás, com patinhos nos canais. Originalmente eram usados pra bombear a água, eterna inimiga dos Países Baixos, de volta pros rios, tornando assim habitáveis, cultiváveis ou pastáveis terras que de outro modo estariam sempre submersas. Alguns moinhos são abertos ao público na primavera. Mais uma razão pra voltar...


Passamos na casa do Fred, irmão do Rob. Ele é decorador e tem um jardim japonês muito maneiro. Digo maneiro e não bonito porque eu detesto a estética oriental. Mas o cara caprichou nos bonsais e nas carpas, e o efeito ficou bárbaro. Dentro de casa, a coleção de peças de arte em vidro do cara, toda exposta com lampadinhas embaixo! A casa parece um museu! E cada peça de vidro que dava até medo, de tão feia. Alguns belos vasos de Murano, mas a maioria uma droga contemporânea que eu não botaria na minha casa nem se me pagassem. Nenhum grão de poeira em lugar nenhum da casa. A mulher, SUPER simpática apesar da pesadíssima maquiagem, veio nos receber com uma calça de couro justa (veja bem, esse casal tem uns 45 anos), botas de salto alto e uma malha preta com bordados brancos na frente. Eles estavam esperando uns amigos pra irem juntos a uma mostra de peças em vidro. Quando chegam os tais amigos, surprise! A mulher com a mesma malha da dona da casa, calça de couro e bota de salto! Demos muita risada, porque a coisa não foi combinada, nem elas sabiam que a outra tinha uma malha igual! Ficamos lá ainda enrolando um pouco, morrendo de medo de respirar mais forte e fazer cair alguma preciosa e horripilante escultura de vidro, e fomos embora.

Fomos procurar um lugar pra comer antes de ir pra Bruxelas, de onde saía o nosso vôo pela Ryan Air. Acabamos indo parar em Dordrecht, clássica cidadezinha holandesa com as clássicas casinhas de tijolinho e os clássicos vasos de flores nas janelas. O único lugar aberto era tipo um diner. A dona falou que nos tínhamos que comer correndo e ir embora, porque o lugar estava reservado pra um aniversário a partir das duas e meia. Tudo bem, só que a comida não chegava nunca! Os donos da festa todos emperequitados, correndo pra lá e pra cá botando as mesas, ajeitando enfeites, espalhando bandejas com salgadinhos, e nos bem no meio do salão, esperando nossos croquetes com batata frita. Depois de horas a comida chegou, e saímos correndo assim que terminamos.

Dormi no carro no caminho pra Bruxelas, mas do pouco que vi da estrada o estilo arquitetônico muda muito pouco entre um país e outro. O aeroporto de Charleroi é microscópico e estava cheio de gente esquisita. Muitos mochileiros americanos, que hoje podem perfeitamente rodar a Europa com as companhias aéreas low-fare, em vez de usar o trem.

O avião era novinho, a tripulação simpática, e o único lugar vazio era a poltrona do meu lado. Consegui me esticar e tirar uma sonequinha que depois veio a ser providencial, porque levamos séculos pra chegar em casa. Toda vez que voltamos da Toscana erramos a saída de Firenze que temos que pegar, e dessa vez não foi diferente. Demos uma volta danada. Ainda por cima teve um acidente muito grave bem antes da nossa saída pro anel rodoviário de Bettolle-Perugia, e ficamos parados 40 minutos ouvindo música e sem saber o que estava acontecendo. Chegamos em casa quase meia-noite, fizemos um risoto Knorr e fomos dormir.

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Engraçado como o conceito de casa é relativo, subjetivo, mutável, diáfano, instável, momentâneo, provisório. Só sossego quando começo a ver as placas de lugares conhecidos: Foligno, Gubbio, Assisi, Terni. Quando saio da Toscana e entro na Umbria já me sinto em casa; vou observando a já familiar paisagem do Lago Trasimeno, as saídas pras belas cidades em torno ao lago, primeiro Tuoro, depois Magione, Passignano, e logo depois já estamos em Corciano. À esquerda vejo a gigantesca concessionária Fratelli Montagna, que enriqueceram vendendo Ford, Mazda e Jaguar; depois a concessionária Ferrari e Maserati, ao lado da Casa del Lampadario e da fábrica de brinquedos; à direita o Warner Village, os cinemas do centro commerciale Gherlinda. Começam as saídas pra Perugia: Ferro di Cavallo, Madonna Alta, San Faustino, Prepo, Piscille, todas conhecidas, amigas, familiares. Entre uma saída e outra, entre um túnel e outro, vemos as torres e as luzes de Perugia nas colinas. Depois vem a saída pra feia Ponte San Giovanni, que também leva a Torgiano, formando um trevo perigoso perto da concessionária Mercedes-Smart e da loja de eletrodomésticos. Continuamos na direção de Assis, e passamos à direita do centro commerciale Collestrada, onde fica o Ipercoop, hipermercado onde adoramos fazer compras. Continuamos na pista da direita, ignoramos a saída pra Ospedalicchio e pro mini-aeroporto de Santo Egidio (perto de Ripa, onde a FeRnanda vai morar), oba, tamos chegando, à esquerda a Scai, revendedora de tratores, à direita mais à frente a Scarpe & Scarpe (Sapatos & Sapatos), a loja com o letreiro mais horrendo do mundo, depois a Divani & Divani (Sofás & Sofás), a Conbipel, loja de roupas onde trabalha a dona do nosso apartamento, a Metro, um supermercado tipo Makro. Pegamos a saída Bastia Umbra Nord, giramos à esquerda pra pegar a Via Cipresso, cujas transversais todas têm nomes de capitais européias: Vienna, Londra, Mosca (Moscou), e a nossa, que fica em frente à via Lisbona, onde aliás mora o Fabrizio o Louco. Chegamos em casa.

Home is where the heart is. Mesmo.

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Quanto mais eu giro por aqui, quanto mais coisas bonitas e civilizadas eu vejo, mais eu me convenço de que o Brasil é uma merda. É uma merda enorme, fedorenta, petrificada no tempo e no espaço. É uma merda porque poderia ser, de verdade, o melhor país do mundo pra se viver, uma potência mundial que os outros países não teriam nem vontade de invejar porque somos legais, alegres, criativos, comemos bem, falamos uma língua linda. Mas não é, e esse desperdício é incrivelmente irritante.. O Brasil é um país de merda, que suga e inutiliza todos os esforços dos pouquíssimos felizardos que tiveram a imensa sorte de ter recebido, além de uma boa educação formal, uma boa educação em casa, e querem mudar as coisas. A gente nada, nada, nada e morre na praia, exausto, sfinito. O resto, a massa, acha tudo ótimo. Todo mundo fala que uma coisa legal no Brasil é que o brasileiro ri sempre, mesmo estando na merda. Não acho isso nada legal, muito pelo contrário. Um pouco de revolta nos faria muito bem. Mas somos preguiçosos, acomodados, pacíficos demais, índios demais. Basta uma bunda rebolativa pra esquecer os sapos que engolimos todo dia, toda hora, o tempo todo. O Brasil é uma sanguessuga. Uma sanguessuga muito da desgraçada, porque a gente sente saudade dela quando está longe.

Mas eu acho que o Brasil não tem jeito. O prognóstico de um país cujo povo acha super normal jogar lixo na rua é sombrio, muito sombrio.

Postado por leticia em 09:42

08.03.04

Cheguei. Preparem-se, que amanha tem verborragia.

Postado por leticia em 00:52

04.03.04

Eu devo ter picado muita salsinha na tábua dos dez mandamentos mesmo. Não só a nossa mais nova vizinha de porta tem a maior cara de piranha latina como agora há pouco, quando entrei em casa, ouvi Adriana Calcanhoto saindo da casa dela! Socorro! Claro que não conheço a mulher, mas além de ter uma aparência SUPER vulgar e de provavelmente ser brasileira caça-gringo, ela ainda tem mau gosto musical! A prova final vai ser descobrir o nome. Assim que eles colocarem o adesivinho com o nome lá embaixo, no escaninho*, eu aviso. Valdiclélia Terezinha? Grace Kelly de Jesus? Mychelly Ferreira? Jakellyne Silva? Façam suas apostas.

Acho que é hora de aproveitar as minhas olheiras árabes e o cabelo ruim e fingir que sou síria, em vez de só bisneta de sírio.


*Aqui não só não tem porteiro (aliás, nem portaria) como também não há numeração nos apartamentos. Quem vier à sua casa vai chegar lá na porta do prédio, procurar o seu sobrenome no interfone, interfonar pra sua casa e você vai dizer em que andar está. Os escaninhos e as campainhas têm mais espaço pro adesivinho, e cabem nome e sobrenome.


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Liguei pro aeroporto de Pisa hoje e me asseguraram que a greve programada pra amanhã já foi furada antecipadamente e não vai rolar. Partimos normalmente pra Amsterdam por volta das duas da tarde, e voltamos no domingo, partindo de Bruxellas, em torno das sete da noite. Finalmente vou conhecer o namorado gigante da Stefania :)

Ci vediamo fra un paio di giorni, darlings.

Postado por leticia em 17:28

03.03.04

Finalmente consegui tirar a maldita carteira de identidade! Olha que coisa antiquada e enorme... Bom, ninguém aqui usa mesmo, o documento mais usado é a carteira de motorista. A de identidade só serve pra circular pela União Européia, mas eu, extra-comunitária, não tenho esse direito; a identidade só serve dentro da Itália mesmo.

Atentem para o fato que meu último sobrenome não cabe na linha e ficou cortado mesmo.
Atentem também para a profissão, doméstica hohoho

Postado por leticia em 12:07

Ontem começou o chatíssimo Festival de San Remo. Saca Festival da Canção? É isso, com o agravante que é um festival de música italiana, e eu detesto música italiana. Tudo é horrível com relação a esse festival: os cenários cafonérrimos, como os de toda transmissão televisiva italiana que se preze; os cantores incompetentes com suas músicas chatas; as mutretas infinitas que todo ano rodeiam o espetáculo (ano passado rolou até processo porque já se sabia quem seria a vencedora muito antes do festival começar, como desmascarou o Striscia La Notizia). E não sou só eu, reclamona profissional, que estou dizendo que o festival é um saco. Esse ano a única celebridade que veio foi um sósia do Elton John. A lista dos famosos internacionais que recusaram o convite foi imensa, e, segundo o telejornal do canal 5, a coisa está ficando mais embaraçosa a cada ano. Se eu fosse famosa e VIP, não viria nem se me dessem um caminhão de dinheiro. Pagar esse mico, eu, hein!

Mas como eu tava dizendo, eu acho a música italiana tão ruim quanto a brasileira. Já mencionei aqui que detesto MPB. Não gosto de Chico, nem de Gil, nem de Caetano, nem daquela mala da Maria Rita, nem daquele insuportável do Milton Nascimento, nem de música pop. Os únicos CDs de música brasileira que eu tenho são os da Marisa Monte, que já admirei muito mas desde que botou aquele nome absurdo no filho deixou de existir para mim, o Bossa ‘n Roll da Rita Lee, e o Calango do Skank, que é divertidinho. Só. No Rio ficaram alguns dos Paralamas, comprados num surto de tenho-que-decorar-essas-musiquinhas-pra-poder-cantar-no-churrasco. Até gosto dos Paralamas, que me são particularmente simpáticos, mas hoje não me vejo comprando um CD deles. Do mesmo modo, não gosto da música italiana. Não ligo o rádio do carro nunca, porque não tenho saco pra ouvir sempre as mesmas músicas chatas – aqui praticamente só toca música italiana. Mas vou voltar ao assunto música italiana lá embaixo.

Na verdade eu não sou uma pessoa muito musical. Se a música for do meu agrado e estiver tocando, eu acho legal, mas se alguém desligar não vou ficar irritada. Se a música for chata e estiver tocando, eu fico MUITO irritada. Não tenho a menor vocação pra descobrir novas bandas ou novos ritmos; não fico catando coisas bizarras em .mp3 como um certo japa que eu conheço. Vivo perfeitamente bem sem música; muito difícil me pegar cantando, até porque eu sou completamente desafinada. Só preciso de trilha sonora mesmo pra fazer faxina, pra dar aquela animaçãozinha básica e pra fazer parecer que limpar a casa é super divertido. De resto, não tenho nenhuma música que me lembre um momento, um lugar ou uma pessoa. Não associo jamais uma música a uma situação em particular. Jamais presto atenção à trilha sonora de um filme. Gosto de shows, mas só se forem com músicas que eu conheço e sei cantar (o do Live em Sampa foi di-vi-no). Gosto de dançar, mas posso ficar anos sem fazê-lo que não entro em crise de abstinência. Ou seja, pra mim música é uma coisa que tá ali, mas podia perfeitamente não estar que daria no mesmo – mais ou menos como as frutas. Só dois produtos de consumo me destruiriam se deixassem de existir: chocolate e livros. Não me deixem sem ler que eu realmente viro bicho. Sou o tipo compulsivo que lê outdoor, propaganda no metrô, rótulo de shampoo enquanto toma banho, instruções e receitas na embalagem de TODAS as comidas, até de macarrão, manual de instruções de tudo que é eletrodoméstico, pedaço de jornal velho caído num canto, coisas escritas à mão dentro do sapato inglês do Mirco, o Boas Festas pré-impresso nas notas fiscais a partir de novembro, todos os detalhes do formulário pra depósito bancário, as lombadas dos livros na estante da casa daquele personagem do filme, todo e qualquer folhetinho que chegue às minhas mãos. É compulsivo mesmo, mecânico, involuntário, e já salvou minha vida várias vezes, especialmente porque tenho boa memória e dificilmente me esqueço de alguma coisa que eu li em algum lugar. Lembro de endereços de lojas que li na sacola de uma senhora no ônibus, do nome da empresa anunciada no metrô, da observação no pé da pagina da fatura do fornecedor. Eu acho que compensa o fato deu não ser muito musical...

Voltando à abominável música italiana: eu acho que o meu problema é que o tipo de música que eu gosto de ouvir não é compatível com nenhuma outra língua que não seja o Inglês. Convenhamos, crianças, rock em português é ridículo, perde credibilidade, não tem jeito. O mesmo pra música celta. O mesmo pra música de viado. É como bossa nova (que eu adoro, mas não tenho nenhum CD) cantada em, sei lá, alemão. Então eu acabo não gostando de mais nada cantado em outras línguas, já que tenho verdadeira alergia a música pop ou, pior, romântica.

Outra coisa com a música italiana é que, na minha opinião de não apreciadora mas não por isso não entendedora (meu irmão é músico, pô), ela tem frases musicais, combinações de notas que não se usam nem no Brasil e nem nos EUA. Só consigo lembrar agora das músicas dos Gemelli Diversi (Gêmeos Diferentes. O nome já seria o suficiente pra mandá-los pro pelotão de fuzilamento, na minha opinião. Agora imaginem a qualidade das músicas...) que pra mim são todas muito estranhas, difíceis de seguir. Tem duas outras ESTRANHÍSSIMAS tocando no rádio ultimamente (eu não ligo o rádio do meu carro, mas o Mirco liga o do dele) mas eu não consigo entender o nome, porque os locutores italianos são como os brasileiros, só dizem o nome da música quando dá vontade, e nem sempre com a melhor das dicções. O refrão de uma diz “io ti amo, ma devo ucciderti” (te amo, mas tenho que te matar). A outra não lembro mesmo, até porque a mulher canta num tom tão estranho que não entendo o que ela diz.

Comecei a notar isso durante as caronas com a Marta, que só escuta rádio. Comecei a pensar numa coisa que eu li em algum lugar, não lembro direito onde, falando sobre sistemas musicais de outras culturas, as orientais em particular. Parece que há povos que têm outras notas além das nossas do-ré-mi-fa-sol-lá-si. Eu não consigo conceber outras notas! É como se alguém viesse me dizer que em outros países existem outras cores primárias. Sei lá, um cor chamada bljerfs, que não é nem azul, nem amarelo, nem vermelho, e nem é uma combinação qualquer dessas cores. Você consegue imaginar? Nem eu. Esse tipo de informação scombussola meu céLebro.

Acho que vou ali ler um pouquinho pra ver se passa.

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E sexta-feira partimos pra Rotterdam, visitar a Stefania, irmã do Mirco, que está meio que morando por lá. Apesar da greve das companhias aéreas (toda semana tem greve de algum meio de transporte aqui na Itália, é impressionante), parece que a nossa, a BasiqAir, que é holandesa, não vai entrar nessa história e esperamos não ter problemas pra embarcar. Voltamos no domingo com a RyanAir. Cortesia da Stefania, claro, porque eu não tenho dinheiro nem pra ir ali na esquina, quanto mais à Holanda

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Vi Big Fish ontem. Digo "vi" e não "vimos" porque o Mirco dormiu. Achei visualmente bonito, como tudo o que o Tim Burton faz, mas não gostei do roteiro. Achei que ficou faltando alguma coisa. E agora cinema só semana que vem, porque já esgotamos todo o arsenal do Warner Village de Perugia.

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Mirco encheu tanto o meu saco que resolvi seguir seu conselho: aproveitar esse tempo de ócio desempregatício pra tirar minha carteira de motorista (eu estou usando a internacional, que só dura até setembro).

Postado por leticia em 09:24

02.03.04

Diálogos reais no ICQ

Stranger: - Hi, where are you from?
Leticia:- I’m from a nice place where people are educated and don’t disturb strangers marked as “away”. I see you're not from there.

Fulano: - Oi, quer conversar?
Leticia: - Se eu realmente quisesse conversar, não seria com você, que eu não conheço. Se estou como “away” é porque não posso conversar, mesmo que quisesse, não acha?

Beltrano: - Quer tc?
Leticia: - Minha religião não permite nenhum tipo de contato com gente que ainda acha que “tc” esta na moda.

Tizio: - Ciao, vuoi chattare?
Leticia: - No, grazie, io non chatta. Tu chatto sì, però.

Postado por leticia em 13:58

Ah, e pra quem tá

Ah, e pra quem tá estranhando que eu ainda não respondi aos e-mails: eu uso o programa The Bat!, muito legal e tal, só que anda me dando um problema estranho que não consigo resolver. Quanto tento enviar uma mensagem, o progama muito gentilmente me diz: Server reports error. The response is: mail not accepted from blacklisted IP address. Eu juro que não mudei nada, não toquei na configuração: esse erro maluco veio de um dia pro outro.

Não vou me render e voltar ao libero, até porque já apaguei tudo de lá e não tô com o menor saco de desorganizar minha vida e-mailzidica novamente. Tô tentando fuxicar no The Bat! pra ver se descubro qual é o pobrema. Enquanto isso, visto a minha imbecilidade internetal, aceito ajuda de quem entender mais do assunto do que eu. E enquanto essa ajuda não chegar, os e-mails vão ficar sem resposta.

Postado por leticia em 11:15

A festa de aniversário antecipada da FeRnanda no sábado foi um sucesso. Eu passei a manhã fazendo os doces, e lá pras três da tarde, quando a FeRnanda chegou com a irmã, Renata, seu marido toscano, o Stefano, e a prima romana, Giulia,

a torta de limão

tava pronta e o bolo prestígio já estava cortado no meio, esperando o recheio de cocada ficar pronto. Prontamente botei as meninas pra trabalhar. Só que na família da FeRnanda NINGUÉM sabe cozinhar nada, nem fritar ovo, então já viu. A Renata foi sovar a massa das coxinhas, mas parecia mais que tava fazendo carinho nela.


A FeRnanda desfiou o frango que eu tinha refogado no dia anterior, mas sobrou tanta carne colada aos ossos que daria pra fazer mais umas dez coxinhas.


A Giulia e depois a Renata fizeram a massa do pão de queijo, que ficou duro, seco e denso feito um meteorito. Em um certo momento resolvemos parar tudo e ir ver a casa que, se tudo der certo, a FeRnanda e o Fabião, que chegou depois, vão comprar em Ripa, não muito longe daqui mas já fazendo parte do comune de Perugia. Ripa tem um castelo, que se chama castelo mas quer dizer burgo medieval, cercado por muralhas. Pois eles vão morar dentro dos muros, na cidadela! Protegidos contra ataques peruginos! Não tiramos fotos porque o Mirco tinha esquecido a máquina fotográfica aqui em casa, mas na próxima vez vamos tirar. O lugar é divino! Os campos em torno são maravilhosos, daquele verde indecente que só existe na Toscana e na Umbria, as casas em torno são lindas, é um lugar super tranquilo, mas ao mesmo tempo a um passo de Perugia. Como disse o cara da imobiliária, em Ripa há dois açougues! Dois! Que modernidade, que megalópole! ;) Ficamos muito felizes por eles; a casa é de pedra, medieval mesmo, linda, e adaptada às necessidades deles. Tô doida pra voltar lá pra fazer umas fotos. Eles devem se mudar em maio. Vão ficar mais longe de nós, mas fazer o quê...

Mas então, voltamos por Bettona, que é uma cidadezinha medieval no alto da colina (como 99% da Umbria, diga-se de passagem...), linda, deliciosa. Só que o frio tava foda e voltamos logo porque ninguém se aguentava em pé com aquele vento gelado na cara. A galera foi pra casa tomar banho, eu botei a quiche de couve-flor no forno e fui tomar banho também. Chegou o Moreno, amigo gatinho do Mirco do qual eu gosto muito e que convidamos pra fazer número par de convidados. Depois chegou o resto do povo e a festa começou.

Renata, Giulia, Mirco, FeRnanda, Fabiao e eu.


Como o frango não bastou pra toda a massa de coxinha que eu tinha feito, acabei fazendo uns risoles de queijo com presunto que, dizem, ficaram ótimos (eu não comi). Os pães de queijo ficaram daquele jeito meteórico mas neguinho comeu assim mesmo, e o que sobrou a FeRnanda levou pra casa pra congelar. A quiche ficou ótima, só sobrou um pedaço, que foi meu jantar de ontem. E os doces ficaram di-vi-nos.

Nós nos divertimos horrores, Fabio bebeu caipirinha demais e dormiu no sofá, Mirco e Moreno, pouco resistentes ao álcool, em meia hora já estavam com as bochechas vermelhas, eu e as meninas fofocamos horrores. Foi uma serata agradabilíssima, mas quando o povo foi embora eu tava a massa falida, com as pernas doendo de ficar em pé cozinhando e limpando o dia todo.

(Renata e o marido Stefano, Giulia, FeRnanda, Fabio, Mirco e Moreno)


(As receitas estão , como sempre. Só não botei a das coxinhas porque não ficou 100% do jeito que eu queria.)

Postado por leticia em 11:02

01.03.04

Cineminha

Ontem à tardinha fomos ver The Butterfly Effect. Apesar do protagonista ser o namorado da papa-anjo Demi Moore e da direção deixar um pouco a desejar, o conceito geral do filme é bem interessante. The Butterfly Effect é aquela história da borboleta que bate asas no México e pode causar um tornado do outro lado do mundo, através de uma série de eventos aparentemente não relacionados entre si.

O personagem do bobão do That 70’s Show é um garoto que volta e meia tem blackouts de memória que resolve escrever diários pra tentar tapar os buracos. Só que ele descobre que relendo esses diários, em particular os trechos não terminados, porque relativos a pedaços perdidos de memória, ele consegue voltar ao passado. Como a história toda é cheia de pequenas tragédias, ele resolve mudar o passado pra tentar evitá-las, bastando pra isso pequenos atos, como uma frase, um objeto dado a um amigo. Voltando ao presente, que obviamente muda de acordo com o passado que ele alterou, ele descobre que esses mesmos pequenos atos são capazes de mudar totalmente a vida das pessoas. Ele acaba ficando num vai-e-vem passado/presente, achando que consertou coisas no passado mas caindo em presentes horrorosos, até resolver parar com a brincadeira, do melhor jeito possível.

Bom, no final das contas gostamos do filme. E voltamos no carro conjecturando sobre as nossas vidas ultimamente. É meio apavorante pensar que, se o telefone do Mirco tivesse tocado quando ele estava pra sair de casa naquele dia de novembro em 2001, e ele tivesse voltado pra responder, provavelmente não teríamos nos conhecido, porque ele teria passado na estrada quando eu e Valéria já teríamos chegado ao albergue. Ou se a gente tivesse pego o trem pra Assis que tinha acabado de sair da estação de Perugia; eu e Valéria teríamos chegado em Assis uma hora antes e assim eu e o lanternerio não teríamos nos conhecido. Ou se a Valéria não tivesse me convencido a passar em Assis – eu só sabia que era cidade de santo, e como não gosto de santo não queria vir. Lembro perfeitamente de nós duas debruçadas sobre um mapão da Itália na sala de paredes cor de pêssego da Valéria, no Leblon. Ela insistindo em Assis e eu não, não, santo não, por favor! Ou então se meu amigo Guido não tivesse me convencido a estudar italiano em vez de francês. Ou então se eu nem tivesse conhecido o Guido naquele MUSH, onde eu só entrei porque tive um febrão uma noite, não conseguia dormir e acabei entrando no tal MUSH, indicação de um amigo da Newlands.

A vida é muito estranha, crianças.

Postado por leticia em 09:32

Frio

Está nevando em Bastia. Aparentemente nevou a noite toda, porque hoje telhados, campos e carros amanheceram cobertos de neve. O fenômeno é raro por aqui; a última vez que nevou decentemente em Bastia foi, se não me engano, em 1981, e há fotografias desse suuuper acontecimento espalhadas por todo o prédio da prefeitura. Normalmente aqui embaixo, no vale onde estamos, não neva de verdade; no máximo aqueles floquinhos bobos que derretem assim que tocam alguma superfície. Ontem, voltando do cinema, caíam algums floquinhos desse tipo, e o termômetro do carro marcava um grau, a temperatura noturna média aqui nas últimas semanas. Os últimos dias foram gelados de verdade, mas não tinha neve nem em Assis, só no alto do Subasio, que anda branquinho já há muitas semanas. Mas essa noite nevou de verdade.

São oito e meia e acabei de entrar em casa. Fomos até Santa Maria pegar o carro da tia de um amigo do Mirco pra levar pra consertar em Deruta. Deruta é famosa por aquelas cerâmicas maiólicas horripilantes, com dragões amarelos ridículos e mal desenhados ou flores e frutas estilizadas, como nesses pratos enfeiadores de parede:

O pai do Mirco tem um amigo de muitos anos que tem uma oficina lá, especializada em carros, ao contrário da oficina do Mirco, especializada em caminhões e máquinas industriais. Então lá fomos nós a Deruta, o Mirco dirigindo o Fiesta batido e eu atrás, na Punto que herdei quando ele comprou o Volvo. Deruta fica na direção de Roma, cidade que, além de ser tudo na vida, tem um clima muito mais agradável do que nós aqui do interior da Tanzânia. Roma é mais seca e mais quente do que a maioria das cidades italianas. Quase nunca chove, e neve é coisa raríssima, coisa pra contar pros netos. Em Deruta não estava nevando, mas os carros que vinham da direção de Terni, que ainda é Umbria mas fica a apenas uma hora de Roma, mas é alta e por isso muito fria, estavam todos cobertos de neve.

Eu acho frio e neve duas coisas tão chatas que nem consigo mais achar bonito. Olho os telhados branquinhos e me dá uma raiva danada porque sei que lá fora a temperatura não me permite fazer nada. Tenho roupa na máquina de lavar que tenho que estender, mas quem disse que eu tenho coragem de ir lá na varanda debaixo de neve pra mexer em roupa molhada e ficar com os dedos congelados? Sai fora.

Postado por leticia em 09:31