29.12.03

Eu sei que não parece, mas morar com um lanterneiro criativo tem muitas vantagens.


O bom dele ser lanterneiro é que toda e qualquer ferramenta ou está à disposição, ou pode ser facilmente comprada, e pequenos probleminhas são facilmente resolvidos. Bateu o carro? Se ele não conserta pessoalmente (ele nao, o pai, porque ele pinta máquinas industriais), conhece alguém que o faz, por pouca grana e em pouco tempo. Arranhou o carro? Ele vai lá com a pistola de tinta e resolve. Quebrou alguma coisa em casa? Ele volta pro almoço com a ferramenta justa, e conserta.

O bom dele ser criativo é que, se um problema não pode ser resolvido no modo convencional, ele inventa outra solução. Sabe aquela coisa do homem da casa? Então. É assim. E como eu também sempre fui um dos homens da minha casa, e adoro consertar coisas, abrir pra ver como funciona e por aí vai (interesses que herdei do meu pai), nos damos muito bem.

Ontem decidimos que, porque somos acumuladores de coisas, o espaço aqui no nosso escritório é pouco, e precisamos de prateleiras. IKEA? Não, do-it-yourself, que é muito mais divertido, e personalizado!

Primeiro vou explicar mais ou menos como é o escritório, que era o quarto do filho mais velho do casal dono do apartamento. Mirco inventou escrivaninhas cujas pernas são latões de solvente e cujo tampo é uma tábua super larga que ele pintou com tinta pra carro, cor verde-bandeira. Ele usou uma pintura tipo bucciata (buccia = casca, nesse caso casca de laranja), que não deixa a superfície lisinha mas coberta de “respingos” de tinta. Encostado na parede atrás da escrivaninha, uma outra tábua bucciata laranja, na qual ele fixou uma prateleirinha de mesmo material e cor, onde ficam os porta-lápis, porta-correspondência e uma foto nossa feita num restaurante em Catania no ano passado. À esquerda do computador, dois gaveteiros de madeira crua da IKEA, cheias de material de escritório – é o almoxarifado. Nós dois adoramos coisas de papelaria e escritório, e não deixamos faltar nada porque refazemos nossos estoques antes que qualquer coisa acabe ;) E empilhados no alto desses dois gaveteiros, 200.000 raccoglitori (fichários) com documentação de banco, contas da casa, fotocópias de documentos pessoais, faturas de cartão de crédito, etc. O Mirco é muito organizado com essas coisas, e aprendi muito com ele. Hoje não perco mais um documento sequer, tá tudo devidamente ordenado e fotocopiado.

No meu lado do escritório, usamos uma velha escrivaninha da Arianna, que tem gavetas mas é baixa e muito feia. O Mirco pintou um tampo de madeira em azul bucciato, um azul meio cinza que eu adoro. No canto à direita, perto da janela (que tem cortinas em renda com golfinhos, muito adequado), fica o meu computador velho. À esquerda, perto da porta, o meu gaveteiro de madeira e o porta-correspondência idem. Na parede do lado da janela, duas placas de metal bucciato prateado com fotos e coisas fofas presas com ímãs. Na parede da escrivaninha do Mirco, um poster da mostra do fotógrafo sem mão, que o Mirco comprou e quase desistiu de botar na parede quando soube que o fotógrafo tava crente que eu ia pra Austrália pra dar pra ele (mas comé que esse cavalinho foi parar na chuva? Tira ele daí, meu querido!). No canto direito da parede do Mirco, ou melhor, na parede mais estreita desse escritório pentagonal, mais duas placas de metal bucciato verde meio turquesa, com as fotos da Austrália que o Mirco ama. Na parede perto da porta, outra placa, cinza-claro, com mais fotos de viagens e contas pra pagar. Colados na porta do escritório, do lado de fora, uma placa de trânsito avisando que há koalas na área, e logo embaixo, o cartaz do Fashion Rio, desenhado pela Newlands. Do lado de dentro, um calendário horrível com fotografias de caminhões e tratores, e um folheto que veio com a nossa multi-função HP, com coisas escritas nas línguas mais estranhas da Europa.

Foram os malditos raccoglitori, que são horrorosos mas duram muito e custam una cavolata (mixaria), que nos despertaram essa vontade de ter prateleiras. Eu só tenho 2 fichários, um com meus documentos pessoais e do banco, e outro, precocemente aposentado, com os documentos e as contas do apartamento de Bastia, mas tenho uma infinidade de tralha pra organizar: MUITO material pra correspondência, muita correspondência, milhões de bloquinhos, trilhões de canetas coloridas e não, alguns dicionários, zilhões de caderninhos de endereços, agendas, diários, fotografias, letras de música, cadernos de receita, traduções feitas. Tá tudo espalhado pela casa, dentro de pastas e arquivos distribuídos pelos armários hediondos da sala. Precisam de ordem – então inventamos umas prateleiras.

Ingredientes: latas vazias, que eles na oficina compram em quantidades industriais, pra armazenar tintas de cores não tradicionais, cores inventadas pro cliente do momento. Areia pra encher as latas e fazer peso. Profilati de alumínio, que são tipo tábuas ocas de metal que servem, entre outras coisas, pra bloquear as laterais dos caminhões, evitando assim que motociclistas ou carros baixos vão parar embaixo deles, em caso de acidente. Maastricht, uma cola super hiper mega coladora, pra colar as latas.

Ontem à tarde demos um pulo na oficina pra pegar essa tralha. Cortamos os profilati com a serra que cortou um pedaço da mão do Ettore no começo do ano, escolhemos as latas, pegamos as placas de metal que estavam secando no forno, nos munimos de fita biadesiva poderosíssima, e voltamos pra casa. Os profilati são estreitos, então cada prateleira é feita de dois deles, posicionados paralelamente e colados com biadesivo. Três latas de altura entre a escrivaninha e a primeira prateleira, e duas latas entre a primeira e a segunda prateleira. As minhas latas serão pintadas de vermelho-vivo, as do Mirco de azul. Escritório mais colorido, impossível.

As minhas duas placas de metal já estão devidamente entupidas de fotos e coisas, e em breve o estarão também as latas. Sim, é uma poluição visual danada, mas a gente gosta assim...

**

E à noite fomos jantar na casa de uma família amiga dos pais do Mirco. Eles se conheceram no hospital há mais de 15 anos, quando o Ettore foi operar o septo nasal, e essa família estava acompanhando um tio pra uns exames cardíacos complicados. Pietro, o patriarca sem dentes, Silvana, a esposa, de olhos azuis lindíssimos, Settimia, a filha nariguda divorciada e sem queixo, Andrea, o filho rebelde de Settimia, com cabelo mohawk mas olhar esperto (e com narigão e sem queixo), e Giovanni, o filho mais novo de Pietro, que é ligeiramente viado, apaixonado pelo Mirco, e dá aula de cozinha na escola de hotelaria de Assis há muitos anos. Todos super gentis, mas um pouco formais demais pro meu gosto. A casa, imensa mas super mal conservada porque o pai, avarentíssimo, controla o dinheiro de todo mundo na família e não gasta nem pra botar luminárias na sala (sabe lâmpada pendurada pelo fio? É assim HÁ DEZ ANOS), fica num buraco chamado Giano dell’Umbria, lá pros lados de Foligno. A estrada cheia de curvas é absolutamente deserta. Uma casa a cada quilômetro. Ou melhor, um sítio a cada quilômetro, porque ali cada família tem grandes propriedades e seus próprios pés de azeitona, de uva, suas hortas, seus galinheiros. Aqui no interior é muito comum encontrar moinhos de aluguel: você leva suas azeitonas, paga uma taxa e eles moem as bichinhas pra você e te dão o azeite pronto. O mesmo pro vinho: há cooperativas onde você leva as suas uvas, e no final do processo de produção do vinho tem direito a uma certa quantidade do produto pronto.

Então nós jantamos bruschette de alho e azeite, de cogumelo e tartufo, de berinjela (melanzana) da horta deles. Depois panquecas recheadas de cogumelo, cobertas de molho branco e molho de tomate, gratinadas ao forno (deliciosas). Depois coelho assado (coelho deles, é claro) e linguiças feitas em casa, na grelha, com batatas ao forno. Depois salada (da horta deles, obviamente). Depois rocciata, um doce esquisito com frutas secas (blergh), e spaghetti dolci, um doce que normalmente se faz na Páscoa, se não me engano, com macarrão cozido e misturado numa massa maluca de chocolate, amêndoas trituradas, açúcar, e outras coisas, tudo isso regado com licor cor-de-rosa. Parece horroroso, mas não é. Também não é nenhuma maravilha, mas é perfeitamente aceitável. Tudo isso regado a vinho branco e tinto feito em casa (eles levam à cooperativa as uvas mais tabajara, com as uvas boas eles mesmos fazem o vinho pra consumo próprio). Espetaculo. O Ettore comeu até morrer, e ainda teve a cara-de-pau de aceitar de levar uma quentinha de panquecas pra casa hehehe

**

Amanhã partimos pra Belgrado. Dejan já ligou dizendo que está frio, muito frio. Ui.

Postado por leticia em 11:31

27.12.03

coisa de louco esse bicho!

E meu negao parado feito um dois de paus, pegando sol:

Postado por leticia em 09:38

amigao

Eu e meu negao na porta da Arianna:

Postado por leticia em 09:36

Senta que lá vem pregação

Então vamos falar de cigarro. De novo.

Fumar é o ato de maior idiotice de que o ser humano é capaz. Jamais vou entender o que leva uma pessoa a sequer começar a fazer uma coisa que há anos se sabe que dá vários tipos de câncer, tem mil substâncias viciantes, causa impotência nos homens, destrói a microcirculação, deixa os dentes e as unhas amarelos, dá um bafo que chiclete nenhum do mundo é capaz de eliminar, deixa a pele envelhecida, os cabelos feios e fedorentos – e ainda por cima PAGA por isso! Maior exemplo de fraqueza eu realmente não consigo conceber. Depender de uma coisa que além de matar lentamente, fede, é absolutamente inexplicável pra mim.

Além de ser uma coisa idiota, é também um dos maiores exemplos de má educação e desrespeito pelos outros. Mesmo que o cigarro não fizesse mal, só o fedor deveria ser suficiente pra transformar o ato de fumar em uma coisa a se fazer escondido, isolado – como peidar. Se a premissa básica da vida em sociedade é não encher o saco dos outros pra que ninguém encha o seu, como é possível que seja aceitável um não-fumante voltar pra casa depois de um papo no pub, ou uma noite na discoteca, fedendo tanto que é preciso pendurar as roupas na varanda pra pegar um vento e perder o cheiro? Com o cabelo fedendo tanto que na manhã seguinte a náusea te persegue e não dá vontade nem de tomar café? Com os olhos lacrimejando por causa da merda da fumaça?

Todo o problema deriva do fato que quando um imbecil fuma (fumante = imbecil), está fazendo fumar todo mundo que está em volta. Porra, eu NÃO fumo, NÃO quero ficar fedendo, não quero aumentar as minhas já altas probabilidades genéticas de desenvolver um tumor de qualquer coisa, NÃO quero respirar essa merda de fumaça! Quer fumar? Vai fumar no SEU banheiro, trancado! Um banheiro que de preferência não seja usado por mais ninguém, porque o fedor permanece por horas a fio. Crie o seu proprio cubículo de idiotice e fique lá fumando como o idiota que você é, sem encher o saco de ninguém.

Aqui na Europa a coisa mais grave é que os fumantes se acham oooos reis da cocada. Pedir a alguém pra apagar o cigarro é como pedir, sei lá, pra plantar bananeira. Ficam te olhando como se fosse a coisa mais absurda do mundo. Como, absurdo? Absurdo é EU, que não tenho nada a ver com a história e sou muito melhor do que qualquer fumante (porque, como todo fumante é imbecil, já parte com pontos a menos, em qualquer situação. TODO fumante está errado quando fuma, SEMPRE, porque fumar é SEMPRE um ato imbecil, e portanto SEMPRE errado), ter que ficar fedendo por estar rodeada de gente idiota e fraca, que não consegue ficar uma hora ou duas sem acender aquela merda dentro de um pub ou boate!

Ontem, depois do cinema, fomos pegar a Carmen e demos um pulo na nossa pizzaria preferida, pra beliscar umas coisinhas. A Carmen fuma (e depois se pergunta por que seus cabelos caem tanto e a pele é tão feia...), sabe que eu tenho HORROR a cigarro, e mesmo assim acende sempre um cigarro quando está comigo. Ontem discutimos feio porque eu pedi a ela que me fizesse a gentileza de não fumar na minha presença. Aí começa a argumentação ridícula e estúpida de quem não tem razão (lembrem-se, o fumante NUNCA tem razão):
- Mas se todo mundo aqui fuma, não é o meu cigarro que vai fazer a diferença...
Vai sim, cara-pálida. Gente pensando como você, em relação ao cigarro, ao papel de bala no chão, ao ato de furar fila, de não pagar multa, de corromper o policial, de não recolher o cocô do cachorro na rua, é que destrói uma cidade, um país, uma geração. Eu realmente não consigo entender qual é a dificuldade em sacar que pombas, cada um faz a sua parte e tudo vai bem; cada um faz o que dá na telha e acaba fodendo tudo. Qual é a dificuldade de entender uma coisa tão óbvia? Socorro!

Resultado: voltei pra casa irritada, fedorenta e intoxicada, com muita vontade de bater em alguém, de sair incendiando todos os campos de tabaco do mundo, de boicotar toda e qualquer manifestação de qualquer coisa que seja patrocinada por empresas de cigarro. Bando de feladaputa. Estragou a minha noite, de verdade. Uma merda de um rolinho de papel com coisinhas fedidas dentro, aceso numa ponta e com um idiota sugando a fumaça na outra, conseguiu estragar a minha noite.

Cada vez mais eu tenho nojo de pertencer à espécie humana. Se eu acreditasse em reencarnação, na próxima aceitaria ser qualquer coisa, menos um ser humano. Até uma barata serviria. Barata come mal pacas, mas pelo menos não fuma.

**

E passando pra outro assunto, porque esse do cigarro me deixa extremamente irritada, raivosa e violenta: o menu de Natal aqui na Umbria.

Aqui a ceia de Natal não é tão importante, e normalmente é à base de frutos do mar (aquela chatice cristã de não poder comer carne, blah blah blah. Na minha casa a gente comia lombinho, bom pra caramba...). O grande balacobaco é o almoço do dia 25. Aqui no interior do Cambodja o pessoal (leia-se as donas-de-casa, em italiano casalinghe) faz cappelletti e ravioli em casa. As superdotadas galinhas da Arianna, que botam dois ovos por dia cada uma, são as fornecedoras de parte da matéria-prima. Além dos ovos, a massa leva farinha de grano duro, numa proporção indefinida – vai no olhômetro mesmo. O recheio dos cappelletti, que são redondos, é de carne moída. O dos ravioli, aqueles com formato de travesseirinho, é espinafre com ricota. A massa é servida in brodo, ou seja, no caldo onde foi cozido o frango/peru/ganso/carneiro, e com parmesão ralado por cima, claro. Eu adoro todos os dois :)

Dia 25, na casa da Arianna, comemos os cappelletti in brodo e depois spaghetti al tartufo. A Stefania achou uns tartufos não sei onde, porque esse ano não choveu e os tartufos não só não se acham como custam os olhos da cara (algo em torno dos 3000 euros por quilo, o tartufo preto. O branco custa o dobro.), e fez um molhinho pra macarrão. Não é incomum aqui comer mais de um tipo de primo piatto. Em teoria as porções são menores, é claro – mas só em teoria.

Depois vêm as carnes, como sempre todas misturadas: tinha peru e frango cozidos (sem gosto de nada) e bistecas de carneiro empanadas e assadas no forno (eu me livrei de todo o empanado porque tinha limão, pra variar... Ô fruta desgraçada!). Como acompanhamento, alcachofras empanadas ao forno, cogumelos recheados na grelha, verdura cotta.

E de sobremesa, só coisa que eu não gosto: panetone, pandoro (acho que é uma massa parecida com a do panetone, só que com muito mais manteiga, e sem essas drogas de uva passa e fruta seca. Engorda que é uma beleza.), biscoitos de pinoli, amaretti (biscoitos de amêndoa), torrone branco, torrone de chocolate (esse eu como), e provelmente outras coisas das quais não me lembro. Sei que passei depois a tarde inteira com vontade de comer um docinho gostoso, um sorvete, sei lá.

Pra beber, vinho tinto e branco, e depois um spumante, a grappa, o limoncello, etcétera. Tudo muito light.

Eu até que me comportei, até porque o menu não era exatamente o meu favorito. Fiquei mesmo nos dois pratos de massa, comi um cogumelo e só. Depois fomos ao cinema ver Mona Lisa Smile.

Ontem, que também é feriado na Itália (Santo Stefano), almoçamos na Arianna de novo. Dessa vez foram os ravioli, com molho de tomate, muito melhor do que in brodo. E duas linguiças na brasa – linguiça feita em casa, claro. Demos umas voltas a pé em Bastia pra digerir, em Perugia idem, depois cinema de novo (Hollywood Homicide), não depois de muita fila, de uma pizza horripilante na Spizzico, e depois a chatice com a Carmen na pizzaria.

E aí eu gostaria de mostrar a vocês um exemplo de fila italiana. Quando eu digo que italiano não faz fila, faz coágulos de gente amontoada sem nenhum tipo de respeito à ordem de chegada (até porque nem eles lembram quem chegou primeiro), neguinho acha que é exagero. Então lancemos um desafio: quem conseguir me dizer onde a fila começa e onde termina ganha um cartão-postal da Sérvia. E quem acertar quanto tempo levamos pra chegar à caixa e comprar os ingressos, ganha uma foto autografada do Legolas de chapéu.

Postado por leticia em 09:24

23.12.03

Ah, Roma...

Então eu pego o meu já amigo trem das 6:17 partindo de Bastia, me adormento e como sempre acordo em Orte, quando a cabeçada que trabalha/estuda em Roma entope o trem e faz um barulho danado; durmo de novo e acordo na Tiburtina. Dali são alguns minutos até Roma Termini. Pego um táxi e vou parar na embaixada da Sérvia e de Montenegro, numa ladeira lá pros lados da Villa Borghese. Quando eu estou esticando meu dedinho pra tocar a campainha a porta abre, e saem três eslavos batendo papo. Seguram a porta aberta pra eu passar, olham pra minha cara e dizem alguma coisa em eslavo. Eu faço a-han e penso, mas será o benedito? Eu com essa cara de nacionalidade não-identificada mas DEFINITIVAMENTE não eslava e esses falando comigo na língua deles? Entro, pego o visto, que leva dez minutos e vinte e um euros pra ficar pronto, olho pra cara do visto, que é uma etiqueta pré-impressa e preenchida à mão, dou tchau pro antipaticíssimo cara da portaria, e vou-me embora.

E aí começa a missão “vamos encontrar uma agência dos correios”. Os bancos têm tarifas altíssimas, então optei por abrir conta no BancoPosta, que cobra menos (e funciona super mal, uma vez que não é privado). Precisava tirar uma grana no caixa eletrônico, mas uma gorda antipática na banca de jornal disse que ali perto de onde eu estava só tinha uma agência, mas teria que caminhar bastante. Intrépida, habituada a caminhar quilômetros, fui seguindo as instruções da gorda: desci uma ladeira, subi outra, e dali tinha que subir umas escadas, que não achei. Entro num mercadinho/açougue pra pedir mais informações, e começa a italianada (muito semelhante à cariocada, diga-se de passagem):
- Fulano, mas não tem que subir as escadas?
- Tem sim. Vira ali à esquerda...
- Mas que esquerda, fulano! Direita!
- Direita?
- Direita sim, ali depois dos portões, tem as escadas, e depois das escadas vira à esquerda.
- Esquerda? Não tinha que descer a rua à direita?

No final das contas um romano gatinho (mas pequenininho; ó vida, ó céus, por que os mediterrâneos são todos pequenininhos? Não podiam ser altos também, além de charmosos e divertidos?) sai do mercadinho e me leva até as escadas. Faço o que tenho que fazer, e quando passo pelo mercado de novo, voltando pro ponto de ônibus que eu já muito espertamente tinha localizado como sendo-me útil, ele sai da loja e vem perguntar se eu achei a agência. Achei sim, darling. Sorrisos, buone feste, auguri, e vou-me, contente. Adoro esses arroubo de simpatia nas pessoas.

Pego o primeiro ônibus que me deixará numa estação de metrô. Desço na Piazza Barberini, pego o metrô, sempre entupido e sempre atrasado, e desço na Ottaviano. Dali caminho até a via Cola di Rienzo, resisto à tentaçao de uma lindíssima bolsa Gucci, tão falsa quando a cobra de onde em teoria saiu seu couro marrom, ando mais um pouco e entro na Castroni, ma-ra-vi-lho-sa loja de coisas comíveis de todo o mundo. Me emociono com o guaraná, a goiabada, o polvilho doce, o preparado pra pão de queijo. Compro leite condensado, pão de queijo, guaraná, feijão preto, doce de leite (infelizmente argentino). Pego o metrô pra estação de trem, almoço um McChicken e fico esperando o trem, que só sai às 14:14. Magari! Saiu quase às 15.

Sentado à minha frente, um tipo repugnante: o homem não-homem. O homem não-homem é transparentemente pálido, magro, tem ombros estreitos (ó céus, quer coisa mais broxante que ombrinhos estreitos?), tem mãos brancas e delicadas, aranhescas, os dedos longos e bem-feitos – mãos de quem não faz nada da vida, mãos de homem que não sabe nem trocar lâmpada. Uma delicadeza, uma fragilidade totalmente não-masculina. Joelhos pontudos marcam as calças jeans quando ele cruza as pernas como uma mocinha. A cintura é fina, a respiração é difícil – além de delicado deve ser vegetariano. Nojo, nojo.

O atraso do trem significa que perdi a conexão em Foligno. Um frio desgraçado, um vento maldito, um bando de gente que perdeu a conexão amontoada na cabine de espera na estação. A próxima conexão, que deveria sair às 17:06 (o que perdemos saía às 16:20), chegou na hora mas demorou pra sair por conta de um Eurostar que vinha no mesmo trilho e chegou atrasado, como todo bom Eurostar.

Eis que adentram a cabine duas brasileiras. Uma senhora com cara de baixo Q.I. e uma jovem de cabeça achatada e cara de empregadinha e a arrogância de quem acha que deu o golpe do baú. Essa última vestia um casaco comprido de camurça falsa cor camelo, forrada com pelúcia 100% nylon, no melhor estilo ursos Peposos. E aí começa a conversa assassina (assassinaram a gramática, ô ô):
- Não, muié, falta der minuto ainda!
- Ah é... Mas e as criança, hein? As criança hoje come em casa?
- Num sei não...

Por que é que eu tenho que ficar encontrando essas peças em tudo que é lugar que eu vou? Pra piorar, subiram bem no meu vagão! Logo logo a velhinha que tava sentada em frente à garota sacou, pelo óbvio sotaque “è liberu qui?”, que era estrangeira, e puxou papo. E logo a garota começa a sorrir e explicar que sim, “sonu brasiliãna”, saca da carteira umas notas de reais pra mostrar pra velha, desvencilha dos brincos de ouro fake (aqueles de 1,99 que se compram nas estações do metrô no Rio) uma mecha dos belos cabelos castanhos. Pronto! É assim que começa, comprovando a eficácia da campanha boca-a-boca: a velhinha provavelmente vai contar a uma média de 9 pessoas do seu círculo de amizades o encontro que teve com a brasileira, coitadinha, tão lerdinha, tão despreparada, mora aqui há anos e ainda não aprendeu a língua, feito uma mexicana qualquer... Cada retardada dessas fora do Brasil dificulta em uns 5% a vida de brasileiras normais que vão morar no exterior com a melhor das intenções e grande capacidade de adaptação. Dei à garota um olhar schifoso quando me dirigi à saída do vagão, depois de ter guardado na bolsa meu último Ian McEwan (Atonement. Lento, mas interessante.).

Desço em Bastia, pego o carro (estou com a Fiat Punto do Mirco, que trocou de carro) e vou à oficina, deixar a Punto e pegar o Volvo do lanterneiro, porque o carro dos eslavos quebrou e eles vão pra casa com a Punto do Mirco. O vento sacode o carro, que vive embaçando desde que limpei os vidros com desembaçador, há muuuitos meses atrás; não vejo nada, o aquecedor demora pra engrenar, minhas mãos congeladas dentro das luvas, meu nariz mais duro que mármore, meus pés insensíveis, com as terminações nervosas todas congeladinhas, coitadas. Chego na oficina, troco de carro, volto pra casa. Não tenho vontade de fazer nada, mas amanhã é dia de fazer os doces pra família da Marta...

- C***lho, exclamou a princesinha, preciso descansar!

**

Natal pra mim significa somente o aniversário do meu pai, e um feriado. Mas como convenção social é convenção social, desejo a vocês, que acham essa data uma coisa especial, um Natal interessante (poucas qualidades são, pra mim, mais importantes do que interessante). Esse ano não consegui mandar cartão pra ninguém, coisa que muito me envergonha, visto que tenho muito orgulho de ser adepta do snail-mail. Mas perdoem-me; 2003 foi um ano horripilante e cansativo, e não só por causa das minhas 4 mudanças de casa. Não tenho forças pra escrever nem telegrama, quanto mais cartão de Natal. Por isso considerem-se todos devidamente abraçados, beijados e presenteados. E que todo mundo, inclusive eu, tenha um 2004 show de bola. Até porque a Ane, com quem tive o prazer de falar hoje no telefone, tem razão: pior do que 2003 é difícil, viu, meus queridos.

Postado por leticia em 19:12

22.12.03

jantar Sérvio

Sábado fomos jantar na casa do Dejan, eslavo que trabalha pro Mirco e que vai nos hospedar agora no reveillon. A família toda é muito simpática e educada, e está na casa dos pais do Mirco toda vez que rola balacobaco. O pai, Momo, é caminhoneiro e faz as revisões do caminhão na oficina do Mirco (e foi daí que surgiu a idéia de botar o filho dele lá pra trabalhar). Ele já rodou toda a Europa e o Oriente Médio de caminhão, e as suas aventuras no Iraque, no Kuweit e cercanias são de matar de rir. Afirmou categoricamente que as mulheres sírias são lindas (o que explica a minha estonteante beleza hohoho), que Damasco é linda, e me deixou com mais vontade do que nunca de conhecer toda aquela região. Pena que o momento não é dos mais interessantes.

A mãe, Zorika, trabalha numa empresa de arranjos de flores secas. Jelena (pronúncia iélena), mulher do filho mais velho, Mika, também trabalha lá. Quando eu e Mirco tivemos que ir à fronteira com a Eslovênia pra carimbar a bosta do passaporte, no ano passado, o Mika e a mulher também foram, porque ela tinha o mesmo problema burocrático que eu. Lembro que na época ela não falava nada de italiano e me parecia mais perdida que cego em tiroteio. Depois não nos vimos mais, mas ela já ficou mais esperta, já fala alguma coisa de italiano, e é muito simpática. Mostrou as fotos do casamento: a festa durou três dias e ela mudou de vestido milhares de vezes! (um mais cafona que o outro, diga-se de passagem. A moda cigana realmente nãaaao é pra mim). Eles são super jovens, tanto ela quanto o Mika são mais novos que eu. Ela fez escola técnica de farmácia na Sérvia, ou seja, não é nenhuma retardada, coisa que me deixou muito feliz: tô cansada de lidar com gente absolutamente ignorante aqui no interior de Madagascar.

O jantar foi super simples: entrada de frios, depois uma sopinha light com macarrõezinhos compridos demais pra ser comidos como sopa mas o caldo estava uma delícia, e depois carne de vitela e de carneiro com salada. Eles já partiram pra casa deles na Sérvia, e dia 30 vamos eu e Mirco ficar na casa deles. Se a festa de ano-novo for do mesmo estilo que a festa de casamento, eu já vi que vou me divertir horrores!

**

Todo o mundo civilizado já viu The Return of the King, menos eu. Vocês sabem, aqui na Guatemala os filmes chegam com muito atraso, e dublados. Só me recuperei do trauma de ver TTT em italiano porque depois baixei o filme da internet em língua original, e de vez em quando revejo pra dar uma refrescada nas idéias. Mas pra quem já leu os livros milhares de vezes em Inglês, como eu, e sabe os diálogos de cor, ouvir tudo em italiano é o horror, o horror.

**

Amanhã vou a Roma pegar o visto pra Sérvia. Engraçado foi a minha conversa telefônica com o cara do consulado, semana passada. A começar do fato que, no catálogo telefônico, ainda consta Embaixada da Jugoslavia, embora Jugoslavia não exista mais.
- Bom dia, eu sou brasileira e gostaria de ir à Sérvia [sintam a estranheza dessa afirmação], preciso de visto?
- Precisa sim, tem que trazer duasfotos3x4umacartadafamíliaquetehospedateconvidando carimbadaeassinadapelaprefeituradacidadelánaSérvia, blah blah blah
- Peraí, meu querido, vai devagar que eu tô anotando...
- Mas vocês brasileiros são tão rápidos pra jogar futebol, e você demora tanto pra escrever? [clássico comentário totalmente nada a ver, estilo o que tem o c a ver com as c... Até porque eu escrevo MOITO rápido, quem me conhece sabe.]
- ...
- Então, a família que te hospedará tem que mandar uma carta te convidando, mas essa carta tem que ser carimbada e assinada na prefeitura da cidade deles.
- Ahn. [e eu pensando, sim, é bom mesmo eles criarem essas dificuldades, porque tem TAAANTA gente querendo ir passar o ano-novo congelando na Sérvia que se eles não segurarem a onda não tem lugar pra todo mundo! Not!!!]
- E mais duas fotos 3x4, e fotocópia do passaporte e do permesso di soggiorno.
- Ahn.
- E o passaporte original e o permesso di soggiorno original.
- [lógico, seu mongo] OK, ‘brigada…

Então amanha lá vou eu pegar o raio do visto. Aproveito pra fazer umas compritchas: tô precisando de leite condensado e farinha de mandioca pra fazer um cesto de salgadinhos e doces pra família da Marta, porque não tenho a menor idéia do que dar de presente pra eles no Natal. Então vou dar coisas de comer – quer coisa melhor? Aceito sugestões de cardápio. Até agora já pensei em quibe, coxinha de galinha, brigadeiro (já comprei o granulado), torta de limão e quadradinhos de laranja. Vou fazer tudo meia receita porque o que sobra de comida nessa época do ano não tá no gibi, e como além disso todo italiano é meio xenófobo alimentar, tenho medo deles não gostarem e todos os meus preciosos ingredientes tupiniquins irem pro lixo...

Postado por leticia em 16:53

19.12.03

famiglia

Hoje de manhã cedo, dormindo, morreu o pai do Chefe. Não era um exemplo de honestidade ou de educação, e todo mundo aqui dentro em algum momento já pensou seriamente em sair da empresa por causa da chatura dele, mas no bojo sempre nos tratou bem (principalmente depois do almoço – leia-se vinho tinto) e a morte dele abalou todo mundo. Estamos aqui no escritório ligando pra clientes e fornecedores pra comunicar o ocorrido, e depois fechamos.

Nunca tive, felizmente, um contato íntimo com a morte dentro da minha família. A única vez em que fui a um funeral foi o da minha amiga e vizinha Bruna, que morava no prédio da minha prima Erica. Morreu num acidente de carro idiota, na Gávea. Lembro que a ficha demorou muito a cair quando a Erica me ligou pra dar a notícia, e foi a mesma coisa hoje: Martinha me liga logo cedo, eu ainda de pijama, fazendo a cama, e eu achei que ela estivesse ligando pra avisar que não vinha trabalhar por causa da enxaqueca. Quando ela disse o que tinha acontecido, caí sentada na cama e fiquei repetindo feito uma idiota: mas como assim, morreu? Ahn?

A família do meu pai é formada por Matusaléns que não morrem nunca. Do lado da minha mãe é uma tumoração só, neguinho morre de tudo que é tumor que você puder imaginar (então já sei o que me espera...), mas nós temos muito menos contato com essa parte da família, então nem lembro quem foi o último que morreu. Meu avô, pai da minha mãe, morreu há muitos anos (sempre câncer, claro). Eu era pequena e lembro só de uma tristeza danada em casa, e de ver meu pai chorando, como também chorou quando morreu a Tia Maroca, irmã da minha avó, também quando eu era pequena. Tenho muitas boas memórias dos dois, mas eu era pequena demais pra entender direito o que estava acontecendo.

Então, eu nunca tinha visto de perto a coisa como ela é. Fomos direto pra casa do Chefe; a irmã, que estava pra casar (e o pai não aprovava a coisa porque o noivo é do norte da Itália, tem uma agência de turismo e vive viajando, não pára em casa. A opinião nossa aqui no escritório é que agora o casamento não sai mais), completamente desolada; o Chefe, um homão alto e grande, chorando feito uma criança, e é isso o que mais sacode a gente. Anzi: o que mais sacode é a burocracia envolvida. O cara da agência funerária (aliás, que emprego é esse, hein? Socorro...) já estava lá, escrevendo o texto dos cartazes de anúncio de óbito e marcando com uma cruzinha num formulário as cidadezinhas onde os cartazes vão ser colados. Uma coisa muito estranha; todo mundo devastado de dor mas mesmo assim um vira pro outro pra perguntar, mas ele conhecia alguém em Palazzo? Não? Então em Palazzo não precisa botar cartaz. Mas em Viole sim? Viole sim. Rivotorto com certeza, né, tio?

E aí vem o padre.

Eu só digo uma coisa: o idiota que mandar um padre pro meu futuro funeral, ou mandar rezar qualquer coisa, ou puser uma cruz ou um anjo ou uma N. Senhora no meu túmulo, ou distribuir santinhos com o meu nome escrito atrás, mas esse idiota vai ter as pernas puxadas de noite pela minha fantasmagórica e esbelta figura até o fim dos dias.

**

Há muito tempo eu quero colocar aqui uma foto da minha avó, mãe do meu pai, que morreu quando ele tinha 13 anos. É a pessoa que eu mais gostaria de ter conhecido em todo o mundo. Era muito bonita, culta e refinada, era professora de piano, e pelo que dizem também era uma mulher “prafrentex”, e acho que nossa família talvez tivesse tomado outro rumo se ela não tivesse morrido tão cedo, deixando meu soturno avô com 5 filhos pra criar. Oficialmente morreu de câncer de mama (opa!), mas eu acho que a melancolia teve muito a ver com a história. A teoria da minha mãe é que eu herdei da minha avó Dirce (QUE NOME É ESSEEEEEEEEEEEEE), além do sorriso que eu nunca vi porque não há nenhuma foto dela sorrindo, essa tendência à depressão. Pode ser, pode ser.

Quando o meu pai fizer o favor de escanear a foto dela que há ANOS ele promete e não escaneia, eu boto aqui, e vocês vão ver que avó danada de chique que eu (não) tive...

Meu avo é apaixonado por ela até hoje. Na sala do apartamento dele, na Tijuca, onde ele mora com a minha tia que nunca casou (e que tem também o sorriso da Vovó; meus tios me chamam de Ilsinha porque quando sorrimos eu e T. Ilse nos parecemos muito), há na parede um quadro do meu bisavô sírio, vestido a caráter e muito sério e macho, e um da minha avó. Vovô só se senta à mesa numa posição em que ele possa ver o quadro.

Minha outra avó, com quem morei no final da faculdade, não tem nada de chique, mas é a clássica avó hipocondríaca, totalmente saudável e boa de cozinha e de garfo. Mês passado deu um susto na gente com uma hérnia intestinal maluca que precisou ser operada – e olha que maravilha, quem operou foi uma feladaputa que foi minha professora de Cirurgia na faculdade, e que me deu um esporro homérico uma vez porque apresentei um seminário sentada na escrivaninha dela hohoho... Até onde eu sei ela é uma boa profissional, mas a fama de sapatona antipática que ela tinha no hospital era bem, digamos, intensa. Não entendo essa gente que prefere se impor pelo ódio/medo em vez de pelo respeito adquirido. Deve dar tanto trabalho ser filha da puta e antipática o tempo todo!

Postado por leticia em 10:53

17.12.03

tv

Finalmente to conseguindo assistir às fitas de video que minha mae gravou e me mandou durante esses ultimos meses. Como ela muitas vezes dorme assistindo à TV, tem varios programas pela metade, comercial, coisas estranhas, um pouco de tudo. Muitos Saia Justa (que eu adorei, nunca tinha visto), alguns Os Normais (que achei um porre), alguns Casseta e Planeta, de cujas piadas nao entendo nem a metade por nao saber quem eles estao sacaneando, um E.R. aqui e ali. Hoje, enquanto passava roupa, vi um episodio de Sex and the City, que eu nunca tinha visto. Quer saber? Nao achei isso tudo nao. Muita forçaçao de barra pro meu gosto.

E a conclusao a que cheguei depois de assistir a todos esses programas brasileiros, entrevista com gente na rua, documentarios, etc: COMO O BRASILEIRO E' FEIO, virge maria!!!

Postado por leticia em 22:03

Todos esses anos de ruindade capilar e ainda não aprendi que não posso esperar nem 5 minutos pra passar os 1.874,25 cremes e óleos pra cabelo ruim, depois de lavá-lo. Tem que ser pá-pum: tirou a toalha da cabeça, tacou o creme, senão os cabelos se rebelam de modo irreversível. Como hoje. Burra.

**

Essa semana meu cachorro bateu 2 records: um de retardamento mental, passando mais ou menos SEIS HORAS sentado dentro do caminhão, na oficina (não dormindo, mas sentado no banco do carona, olhando tudo muito sério), e um outro de, bom, esse também de retardamento mental, dando uma cabeçada no Demo, em um episódio no melhor estilo desenho animado. Diz a lenda que o Ettore havia levado os cachorros pra passear no campo, depois do jantar, como sempre faz (porque se ficar em casa tem que conversar com a mulher, e eles não têm nada a dizer um pro outro). Cada um foi pro seu lado; o tempo passou, Ettore quis ir embora, assobiou chamando os meninos, e veio cada um correndo de uma direção. Nenhum dos dois é muito bom de freio, o que resultou numa colisão frontal-cabeçal que obviamente atordoou só o Demo, porque o Legolas é osso duro de roer e não é uma cabeçadinha básica que consegue derrubá-lo.

**

E ontem vimos Last Dawn, penúltimo filme que sobrou pra ver no multi-sala de Perugia aonde vamos sempre, porque não há nenhuma estréia nova há duas semanas (vocês sabem, aqui no interior do Haiti os filmes chegam com muito atraso), e nós já vimos todo o resto, inclusive aquele filme adolescente da Disney com a Jamie Lee Curtis, que aliás está envelhecendo muito dignamente, mas engordou pacas. Em Last Dawn todo mundo fala muito pouco, o que em versão dublada, acreditem, é uma bênção – a dublagem desse filme é particularmente horrível; a coitada da Monica Bellucci (a mulher mais linda do mundo, na minha opinião, e é umbra, aqui de Città di Castello, terra do Massimo e do Samuele, lembram?) ganhou uma dubladora com voz de adolescente idiota. As paisagens são bonitas, o Bruce Willis faz o seu eterno papel de homem iceberg destilador de charme masculino, neguinhos morrem, neguinhos são salvos, blah blah blah.

O último filme da lista é o mais recente Massacre da Serra Elétrica, que eu até gostaria de ver, mas minha companhia lanterneirídica não é muito chegada. Mas o que eu queria mesmo era ver um filme cagaço total. Poucos filmes me dão medo; sou uma menina durona. O último que foi capaz de me dar super hiper mega cagaço foi The Ring. Quequeísso, minha gente? Que filme é esse??? Dormi de luz acesa e tudo! Pé de pato mangalô 3 veis!

**

E existe uma grande possibilidade de uma semana de férias na Iugoslávia. Sim, eu sei, é estranho.

**

Ando tão cansada ultimamente! Um ano e meio sem voltar pra casa dá cansaço cardíaco; esse ano foi emocionalmente exaustivo; trabalho 7 dias por semana em dois empregos que eu ODEIO para chefes que eu desprezo profundamente, resultando em cansaço físico e mental; me sinto isolada do mundo culto, porque aqui no interior da Guatemala o pessoal é mais bronco que o Chico Bento, e isso dá um cansaço ceLebral; tenho cansaço intestinal porque fiquei tanto tempo comendo pouco que agora o menino tem preguiça e não trabalha mais direito; enfim, estou com as baterias absolutamente arriadas. Queria um mês sem fazer bissolutamente nada, sem falar nada, em nenhuma língua, sem aprender nada, sem explicar nada, sem contar nada, sem responder nada a ninguém, sem sentir frio, sem fazer NADA além de olhar pras estrelas e ver filminhos e ler livrinhos e cozinhar/comer coisas gostosas e descomplicadas (leia-se pipoca e pão de queijo pronto). Pô, Papai Noel, dá um jeito nisso aí, cara...

Postado por leticia em 10:45

16.12.03

Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.

**

A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.

Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?

A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.

**

E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:

Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).

E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.

Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)

Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?

E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.

E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.

E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.

Postado por leticia em 10:09

15.12.03

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras,

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras, e em purê, mais ainda, pra minha infelicidade. Além de ovófila, ou completamente batatófila e as como de qualquer maneira. A Arianna faz batata assim: cortada em pedacinhos bem pequeninhos, cozida em panela baixa e coberta, com pouca água e dois dentes de alho. Nesse ponto nós somos muito mais competentes, porque batatamos dos modos mais criativos possíveis. Mas eles têm uma receita batatal que ganha de longe de qualquer batata frita: as famosas patate arrosto, assadas no forno com azeite e alecrim... Os outros contorni mais comuns são verdura cotta, sendo que "verdura" pode ser qualquer folha cozida (espinafre, chicória, bietola), ou insalata, que vem invariavelmente já temperada, pra meu grande desgosto, e normalmente significa qualquer folha, menos a nossa maravilhosamente insossa alface comum, e tomate, aipo, finocchio – o odioso funcho – e mais nada. Essas nossas invenções saladíferas aqui não são muito bem aceitas: salada é salada e pronto. Aliás, insalata significa qualquer folha que sirva pra fazer salada: alface romana, alface crespa, radicchio, etc. Eu morro de raiva porque às vezes peço verdura cotta no restaurante mas quero saber qual verdura, pombas, eu como espinafre mas tenho horror a bietola – mas pra eles é tudo a mesma coisa, e quase sempre o garçom me olha com cara de espanto e diz, è verdura, signora, verdura è verdura, no? Haja paciência!

Postado por leticia em 09:18

13.12.03

pão

E não esqueçamos do pão, que tem infinitas variedades, dependendo de onde se vai. Aqui no centro da Republica de Camarões – ou seja, Umbria, Toscana, Lazio e Marche – o pão é feito absolutamente sem sal, por motivos históricos (leia-se impostos altos demais sobre o sal, em tempos remotos, resultando em revolta dos padeiros que assim inventaram o pão sem sal). São aqueles pãezões enormes de um quilo, chamados filoni (no singular, filone), feios e com gosto de nada, e que já dois dias depois ficam secos, duros e incomíveis. Pra mim só serve pra fazer bruschetta, que no pão salgado fica muito estranha. No dia-a-dia como pão de forma mesmo, e de vez em quando uma baguete ou pãezinhos tipo francês que trago da loja quando sobram. O pão se usa como substituto da massa no jantar, e como acompanhamento pro secondo piatto. Italiano que é italiano não come sem pão. Eu acho um excesso de carboidratos desnecessário, e essa mania de comer com pão foi uma das poucas que eu não peguei por aqui.

Como eu estava dizendo, as variações do pão são muitas. A mais famosa é a piadina romagnola, uma massa folhada que leva ovo e gordura. Fica uma coisa achatada com cara de crepe mas com gosto muito particular – é ótima, diga-se de passagem. Come-se dobrada ao meio e recheada com qualquer coisa: linguiça aberta no meio, no sentido longitudinal, e assada na brasa ou na chapa, cogumelos, prosciutto crudo, mozzarella, rúcola, etc. Diferente da piadina, e na minha opinião iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinfinitamente melhor, é a já famosa (pelo menos aqui no blog) torta al testo. O testo é a plataforma refratária onde se assa a massa, que leva só farinha de trigo (que aqui se chama farina 00, doppio zero), água quente, sal, fermento e pecorino. Fica uma coisa de louco; quando a bicha está assando o ar fica com um cheiro que lembra o do pão de queijo... Como é mais alta do que a piadina, não se dobra, mas se corta em pedaços triangulares como se fosse uma pizza, e cada pedaço é dividido em duas partes, como um pão árabe, e lá dentro bota-se o recheio que quiser. Os mais tradicionais são capocollo (um embutido feito do músculo do pescoço do porco, DELICIOSO) e pecorino, e linguiça e erba (a famigerada verdura cotta; eu como sempre sem verdura, claro, já que ninguém nunca sabe me dizer que verdura é).

Postado por leticia em 11:33

12.12.03

hm...

Sim, sou possessiva – só com coisas materiais, bem entendido. Não significa que eu seja fútil ou frívola, ou menos humana do que a média das pessoas; simplesmente me apego demais a coisas, objetos. Tenho particular problema com comida e livros. Tenho pena da comida não comida e de livros não lidos; me irrito se perco tempo que poderia ter sido empregado em comer ou ler. Tipo, vou a um restaurante, peço um risoto de açafrão, mas sinto pena da massa com salmão, coitadinha, ficou ali, abandonada! Arrependo-me de não ter pedido os ravioli com trufas brancas, de não ter experimentado, sei lá, uma outra coisa gostosa que vi no cardápio ou na mesa de alguém mas acabei não pedindo.

Hoje me irritei, como acontece muito frequentemente, depois do almoço. Antes de virmos ao escritório, eu e Marta passamos no banco, pelo menos duas vezes por semana. Sempre pergunto, quando estou descendo do carro pra entrar em casa antes do almoço, se hoje rola banco; quando rola, levo o livro que eu estiver lendo pra passar o tempo enquanto espero, no carro, a Marta resolver o que tem que resolver no banco. Hoje deixei o quarto Harry Potter em casa, e mofei dentro do carro por quase quinze minutos ouvindo a temível música italiana no rádio, em vez de estar lendo alguma coisa de produtivo e/ou interessante. Isso vai me dando uma certa irritação, e fico o resto do dia pensando em como fui burra em ter deixado o pobre livro em cima da mesa. Como se fosse uma coisa gravíssima, entende? (detalhe que essa deve ser a quinta vez que eu leio os livros, entre Inglês e Italiano, tipo, não estou perdendo nada de novo).

Maluquice?

Postado por leticia em 15:56

Secondi - seconda parte

Um outro longo capítulo de secondi são os substitutos da carne: as leguminosas, aqui chamadas legumi, ovos, queijo, frios. Tudo aqui leva tomate, inclusive as leguminosas, que são comidas sempre em forma de sopa, até porque o arroz branco que nós conhecemos não existe por aqui, é coisa exótica, de marroquino, de tailandês. Mas então. As lentilhas, prato comum nas festas de final de ano, viram sopa de lentilha, com molho de tomate na receita. Detalhe que os grãos de lentilha aqui são muito menores que os nossos, e dizem que a melhor lentilha do mundo, que tem grãos minúsculos, é a de uma cidadezinha chamada Castelluccio di Norcia, não muito longe daqui. Vendemos essa lentilha na loja, e agora no final do ano o que mais tem é gente entrando e pedindo le lenticchie di Castelluccio. O feijão mais usado é o borlotti, que parece um feijão-manteiga, uma das minhas grandes paixões, mas não é. Com o grão-de-bico (ceci), que eu ainda não aprendi a usar, eles fazem tipo uma sopa grossa, com alguns grãos deixados inteiros, com macarrão do tipo quadradinho – são como pequenos azulejos de massa, próprios pra sopa. A Arianna faz um grão-de-bico com quadradinhos que é de comer chorando.

Os ovos são mal aproveitados, na minha opinião. Sou super ovófila: adoro ovo mexido, frito, cozido, quente. Aqui normalmente se comem os ovos cozidos e regados com azeite (claro), ou então como omelete.

E os queijos? São tantos que nem dá pra mencionar. Aqui na zona onde eu moro eles fazem alguns queijos muito bons, particularmente a caciotta, um queijo macio e mais puxado pro doce, que eu amo, e os pecorinos, de leite de cabra, um mais gostoso que o outro. Tem também o stracchino, queijo cremoso que não chega nem aos pés do nosso requeijão (que dirá do Catupiry!), e os “formaggini”, queijinhos tipo Polenguinho, que são ótimos pra dissolver na sopa, nham nham. Em casa eu uso muito Philadelphia, porque sinto falta de queijo cremoso mas não acho nada decente...

Postado por leticia em 11:54

11.12.03

Secondi - prima parte

As carnes são quase sempre grelhadas ou cozidas, difícil achar alguma coisa frita. O nosso refogadinho básico de cebola alho e óleo aqui vira cenoura, cebola e aipo, e nada de deixar dourar, é só pra dar uma esquentada leve. Picadinho quase não se faz, e quando rola é com muito molho de tomate, que é aproveitado pra pasta do primo; e quase sempre é de carneiro (agnello). Bichos estranhos são servidos quase sempre assados: coelho (coniglio), pombo (piccione, é HORRÍVEL), ganso (oca), pato (anatra), javali (cinghiale). Os cortes de carne são totalmente diferentes, eu não entendo nada, só reconheço bistecca (que eu considero carne de milésima categoria, cheia de nervos, peles e tendões), a famosa fettina di vitello (um filezinho fiiiiino, anêeeemico, triiiiste), costeletas (raras), rosbife, linguiça na brasa. Muito comum é o peito de frango já empanado, pronto pra fritar, mas eles não fritam num monte de óleo como nós fazemos, mas chegam até a usar papel-manteiga no fundo da panela antes de botar pouco óleo pra esquentar. Frango assado quase não se faz, e quando se faz, o bicho é seeeempre despedaçado antes ou depois de ir ao forno. Eu achava que era maluquice da Arianna, que tem um alicatão de cortar frango e sai despedaçando tudo, cortando ossos ao meio, de forma que os pedaços ficam pequenos, mas cheios de lascas de osso. Mas comendo na casa de outras pessoas vi que é mania deles mesmo. Nunca vi um frango assado (ou ganso) chegar inteiro na mesa, coitado. Quanto aos frutos do mar, aqui na Umbria, como já comentei várias vezes, são artigo de luxo. Peixe peixe mesmo quase não se come, a galera não gosta muito, sendo mais chegada aos outros frutos do mar. Acham-se facilmente no supermercado filés de merluzo e outros peixes congelados, prontos pra cozinhar; postas de peixe-espada (que eu adoro), frutos do mar limpos, preparados prontos pra macarrão, com lula, camarão, mariscos, polvinhos. Muito comum é a receita de lula recheada: o recheio é de farinha de rosca (pan grattato) temperada com o caldinho onde foi cozida a lula. Como sempre, entopem de limão, o que torna o prato absolutamente incompatível com o meu paladar.

Uma coisa que eu aprendi aqui foi a comer linguiça, coisa que eu sempre odiei com todas as minhas forças. É bastante provável que eu não goste da linguiça brasileira, muito mais gorda e menos temperada, mas não sei, já que desde que comecei a comer a bichinha não voltei mais ao Brasil. Mas aqui eles a usam de várias maneiras, e não só na brasa ou no feijão (alias, no feijão pra eles é coisa exótica): ou cortadas ao meio no sentido longitudinal e passadas na chapa, ou então tirando a carne da pele e refogando como se fosse carne moída, pra fazer molho de tomate, pra usar como topping de pizza, pra fazer o molho (salsa) norcina, cuja receita já dei aqui... Praticamente toda vez que eu como pizza peço uma que tenha linguiça, pra matar minha vontade de uma carninha básica, e ela NUNCA vem cortada em rodelas como no Brasil, mas sempre fora da pele, em montinhos espalhados sobre a pizza (sbriciolata, literalmente esmigalhada, ou seja, em migalhinhas. Bonitinho, né? :)

Outra mania deles é de comer vários tipos de carne ao mesmo tempo: linguiças na brasa com ganso assado e talvez umas bistecas... Ou então misturam carne de carneiro, vitelo e linguiça na mesma panela, pra fazer o molho de tomate do macarrão de domingo.

Postado por leticia em 17:28

roupitchas novas

E então desde ontem à noite sou a feliz proprietária de:

n. 1 casaco de lã Valentino Jeans, preto, divino
n. 1 par de calças pretas Valentino Jeans, maravilhosas
n. 1 blusa vermelho-bordô com detalhes nas mangas e na cintura e amarração no pescoço, Valentino Jeans, espetacular.

O mais lindo é que tudo isso junto só me custou 200 euros! Culpa da Marta, que me levou à Hemmond, malharia meio falida que produz (ou produzia, já não entendo mais nada) pro país inteiro, incluindo alguns grandes nomes da alta costura.

Postado por leticia em 10:19

10.12.03

Primi

Um primo piatto pode ser uma sopa (zuppa ou minestra, normalmente no jantar pra pegar mais leve com a digestão), um risoto, ou uma massa. Os risotos mais comuns são de cogumelo, de aspargo, à milanesa (com açafrão), de frutos do mar, de radicchio, mas as variedades são infinitas: abobrinha com salmão, linguiça, legumes e via discorrendo. A massa também oferece infinitas possibilidades, mas jamais se come macarrão que não seja al dente, e também jamais nadando em molho como comemos no Brasil. Ragù (o molho à bolonhesa, meu preferido) é coisa pros dias especiais. O macarrão do dia-a-dia é o clássico com pomodoro e basilico (tomate e manjericão), do qual não sou muito fã, carnívora que sou. Muito comum também o molho de tomate com atum – e aí já começa a melhorar. All’arrabbiata com molho vermelho apimentado e azeitonas. Ou então com bacon e molho de tomate. Pasta in bianco é só o macarrão com azeite e queijo ralado (amo!). Ou então spaghetti all’aglio e olio. Pasta bianca é qualquer molho que não envolva tomate: alcachofra, aspargo, cogumelos, trufa, legumes, atum, creme de leite (panna, que não é beeeem creme de leite mas dá pro gasto) com ervilhas, com frutos do mar, al pesto genovese (aquele molho de manjericao, pinoli e pecorino). Pasta al forno (lasagna, canneloni), pelo menos aqui onde eu estou, não rola quase nunca. Tem também as massas recheadas, ravioli/tortellini/cappelletti, com recheios variados, como de carne, de ricota e espinafre, de gorgonzola e nozes, de batata, de abóbora. Não preciso nem comentar a onipresença do parmigiano grattugiato, que vai bem com tudo, exceto com frutos do mar.

E os formatos do macarrão? São zilhões! E há combinações clássicas que pegam muito mal de descombinar: as orecchiette con broccoli, por exemplo. Ou penne all’arrabbiata. Ou tagliatelle al ragù.

Amanhã: i secondi piatti.

Postado por leticia em 12:37

09.12.03

como come, essa gente!

E como hoje começamos uma dupla dieta (eu pra continuar sílfide e o Mirco pra baixar os triglicerídios e perder os 8 quilos que ganhou comendo besteira em casa na minha ausência), vamos falar um pouco de comida, só pra variar um pouquinho.

Não sei se já comentei aqui, mas o mundo todo acha que sabe como é a cozinha italiana, mas não sabe coisa nenhuma. Surpreendi-me horrores quando saí do circuito dos restaurantes e passei à fase de frequentar a casa de italianos, supermercados e a minha cozinha. O macarrão deles é diferente, a pizza é diferente, a carne é diferente, os doces são diferentes. No final das contas os ingredientes são os mesmos, mas o modo de usá-los é totalmente diverso. Mas comecemos do começo.

Antipasti: pelo menos até onde eu sei, no Brasil não temos o hábito de comer antipasti, a não ser em restaurante (o famoso couvert; aqui na Itália existe um coperto, que equivale ao nosso "serviço"). Aqui de vez em quando rola, se for uma ocasião mais ou menos especial, ou se a galera for muito boa de garfo. Mas não rola nada frito, porque eles aqui não fritam quase nada. São triangulozinhos de pão de forma sem casca (pan carré) com pasta de cogumelos, de cenoura com ricota, com uma fatia de salmão. No inverno vêm as famosas bruschette (bruschetta no singular): a clássica de aglio e olio, outra clássica com tomate fresco e azeite, pasta de cogumelos (aqui na Umbria normalmente os cogumelos são combinados com a trufa negra), creme de alcachofra (como eles comem alcachofra!). Ovinho de codorna? Nem pensar; só se acha nos supermercados maiores, e mesmo assim não é sempre que tem. Eles acham super exótico. No mais, há coisinhas sott’olio e sott’aceto – leguminhos em conserva em azeite ou vinagre, um mais horripilante que o outro, ou então legumes grelhados (verdure grigliate; berinjela, abobrinha, batata, tomate, pimentão na grelha com salsinha e azeite), ou ainda uma das invenções mais nojentas do mundo: insalata de mare, um misturado pronto de frutos do mar, temperados com muito limão (amarelo, claro) e vinagre, que se come frio, BLEEERGH. Se for uma refeição sem secondo, às vezes servem-se frios como antipasto, e aí é lógico que você vai pedir um macarrão sem carne, porque se entupir de salame, presunto e linguiça seca e depois ainda encarar bolognesa não dá, né, queridos.

Amanhã: i primi piatti.

Postado por leticia em 17:50

08.12.03

programa indígena

Programa indígena de domingo às vésperas do Natal: ir ao Ipercoop, o maior centro comercial do centro de Hondur... do centro-Itália, pra comprar uma nova all-in-one da HP, em promoção por só 129 eurinhos (o Mirco tem um quê de japonês tecnológico, e trocou de computador e máquina digital de novo, e aproveitamos pra comprar uma impressora decente, que também é scanner e fotocopiadora). O shopping-supermercado abre às nove. Chegamos às dez e já havia engarrafamento na estrada. Estacionamos super tabajaramente, entramos no shopping e nos dirigimos ao supermercado. Longa fila de gente com carrinhos vazios, esperando ansiosamente pra entrar e gastar o décimo-terceiro. Nós, sem carrinho e sem grandes ambições consumistas, saímos furando fila, atrás de mais gente sem carrinho. Controlando o rebanho que entrava, um segurança fortão de rabo-de-cavalo e óculos escuros, se achando o rei da cocada. A galera impaciente, feito motorista de ônibus do Rio que não aguenta esperar o sinal abrir sem dar umas aceleradas só pra irritar todo mundo. Todo mundo reclamando, batendo boca, fofocando, rindo, comentando, trocando receitas, reclamando dos preços, dando dicas de produtos em oferta, reclamando do frio (que obedeceu às previsões meteorológicas e realmente começou ontem, como previsto há semanas). O segurança libera uma parte da galera. Corrida pra dentro do supermercado. Lá dentro, filas já homéricas, famílias com três, quatro, cinco carrinhos cheios de panetone. Vai gostar de panetone assim na China! (eu odeio).

Mesmo com metade da Umbria enfurnada no supermercado, conseguimos entrar, comprar e sair em 20 minutos. Incrível.

**

Todo mundo sabe que as diferenças entre as regiões da Itália são abissais – e às vezes basta mudar de cidade. A Umbria, em particular, tem muitas diferenças internas: a parte de Terni, do lado de lá do Tiber, é mais perto de Roma, e o sotaque deles tem um quê de romano (p que vira b, t que vira d, f que vira v. “Capito?” vira “Gabido?”. Esqueci o nome do fenômeno fonético, foi mal.). Aqui na parte perugina se come torta al testo, aquela maravilha que já comentei aqui várias vezes, feito um pão achatado assado sobre uma plataforma de ferro. Na parte ternana, não sabem nem o que é. Em Città di Castello, mais pros lados da Toscana, eles comem uma coisa parecida com a torta mas que não é a mesma coisa, e se chama ciacia.

Quando eu falo que moro no Cambodja, é porque realmente o centro da Itália é um lugar muito atrasado em muitas coisas, até porque tem um pé no norte e outro no sul. A Lidia, simpática leitora do norte da Itália que lê meu blog em Português pra praticar a língua (e obviamente sofre com os neologismos, gírias e minhas maluquices linguísticas), outro dia me escreveu dizendo que certas coisas das quais reclamo aqui são inimagináveis pra ela também – citou o caso do espelho no armário, coisa completamente desconhecida aqui no Zaire e comum no norte da Itália.

É um país fenomenal, esse Zâmbia.

**

Hoje é feriado, dia de N. Senhora. Eu não entendo nada de santo e não tenho a MENOR intenção de, mas acho válida a pergunta da Criss: se a Madonna concebeu hoje, comé que Jesus foi nascer dia 25? Muito caroço nesse angu, ou é burrice nossa?

Postado por leticia em 09:55

05.12.03

potocas

Quando eu digo que a Itália é um país muito engraçado, neguinho acha que eu estou exagerando. Mas vê se não é verdade:

Essa semana teve greve dos transportes públicos. Não precisa nem dizer que cada cidade fez um horário diferente – em algumas a greve foi só de manhã, em outras durou algumas horas de manhã e outras à tarde, em outras ainda começou no final da tarde e terminou à meia-noite (isso não contando as cidades onde o horário pré-estabelecido não foi respeitado e a coisa durou o dia todo). Un casino, como se diz aqui – uma zona.

E a famosa patente a punti (a carteira de motorista com o sistema de pontos)? Lembro-me de ter comentado aqui a indignação da galera com o novo sistema. A quantidade de gente que logo na primeira semana já saiu perdendo zilhões de pontos foi impressionante – inclusive meu amadíssimo Chefe, que leva uma média de duas multas por mês, e continua sendo idiota a ponto de encaixar o cinto de segurança ANTES de sentar no carro, enganando assim seu carro igualmente idiota (uma Mercedes), que pára de apitar quando “sente” o cinto encaixado, mesmo que o motorista esteja sentado sobre ele. E qual é a última novidade da patente a punti? O sistema informático que controla toda essa farofada está sobrecarregado e à beira do colapso. Palavras do TG (telegiornale): il sistema rischia di andare in tilt.

E a televisão? O único programa ao qual assisto, Striscia la Notizia, é uma palhaçada só. Anteontem desmascararam uma “maga” que bota anúncio no jornal dizendo que curava hepatite B e C através de um ritual feito de madrugada, na praia. Mandaram um falso cliente atrás da mulher com uma microcâmera. Era uma criatura magra, de cabelos vermelho-fogo, óculos abelhão, cara de gafanhoto – me lembrou muito a professora de Divination do Harry Potter, só faltava o xale etéreo enrolado no pescoço. Ela olhou os exames do cara, falou que as transaminases iriam baixar tantíssimo depois do ritual, que pedia só 250 euros antecipados porque afinal de contas acordar de madrugada não é mole, entre outras imbecilidades. Quando o repórter apareceu e se apresentou, a mulher entrou em tilt! Entrou correndo em casa, disse que ia chamar a polícia, que era realmente uma curandeira, que absorvia a doença dos “pacientes” e por isso cobrava caro; depois jogou fora os exames do paciente com cara de Bart Simpson (I didn’t do it, nobody saw me doing it, can’t prove anything), xingou o repórter, que àquela altura se controlava herculeamente pra não desabar de rir, de tudo que se pode imaginar. Eu dava tanta risada que quase me saiu vinho pelo nariz* (Rubesco da Lungarotti, ótimo custo-benefício, menos de 6 euros a garrafa). E ontem à noite, no mesmo programa, o vira-lata Willy, que de vez em quando dá as caras por lá, deitou na mesa, passeou pra lá e pra cá, se assustou com a vespa gigante de espuma que volta e meia é lançada do teto (em homenagem ao Bruno Vespa, um jornalista com cara de sapo que é meio ídolo e meio odiado por aqui). Imaginem um telejornal onde há um cachorro que passeia por sobre a escrivaninha, tapando os repórteres? Claro que é um programa muito longe de ser sério, mas a coisa toda não deixa de ser altamente surreal, principalmente se levamos em conta o cenário totalmente trash (aliás, italiano em matéria de cenário trash é campeão. TODOS os programas têm cenários do nível do Qual é a Música. Juro.).

*E vamos aproveitar a deixa pra entrar numa particularidade da língua italiana, que aliás reflete muito bem a personalidade megalomaníaca deles: os verbos reflexivos. Tudo que é verbo pode, dependendo da situação, virar reflexivo. Como eu disse ali em cima, em italiano não se diz que saiu vinho pelo meu nariz, mas ME saiu vinho pelo nariz. Eu não comprei um carro: mi sono comprata una macchina (ou, mais coloquialmente, mi sono fatta una macchina). Não cortei os cabelos: mi sono tagliata i capelli. Marta não fez uma roupa com a costureira: si è fatta fare un vestito. Eu não tomo banho de manhã: mi faccio la doccia la mattina. Os homens não fazem a barba: si fanno la barba.

Eu demorei a entrar nesse esquema egotrip linguístico, mas volta e meia me pego pensando em um Português reflexivo que só consigo detectar como estranho quando dou o rewind mental e paro pra analisar o que falei.

Leiam Marcovaldo, leiam Gli Indifferenti (angústia pura), leiam La Mossa del Cavallo (stupendo!), leiam Il Deserto dei Tartari, leiam La Coscienza di Zeno (fe-no-me-nal), leiam I Malavoglia (e vos desafio a não chorar no começo, no meio, no fim), leiam coisas legais, e deixem Pirandello pra lá que o cara era chato bagaray – ou sou eu que sou alérgica a teatro e linguagem teatral em geral?

Preciso de livros, meu estoque anda baixo. Sugestões sao bem-vindas.

Postado por leticia em 10:42

03.12.03

deslumbramento

Mas como os meus leitores são interesseiros! A quantidade de gente que disse pra eu casar porque senão eu voltaria pra casa e pararia de escrever sobre a Itália foi impressionante! Dei muita risada com os e-mails ;) Mas, como eu disse, não respondi nem sim, nem não. Por enquanto vou ficando, e depois vou ver que bicho que dá. E chega desse assunto que essa história já deu tema pra muita novela das oito, e até eu já enjoei. Vamos falar de outra coisa.

Que o meu chefe não é uma pessoa particularmente admirável, e por motivos váaaarios, não é novidade pra quem lê o blog. Mas tem um aspecto dele que às vezes me irrita e às vezes me faz dar risada: o deslumbramento. Coisa de pobre de espírito mesmo, sabe? Novo rico? Agora pegou a mania de pedir a mim ou à Martinha pra ligar pra fulano e depois passar a ligação pra ele. Como se custasse muito ele abrir a bosta da agenda telefônica, digitar o número e dizer fulano está?. A mania começou há alguns meses, mas piorou agora que estamos em um escritório decente, com cara de sério (lá em Assis a gaveta da minha velhíssima escrivaninha era forrada com papel de presente do Snoopy, e o cachorro do escritório babava todos os clientes, e nossos produtos eram enviados em caixotes de papelão cobertos de pegadas de cachorro e com penas de galinha presas nos cantos). O menino anda se achando oooooooooo C.E.O. de multinacional. A coisa mais engraçada (leia-se é rir pra não chorar) é que ele não entende nada de nada. Não entende nada de computador, não sabe nem mexer no telefone super modernoso dele, não sabe onde está nada, e tudo tem que perguntar a mim, à Martinha, ao segundo chefe, à Miss Almoxarifado e ao Chato Workaholic Assobiador Bafo-de-Onça (doravante chamado C.H.A.B.O.) que agora faz consultoria pra gente. Uma das piores partes desse meu emprego, além do fato de ser um trabalho relativamente chato e difícil de organizar porque eu faço um pouco de tudo, é ter que obedecer a um chefe que não entende nada de coisa nenhuma. Sempre fui da opinião que pra comandar a gente tem que saber do que está falando. Bem fez o pai de um amigo* triliardário do Mirco, que tem uma fábrica de galpões aqui com sede aqui e mais umas 3 filiais no resto da Itália: antes de botar o filho engravatado no escritório, fez o garoto ralar nos canteiros de obra, observando os peões e mestres-de-obra.

* (e se tivéssemos feito o nosso novo escritório com eles, com certeza não teria sido a novela que foi esse aqui – novela que não acabou, visto que já há paredes rachando, privadas vazando e chuva chovendo dentro do banheiro).

Jamais conseguiria viver assim, tendo gente pra fazer tudo pra mim, entendendo mais da minha vida do que eu mesma. Tenho horror a depender dos outros. Nao gosto nem que façam meu prato na hora do almoço. E pra mim é essencial entender o contexto onde estou pra poder funcionar. Tipo, eu não tenho nada a ver com a produção dos cartuchos, mas sempre fui curiosa de saber como funcionava a coisa, e volta e meia apareço no laboratório pra perguntar por que não imprime direito, por que esse modelo de cartucho dá tanto problema, por que esse cartucho não é compatível com a impressora x, se parece ser idêntico ao que é compatível. Não conseguiria me mover aqui dentro sem saber essas coisas. Um cliente liga reclamando de um cartucho que não imprime direito; se eu não sei o que pode ter dado errado, como faço pra dar uma resposta decente? Fora que é feio não entender nada do mestiere. E fora que aprender nunca é demais. Pode parecer um tipo de aprendizado idiota, tipo, ooooh, que coisa importante pra minh’alma, conhecer modelos de cartuchos, mas hoje ninguém me enrola mais nesse assunto, e o dia em que resolver comprar uma nova impressora vou olhar pra cara do cartucho antes e saber imediatamente se dá pra regenerar (leia-se economizar) ou não, se é fácil de achar ou não, se o custo-benefício é legal ou ridículo, se a assistência técnica do fabricante funciona; vou saber o que fazer se o cartucho não imprimir direito, vou saber onde olhar pra ver o que está errado, enfim, hoje sei um monte de coisas que um dia poderão ser-me úteis. Conhecimento é sempre valioso, darlings, não interessa se sobre física quântica ou o crescimento dos repolhos na horta.

(ou não – a cada dia que passa mais acredito que ignorance is bliss. Muito bliss.)

Postado por leticia em 17:04

02.12.03

Deu a louca no pai

Deu a louca no pai do Chefe. Se inspirou nas flores que eu trouxe na primeira semana, e que a Martinha substituiu depois por outras cafonérrimas rosas cor de chá, e comprou um monte de plantas. Cheguei ao escritório hoje e achei por um momento que tivesse entrado na floresta da Tijuca, sem brincadeira. Agora atrás de mim, olhando por sobre os meus ombros, há um pinheiro feio. Do lado da minha garrafa de água mineral, entre a fita durex e a bandeja de entrada de documentos, tem um vasinho de flores cor-de-rosa muito bonitinhas, cortesia da Mãe do Chefe, que, aliás, é a cara do Popeye, só que fuma cigarro normal em vez de cachimbo. Em cada uma das extremidades da minha escrivaninha em semi-U há um vasinho de uma planta fofa que dá frutinhas vermelhas. Daqui da minha escrivaninha vejo, bem de frente pra quem chega da escada, encostadas na janela, uma planta alta não identificada e um vaso de copos-de-leite. Em um ângulo da escada, outra plantona. Na sala do Segundo Chefe, que vejo diagonalmente à minha direita, um vaso de antúrios. Sobre o armário baixo da sala de reuniões, bem à minha direita, um vaso de antúrios em cada ponta. Ao lado da máquina de xerox, mais copos-de-leite. No canto fora da sala da Marta e da garota da calça dourada, mais antúrios. Em um canto dentro da sala delas, mais antúrios e, sobre o armário das faturas, uma plantinha rosinha como a minha (rimou!). Na sala do chefe, antúrios e uma outra mini-planta. Detalhe que, fora as mini-plantas, todas as outras são feias, com cara de flor de plástico. Estou adorando esse clima tropical-quase-fake aqui dentro.

São vinte pras cinco e lá fora já está escuro. A neblina deu um tempinho, pelo menos durante o dia, mas o frio chegou de vez. Já não dá mais pra dormir sem o aquecimento ligado. Os Apeninos já estão branquiiinhos, e o Subasio já vestiu o capuz de neve duas vezes semana passada.

Bosta de inverno chato.

**

Ando linda esses dias. Ontem ganhei um par de calças da Benetton que gostei muito e, modéstia à parte, ficou ótimo em mim ? coisa miraculosa, porque mesmo tendo emagrecido muito, meus culotes são invencíveis, e poucas coisas no mundo são mais deselegantes que culotes. Como é bom se olhar num espelho de corpo inteiro! Esse negócio de espelho só do peito pra cima vai ficando deprimente com o tempo.

**

Vi o filme de Fan Fan de la Toulipe. Delicioso ! Pena que tem aquela mala da Penelope Cruz, com a sua cara de passarinho. Impressionante o que alguns milímetros de pele a menos entre o nariz e a boca não fazem com uma pessoa... Mas o filme é absolutamente delicioso, de verdade.

Postado por leticia em 08:39