Copélia

Ontem fui ver um balé naquele teatro horroroso de Santa Maria, o mesmo onde vi o Rigoletto. Fui com Chiara, a irmã dela Valeria, uma prima delas, Azzurra, e o Yari, que ficou órfão depois do divórcio com a Annalisa e foi adotado por Gianni e Chiara, e ultimamente anda querendo experimentar de tudo – inclusive balé, que tanto o Gianni quanto o Mirco obviamente recusaram veementemente.

Eu ADORO balé clássico. Adoro, desde pequena, quando vivia no Municipal (um tio-avô trabalhava no teatro e arrumava entradas). O cheiro do teatro, o gosto do sanduíche de queijo e presunto do Assirius (que vinha em uma caixinha de papelão branca), a dissonância reinante enquanto a orquestra afinava os instrumentos, o zumzumzum das pessoas cochichando enquanto se sentavam em seus lugares, tudo isso está muito vivamente marcado na minha memória. Por isso nem pensei duas vezes quando a Chiara ligou perguntando se eu topava ir. Gostei muito, lógico, apesar de Copélia não ser mais meu balé preferido. Deu uma nostalgia danada, mas gostei. Maaaas…

O teatro. O teatro é aquele horror que eu já descrevi no lance do Rigoleto. A acústica é uma merda (não é frescura minha; fiquei sabendo de um cômico famoso que disse que ali não põe mais os pés enquanto não resolverem o problema). Não tinha orquestra, e espetáculos desse tipo com música de CD ficam meio o fim da picada, mas enfim. O palco é micro, o que acaba fazendo com que os bailarinos meio que restrinjam os movimentos, especialmente nas diagonais.

O corpo de baile. A companhia era russa, chamada “La Classique”, de Moscou. A única bailarina realmente, realmente talentosa era a Swanilda; de resto, vi muitos erros de timing imperdoáveis, um erro de figurino (uma das bailarinas de um pas de huit estava com um filó no braço de cor diferente das outras), e, horror dos horrores, um bailarino com quadris mais largos do que os ombros e rabo de cavalo (da série “no meu corpo de baile não entrava”).

O público. Jeca é uma merda, né; neguinho aplaude toda hora, a gente perde pedaços de música e tal, mas nada grave. O mais engraçado foi que em um certo momento, pouco antes do final do segundo intervalo, o senhor que estava atrás de mim disse assim: “senhora, por que a senhora não pinta o cabelo como aquela senhora ali?”. Todos nós olhamos pra onde ele estava apontando e imediatamente entendemos do que ele estava falando: uma criatura com os cabelos todos feitos tipo algodão-doce, bem no estilo cinquentona italiana, e vermelhos quase fluorescentes. Caímos na risada enquanto o cara continuava: que cor é essa, meudeus, me incomoda muito, a vocês não? Hohohoho : )

A Carol, que tinha passado a tarde inteira na Arianna (emendamos o almoço – era feriado – com o jantar), foi pra casa com o Mirco e estava acordadíssima quando cheguei, lá pra meia-noite. Mandou ver na mamadeira mas ainda demorou uma hora pra dormir. Putz.

potocas

. Pra minha mãe, que continua achando que eu exagero quando digo que a educação na Itália é uma merda: saiu a lista das melhores universidades do mundo, e a primeira instituição italiana da lista aparece só em 174o lugar. A segunda, em 204o lugar.

. Carol assassinou o controle remoto da televisão da sala, de tanto babar nele. Nossos celulares também sofreram um pouco mas voltaram à vida sozinhos.

. Sexta-feira passada foi um dia de desvirginamento. Primeiro foi o lance da escolha do Rio pras Olimpíadas. A cena: eu sentada no chão do banheiro enquanto a Carol brincavana sua banheirinha, dentro do box, com o vidro de shampoo (é lógico que ela prefere o vidro de shampoo a todos os 1.874,5 brinquedinhos de banho que tem). O laptop num canto embaixo da pia, acompanhando a eleição no site do COI e no Twitter. And the Oscar goes to… Rio de Janeiro! Dei um grito, Carol chorou, tive que pegá-la no colo, molhei o banheiro inteiro, ela começou a rir e eu também, fiquei me abanando que nem Miss Universo ganhando o cetro e a coroa, chorando e rindo feito uma idiota. O outro desvirginamento foi o seguinte: deixamos a Carolina na casa da Arianna pela primeira vez enquanto fomos fazer outra primeira vez, uma ópera, no teatro Lyrick (é assim mesmo, com k no final, tá; não pode ser um bom sinal, e realmente não é) na esquina da rua da Arianna. Fomos cedo pra lá, jantamos, e quando começou a ficar meio em cima da hora saímos como se fosse a coisa mais natural do mundo. Depois soubemos que ela brincou, falou e dormiu; o Ettore me ligou praticamente na última estrofe da ópera avisando que ela tinha acordado e tava chorando. Saímos correndo pela rua feito uns doidos, mas era fome, coitada; bastou a mamadeira hipercalórica da noite (3 biscoitos de criança, sem gordura nem glúten nem ovo nem açúcar, que se dissolvem rapidamente na mamadeira; 2 colheronas de creme de arroz, milho e tapioca, muito comum por aqui; 2 colherinhas de um pozinho com açúcares e vitaminas especiais pra crianças com baixo peso) pra ela sossegar. Dormiu no carro e não reacordou, felizmente.

. A ópera: era Rigoletto, com certeza uma das menos badaladas. O único trecho conhecido é “La donna è mobile”“. Eu não conhecia NADA da história e nem tive tempo de catar na Internet, então fui no escuro mesmo. A experiência foi interessante porque, poxa, eu nunca tinha ido à ópera e gosto muito de música clássica. Mas tudo tem um porém, não é mesmo. Nesse caso os poréns eram vários. A acústica do Lyrick é HORRÍVEL, como já tínhamos constatado há alguns anos no espetáculo do Stomp. Isso porque ele não foi concebido como teatro; era uma fábrica de sei lá o quê (acho que produtos químicos, não lembro) que fechou ou faliu (também não lembro; veja que contadora de histórias que eu sou) e mais tarde foi reaproveitada. Uma das partes virou clube de bocha com um bar nos fundos que vive cheio de desocupados jogando carta nos fins de semana. A outra parte virou esse teatro absolutamente hediondo, por fora e por dentro. O espaço entre as desconfortáveis poltronas é microscópico. Nas laterais do palco há painéis reproduzindo os afrescos de Giotto na basílica de San Francesco, com direito às partes danificadas pelo terremoto de 97 e tudo. Enfim, um horror.

E aí começa o espetáculo. Era uma montagem modernosa – ODEIO. Adoro novidades e mudanças, mas acho que há algumas coisas – muito poucas, na verdade – que devem ficar como sempre foram. Balés clássicos e óperas são algumas delas. Tristeza ver o Rigoletto de salopete jeans e uma mochila de plush rosa-choque como corcunda. Simplesmente não dá.

O coro. O coro não era desafinado, mas não cantava em conjunto. Volta e meia a voz de um dos cantores sobressaía, o que, até onde eu sei, não deve acontecer.

Os cantores. Não entendo nada de ópera, mas não gostei de nenhum. Pouquíssima potência vocal (se bem que pode ter sido tudo culpa da acústica), vozes que sumiam afogadas pela orquestra com uma frequência um pouco excessiva. A cantora que faz a filha do Rigoletto não alcançou várias notas, embora tenha tentado com empenho.

O cenário. O cenário praticamente não existia, e talvez tivesse sido melhor não colocar cenário nenhum. Porque em um certo ponto da história desce do teto uma GRADE ao longo do palco inteiro. O Rigoletto se esgoelando na frente da grade e a filha dele atrás. Quem acha que colocar qualquer coisa entre o público e o que o público deve ver é uma idéia de jerico levanta a mão. Quase fiquei vesga tentando ver a desgraçada da mulher piando por trás da grade. Pra quem estava sentado bem na frente talvez não tenha incomodado tanto, mas quanto mais longe você fica, mais os contornos da grade ficam fuzzy e viram uma coisa só, uma mancha cinzenta que cobre a maldita da cantora, deixando-a meio fora de foco. A sensação era a de estar dirigindo num temporal, sabe, quando você tem que se esforçar pra distinguir o que está vendo porque tudo está no meio daquele cinzume todo. Desagradável.

O figurino. Já falei da salopete do Rigoletto, mas não disse que a Maddalena era gorda e estava usando um corpete preto com as costas cheias de amarrações, com direito a banha espremida entre elas, calças pretas justas que a deixavam com um culote gigantesco e botas de cano alto que em uma certa cena ela tinha que tirar, revelando batatas da perna imensas. Também não disse que a sua peruca ruiva era tão, mas tão artificial que de onde eu tava dava pra ver os reflexos da luz no nylon. Vergonha alheia total.

Mirco e Gianni fugiram correndo no primeiro intervalo e foram tomar cerveja no bar do clube de bocha. Eu, Chiara e Yari resistimos bravamente. A música de Verdi é muito boa e fechando os olhos dava pra se divertir. Quando começaram as primeiras notas de La Donna è Mobile sentia-se no ar a vontade coletiva de cantar junto, bater palminhas ou pelo menos fazer nãnãnãnãaaanãnã, coisa que felizmente ninguém fez (embora todo mundo tenha aplaudido na hora errada O TEMPO TODO). Dá arrepios mesmo e só aquele trechinho já compensou todo o resto. Imagino como deve ser legal ver uma ópera que você conhece melhor, tipo Carmen ou alguma do Mozart. Fiquei tão empolgada que comprei um Nozze di Figaro pela Amazon; deve chegar essa semana.

Enfim, fui embora quando o Rigoletto já estava chorando a morte da filha, de modo que não perdi muito. Quando finalmente deitei na cama estava me sentindo refreshed. Gostei.

. Meus novos melhores amigos, bodybugg e Chalene, estão derretendo minhas banhas a olhos vistos. Perdi 9 quilos (considerando o peso máximo a que cheguei, embora só tenha começado a malhar e contar calorias seriamente depois de já ter perdido uns três) até agora e minhas coxas estão ficando duras feito pedra. Essa semana tenho um trabalho chato pra entregar, mas semana que vem vou voltar a cumprir minha promessa de não pegar mais traduções gigantes pra poder organizar a minha vida direito, e vou começar o ChaLEAN Extreme, inclusive fazendo as receitas do programa. Vamos ver o que vai acontecer em 90 dias. Porque não sabemos ainda onde vai ser a festa de aniversário da Carolina, mas eu vou usar o que eu quiser, e não o que couber. Estou prometendo; podem cobrar.

. Divirtam-se com a imprensa internacional sobre o caso Berlusconi.

Le Figaro
Le Monde
Spiegel Online (cortesia da @FrauGlaeser)
Guardian
CNN International (adorei a descrição do Berlusca como “flamboyant”)
El País

primeiras impressões sobre a posse do obama

– gostei da roupa d Michelle, mas alguém tem que ensinar essas americanas a caminhar com graça, pelamordefrodo;

– esse negócio de jurar com a mão na bíblia e do discurso religioso é broxante PACAS, me dá uma tristeza danada e devora parte extraordinariedade (se não existe, estou inventando a palavra agora) do evento;

– quem entendeu o que era aquele murundu na cabeça da Aretha Franklin por favor me explique;

– “so help me god” my ass;

– achei o discurso bem fraquinho.

matrimonio all’italiana

Acabamos de voltar do casamento de M. e M. (são quase 8 da noite). Foi assim um evento retumbante, e eu TINHA que dividir essa coisa com vocês.

O noivo é amigo de infância do Mirco, praticamente um irmão. Conheceu a noiva num barzinho aqui em Bastia, ela engravidou “acidentalmente” uns cinco meses depois, casaram-se no civil (com comunhão de bens, pro desespero do nosso contador em comum) um dia antes de mim e do Mirco, e hoje fizeram o casamento na igreja e o batizado do coitado do filho, que é uma fofura. A garota não quer nada com a hora do Brasil, morava numa espelunca em Ponte San Giovanni, aquela cidade-dormitório cheia de imigrantes, num prédio habitado por marroquinos e prostitutas, com o pai caminhoneiro e a mãe doméstica. Eu já tinha visto os pais antes, ambos sem dente na metade da boca, cabelos oleosos e roupas de viscose cheias de bolinhas. Também já tinha conhecido a sobrinha, que o Mirco logo comentou, todo orgulhoso do seu vocabulário erudito, que “tem cara de pobre”. Tem mesmo.

Toda a história deles é muito muito esquisita, aquele esquisito que te dá nervoso, sabe, a começar pela gravidez “acidental”, passando pela comunhão de bens (ela não trabalha, ele tem um empregão trabalhando pouquíssimo e com um salário que por essas bandas nem diretor de agência de banco tem), incluindo um carro comprado no nome dela que não vale um figo seco mas que precisaram pegar um empréstimo pra pagar os 16.000 euros que custou, uma cozinha que é dois terços da nossa e custou QUATRO VEZES o preço, incluindo uma máquina de café embutida de 800 euros (o detalhe é que ela não toma café e ele é que nem o Mirco, bebe mas não liga), e culminando nesse casamento absurdo que deve ter custado uns 25.000 euros. O empréstimo que eles pegaram é muito maior do que o nosso e pelo dobro do tempo – 30 anos! – apesar do nosso apartamento ser maior. Ele é funcionário de uma empresa e ela não trabalha, enquanto que o Mirco é DONO de microempresa e eu trabalho, só pra vocês entenderem a proporção do horror.

Mas tudo bem, ele tá feliz (ela, não tenho dúvidas, já que tirou a sorte grande), o filho é uma gracinha, ele é um ótimo pai e é isso o que conta, não é mesmo, meus queridos.

Mas vamos ao casório. Foi na igreja ao lado da basílica de S. Maria, onde praticamente todos os amigos do Mirco se casaram. Começou ao meio-dia, com uma hora de atraso porque tinha trânsito no caminho (uma feira de agropecuária aqui em Bastia). Cerimônia compriiiiiiiiiiida, chatérrima, crianças correndo e berrando interrompendo o padre, eu sentadinha (vocês não tinham nenhuma dúvida de que eu me recuso a ficar de pé em igreja, né, por favor) com os dedos coçando de vontade de pescar o livro do Guy Gavriel Kay de dentro da minha bolsa da Furla pra me distrair. Pelo menos a igreja é toda coloridinha, fofinha, e tinha muitas coisas legais pra ficar olhando no teto e nas paredes. Aqui o casamento é assim, ó: os convidados e o noivo não esperam dentro da igreja pela entrada bombástica da noiva; fica todo mundo lá fora, fofocando e batendo papo, inclusive o noivo. A noiva chega, desce do carro, cumprimenta praticamente todo mundo, entra todo mundo junto, sem dama de honra, sem padrinhos, sem o pai levando a noiva, sem nada. Não tem padrinhos de casamento. Os noivos ficam horas ajoelhados enquanto o padre fala, e depois é igual ao que a gente conhece, aquela ladainha surreal de até que a morte os separe, troca de alianças, etc. Dentro da igreja, todo mundo com óculos escuros gigantes apoiados na testa. A maioria espalhafatosos, Dolce e Gabbana e Dior, alguns mais discretos, Prada e Armani, uns poucos com Ray-Bans nondescript, espécimes Chanel raríssimos. Tinha mãe de sobrancelha pintada a lápis dando safanão em criança mal educada, tinha homem de paletó de xantungue, tinha bota branca de cano alto, tinha bebê de colo vestido de Burberry da cabeça aos pés. Divertidíssimo.

O noivo estava com um terno preto com um leve toque de PURPURINA AZUL. Sapatos de bico mais fino que chocolate belga, de verniz cor de coca-cola, com umas espécies de rachadurinhas amareladas. E sobrancelhas feitas, com direito a uma ferida bem no meio das duas.

A noiva, por quem não nutro a mínima simpatia e que só agüento socialmente, e mesmo assim só porque está com um amigo do Mirco, estava… Não sei nem por onde começar. O vestido era assim… Uma espécie de bustiê com uma parte de elástico atrás, um negócio esquisito. Por cima, um bo-le-ro hediondo. Ela não tem a pele muito boa, uma cor amarelada de ex-bronzeada, cheia daquelas bolinhas não identificadas. Em plena luz do dia os detalhes dermatológicos saltam aos olhos, vocês sabem. A saia era mal cortada, deixando ver a marca da calcinha, com as costuras mal feitas, sabe, quando o tecido enruga dos lados da linha de costura. O comprimento, incompreensível. A maquiagem parecia uma coisa assim feita por mim, ou seja, uma merda. Mas o melhor ainda estava por vir. Os cabelos. FRISADOS. Montados no alto da cabeça como um pudim. Com direito a mecha pendente por cima do ombro e tudo. Tudo isso coroado não com grinalda, florezinhas, véu, nada disso, crianças: com um pedaço de TRE-PA-DEI-RA. Artificial. Trepadeira mesmo, não tão horripilante como aquela jibóia que você tem num pote de maionese na cozinha, mas quase. Tive que me controlar pra não rir quando a vi, ainda mais com o Mirco falando “olha, olha” com sotaque umbro (leia-se óia, óia).

A irmã da noiva, a mãe da cara-de-pobre, é imensa. Imensa. Baixinha e imensa. Estava espremida em um vestido mais ou menos dourado. Mirco disse que parecia um Ferrero Rocher.

Até a roupa da sobrinha cara-de-pobre era horrorosa, com uma manga furadinha mais curta e sem sentido por cima da manga comprida, e uma saia com um caimento horripilante.

Céus.

E pensar que foi tudo carissimissimíssimo. Eu, com uma camisa da Zara linda que custou exatamente 4,99 euros em Roma e uma saia preta da Sisley bem cortadíssima que custou 10 na liqüidação, sapatos da Arezzo que herdei da minha mãe e minha bolsa linda da Furla que não vou dizer quanto custou na liqüidação, só pude rir. Less is more, definitivamente.

A recepção foi numa casa de festas muito bonita perto de onde morávamos antes, quase em Cipresso. Com direito a piscina ornamental (com ponte), casinha de bonecas e outros brinquedos pra crianças, etc. Serviço ótimo, comida idem. Primeiro, como sempre, o antipasto (um bufê gigante) no lado de fora, à sombra de quiosques. Depois todo mundo vai pra porta do salão pra saber onde vai sentar: tradicionalmente os noivos fazem, eles mesmos, um tabelão com os convidados distribuídos em cada mesa. Cada mesa tem um nome; tem quem escolha nomes de frutas, de cantores, de filmes, de cidades… Sendo muito criativos, eles escolheram flores, como 99% dos noivos italianos.

Nós caímos numa mesa com um casal que já conhecíamos e já recebemos em casa pra jantar, a irmã dessa garota, um outro casal formado por um vendedor de carros muito conhecido aqui na zona e sua namorada até então anônima, o dono da loja de móveis mais in de Santa Maria, amigo de infância dos meninos (a mulher dele chegou mais tarde, com a filhinha pequena), e um outro cidadão que não conseguimos descobrir quem era, porque passou o dia inteiro calado. Acabou que rimos horrores, falamos muito de viagens, de comida, de filmes, e foi bem legal. Mas acabou às oito da noite, e eu não agüentava mais. Socializar cansa.

juruna é pouco

Programa de índio com Daniele e Eun Hye hoje, como aliás está virando hábito. O plano original era ir ao cinema, pra nos recuperar da chatice daquele filme insuportável de diretor italiano com Will Smith no elenco. Mas Eun Hye é estudante de piano no Conservatório, e não perde chance de ir a concertos. Até aí tudo bem, mas eu acho piano sozinho uma coisa muito chata, e piora quando não conheço os compositores. Mas lá fomos nós, tudo em nome da amizade.

O concerto foi na Sala dei Notari, lindissimamente afrescada, no segundo andar da Galleria Nazionale dell’Umbra (aquele pro qual eu traduzi os malditos painéis do acervo e que por isso nunca mais vou poder visitar, por medo de achar erros hediondos e ter que me jogar da janela de vergonha. Já falei que odeio, ODEIO trabalhar correndo?). Não conhecia o pianista, nem a Eun Hye conhecia, e os compositores eram dois italianos, cujo nome esqueci, e também tinha um pedacinho menor de Schubert. Mas foi caro (15 paus), um dos compositores era daqueles modernos cuja música é um susseguir-se de pam pim tlé, marteladas e mais nada, estava frio e ainda por cima fomos jantar numa merda de restaurante grego caro e xexelento. Nunca mais vou a lugar ne-nhum que Daniele recomendar, cruzes.

fofocation

Depois das duas notícias bombásticas de ontem, ou seja, que tanto V. , do setor comercial, quanto Marco, o tradutor austríaco, se demitiram do manicômio, resolvemos jantar com Marcolino pra entender melhor essa história. Ele é um a-mor de menino, que por algum motivo misterioso a J. (chefe dos tradutores e que traduz mal para cacêtchi, como diz o Mirco) detesta. Educadíssimo, fala devagar, seu italiano tem uma leve entonação gringa mas é muito bem falado (o pai é italiano), e é um ótimo tradutor, daqueles teimosos que não sossega enquanto não achar o termo justo. Ele e José, o espanhol, salvavam minha vida enquanto eu trabalhava lá em cima, porque são divertidos, gentis e ótimos companheiros de trabalho. Sempre demos muita risada juntos, e esse é o único ponto negativo de ter sido transferida pro andar de baixo, na escola, onde passo o dia INTEIRO sozinha, sem ouvir ninguém berrando, sem ouvir telefone tocando e sem sentir fedor de cigarro.

Mas então: apesar de ter feito 6 anos de faculdade – 4 de curso e mais 2 de especialização – ele foi contratado como aprendiz e ganha uma merreca. Além de detestar o modus operandi da agência, o que qualquer pessoa de bom senso também sente. Então vai-se embora. Só não foi antes porque o contrato de aluguel da casa lá na casa do chapéu onde ele mora requer aviso prévio de três meses antes do cancelamento. Então Marcolino vai-se, provavelmente pra Roma, que é tudo na vida, pra trabalhar não sei onde. Emprego não vai faltar porque ele é muito profissional.

E fomos até Nocera, onde ele se esconde, pra jantar e basicamente falar mal da chefa maluca. Fiquei sabendo de outras coisas cabeludas, entendi por que é que J. se submete à loucura da chefa há quatro anos (antes era faxineira, e ali virou “Responsabile Ufficio Traduttori”, apesar de traduzir igual à cara dela. Um belo pulinho.), entendi por que o José ainda não pode se demitir também (mas disso não posso absolutamente falar aqui). Reclamamos de modo geral de como os italianos trabalham e dirigem, elogiamos a comida italiana, falamos mal da TV italiana e da mamma italiana e seus filhos mammoni e superdependentes, falamos bem de Roma e Florença. Foi uma soirée produtiva, mas tivemos que voltar cedo porque amanhã cedo resolvemos ir a Roma, que é tudo na vida, tentar entrar no Vaticano de graça. Veremos.

O show

Partimos pra Florença depois da dormidinha pós-prandial. Miraculosamente a co-pilota aqui conseguiu guiar o Mirco sem erros até o lungarno (a avenida ao longo do rio Arno) onde paramos o carro com Margareth e mamãe, e novamente conseguimos parar o carro de grátis. Florença tem isso de bom, é uma cidade de dimensões humanas e, não sendo gigantesca, não se leva horas pra atravessá-la. Fomos caminhando pelo lungarno, vendo os africanos que recolhiam suas bolsas Fendi falsas depois de um dia de trabalho, observando os turistas que procuravam seus ônibus coloridos depois de um dia de passeio, invejando os estudantes e velhinhos pedalantes, e viramos na Biblioteca Nazionale. Atravessamos a Piazza Santa Croce e pegamos a Via Verdi. O teatro fica logo ali, na via Ghibellina, e como ainda estava cedo resolvemos comer alguma coisa antes do show. Escolhemos uma micropizzeria de onde víamos o teatro, e nos colocaram em uma micromesa pra dois, espremida entre duas outras micromesas pra dois. À mesa da direita, o clássico casalzinho Mulatinha Brasileira de Cabelinho Esticado e Italiano Branquinho que Fala Português porque o Italiano Dela É Uma Bosta. Ela, grávida, toda boazinha e fofinha, e ele com cara de refinado. Não precisavam ter aberto a boca pra sacar que era brasileira, e ainda adivinhei que era baiana. O aparelho de som tocava uma música lenta, cantada em português por uma voz que não conheço. E até aí tudo bem, estávamos indo pro show da Marisa Monte, normal encontrar brasileiras pelas redondezas. O que eu não esperava era ouvir menções ao português e a outras línguas vindas da mesa à minha esquerda. E antes que encham meu saco me chamando de enxerida, a distância entre as mesas era puramente formal, algo em torno a um dedo, ou seja, eavesdropping era inevitável.

O casal à esquerda era italiano, completamente fora da norma. Ela, acqua e sapone, sem maquiagem, sem cabelo chapinhado tingido de preto graúna, sem cinto com fivelão Dolce e Gabbana, sem salto agulha totalmente inadequado à pavimentação antiga de Florença, sem perfume em concentrações tóxicas – NORMAL. Ele, alto e careca, charmoso, sem sapato pontudo de pele de cobra, sem jeans com a escrita Rich(mond) bordada na bunda, sem camisa rosa justinha com aplique de cristais Swarovski – NORMAL. Ambos com aquele sotaque bolonhês que eu adoro, com aquele S do Billy Idol.

Ouvindo todo esse portuguesismo ao meu redor, começou a me dar aquela comichão puxadora de papo. Mas me comportei e esperei até todo mundo acabar de comer pra começar a bater papo, primeiro com a baianinha calada, que, como eu já imaginava, não tinha absolutamente nada em comum comigo além da cor do passaporte, e depois com a italiana, chamada Marzia, formada em línguas (português, of all things), apaixonada por música brasileira, filha de mãe argentina, simpática, esperta e interessante. O namorado, Marco, não descobrimos o que faz da vida, mas também é simpático. São de Ravenna. A baianinha foi-se embora com o marido pra evitar a muvuca da entrada, mas nós ainda ficamos batendo papo até praticamente a hora do show. No bar ao lado da micropizzeria, um grupo de Piranhas Caça-Gringo daquelas profissionais, de cabelo oxigenado e calça da Gang, falava e ria muito alto, dando uma idéia do que eu estava pra encontrar dentro do teatro. Fomos direto trocar os e-tickets, rigorosamente impressos no lado em branco de fotocópias de exercícios de inglês, e entramos. Tivemos que nos despedir dos meninos (eu implorando pra Marzia não sumir porque preciso de gente normal, por favorrrrrr) porque eles estavam lá atrás e nós mais ou menos na frente, e sentamos.

Eu já conhecia o teatro porque fui ver Momix lá com Riccardo, Valeria e Mikako em 2001, e lembrava que era desconfortável, velho e com uma acústica estranha. Não importa. Sentamos na poltrona apertadíssima e ficamos observando a fauna. Sabe o Congresso Internacional das Empregadinhas? Veja bem, o problema não é ser empregada, que é um trabalho como todos os outros, somente um pouco mais servil e tedioso, mas um trabalho digno e absolutamente normal. O problema é comportar-se como tal. Então tinha um festival de barrigas de fora, grandes e pequenas; camisetas do Brasil, com a bandeira torta ou em cores estranhas; váaaaaaaaarios exemplares de cabelo com Creme para Pentear Sem Enxágüe; muito, muito tecido sintético; muita unha do pé pintada de rosa metálico; muito batom rosa-paquita; e sobretudo muita gente gritando. Também não tenho problemas com homossexuais, mas detesto gente escandalosa, não importa se homem, mulher ou inbetween, e por sorte de bichas desvairadas só vi umas duas. Então fiquei quietinha lá, encolhida na poltrona, meio envergonhada de compartilhar nacionalidade com aqueles selvagens, me abanando com meu livrinho enquanto o Mirco só apontava olha aquela, olha isso, olhaaaaaaaaa.

O show começou com leve atraso, quando as selvagens já estavam gritando Co-me-ça, co-me-ça. Apagam-se as luzes, vemos os músicos que se posicionam, e ela começa a cantar Infinito Particular. Só aquela voz vindo do nada, porque estava tudo escuro ainda; algumas cordas, e aquela voz. A medula espinhal fez brrrrrrrrrrrr. Só quando terminou a música o facho de luz caiu sobre Ela. Sentada na sua plataforma elevada, de saia comprida e botas, tocando violão.

Eu não tenho palavras pro que é essa mulher. Que voz é essaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa?

O violoncelista eu reconheci do concerto que vimos no Municipal ano passado, com a orquestra da Petrobras. Um mulatão com uma cara danada de simpática. Também tinha fagote, violino e outras coisas. Dos CDs novos teve muito pouco, e ela cantou muito dos CDs antigos (só chorei em Dança da Solidão, tá). Conversou com o público em um italiano desnecessário, já que a fauna na platéia era praticamente toda tupiniquim, cantei junto o show inteiro, e fui embora me perguntando por que diabos um povo que é capaz de produzir música assim se veste assim, se comporta assim e vota assim. Caralho (exclamou a princesinha).

A viagem de volta pra casa passou rapidinho.

amiguinhos

Fomos jantar na casa do Gianni e da Chiara hoje. Quando chegamos a Chiara tava borrifando o chão da varanda com água, pra refrescar. Sentei na cadeira da mesa da varanda e só levantei na hora de ir embora, morta. Jantamos bresaola com rúcula de entrada, depois salada fria de macarrão com mozzarella e tomates-cereja, depois panzanella, a tal salada maldita com pão velho molhado e outras coisas asquerosas. Batemos altos papos mas não resolvemos nada sobre a viagem de agosto. A opção número 1 é São Petersburgo e Moscou, mas se eles dois não decidirem logo quando podemos ir, vamos acabar não fazendo coisa nenhuma porque todos precisamos de visto, hotel reservado e pararatimbum. Detesto essa lenga-lenga, putz!