31.08.04

Detalhes açougueiros, não leia se não for chegado a um sanguinho básico

Passamos da fase da dor intensa à fase do prurido insuportável. Essa noite acordei desesperada de tanta vontade de me coçar. Não há creme Nivea que dê jeito na pele toda esticada ao redor da ferida. E a cada dez passos que eu dava ou a cada cinco minutos em pé, começava a sair sangue da ferida outra vez.

Fui levar o almoço do Mirco e de mais três operários a Cannara, onde eles estão pintando a escadaria de uma fábrica de roupas, e quando voltei vi que saía sangue diluído em linfa de um furinho bem no meio da crosta. Tive uns cinco minutos de irritação e resolvi me operar.

Me armei de tesourinha, pinça e lente de aumento e fui pra minha sala de cirurgia, ou seja, a borda da banheira. Dei umas batidinhas com a pinça na crosta e ouvi um tum tum surdo, sinal de espaço vazio por baixo. Fui cortando as bordas da crosta com a tesourinha e não sentia resistência nem dor intensa, sinal que as traves de tecido conjuntivo tinham sumido, ou melhor, tinham sido reabsorvidas. Fui cortando, cortando, cortando, até que só ficou um pedacinho pequeno da crosta, bem grudado à pele. Em torno da cratera em carne viva que sobrou, muito sangue coagulado, testemunha da porrada com o pedal da semana passada. Com a lente de aumento examinei bem a ferida: carne viva sim, sangue vivo sim, muita linfa, mas felizmente nada de pus. Olha o sistema imunológico da Leticia aí gente! Seguuuuuuura leucóooooocito! Lavei com água corrente, lavei com desinfetante e nem ardeu. Sequei bem ao redor, mas não tinha a menor possibilidade de cobrir com gaze. Qualquer coisa que encoste em qualquer ponto do pé causa muita dor, porque tá tudo sensibilizado. Então pensei num velho truque que usávamos às vezes em feridas cirúrgicas na enfermaria: açúcar. Como açúcar dá cárie, hohoho, joguei um pouquinho de mel na ferida. Teoricamente os microorganismos não seguram a onda de tanta saturação, perdem líquido e puf, morrem. O mel é um conservante natural e praticamente não estraga nunca. De qualquer maneira, mal nao faz, e como o ambiente aqui na oficina é absolutamente insalubre, com uma concentração de poeira e elementos em suspensão que chega a dar nos nervos, e como eu não quero toda essa poeira nojenta grudando na minha ferida aberta, o mel pelo menos forma uma película protetora que impede o contato direto com as coisas nojentas. Agora está doendo um pouco, mas pelo menos não coça mais, a pele não está mais toda esticada e torta ao redor da ferida, e o líquido que quiser sair sai numa boa, sem ficar empacado com aquela bosta de crosta. Tá feio pra caramba e tenho medo de assustar as pessoas quando sair de casa, mas foda-se. O alívio é impressionante, a sensação de liberdade é maravilhosa. Adeus, crosta maldita.

Agora é só tomar muito cuidado com o sol, pra não ficar com o pé marcado pra sempre. E parar de saracotear, porque quanto mais eu ficar quieta no meu canto, mais rápido acaba essa chatice.

Postado por leticia em 21:36

30.08.04

:)

Linda a partida Brasil x Itália de ontem, no vôlei masculino. Eu não sou a rainha do patriotismo mas é sempre legal ver o país da gente vencer, ainda mais depois das meninas terem perdido praquelas cubanas pra lá de escrotas. O hominho da RAI que comentava o jogo falou incrivelmente bem do Bernardinho, que segundo ele é um mito do vôlei mundial; falou muito bem do Mauricio, um levantador histórico e figura importantíssima do vôlei brasileiro e mundial; falou muito bem do Gustavo, do Anderson e dos Andrés* durante a partida. Hoje vi uma entrevista com os jogadores italianos, e eles disseram que são o único time capaz de vencer o Brasil, mas que o nosso time tem um ataque muito rápido e consequentemente difícil de defender, um ritmo de jogo alucinante, e que enquanto o nosso time for assim e o deles cometer os erros bobos que cometeu, os italianos vão perder sempre. Muito sensato, quérido.

Já o italiano asqueroso que venceu a maratona disse em entrevista que teria chegado em primeiro lugar de qualquer jeito, que correu de um modo que o brasileiro jamais o poderia alcançar, com louco ou sem louco de saias. Pode até ter sido assim, não sei, não vi a maratona, mas o ar de desdém dele quando falou essa frase me deixou nauseada.

Os italianos estão rindo à toa porque ficaram bem no quadro de medalhas, em oitavo lugar, se não me engano. Estão se achando AAAA nação esportiva. Mal sabem eles que nos próximos Jogos a China vai papar tudo e não vai sobrar nada pra ninguém.


* O que é que leva um jornalista a ser incapaz de ler um nome direito? Não espero que ele saiba que o G do Giba se fale como J e não como o som Dj italiano, não espero que ele saiba que SC tenha som de SS em vez de CH como em italiano. Mas dizer Nachimiento já é um pouco demais. Onde foi que você viu esse i, meu querido? O nome ali, escrito na tela, escrito numa folha de papel na frente dele, sem a porra do i, e o cara vai e me diz "miento"? Que ódio.

Ele fez o mesmo com a grega que ganhou a maratona feminina. A mulher se chamava Athanasia ou coisa do gênero. Ele passou a corrida INTEIRA chamando a mulher de Anastácia. Acho o fim da picada, de verdade.

Postado por leticia em 09:02

29.08.04

a pedidos

Domingo é dia de almoçar na sogra. Melhor ainda quando a mala do sogro não está (foi pra Sérvia passar o fim de semana. De carro. Don't ask.). Comemos tagliatelle feitas em casa, que o Mirco fez com a ajuda da Arianna e da mãe dela, Lucia. O molho foi feito com tomates maduros colhidos da horta da casa. E o carneiro na brasa é uma das especialidades da Arianna.


Mas antes do almoço demos banho nos ragazzi. Olha o Demo como sofre, coitado. E o Leguinho nem tchum, como sempre.

A famosa gatinha:


L*egolas enchapelado (e vejam se ele não está a cara do Milton Nascimento com esse boné azul):

Postado por leticia em 18:25

coisas fofas

Ettore um dia viu uma gatinha tigrada rondando a oficina. Quando abriu a porta do carro, ela entrou na maior. E virou a nova moradora do Zoológico Arianna, que já conta com 4 cachorros bizarros, galinhas, perus, gansos, patos de duas espécies diferentes, pombos, várias famílias de coelhos e um gatinho, único sobrevivente de uma ninhada de 4, cuja piranhíssima genitora já foi avistada morando numa casa abandonada láaaaa do outro lado do campo que fica à esquerda da casa da Arianna.

A gata, que não tem nome, é um dengo só. Eu normalmente acho gato um porre; odeio bicho arrogante e que não dá atenção aos humanos e aos outros bichos. A mãe desse pequenininho é assim, arredia, chata, se esconde, não dá trela pros filhotes. Essa tigrada não: é do tipo que qualquer um pode pegar no colo, ela se desmancha toda, ronrona, fecha os olhinhos, vira de barriga pra cima.

Ontem jantamos na Arianna depois de fazer compras no supermercado de mendigo (leia-se Penny). Os cachorros não estavam em casa; aparentemente tem uma cadela no cio num armazém lá atrás do campo, onde sei lá quem mantém uns cavalos, e os cachorros toda noite vão lá dar uma paquerada básica. Peguei a gatinha no colo e atravessei o campo, assobiando. Láaaaa na casa do chapéu vi um vulto grande, preto e rabudo que levantou a cabeça quando assobiei. Chamei Leguinhoooo!, ele reconheceu a minha voz e veio correndo, atravessando o outro pedaço de campo como uma flecha. A gatinha se assustou e cravou as unhas na minha camiseta (e no meu pescoço), mas quando viu que era o mongo do L*egolas sossegou. Demo ficou por lá mesmo, me olhou, fingiu que não era com ele e voltou pra paquera. Leo nem deu as caras. Os dois apareceram muito mais tarde, exaustos. Ficaram parados no portão fechado esperando que alguém se dignasse a abrir pra eles.

Quando voltei com o Leguinho, botei a gatinha no chão. L*egolas deu uma lambida no focinho dela, outra na bunda do pequenininho, e foi beber água e desabar no chão, cansado. Pena que a gente não tava com a máquina, mas assim que der tiro fotos.

Postado por leticia em 09:01

28.08.04

o bigodudo e seu fuzil

Sexta-feira fomos jantar com um casal de amigos num restaurante em Foligno. O nome do lugar é Sparafucile (sparare = disparar, fucile = fuzil) e quem comanda o batatal é um bigodudo grisalho. O lugar é dividido em dois ambientes: a microscópica cozinha, do lado da gelateria, e, dois números depois, ou seja, depois de uma loja de roupas e de uma agência de viagens, a sala microscópica, com somente três mesas. No verão eles colocam mesas na pracinha em frente. No inverno o bigodudo e o garçom extra (no nosso caso era um cara muito lento que passou a noite inteira levando esporro do Bigode) saem da cozinha com os pratos na mão e têm que atravessar a praça correndo pra comida não esfriar durante o curto percurso até a sala de jantar.

Tem mais: o menu é único e você não sabe qual é. Você chega, diz o seu nome (tem que ter feito reserva antes senão não consegue mesa), o Bigode te indica a mesa, você senta e ele começa a te servir. Você não tem a mais remota idéia do que está por vir até o Bigode sair da cozinha com uma panela na mão, apoiá-la sobre um BARRIL e começar a colocar comida nos pratos. Mas pode ser que mais tarde ele mude de idéia e resolva mudar de prato, por isso os gnocchi que você viu o Bigode servindo a outros clientes enquanto você ainda estava no antipasto podem nunca chegar à sua mesa, e ser substituídos por uma outra coisa qualquer. Não é uma comédia esse sistema?

No nosso caso o antipasto tinha dois tipos de queijo, uma fatia de prosciutto crudo, uma fatia de melão (que dispensei), um figo aberto em flor (que o Mirco traçou), uma porção de panzanella (receita local clássica, originariamente um mero reaproveitamento de restos pra fazer salada: uma folha qualquer, tomate, pepino e pão velho molhado no vinagre. Só de ver tenho vontade de vomitar, mas neguinho aqui, e os turistas também, A-DO-RAM), um tomate recheado (que o Mirco comeu). Comemos dois primi: os gnocchi com tomate fresco e manjericão, muito gostosos, depois um risoto de frutos do mar, que não estava lá essas coisas. De secondo tivemos a oportunidade de escolher: todo mundo foi de tagliata, que seria uma carne duríssima grelhada, fatiada e que vem numa caminha de rúcola e regada com vinagre balsâmico; eu, que odeio carne dura, rúcola e principalmente vinagre, fui de filé grelhado mesmo, com saladinha. Duas garrafas de água mineral. Uma garrafa de vinho branco durante os primi, e uma de tinto do Lago Trasimeno com a carne. Ambos os vinhos escolhidos pelo Bigode, claro. De sobremesa, petit gateaux com sorvete de creme (que o Mirco repetiu), uma taça de Marsala, depois café, e o Bigode ainda ofereceu uma dose de whisky no final. Tudo isso por € 23/cabeça. Nada mal, jacaré.

Postado por leticia em 08:49

26.08.04

meu pé direito

Isso já tá virando telenovela.

Saí de manhã direto pra casa da Arianna, pra visitar meu cachorro e pegar o número PIN do celular do Ettore, que enxerga mal e vive desligando o celular porque erra o botão, e depois pra ligar de novo precisa do PIN. Aproveitei pra colher uns pepinos, uns tomates e umas abobrinhas na horta e parti pra oficina, onde deveria dar uma ajudada no escritório, já que a secretária está de férias até semana que vem. De repente o scooter começa a cuspir e resmungar. Pensei logo na gasolina, porque desde o tombo a luzinha da gasolina fica acesa direto e por isso perco a noção da quantidade de combustível que me resta, mas era impossível que já tivesse acabado: o Mirco encheu o tanque no sábado antes de viajarmos, e essa semana eu só fui a Torgiano, que fica a 7 minutos daqui, uma vez por dia, e só. A monga aqui esqueceu de um pequeno detalhe: na segunda levei o scooter pra fazer a revisão obrigatória, e enquanto o cara faz o "diagnóstico", fica acelerando forte uns bons 10 minutos, pelo menos. E nessa lá se foi minha gasolina. Encosto na praça de S. Maria, bem onde fica a lojinha de fruta e verdura da Rita, bem em tempo de não atrapalhar o trânsito, pois o motor morreu imediatamente. Numa última tentativa de pelo menos chegar até o posto de gasolina mais próximo, que ficava a 200 metros, desci e comecei a pisar na manivela (ou seria pedivela? Hoho) lateral, já que desde o tombo o motor não liga mais só com o botão de start. Pisei com o pé direito, lógico, porque o pedal fica no lado esquerdo do scooter e porque eu sou destra. Só que o pedal escapou e quando subiu de volta bateu com toda a força no meu pé direito. O ferido.

Vocês não podem imaginar nem remotamente a dor que eu senti. Não podem. Acho que dor de parto é pinto depois da dor de pedal de scooter arrancando só parcialmente um crosta de ferida. Uma crosta tão alta e tão espessa e que repuxava tanto a pele ao redor que eu venho acordando à noite com dor no pé há tempos. Tava tudo tão feio que hoje quando acordei estava resolvida a escrever pra Bia perguntando o que fazer com a minha crosta. Pra não falar do pesadelo que tive na noite de terça pra quarta, coisa que aliás vem se repetindo estranhamente ultimamente: sonhei com a médica loura que me atendeu na terça quando fui fazer o requerimento de consulta especialista pra alguém dar uma olhada no meu pé. No sonho ela arrancava a crosta da ferida a sangue frio, e eu urrava de dor e saía muito, muito sangue. Acordei angustiada mas não lembrava do sonho, só fui lembrar mais tarde, já na hora do jantar, sabe-se lá por quê.

Então eu fiquei lá, com o pé escorrendo sangue e uma crosta incrivelmente espessa levantada só até a metade, com um scooter sem uma gota de gasolina e um céu preto sobre a minha cabeça. Liguei pro Mirco, com quem eu tinha falado meia hora antes, e que teoricamente estava ali perto, num cliente. Ele já tava na oficina de novo mas tava vindo pra S. Maria outra vez. Fiquei lá parada feito um dois de paus, apoiada no scooter esperando a dor melhorar um pouquinho. Começou a chover. Forte. Fui me arrastando até a banca de jornal vizinha da Rita, pra me esconder debaixo do toldo. Mirco chegou, trazendo material de primeiros-socorros, mas não dava nem pra tocar no pé, em nenhuma parte dele, nem pra limpar em volta, porque a dor era insuportável. A pele tá toda sensibilizada e nem calça comprida eu consigo usar, porque a barra da calça batendo no peito do pé já é suficiente pra fazer doer o pé inteiro. Fomos pegar gasolina num posto, em garrafas de água mineral, e como a chuva logo passou, voltei pra casa. Vim a 30/h porque o vento batendo no pé me fazia ver estrelinhas de dor. Sentei na borda da banheira e com a ajuda de um espelhinho consegui olhar por baixo da crosta levantada, e vi que ela ainda estava grudada ao meu pé por duas traves de pele/tecido conjuntivo, ou seja, não dava nem pra arrancar tudo logo de uma vez. Cortei as partes livres, espalhando migalhas de casca de ferida pelo banheiro inteiro, joguei um desinfetante abundante na ferida, mordendo os dedos pra aguentar a onda de ardor, limpei a sujeirada toda de sangue, pedaços de crosta e gotas de desinfetante, e fui mancando pra cozinha.

Pior: eu tinha me programado pra fazer filé de frango na wok e legumes grelhados, um menu que requer atenção da cozinheira. Cozinhei com o pé direito apoiado sobre o joelho esquerdo, como um flamingo. Pelo menos o almoço não desandou: comemos muito bem, obrigada, e à tarde fui pra oficina ajeitar umas coisas no computador. Mirco cismou de jantar comida chinesa, mas o pior do dia ainda estava por vir: estando de dieta, abri mão dos ravioli cozidos no vapor, do arroz cantonês e do frango com amêndoas e fui de sopa aguada de frango com milho. Só.

Merda de vida.

Postado por leticia em 22:11

25.08.04

Eu adoro ver nado sincronizado. Adoro mesmo, apesar de ser perfeitamente consciente da infinita cafonice que rodeia o esporte: os adornos nos cabelos, a maquiagem, os maiôs, os sorrisos forçados, socorro! E por que será que as músicas escolhidas são sempre um porre?

De qualquer maneira, eu gosto. Adoro ver gente elegante e graciosa. Acho que é a esperança de absorver alguma dessas qualidades por osmose televisiva, já que sou completamente desprovida de ambas.

Postado por leticia em 19:20

Agora que eu fui notar que não botei aqui as playlists dos CDs que eu gravei pro casamento da Renata (e que, vocês sabem, acabamos não escutando porque o "aparelho de som" da festa era um Diskman modelo velho que não lia meus CDs). Toma – e não repare na quantidade de trash. O objetivo era somente uma pueril diversão derivada diretamente da nostalgia dos tempos que não voltam mais.

1. Ed Motta – Manuel
2. As Frenéticas – Dancin’ Days
3. Barão Vermelho – Puro Êxtase
4. Blitz – Betty Frígida
5. Dr. Silvana e Cia. – Serão Extra
6. Inimigos do Rei – Uma Barata Chamada Kafka
7. Tim Maia – Descobridor dos Sete Mares
8. Lulu Santos – Eu Tô Voltando pra Casa
9. Jorge Benjor – W Brasil
10. João Penca – Rock da Cachorra
11. Gabriel o Pensador – Lora Burra
12. Ed Motta – Colombina
13. Blitz – Perdi meu Amor
14. Barão Vermelho – Pode Vir Quente
15. As Frenéticas – Bonita e Gostosa
16. Gabriel o Pensador – Retrato de um Playboy
17. Inimigos do Rei – Adelaide
18. Lulu Santos – Último Romântico
19. Metrô – Beat Acelerado
20. Ney Matogrosso – Homem com H


Outro:

1. João Penca e seus Miquinhos Amestrados – Lágrimas de Crocodilo (live)
2. Eduardo Dusek – Barrados no Baile
3. Blitz – Você Não Soube Me Amar
4. Barão Vermelho – Vou Apertar (Mas Não Vou Acender Agora)
5. Magazine – Eu Sou Boy
6. Tim Maia – Gostava Tanto de Você
7. Gabriel o Pensador – Festa da Música Tupiniquim
8. Ed Motta – Vamos Dançar
9. Barão Vermelho – Pense e Dance
10. Jorge Benjor – Fio Maravilha
11. Pepeu Gomes – Masculino e Feminino
12. Rosana – Como Uma Deusa
13. Sidney Magal – Santa Rosa Madalena
14. Angélica – Vou de Táxi
15. Almir Rogério – Fuscão Preto
16. Xuxa – Ilariê

Mais um:

1. Technotronic – Pump Up the Jam
2. The Bangles – Walk Like an Egyptian
3. The Police – De Do Doo Doo
4. The Police – Message in a Bottle
5. The Police – Walking on the Moon
6. The Pretenders – Middle of the Road
7. UB40 – Baby I Love Your Way
8. Wham! – Wake Me Up Before You Go-Go
9. Ace of Base – All That She Wants
10. Ace of Base – Don’t Turn Around
11. Dire Straits – Money for Nothing
12. Dire Straits – Sultans of Swing
13. Dire Straits – Walk of Life
14. Fine Young Cannibals – She Drives Me Crazy
15. George Michael – I Want Your Sex
16. Jimmy Cliff – I Can See Clearly Now
17. Jimmy Cliff – Reggae Night


E ainda:

1. Kenny Loggins – Footloose
2. Kiss – I Wanna Rock and Roll All Night
3. Lionel Ritchie – All Night Long
4. Madonna – Holiday
5. Madonna – Like a Virgin
6. Michael Jackson – Billie Jean
7. Pet Shop Boys – Always on My Mind
8. Pet Shop Boys – Domino Dancing
9. Pet Shop Boys – It’s a Sin
10. Pet Shop Boys – Se a Vida É
11. The Pretenders – Back on the Chain Gang
12. Queen – Crazy Little Thing Called Love
13. Seal – Crazy
14. Simply Red – Something Got Me Started
15. Simply Red – The Right Thing


O de forró e sambinhas era quase todo Falamansa, Rastapé e Zeca Pagodinho. Destaque pra um mix do Rastapé: Forró em Limoeiro, Comadre Sebastiana, a Ema do Fulano (esqueci o nome). O-TE-MA.

Os de música anos 70 estão no carro, se eu lembrar de trazer pra casa ponho aqui.

Postado por leticia em 18:44

Enquanto isso...

... os argentinos ainda acham que homem de cabelo comprido é lindo. Socorro.

Me dá o Giani da squadra azzurra de vôlei que eu fico contente.

Postado por leticia em 16:34

24.08.04

blergh

Por que será que as jogadoras da seleção cubana de vôlei são tão, mas tão asquerosas e arrogantes? Os outros atletas cubanos não são assim, pelo menos pelo que eu andei observando. Mas essas meninas do vôlei são O-DI-O-SAS! As gerações mudam, mas parece que pra entrar na seleção cubana é pré-requisito ser detestável, porque esse nojo é uma característica do time desde que eu me entendo por gente. Conseguem irritar simplesmente TODOS os times que jogam contra elas! Jogam muitíssimo bem, per carità, mas acho que grande parte da vantagem que elas têm sobre as adversárias, principalmente as mais esquentadas como as italianas, vem do fato que a irritação que elas causam no outro time é tão desconcertante que acaba ficando difícil jogar direito. A adrenalina vence.

Que coisa feia.

Postado por leticia em 20:14

23.08.04

Da série A Estapafúrdia Publicidade Italiana

Adivinhem o produto anunciado.

. Um casal chique está à beira de uma piscina coberta chiquérrima. O marido, de robe de seda, careca, óculos escuros, fica se olhando num espelho. A mulher, de robe de seda, óculos escuros, cabelos nos trinques, olha pro marido pedindo um chamego, mas ele nem tchum, ocupado que está em se olhar no espelho. A mulher dá uma bufada de resignação e sai da área da piscina. Corta pra paisagem externa: vê-se a mulher correndo esvoaçante na direção de um tipo de armazém, totalmente barn mesmo, totalmente nada a ver. Lá dentro há um suposto empregado da fazenda, ajeitando uns rolos de feno num canto. É um lourinho com cara de capiau. A mulher tira o robe e fica só de lingerie. O capiau arregala os zoio e tira um preservativo do bolso do macacão. Quando ele vai abrir o preservativo com a boca (olha o mau exemplo), sente uma dor de dente horrível e solta um grito de dor. O marido careca vem correndo e pega os dois naquela situação ridícula. Entra o slogan, enquanto o capiau faz o gesto de "não" com uma mão e aperta uma bochecha com a outra.

. Um homem em roupas esportivas passeia na Broadway à noite. Ele dá uma tacada numa bola de golfe, e a bolada quebra a Lua em duas (sim, é isso mesmo). Do outro lado do mundo, uma mulher desconhecida, de vestido branco decotado cola as metades da Lua. Depois toma uma flute de champagne.

. Esse eu já mencionei aqui, mas como voltou a passar e conseqüentemente voltou a fazer-me rir, vou dar o slogan de novo:

[voz sensual de mulher] Para você e para os seus amigos.


Respostas:
. Chiclete de xilitol, teoricamente contra cáries.
. Colla Americana (don't ask).
. Uma bebida com gás à base de cedro, de cor amarelo-radioativo e gosto mais ou menos como o do Sprite. Vem numas garrafinhas em six-pack, sem rótulo, sem nada escrito na chapinha.

Postado por leticia em 17:41

Breves considerações olímpicas:

. Alguém sabe onde eu posso achar vídeos das apresentações da Daiane? Por aqui acho que não passou, e se na França passou, eu tava fazendo coisa melhor do que assistir à TV, né.

. Quanto atleta brasileiro desconhecido pra mim! Gostei daquele menino do salto do trampolim, Cesar sei lá o quê. Foi muito elogiado pelo narrador da RAI, pela sua elegância. Acho que é a primeira vez que eu vejo "brasileiro" e "elegante" juntos, e fazendo sentido. Porque, convenhamos, a Luiza Brunet é elegante, mas quando abre a boca o mundo cai sobre as nossas cabeças.

. Adoro esgrima.

. O que era aquela japonesa que quase ganhou a maratona, que correu o tempo todo abanando os bracinhos?

Postado por leticia em 17:40

22.08.04

Voltei!

Hoje ou amanha escrevo e boto fotos. Quando der vontade.

Postado por leticia em 15:52

20.08.04

La Défense

Resolvemos ir ver La Défence, uma espécie de núcleo executivo todo moderno, com um arco quadradão e modernoso, exatamente na mesma linha do Arco do Triunfo. Alessandro já tinha estado lá e falou que era bem bonito, tem uma loja gigante da Fnac, tem um telão pro pessoal ver as Olimpíadas, vale a pena ver, então resolvemos ir dar uma olhada. Descemos na estação de Charles de Gaule – Étoile, vimos o Arco do Triunfo, e em vez de caminhar na direção dos Champs Elysées, seguimos pela Avenue de la Grande Armée. Levamos séculos pra chegar a La Défence, primeiro porque é longe pacas e segundo por causa da minha mancação. Mas chegamos.


É um lugar lindo, os prédios comerciais altíssimos revestidos de vidro espelhado, mas nada de cafonice. Jardins agradáveis, espelhos d’água (e cachorros nadando neles), restaurantes pra atender o pessoal que trabalha por lá, e lá na praça principal, onde ficam o pavilhão que abriga a Fnac, o shopping center e a estação de metrô e trem, vimos o tal telão e um bando de desocupados assistindo a uma competição qualquer dos Jogos. Como já tava na hora do almoço, fomos catar um lugar pra comer. Entramos no Panamé, se não me engano, de decoração digamos antiquada mas menu interessante. Comi um filé de atum grelhado com batatas fritas picantes, Mirco foi de entrecôte com batatas ao forno. A pizza dos nossos vizinhos de mesa parecia gostosinha, mas era pequena e custava 11 euros, uma afronta! Pagando o mesmo comemos nossas carninhas gostosas, e enquanto degustávamos as batatas desabou um toró lá fora. Uma quantidade de água caindo que eu nunca vi igual. Imagino que as chuvas no Pará sejam assim, estilo opa, a caixa-d’água virou. O pessoal correndo que nem louco, se escondendo onde podia, mas não tinha muita escondeção porque praça é praça, né, as poucas árvores eram jovens ainda e baixas, além do que ficar embaixo de árvore durante tempestade é a maior roubada, vocês sabem. O restaurante é todo de vidro, então a gente almoçou assistindo ao pessoal se encolhendo debaixo da marquise, bundas amassadas contra o vidro bem do seu lado enquanto você come sua sobremesa. Em cinco minutos acabou tudo e todos os desocupados voltaram aos banquinhos de frente ao telão.

Nós fomos dar umas voltas no shopping center, Mirco comprou umas calças jeans e uns suéteres e um par de tênis, e fomos nos juntar aos desocupados. Quando nos sentamos estavam mostrando uma competição de tiro com arco, muito legal. Quando mudaram pra ciclismo indoors, o Mirco começou a sentir sono e foi deitar na mureta da praça, como um mendigo. Eu fiquei lá, sentada no meio daqueles machos todos, atrás de um cabeludo com cara de sujo. Depois do ciclismo veio o judô, com lutas lindas, depois várias disputas de esgrima, e quando um Francês levou uma espadada inesperada o pessoal fez oooooooooooooh e o Mirco acordou. Pegamos o metrô e fomos direto ao supermercado, onde encontramos o Alessandro. Compramos linguiça e creme de leite pra fazer penne alla Norcina, mas não tinha mais penne e acabamos indo de farfalle mesmo. Meio quilo de macarrão De Cecco, que aqui custa uns 80 centavos, lá custa o dobro. Mesmo a massa Barilla, que custa um pouco menos, era cara. Mas era hora de ir pro albergue cozinhar, senão logo ocupavam as únicas duas bocas funcionantes do fogão (no comment) e a gente ficaria chupando o dedo.

Aí começaram as heresias gastronômicas. Na boa, eu acho muito triste alguém não saber cozinhar NADA, mas se você não cozinha NADA, em vez de ir ao supermercado comprar verduras e carne e arroz que você NÃO SABE cozinhar, não é mais fácil comprar um prato pronto que é só esquentar no microondas? Não, jacaré. Ouvimos de tudo nessa noite. O Mirco com a água fervendo e as farfalle nadando lá dentro, chega uma criatura que não sei de onde era, uma mulher com seus 30 anos, e pergunta se ela não podia aproveitar e cozinhar os spaghetti junto, já que o tempo de cozimento era o mesmo. Quando o Mirco perguntou como ela pretendia separar as massas na hora de comer, ela não respondeu. Depois ela perguntou a mim se na água do cozimento o molho já estava misturado. Não é de dar pena? Tudo bem você não ter a mais remota idéia de como se faz um molho, mas bastaria olhar dentro da panela e ver a água incolor pra perceber que não há nada lá dentro além do próprio macarrão que está cozinhando.

Duas mongas francesas, mas de origem claramente magrebina, esquentavam óleo numa frigideira. Muuuito antes do óleo atingir a temperatura certa elas jogaram imensos pedaços de batata crua na frigideira. Perguntei o que elas achavam que estavam fazendo; a resposta, inevitável: batata frita. Aham, respondi. Olha só, fritura tem que ser coisa rápida, o óleo tem que estar bem quente, e os pedaços têm que ser pequenos, senão em vez de fritar eles vão cozinhar no óleo, coisa bem diferente (e bem mais nojenta). Ou vocês cortam as batatas em formato palito ou, se quiserem fazer batata corada, deixam em pedaços maiores, dão uma cozidinha no microondas rapidinho, e depois fritam muito rapidamente. Sacaram? Sim, sim. Mirco precisava da boca do fogão que elas estavam ocupando com a frigideira pra fazer o molho, e perguntou se elas não queriam jantar com a gente e esquecer as batatas, que a essa altura já tinham absorvido mais óleo do que o Zeca Pagodinho absorve cerveja. Elas concordaram e tiraram a frigideira do fogo, e resolveram seguir meus conselhos e jogar fora as já nojentíssimas batatas gordurosas. Diretamente da frigideira quente pro saco plástico, êeeeeeee, derreteu tudo, e elas não entendiam o porquê. Ficaram assistindo ao Mirco cozinhando e ele, percebendo o nível de imbecilidade das duas, perguntou se elas comiam linguiça. Não, somos vegetarianas! Caralhos estampados, você está vendo o Alessandro desmanchar quatro linguiças na panela, custa dizer olha, a gente não come carne? Se o Mirco não tivesse perguntado elas teriam ficado sem jantar. Odeio gente idiota, odeio, odeio. E a coisa ainda piorou: depois de picar as batatas restantes em pedaços microscópicos e cozinhá-los no microondas por tempo demais, e mesmo depois de já terem decidido que jantavam com a gente, e mesmo depois do óleo da frigideira já estar frio, elas jogaram essas batatinhas pequenas e cozidas no óleo. Tipo assim, já fica pronto pra fritar amanhã no jantar.

O alemão (as austríacas já tinham ido embora), John, um mexicano, as gêmeas brasileiras e a mãe delas jantaram com a gente. Foi muito legal, rimos pra caramba, contamos altas histórias. Dormir em albergue é SEMPRE desconfortável, mas esses encontros bizarros só acontecem em albergue, não tem jeito. Onde mais você encontraria um meio-rasta que faz colares de conchas? Onde mais você encontraria uma mula que acha que o molho já vem com a água do macarrão? Onde mais você entraria no seu quarto pra dormir e encontraria um casal de indianos suíços sorridentes, que olham pra você e começam a falar em Francês numa velocidade impressionante? Na verdade ele estava dizendo que tinha queimado a lâmpada do banheiro e se a gente quisesse tomar banho ele emprestava a lanterna. Fica pra amanhã, queridos.

Postado por leticia em 20:17

19.08.04

Louvre

Hoje é o aniversário da minha avó.

Saímos uma meia hora mais cedo do albergue e fomos diretamente ao Louvre. Nem vou falar nada porque realmente não há o que dizer. Rodamos muito, entramos na muvuca pra ver a Mona Lisa, e mais tarde saímos do museu pra catar um lugar pra almoçar. Fomos cair num lugarzinho chamado Le Pelican. Eu tava com vontade de comer crêpe salgado ou então uma quiche de qualquer coisa, e no quadro-negro com os pratos do dia e especialidades da casa havia boas opções tanto de quiche quanto de crêpe, e sentamos, apesar de não parecer lá muito limpinho. Só uma senhora loura e sorridente, enfiada numa jaquetinha cinturada completamente fora de moda, com mangas bufantes, atendia. Botava a mesa, tirava a mesa, pegava os pedidos, trazia os pedidos, fazia a conta, pegava o dinheiro, dava o troco. Sem perder a classe, jamé. Só que nessa lerdeza levamos horas pra comer – e no final das contas não tinha nem a crêpe que eu queria, nem a quiche pela qual eu tinha me interessado, e acabei comendo outra coisa. Mirco foi de omelete mesmo, que é mais seguro.

Uma coisa legal de Paris, e, dizem, da França em geral, é que ninguém fica te enchendo ou fuzilando com o olhar ou dando indiretas pra você sair do restaurante. Se você não pedir a conta, ninguém te traz. Ninguém te expulsa. Você tem toda a calma do mundo pra comer e bater papo. Estranhamente, na Itália não é assim. Digo estranhamente porque o culto à comida aqui é quase uma religião, a cozinha é uma coisa levada muito, muito a sério, e o italiano adora papear, então realmente não entendo por que qualquer refeição em qualquer restaurante aqui dura pouquíssimo. Os pratos vêm voando, mesmo quando tudo é preparado na hora; a conta vem assim que os pratos vazios são retirados, e se você insiste em ficar sentado à mesa logo vem aquela sensação de mal-estar, de estar atrapalhando, ocupando a mesa de quem quer sentar.

Um casal sentado ao nosso lado, numa mesa minúscula como a nossa (outro motivo de reclamação do Mirco, as mesas microscópicas), puxou papo. A senhora era filha de italianos e falava muito bem a língua. O marido arranhava algumas palavras, aprendidas de tanto ouvir os sogros falando alto em italiano :) Foram muito gentis, mas nos deixaram em paz quando chegaram os crêpes de Nutella (que, aliás, poderiam perfeitamente ter sido a base da minha alimentação durante toda essa semana, se não fosse o meu bom senso) e foram embora.

Nós voltamos ao Louvre e terminamos de ver o que faltava. CLARO que eu sei que pra admirar direito tudo o que há lá dentro são necessários vários dias. Mas lembrem-se de que eu NÃO PODIA PARAR EM PÉ, pra admirar nada. Vimos TODAS as salas de TODOS os setores, andares, departamentos, mas tudo correndo, porque senão o sangue descia ao tornozelo direito, não conseguia mais subir por causa do edema, e a dor era verdadeiramente lancinante. Deixo aqui fotos das estátuas de Aníbal e de Júlio Cesar, colocados lado a lado, de um cabeção da Ilha de Páscoa, e de um tríptico medieval muito bonito.


Quando finalmente eu pedi arrego, botamos a carinha pra fora do museu e tava chovendo MOOOITO. Todo mundo parado ali embaixo da entrada esperando a chuva passar pra atravessar a rua e pegar o metrô. Ainda passamos no supermercado antes de voltar pro albergue. Dei uma descansada com os pés pra cima, tomei meu banho complicado e descemos pra jantar.

Ontem o Mirco teve piedade de uns espanhóis que cozinharam o macarrão por meia hora e acabaram comendo uma coisa desforme com pseudomolho de tomate, e convidou os meninos pra jantar com a gente. Só que eles deram o bolo e acabamos oferecendo a pasta que sobrou ao John, americano de 20 anos que estava rodando pela Europa há algumas semanas sem dinheiro nenhum. Ele tinha comprado um pacote de macarrão e uma lata de molho, que deveriam durar a semana inteira. O cara é uma figura, como vocês podem ver. Foi a primeira vez que eu conheci um semi-rasta. Ele explicou que foi um amigo dele quem fez os dreadlocks, levando quatro horas pra fazer metade da cabeça, enquanto ele levou duas horas pra fazer a cabeça inteira do amigo. Mas por que MEIA cabeça? Ele disse que seus dreads eram de inspiração celta (???), que os celtas misturavam mechas normais de cabelo com dreadlocks e trancinhas, mas ele achava muito confuso e resolveu organizar melhor a coisa, por isso fez só meia cabeça. Então tá. Ele pinta, num estilo confuso que eu não entendi direito como é, e disse que tem intenção de ir morar em Praga, porque ele é completamente anti-americano e quer morar na Europa, onde há um melhor relacionamento com a arte. Como Praga é a única capital européia que ainda é economicamente viável pra quem não tem um tostão, como ele, foi a cidade que ele escolheu. In bocca al lupo, John.

Conversamos também com um alemão de língua presa e duas meninas austríacas muito bonitas, e conhecemos duas gêmeas de Florianópolis que estavam passeando na Europa com a mãe, tão simpática quanto elas duas. Marcamos um jantarzão coletivo pra amanhã.

(Na foto vê-se uma sacola cheia de conchinhas, que o John estava tentando furar com aquela tesoura, pra fazer um colar. O Mirco está com os óculos fundo de garrafa do John.)

Postado por leticia em 08:41

18.08.04

Jardin des Plantes, Quartier Latin, Saint-Germain-des-Près

Queríamos ver o mercado de rua no Jardin des Plantes, na Rue Mouffetard. Descemos na estação Monge e voilà!, provavelmente o mercado também estava de férias, como, aliás, metade das lojas de Paris, porque não tinha nada. Fomos andando, andando, andando, eu mancando, mancando, mancando, e fomos parar no Quartier Latin. Entre os bairros de Jardin des Plantes e Quartier Latin fica o Institut du Monde Arabe (1 rue des Fossés-Saint-Bernard - Place Mohammed V), que eu nem sabia que existia mas o Mirco já conhecia, pelo menos de fora, e tinha passado a manhã toda martelando meus ouvidos pra gente ir ver de perto.

Olha, é inacreditável. Simplesmente um dos edifícios mais lindos que eu já vi na minha vida – e olha que eu não sou muito chegada a coisas modernosas. A fachada sul é formada por 1600 painéis de metal de alta tecnologia, que filtram a luz que entra no prédio. São inspirados nos moucharabiyahs, telas de madeira entalhada que se usam no exterior de edifícios desde o Marrocos até o sudeste asiático (fonte: Le Guide Mondadori – Parigi). O acervo do museu também é lindo, com peças interessantíssimas de todo o mundo árabe. Meu pai e meu avô teriam crises histéricas lá dentro (meu bisavô era sírio).


Saindo dali fomos dar umas voltas. O tempo estava legal, mas soprava um vento estranho. Atravessamos a Ile-St-Louis, ali do lado, onde ouvi um Tico-Tico no Fubá tocado no violino por um velhinho numa ponte, e a Ile de la Cité, passamos pela Pont Neuf e caímos em Saint-Germain-des-Près.

É um bairro muito legal, cheio de lojas fofas e livrarias maneiras, felizmente todas fechadas porque senão teria sido uma frustração só, já que não tenho um tostão pra gastar. Acabamos almoçando por lá mesmo, num restaurantezinho bonitinho chamado Séraphin (5 rue Mabillon), cujo único defeito era a insuportável música dominicana tocando sem parar. Novamente levamos horas pra achar algo decente no menu. Eu fui de salada com filé de frango, que veio linda no prato, estilo morrinho, com tiras de peito de frango estendidas no sentido da altura. Claro que já veio cheia de molhos estranhos. Pra mim, que só como salada sem nada, nem azeite, nem sal, foi meio suplício, mas comi tudo. Mirco pediu umas coisas que nem eu lembro, e que não mataram sua fome mas deram pro gasto. Estávamos cansados de tanto bater perna e pensamos em ir ao cinema, mas o Mirco tava morrendo de sono e queria ir dormir num banco de praça. Só que lá pro final do almoço desabou um toró horroroso, e achamos melhor voltar pro albergue. No caminho paramos pra ver a igreja de Saint-Germain-des-Près, a mais antiga de Paris, e bem do jeito que eu gosto: velhona por fora e pelada por dentro (foto acima). Tivemos que nos abrigar debaixo da marquise de uma banca de jornal pra esperar a chuva passar, depois pegamos o metrô e voltamos. Eu tomei meu banho e fui dar uma descansada com o pé pra cima; Mirco e Alessandro foram ao supermercado comprar cerveja e coisas pro jantar. O Miguel, aquele cardiologista argentino que tínhamos conhecido dois dias antes, tinha combinado de voltar do trabalho às nove da noite e de jantar com a gente, e foi pontualíssimo. Depois de comer ficamos batendo papo até tarde da noite. Foi muito agradável, ele é um cara muito educado e interessante, e o Alessandro também é gente boa. Pena que o Miguel vai embora amanhã.


Postado por leticia em 20:59

17.08.04

Ile de la Cité

Quando acordamos o vento uivava lá fora e o céu estava preto, preto. Meu pé doía muito, e por isso resolvemos começar o dia com um programa light: um passeio de ônibus de duas horas, passando pelos principais pontos turísticos de Paris.

E é hora de um aparte: olha, Paris é linda, é culta, é sofisticada, é linda e maravilhosa. O metrô cobre bem a cidade inteira, o tempo de espera é sempre mínimo, os mapas são bem claros e é impossível se perder. Mas PUTA QUE PARIU, UMA ESCADA ROLANTEZINHA DE VEZ EM QUANDO IA BEM, HEIN? De TODAS as estações onde saímos, entramos ou fizemos baldeação, só duas tinham escada rolante, e mesmo assim só até a metade do caminho. As que abrigam mais de uma linha, além das escadas, oferecem quilômetros e mais quilômetros de caminhada. Na boa: como é que faz o aleijado, o acidentado como eu, o velho, o mochileiro, a mulher com sapato desconfortável, o cego, a mãe com o carrinho do bebê, o exausto, o que fez compras, como é que esse povo faz pra se locomover? Numa cidade italiana eu até entendo, afinal a Itália é primeiro mundo e meio, mas pô, em Paris, a cidade mais visitada do mundo, famosa pela sua "vivibilidade", não tem o menor sentido. Sofri como uma condenada, manquei muito por todos aqueles corredores pra mudar de linha, penei com todas aquelas escadas. Mó bola fora. Esse desconforto e os altos preços foram as únicas coisas que odiamos em Paris, de verdade.

Mas então, descemos na estação de Pyramides e fomos direto à Cityrama, agência que organiza vários passeios de ônibus, inclusive pra fora de Paris, no esquema excursão pra velhinho, sabe – com almoço incluído e coisa e tal. Compramos nossos bilhetes e entramos logo no ônibus, que por sorte saía dali a dez minutos. Botei o headphone nas zoreia e fiquei escutando as explicações em italiano. Mirco dormiu durante a primeira hora do passeio, mas acordou quando passávamos em frente à Torre. Chovia horrores mas o passeio foi ótimo; é bem legal pra quem quer ter uma idéia básica da cidade, uma noção básica de orientação. Chato mesmo é o preço: € 24 por pessoa. Ui.

Quando termina o passeio, você pode descer perto do Opéra ou em frente à agência, onde você pegou o ônibus. Descemos no Opéra mas logo tivemos que voltar correndo porque o Mirco tinha deixado a máquina fotográfica dentro do ônibus, e a mulinha da agência me disse, no telefone, que não podia fazer nada porque só tinha ela e outra pessoa na agência àquela hora. Vejam bem: o ônibus estaciona EXATAMENTE em frente à loja. Bastaria a mulinha acenar pro motorista pra ele descer, atravessar a calçada e entrar na agência pra saber o que tava pegando. Mas não, Mustafá, eu fui mancando devagar e o Mirco correndo feito um doido varrido no meio da rua pra chegar ao ônibus antes dele sair de novo, só porque a mulinha não queria abanar os bracinhos pra chamar o motorista. Mas tudo bem, a chuva parou e fomos procurar um lugar pra almoçar.


Aqui começou o problema: eu até acredito que se coma muito bem em Paris, mas nós tivemos uma certa dificuldade. Nesse dia caímos numa armadilha pra turista porque começou a chover de novo e eu, de sandália porque não conseguia usar sapato fechado, tava tremendo de frio, com os pés molhados. Não tinha como escolher; entramos no primeiro restaurante que vimos, que obviamente era uma merda, e obviamente era caríssimo. O problema todo é que o Mirco, como todo italiano, é um porre pra comer. Eu como poucas coisas, mas as coisas das quais gosto eu como até quando são mal preparadas. O Mirco não. Fora que o italiano gosta de comida simples – carne grelhada, massa com pouco molho, nada de cremes mirabolantes. Ou seja, nada de comida francesa. Eu tive graves problemas com a maionese nessa viagem. Porque eu ODEIO maionese. Como acontece com o vinagre e com o chá, só o cheiro da maionese já é suficiente pra me dar ânsia de vômito. E TUDO em Paris tem maionese, até um reles sanduíche de presunto com queijo. Mas tudo bem, fingimos que comemos bem pagando pouco e aproveitamos que a chuva parou de novo e o tempo deu a impressão de que iria firmar pra ir finalmente à Ile de la Cité.

Começamos pela Sainte Chapelle, cujas fotos no guia pareciam lindíssimas. Uma fila imensa. Até aí tudo bem, turista nasceu pra camelar, mesmo sendo complicado pra mim – vocês já entenderam, o pé dói horrivelmente quando eu fico em pé parada. Mas quando vimos que cobravam ingresso, aaaah não, darlings, eu não dou um centavo a nenhuma instituição religiosa, nunca, jamé – digamos que vai contra a minha religião, hohoho ;) Então caminhamos até a Notre-Dame. Que é UM DESBUNDE. E quanto brasileiro! Reconheci vários sotaques, muitos mineiros e alguns paulistas, e uma horripilante família de sotaque nordestino com as roupas mais hediondas que vocês podem imaginar. Claro que não subimos pra ver as gárgulas porque, novamente, cobravam ingresso.


Comemos um crêpe (aliás, crêpe é feminino ou masculino? Não reparei. Mula.) de Nutella ali perto, comprei o básico chaveirinho da torre pra chave do scooter, e fomos à Conciergerie. Basicamente é o lugar onde os condenados à guilhotina esperavam a hora H. Maria Antonieta ficou hospedada lá por uns tempos, tadinha. Há coisas interessantes pra ver, mas não sei se valem os € 6,10 do ingresso. O melhor foi na hora de sair: no guestbook, no alto da página na qual assinamos, algum italiano tinha deixado escrito: "Ma quanto è cara Parigi?!"


A essa altura do campeonato eu já não me aguentava mais em pé, de verdade. O tornozelo inchado e vermelho, com dois sulcos feitos pelas tiras da sandália. Bem pimba mesmo. A chuva tinha parado de vez e resolvemos voltar pro albergue, até porque tínhamos combinado de ir jantar na Flabb e ainda queríamos passar no supermercado pra comprar um vinhozinho. Tomei banho, dormi um pouquinho, peguei nossa sacola de secos e molhados (que continha um quilo de penne Spigadoro, cuja fábrica fica aqui pertinho, em Bastia, e que pertence ao avô de uma ex-namorada do Mirco; duas abobrinhas da horta da Arianna; salmão em lata; uma garrafa de Chardonnay) e saímos. Pra chegar até a Flabb mudamos de linha duas vezes e obviamente nos perdemos quando saímos da estação final, tendo que ligar pra ela, mas chegamos. Flabb acenando da janela feito uma louca e nós dois na rua, eu mancando e o Mirco repetindo "que coisa estranha encontrar uma amiga que você não conhece. Que coisa estranha você TER uma amiga que não conhece."

Vou logo dizendo que o bairro onde ela mora é um docinho, o prédio é uma gracinha, adorei o interno azul do edifício, não gostei de ter que subir até o quarto andar de escada mas só porque estava manca, normalmente não tenho nada contra escadas. O apartamento dela é lindinho, arrumadinho, a cozinha é mínima mas espertamente aproveitada, esquecemos o macarrão no fogo enquanto batíamos papo na sala e tivemos que jogar fora (cof cof cof) e recomeçar porque o Mirco se recusa a comer massa scotta (cozida demais), ela desencavou um copo de requeijão Poços de Caldas light pra botar no macarrão, fofocamos muito, rimos, adorei a Flabb, com certeza a gente teria se conhecido de alguma maneira se tivéssemos ficado no Rio porque ela é exatamente o tipo de amiga que eu prefiro: esperta mas não cruel (de cruel já basta eu, né, por favor), boazinha mas não chata, engraçada, gosta de comer e ler, e a mãe dela tem cachorros lindos! Dei de presente pra ela um livro que eu tô querendo ler há séculos mas não tinha comprado na Itália porque não conseguia descobrir qual era a língua original. Agora já sei, é Francês, por isso vou ter que comprar a tradução mesmo. Em Português chama-se Queimada Viva e foi escrito por uma muçulmana que, claro, foi queimada pelos familiares porque fez alguma coisa que o Corão não aprovava – pediu o divórcio, acho. Vi a entrevista dessa mulher na TV há algum tempo e me interessei pela história. A Flabb me deu Autograph Man, o segundo livro da Zadie Smith (falarei dele mais tarde).

A sobremesa foi petit gateaux com um sorvete de baunilha que era uma coisa de louco. Infelizmente o vinho deixou o Mirco com sono, e eu também estava exausta e com o pé gigantesco de tão inchado, e e achamos melhor picar a mula. Fomos de táxi porque realmente não dava, crianças. Foi deitar a cabeça no travesseiro e chapar.

Ah, não tem foto do encontro porque eu sou a pessoa menos fotogênica do mundo e saí horripilante.


p.s.: Fotos feitas dentro de Notre-Dame. Reparem na última linha do cartaz que pede exorbitantes dois euros por cada velinha (detalhe que UM QUILO dessas velas, na IKEA, custa pouco mais de um euro, se não me engano): Foreign money accepted. Depois neguinho acha que eu sou radical quando digo que a Igreja Católica é simplesmente uma multinacional muito, mas muito bem sucedida. Que nojo, nojo, nojo, nojo.


Postado por leticia em 19:24

16.08.04

Marais, Beauburg, Les Halles, Montmartre

Acordamos às 8:30 e descemos pra tomar café. Chafé, suco de laranja com gosto de plástico, chocolate quente delicioso, leite quente; pãezinhos com manteiga ou geléia. Nós trouxemos presunto e queijo de casa, principalmente porque as embalagens já estavam abertas e se deixássemos na geladeira a semana inteira, estragar-se-iam (linda mesóclise). Fomos de metrô até o Museu Picasso. Descobri que meu pé dói mais se eu ficar parada em pé, por isso tenho que ficar caminhando o tempo todo, ou então sentadinha com o pé pra cima. Quando gostava muito de um quadro tinha que ficar passeando pra lá e pra cá em frente a ele, pra poder admirar direito. Adorei, apesar de odiar arte extremamente abstrata. Dali demos um pulo até a Place des Vosges, pra decidir aonde ir. Fomos andando até o Beaubourg, demos uma volta no Centre Pompidou, depois no Les Halles e acabamos almoçando perto do Pompidou, num restaurantezinho charmoso, com um cartaz da Bebel Gilberto na porta do banheiro. Comemos bons ravioli de ricota com molho de dois queijos, e Mirco ainda encarou um entrecôte com salada e batata frita.


Dali pegamos o metrô até Montmartre. Conselho de amiga: não pegue o teleférico pra subir até a igreja. Não precisa, e pelo preço do bilhete, € 1,60, fica menos necessário ainda. A igreja, que obviamente é a Sacré-Coeur, é um desbunde de linda. Havia uma estranha mancha vermelha, enorme, na torre direita, que não descobrimos o que era. A vista lá de cima é bonita, e não dá pra deixar de comparar com a vista que se tem de Roma lá do alto daquele diabo de Bolo de Noiva na Piazza Venezia. Paris é clara, Roma é toda em tons de terra (eu particularmente gosto mais da vista de Roma).


A torre só dá pra ver descendo a escadaria e virando à direita, na direção do centro do bairro. A praça é cheia de artistas sujinhos que fazem caricaturas e retratos, alguns cafonas, outros lindíssimos. Mil lojinhas de crepe e de kebab espalhadas por todo o lugar. Paramos pra comer um crepe com Nutella, que ninguém é de ferro, e depois voltamos pro albergue, porque meu pé tava inchado, vermelho e dolorido, bem pimba mesmo. No nosso quarto, um casal de chilenos e um de americanos, todos recém-chegados. Todos na fila do banho. A americana, imensa de gorda, levou horas pra tomar banho. Depois foi o Mirco, que assim que acabou desceu pra preparar o jantar, e depois fui eu.


O que será que leva alguém a construir um banheiro com as seguintes características:

1. Chuveiro daqueles odiosos que você aperta o botão, a água cai por alguns segundos, e depois pára, e você tem que apertar de novo.
2. Pia microscópica com torneira de jato tão forte que depois de escovar os dentes você sai do banheiro parecendo que se mijou nas calças, de tanta água que espirrou na sua cintura e nos seus países baixos.
3. NENHUM gancho ou prateleira pra apoiar shampoo, sabonete, roupas secas, toalhas, nada.

Quando finalmente consegui terminar o banho, com o pé direito apoiado na pia e fazendo acrobacias pra me lavar sem molhar as feridas (e as roupas e a toalha, que eu acabei botando em cima da única cadeira do quarto, devidamente transferida pra dentro do banheiro), eu já tava morrendo de fome. Desci e felizmente o Mirco estava dando o toque final ao macarrão com molho de tomate e ervilha. Enquanto o macarrão cozinhava, fizemos amizade com o Alessandro, italiano de Monza que tava comendo uma lasanha congelada requentada no microondas, comprada no supermercado perto da estação de metrô ali da zona (Hoche). Claro que ele aceitou sem pestanejar a oferta de um segundo round de jantar preparado comme il faut. Uma coreana que já tinha comido dois potinhos de uma coisa muito, muito nojenta com consistência de paté e cor de uma coisa que eu não vou dizer o que é, rodava pra lá e pra cá, morrendo de curiosidade sobre o que o Mirco tinha na panela. Acabou sendo convidada pra jantar também, e ficou emocionadíssima por saber que todos os ingredientes tinham sido trazidos diretamente da Itália e eram genuinamente italianos! Ela já tinha visitado a Inglaterra, a Alemanha (ela também odiou Berlim, esqueci de perguntar se o diploma dela era comprado) e agora estava na França, mas no ano que vem tinha planos de fazer a Europa Meridional – Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Meio biruta a menina, tagarela até não poder mais, e apaixonada por um cara que ela conheceu na Inglaterra. Depois do jantar fomos todos ver TV e jogar conversa fora. Conhecemos um argentino que mora na Itália há alguns anos, o Miguel, que é cardiologista e estava em Paris a trabalho – antes que alguém pergunte o que um cardiologista estava fazendo num molambento Albergue da Juventude, eu digo logo que se eu tivesse SEIS filhos também passaria o tempo todo tentando economizar cada centavo, inclusive dormindo em albergues molambentos. A coreana biruta continuava falando sem parar, mais ainda depois de tomar umas cervejas que o Mirco e o Alessandro foram comprar no boteco turco ali do lado, e acabou me emprestando um cartão telefônico pra eu ligar pra Flabb e tentar entender onde ela mora. Achei a voz dela idêntica à de uma amiga da minha mãe chamada Baixinha.

Ali na sala de TV também conheci um geólogo brasiliense que mora no Rio e é muito gente boa, uma paulistana boba que está só há três semanas em Paris aprendendo Francês mas já quer voltar pra casa (e isso porque ela é comissária de bordo e não fala uma palavra de Inglês), e uma oxigenada horrorosa de Fortaleza que está há três meses na França "só na putaria", palavras dela, e acha que consegue transformar um não-visto de turismo em um visto de estudo na Sorbonne. Faz-me rir. Depois que essas duas mongas foram dormir eu fiquei batendo papo com o geólogo, cujo nome nem perguntei, por mais algumas horas. Até que deu uma canseira generalizada na galera e todo mundo foi dormir.


Postado por leticia em 22:21

15.08.04

Chegando em Paris

Acordei sozinha às cinco da manhã. Fiquei vendo reprises das Olimpíadas até umas sete, quando consegui pegar no sono outra vez, mas fui acordada às oito com um telefonema: alguém procurando, como sempre, o Doutor Eros, veterinário que um dia já foi o dono do nosso número de telefone. Mirco acabou acordando também e cismou de ir tomar café na rua, coisa que nunca fazemos. Como quase tudo tava fechado, porque em Ferragosto o país inteiro pára, fomos parar lá em Santa Maria, na pasticceria Marinella. Comemos nossos croissants com presunto e queijo, tomamos nossos sucos de fruta, papeamos rapidamente com a Piera, sogra da FeRnanda, que encontramos por lá, e resolvemos dar uma volta na Basílica de S. Maria, porque lá dentro tem um roseiral que eu nem sabia que existia e o Mirco queria me mostrar. Não é nada de extraordinário, são rosas de alguma espécie sem espinho que provavelmente neguinho acha que é milagrosa exatamente por esse motivo. Fiquei impressionada com o tamanho da igreja. Eu só tinha visto a parte interna, normal, onde tem a Porziuncola e onde se celebram as missas, mas claro que nunca fiquei passeando lá pelas entranhas. O negócio é imenso, os corredores são largos, os blocos de pedra são gigantescos – e as portas são todas fechadas, obviamente. Hohoho.

Voltamos pra casa pra fazer as malas, fechar janelas, tirar tudo da tomada, essas coisas chatas pré-viagem. Voltamos a S. Maria, passamos na nossa padaria preferida pra comprar pão e fomos almoçar na Liliana, tia do Mirco. Massa curta com molho de bichos diversos (porco, carneiro e ganso), depois ganso assado com batatas ao forno, que eu dispensei porque tinham muita semente de funcho, que eu odeio com todas as minhas forças. Lá pras duas e quinze partimos. Fui dirigindo porque o Mirco tava morrendo de sono e veio roncando ao meu lado no carro, enquanto o CD player tocava os CDs de música anos 70 que eu gravei pro casamento da Renata.

Ciampino é um aeroporto ótimo. Pequeno, tranquilo, estacionamento idem e idem (mas custa a mesma fortuna que o Fiumicino). Nada de longas distâncias empurrando carrinhos, nada de saídas erradas e placas confusas. Fizemos logo o check-in e ficamos sentados vendo o povo passar.

Uma fila enorme de gente indo a Ibiza. Todos no estilo "fighettone", óculos escuros da moda (ALGUÉM UM DIA VAI TER QUE ME EXPLICAR POR QUE NEGUINHO ACHA SUUUPERFASHION USAR ÓCULOS ESCUROS EM LUGARES FECHADOS), Havaianas com bandeirinha e tudo, calças Capri ou jeans e sandália ou tênis, algumas garotas de cabelo muito obviamente alisado, muita maquiagem, garotões tatuados e artificialmente bronzeados, porque afinal de contas é feio chegar branquelo na praia. Uma louca de saia jeans rasgada, camiseta preta e BOTAS COWBOY. Please. Na fila pro vôo pra Dortmund, um monte de turistas mal vestidos. Muitos policias rodando pelo aeroporto. As meninas sentadas ao nosso lado reclamavam que o vôo pra Ibiza estava atrasado em 4 horas. Crianças louras, inglesas e eslavas, faziam a maior bagunça, correndo ou desenhando com canetinhas coloridas. No banco em frente ao nosso, a Cenoura Celeste, uma ruiva alta e gorda vestida toda de um vaporoso tecido azul-céu. Mais à frente, a Família dos Japoneses Bizarros: a mulher imensa de gorda, com cara de suja e super mal vestida, todas coisas difíceis de ver no caso dos japoneses em geral; o marido macérrimo, de boné, com uma pequena mochila nas costas à qual estavam pendurados 5 chapéus daqueles que os japas adoram, uma caneca de metal e um rolo de fita adesiva transparente. O filho pequeno horroroso, coisa também estranha, porque filhotes de japoneses costumam ser foférrimos. Muitos italianos falando alto, alguns negros bem vestidos, muitos eslavos. Muita confusão.

O vôo saiu vinte minutos antes da hora. Descemos em Beauvais, que fica assim mais ou menos no fim do mundo. É nessas que a RyanAir te phode: a passagem pode até custar uma titica, mas com certeza você vai descer num aeroporto que fica lá no cu do Judas e vai morrer numa graninha de buzum até o centro. Não deu outra: € 10/cabeça pra ir ao centro em um ônibus caindo aos pedaços, apertado, entupido de gente, fedorento, dirigido por um negão educadíssimo que no entanto demonstrava uma certa relutância em pisar direito no acelerador e foi se arrastando até o ponto final, em Porte Maillot.

Deveria ser relativamente simples: pegar o metrô em Porte Maillot, mudar de linha duas vezes e chegar até o Albergue da Juventude de Cité des Sciences. Foi simples, jacaré? Claro que não. As máquinas automáticas de bilhetes estavam quebradas, e àquela hora não havia mais ninguém trabalhando na estação. Voltamos todos pra rua, eu, Mirco e mais um monte de mochileiros irritados e sem saber o que fazer. Passou um ônibus amarelo com um M imenso igual ao M da estação do metrô; subimos sem nem nos perguntarmos pra onde ia, deduzindo que, como a estação de metrô era impraticável, o ônibus nos levaria até a próxima estação. Ledo engano. Ia pro camping, totalmente nada a ver. O motorista foi bonzinho e na volta ao centro parou no meio da rua pra chamar um motorista de táxi que ele conhecia, e explicou aonde queríamos ir. Já era meia-noite e meia e meu pé latejava horrivelmente, pra não falar na incrível necessidade de tomar banho. Vocês acham que o motorista sabia onde tinha que ir? Nãaao, seria simples demais. A bosta do albergue fica lá no fim do mundo, fora do centro, num bairro super baixo-nível, e o motorista nunca tinha passado por lá. Conseguimos chegar mais ou menos perto do albergue, com a ajuda de muitos mapas e do sistema de localização satelitária do carro, mas as ruas nas quais deveríamos virar estavam fechadas pra obras. Levamos séculos pra chegar ao albergue, eu nem sabia mais onde estava de tanta dor no pé. Mas conseguimos nos ajeitar no único beliche livre dos três que ocupam o quarto 304, tomar banho no chuveiro completamente nonsense que só alguém que toma banho uma vez na vida e outra na morte é capaz de projetar, e fui dormir. Mirco ainda arranjou forças pra descer à cozinha pra fazer um sanduíche de atum (a gente sempre viaja com comida na mala). Eu, que sucumbo facilmente à gula mas não à fome, dormi de estômago vazio mesmo. No meio da noite caiu um temporal desgraçado. Alguém levantou pra fechar a janela e evitar uma inundação, mas não sei quem foi.

Postado por leticia em 20:20

rumo a Parrí

Muito obrigada a todo mundo que me escreveu desejando melhoras. Não vou responder um por um, pelo menos não agora. Também não vai ter cartão-postal pra ninguém, porque eu não tenho UM TOSTÃO FURADO pra gastar. Vamos almoçar na Arianna e zarpar pra Roma. Nosso vôo sai de Ciampino às sete da noite. Volto sábado que vem, com relatos e fotos, como sempre.

Ciao!

Postado por leticia em 10:20

14.08.04

jogos

Eu sempre adorei Olimpíadas. Não porque sou suuuuper fã de esportes ou suuuuuper nacionalista – muito pelo contrário, em ambos os casos. Não sou uma pessoa competitiva e fico sempre contente por quem ganhou e, ao mesmo tempo, triste por quem perdeu (mesmo que quem tenha perdido tenham sido os argentinos ;) Gosto dos Jogos Olímpicos pela estética. Começa pela logomarca. A da Grécia esse ano eu achei tão bonitinha! Simples, clean, clássica. Gosto da abertura, mas ontem eu não vi porque saímos pra jantar em Sant’Egidio com FeRnanda, Fabião e os pais da FeRnanda e voltamos tarde. Gosto de ver caras tão diferentes, gosto de ler nomes tão estranhos, países dos quais normalmente não ouvimos falar, bandeiras desconhecidas. Gosto de ver os corpos modelados, os movimentos fluidos, as cores dos uniformes, as expressões nos rostos.

É a primeira vez que vejo os Jogos de um outro país. É muito estranho, primeiro porque quase não se falou das Olimpíadas aqui. Eu nem sabia direito quando começava, e não sei quando termina. E olha que os italianos participam de zilhões de esportes dos quais nunca ouvimos falar ou pelo menos não nos interessamos. E esse é o segundo motivo da estranheza: além das clássicas competições às quais todo mundo assiste, como as de atletismo, futebol e ginástica olímpica, aqui também mostram outras coisas "estranhas" nas quais a Itália tem atletas participando: esgrima (que eu acho lindo. Há uma atleta "azzurra" que é aaaaaaa fodona); carabina, cuja final feminina em ar comprimido eu acabei de ver, enquanto passava roupa sentada, e não entendi NADA, só sei que foi a primeira medalha dos Jogos e a de ouro foi pra uma chinesa; remo, que eu gosto à beça de ver, até porque fiz alguns meses de remo ali no Botafogo, na curva do Calombo, na Lagoa, e adorava, apesar de ter quase levado umas peixadas assassinas mais de uma vez; entre outras coisas.

Também mostram muito a natação, que pra mim é o mais lindo de se ver. Adoro ginástica olímpica, acho lindo, mas as meninas são deformadinhas, admitamos. Os nadadores são divinos, altos, lisos, corpos perfeitos. Os italianos são lindos e sempre com algum tchan ridículo: cabelos descolorados, cavanhaques bobos, penteados absurdos moldados com muitos quilos de gel, ali mesmo à beira da piscina. As meninas também são interessantes, fora as de borboleta, que têm ombros assustadores. Os uniformes são fabulosos. As tomadas dos movimentos dentro d'água quase fazem chorar de tão belas.

Pra não falar na vontade de pular numa piscina fresquinha, em vez de ficar passando roupa nesse calor que tá rolando hoje.

Postado por leticia em 10:40

13.08.04

o tombo

Quarta-feira de manhã cedo fui dar minha corrida habitual de meia hora, tomei meu banhinho, troquei de roupa e sentei no sofá pra ver Everybody Loves Raymond, que acaba mais ou menos às nove e dez. Quando terminou, enfiei os pés nos sapatos e saí. A programação era: Assis, ao albergue da juventude pra fazer a carteirinha, porque vamos dormir em albergue em Paris, depois passaria na casa da Arianna pra mostrar a ela o novo scooter e pra dar de presente ao Leguinho uma bolinha tabajara que encontramos no chão do estacionamento da festa de Colcaprile, em Santa Maria, onde jantamos na terça, e por fim o correio de Bastia, pra pegar o pacote que minha mãe mandou e chegou na terça, mas como eu não estava em casa o carteiro deixou um recibo dos correios com o qual eu deveria ir à agência no dia seguinte e retirar o pacote.

Minha primeira memória depois da minha partida foi: eu no chão, toda ralada, ainda de capacete, chorando de ódio por ter levado um tombo tão idiota. Eu dizendo a alguém que eu tinha me assustado com o carro dele, que foi muito à frente no cruzamento, e eu achei que ele fosse passar direto, sem parar, e me atropelar. Por isso meti a mão no freio e caí, feito um saco de batatas. Lembro que o carro era uma SUV Mercedes preta e que o motorista era homem. Não lembro do rosto de nenhuma das muitas pessoas que me socorreram. Lembro que me perguntaram de onde eu era, lembro de ter pensado “eu devo estar falando em Português, por isso estão perguntando de onde eu sou” e de ter respondido “abito a Cipresso”, lembro de alguém perguntando se eu conseguia mover o ombro e eu respondi que sim.

Minha próxima memória sou eu na garagem do meu prédio, estacionando o scooter e dando bom dia a um vizinho que saía com o seu próprio scooter.

Subi, lavei a perna ralada com o chuveirinho na banheira, sentei no sofá e fiquei pensando, tentando descobrir por que é que eu tinha saído de casa. Finalmente desisti e resolvi abrir a bolsa pra ver se descolava uma pista. Vi o recibo dos correios e lembrei. Desci de novo, peguei o carro e fui aos correios, ao albergue em Assis e à casa da Arianna, que estava no quintal podando a cerca-viva e quis me levar ao hospital. Falei que estava bem e voltei pra casa. Liguei pro Mirco, que ficou furioso por eu não ter telefonado antes pra ele, e me perguntou onde tinha acontecido. Eu não lembrava (e ainda não lembro). Como foi? Contei que me assustei com o carro e coisa e tal, mas não sabia de onde o carro estava vindo. Ele me ordenou de ir ao hospital com a Arianna. Ligou a Arianna dizendo que estava saindo de casa, eu disse pra ela sossegar o facho que já era quase hora do almoço, iríamos à tarde. Mirco chegou, almoçamos, ele brigou com a Arianna no telefone e me levou ao hospital – ele ODEIA hospital, doença, ferida; fica nervoso e com vontade de vomitar e desmaiar.

Perugia tem dois hospitais: o Monteluce, que fica no centro e tem consequentemente um acesso infernal, e é onde vamos doar sangue, e o Silvestrini, que fica fora da cidade, na zona industrial, e é super bem equipado e moderno. Em algum momento no futuro vão juntar os dois hospitais na estrutura do Silvestrini, que está sendo ampliada. Fomos ao Silvestrini. Duas da tarde, ninguém na fila de espera. Fui atendida por um médico ruivo muito antipático que depois de apalpar minha perna inteira e me fazer morrer de dor, me mandou à Radiologia. Fiz radiografias do tornozelo direito, muito machucado, e da mão esquerda, que doía muito na parte carnosa logo abaixo do polegar. Nenhuma fratura. O médico mandou um enfermeiro botar uma tala no meu polegar. Achei meio estranho, porque a dor era muscular e não articular e por isso a imobilizaçao não tinha sentido, mas fiquei quieta. Ele perguntou se eu lembrava onde tinha sido o acidente, como tinha sido e coisa e tal, respondi que não. Não tinha nenhum sintoma de traumatismo craniano: nem tontura, nem vômitos, nem escotomas luminosos (leia-se luzinhas coloridas que dançam na sua frente), nem confusão mental, só essa amnésia relativa ao acidente. Ele resolveu me internar e nos mandou a uma sala de espera, pra aguardar a ambulância. Era uma espécie de depósito de macas. Mirco começou a ficar nervoso e o mandei embora, e ele foi, muito aliviado. Logo depois chegou um outro paciente, um rapaz novinho, bonitinho mas algo afeminado, braço direito todo tatuado, de camiseta regata, bermuda e chinelo, coisa que achei muito estranha, porque italiano nenhum do mundo desfila por aí nesse nível de molambice. No braço esquerdo, um algodãozinho estancando um buraquinho de injeção. Entrou um enfermeiro e o rapaz perguntou se podia dirigir; o enfermeiro disse que não, porque a medicaçao dá um pouco de sonolência. Pensei logo: tomou anti-histamínico. Perguntei se era crise alérgica, ele respondeu que foi uma picada de abelha e que uma vez ele quase morreu de choque anafilático pelo mesmo motivo, por isso agora ficou esperto e basta uma picadinha de nada pra ele correr pro hospital. Estava na piscina e a abelha, moribunda, estava numa dobra da toalha. Sentou em cima e o ferrão entrou. Ah, pensei, tá explicada a molambice. Ele perguntou o que tinha me acontecido, contei rapidamente, ele contou um acidente de moto que teve há anos e que o fez vender a moto, perguntou se eu estava correndo quando caí, falei que não, começamos a falar de acidentes e contei a história do Mario, que trabalhou comigo no escritório do Chefe Idiota e uma vez, depois de uma batida aparentemente boba, teve que ser operado às pressas de uma fratura de cervical que por um milímetro não o deixou aleijado, e ainda por cima passou 3 meses com imobilizador externo na cabeça. Contei que ele passou tanto tempo em casa mofando que assistia a toda a horripilante programação televisiva da tarde, inclusive o Al Posto Tuo, uma coisa hedionda estilo Jerry Springer que todo mundo sabe que é armado mas assiste mesmo assim.

Pronto! Lá vem ele dizer que foi convidado pra fazer um dos episódios, que é tudo armado mesmo, mas que não tem um roteiro fixo; eles só te dão uma idéia do papel que você tem que representar. Contou que foi uma atriz de Carabinieri que deu a dica, contou como a conheceu, contou fofocas do elenco da série (que eu adoro), contou quem cheira cocaína e quem não cheira, quem é piranha/viado e quem não é, falou sem parar até que o enfermeiro voltou pra me chamar, pois a ambulância tinha chegado. Me despedi e fui mancando atrás do enfermeiro.

Subi na ambulância, onde já estava, numa maca, um gordo muito simpático que tinha se envolvido num acidente de 4 carros e quebrado o úmero em 8 pedaços e o fêmur em 3. Todo enfaixado, volta e meia ele fazia uma careta de dor. Com a gente, lá atrás, uma enfermeira simpática e brincalhona; ao lado do motorista, uma amiga do gordo. Partimos pro Monteluce. O percurso é horrível, cheio de sinais de trânsito e com asfalto esburacado, e a cada sacolejada o gordo gemia e chamava o motorista: O’ Marioooooooo! Va’ piano, cazzo! A enfermeira ria, a amiga dele ria, eu ria também. O gordo sacaneava a enfermeira, que depois descobriram que era amiga da família, a enfermeira sacaneava o motorista, o motorista sacaneava o gordo, e eu ria, ria, ria.

Chegamos ao Monteluce e descarregaram o gordo. Depois foi a minha vez: fui direto à entrada do PS, onde felizmente não havia ninguém esperando. Com as radiografias e o pedido de internação na mão, fui mandada direto pra Astenteria, que é uma enfermaria provisória dentro do PS onde ficam internados os pacientes à espera de novos exames ou de novos sintomas. Meu quarto tinha três camas, uma desocupada e outra ocupada por uma cinqüentona loura muito tagarela que me disse estar lá desde sábado, pelo mesmo motivo que eu: tinha caído no chão dentro de casa, batido a cabeça, e não lembrava de nada. Chegou um médico manco muito antipático e me mandou fazer uma tomografia. A essa altura meu calcanhar direito já estava muito inchado e eu não conseguia caminhar. Um enfermeiro veio me pegar de cadeira de rodas e lá fui eu de ambulância pra um outro setor do hospital pra fazer a bendita tomo. O enfermeiro-motorista era um grisalho gatíssimo e muito simpático que fez mil perguntas sobre a minha vida e mil piadas sobre a vida dele. A enfermeira que ficava lá atrás comigo era meio mulher-macho e muito séria e depois que o grisalho me descarregou ela me largou no meio de um corredor, meio que virada pra parede. O grisalho chegou e perguntou se ela tinha me deixado daquele jeito sem nenhuma explicação; respondi que sim e ele comentou que “há enfermeiros e enfermeiros”. O radiologista me chamou, era um moreno alto e corpulento todo sorridente. Deitei na máquina e fiquei lá ouvindo aquele vruuuum, vruuuum, vruuuuuuum, quietinha, quase dormindo. O exame acabou e o radiologista veio dizer que “nella cabeza non hai niente”. O grisalho gatíssimo me empurrou pra ambulância de novo e voltamos à Astenteria. Mais tarde o Mirco chegou com a tralha: talheres (os do hospital são de plástico), água mineral, suco de laranja, tijolinhos de suco de banana com maçã, barrinhas de Muesli, xícara, copo, guardanapo, adoçante, pijama, necessaire, toalha, livros. Minha vizinha de leito recebeu a visita dos dois filhos e saiu pra tomar um café no bar com eles. Mirco disse que refez o trajeto que eu fiz naquela manhã mas não viu nenhuma marca de borracha queimada no chão. Ficamos batendo papo um tempo e ele foi embora. Eu descobri que a TV funciona a moedas. Cada moeda de 50 centavos dá direito a uma hora e meia de TV. Enfiei uma moedinha e fiquei vendo telejornal e documentários. Minha vizinha loura voltou do passeio e logo depois chegou o jantar: sopinha de macarrão estrelinha (sem sal), depois peito de peru grelhado com jardineira de batata, ervilha e cenoura. Batemos um pouco de papo, viramos pro lado e dormimos.

Dormi muito mal. Minhas pernas são tortas, sou completamente dez pras duas, e quando durmo elas também continuam tortas, obviamente. Como eu me ralei na lateral da perna direita, cada vez que relaxava as pernas elas giravam lentamente pra fora e pronto, os ralados encostavam no lençol e eu sentia dor. O tornozelo também latejava. Acho que tive febre, ou então sonhei que tive. Sei que acordei muito cansada. Comi uma barrinha de muesli e tomei um tijolinho de suco e logo depois passou o enfermeiro com o café da manhã: leite quente, café com leite ou chá. Não gosto de nada disso e dispensei. Depois veio a Claudia, enfermeira gordinha de olhos doces que veio tirar sangue e me pediu uma amostra de urina. Minha vizinha de leito tinha ido tomar café no bar e quando voltou a Claudia tirou sangue dela também. Troquei de roupa, lavei o rosto (não tinha chuveiro no nosso banheiro) e logo depois voltou o enfermeiro do café, um napolitano engraçado que veio me chamar pra fazer um ECG e um eletroencefalograma. A Claudia fez o ECG ali mesmo no PS, e depois o napolitano me levou de cadeira de rodas até um outro prédio pra fazer o EEG. Esse quem fez foi uma médica ou técnica, não sei, meio masculina, muito atenciosa. O exame é bobo, bobo: ela bota aqueles trequinhos no couro cabeludo, presos àquela rede de borracha, depois fica lá da outra sala falando fecha os olhos, abre os olhos, uma respiraçao profunda, pronto, tá ótimo. Meia hora disso e eu quase dormi. Ela ligou pro PS e o napolitano veio me buscar.

Voltei pro quarto e minha vizinha não estava. Tinha ido fazer um Doppler das carótidas no Silvestrini. Abri meu Roald Dahl mas depois de dois contos já tava caindo de sono e dormi. Acordei com duas meninas entrando no quarto, acompanhadas de uma enfermeira loura. Uma era de Hong Kong e a outra da Tunísia. Ambas estudavam na Università per Stranieri em Perugia. A de Hong Kong tinha úlcera gástrica e depois de ter vomitado sangue no meio da aula perdeu a consciência. A enfermeira loura botou a menina no soro e sumiu. Chegou meu almoço: sopa de arroz com molho de tomate e ervilha, depois bife com espinafre no alho (tudo completamente sem sal, mas encarei assim mesmo) e uma maçã. Transferiram a menina pra Gastro e fiquei sozinha de novo. Chegaram o marido e a cunhada da minha vizinha, que aparentemente já estavam esperando há séculos, mas desistiram e foram embora, deixando recado comigo. Lá pra uma da tarde voltou a minha vizinha, traçou o almoço frio, eu disse que tinham vindo visitá-la. Ela ligou pra cunhada, depois virou pro lado e dormiu. Mais tarde entraram duas lourinhas falando Inglês. Uma era inglesa mesmo, a outra, muito bonita mas baixinha demais, tinha um sotaque estranho e era muito antipática. Também estudavam em Perugia. A inglesa estava com dor de barriga há dias, teve diarréia mas não sabia dizer se tinha tido febre também. Será apendicite, pensei. Chegou um médico feio e antipático e disse que os exames de sangue preliminares mostravam leucocitose. Provavelmente era apendicite, mas ainda em estágio inicial. Dava pra ela ir pra casa pegar umas coisas, se quisesse, e voltar depois ao hospital pra aguardar o momento da cirurgia. A coitada da garota começou a chorar, não entendia direito o que acontecia, eu traduzia e a coisa só ia piorando, eu me sentindo mal por ela, a vizinha loura perguntando se a garota não falava Italiano, uma confusão danada. No final ela foi pra casa pegar suas coisas e depois iria diretamente à Gastro. Tadinha, se despediu com as lágrimas escorrendo.

Mirco ligou dizendo que tinha feito o trajeto outra vez de manhã, parando pra perguntar se alguém tinha visto o acidente. Acabou descobrindo onde foi: na saída Bastia-Torgiano da SS 75, direção Foligno – Perugia. Disse que os operários do prédio em construção bem em frente, as velhinhas da casa ao lado desse prédio e o motorista do carro pararam pra me socorrer, mas eu, que sou chata e teimosa até quando estou em estado confusional, recusei terminantemente qualquer tipo de ajuda, do copo d’água à ambulância, e cismei de voltar pra casa sozinha. Anta.

Mudou o turno dos enfermeiros. Entrou um magrelo, de pálpebras caídas, cheio de colares e pulseiras rastafari. Minha vizinha loura já o conhecia. Ele foi ler meu prontuário e voltou mais tarde, quando a vizinha tinha ido dar umas voltas com o irmão, todo animado porque eu era brasileira. Ele trabalha pra uma ONG que atua na África, em Moçambique e em Angola. Começou a contar todas as suas aventuras em Maputo e em Luanda, a descrever as cidades, eu já não entendia mais de qual delas ele estava falando. Contou o episódio do roubo do carro, dos porteiros dos prédios que andam armados, dos guardas corruptos, da comida, do mercado na rua. Depois perguntou se eu não faria uma tradução pra ele. Toda vez que algum amigo ia a Luanda ele mandava uma graninha às freiras que ajudavam nessa ONG dele e dessa vez queria mandar um cartão escrito em Português. Eu fiquei lendo e mais tarde ele voltou com a mensagem pra eu traduzir. Me mostrou também uma foto das crianças e das freiras, e me deu um jornalzinho anti-Berlusconi. Voltei pro meu livro e comecei a ficar inquieta. Mais tarde o médico feio e antipático voltou com nossos prontuários e dispensou a loura e depois a mim. Liguei pra Arianna, que uma hora depois veio me buscar com a Stefania. Assim que cheguei em casa tomei um banho tabajara de chuveirinho na banheira do banheiro grande, botei água no fogo pro macarrão, sentei no sofá com o pé pra cima e fiquei vendo TV. Mirco chegou, jantamos macarrão com gorgonzola, ficamos vendo TV e depois chapamos.

Dormi melhor essa noite, mas o tornozelo ainda dói e ainda está inchado (na verdade dói porque está inchado). De manhã dirigi até Perugia pra pegar umas tintas no fornecedor do Mirco, mas depois do almoço não saí mais de casa. Não tenho força no pé pra pisar no freio de repente, se necessário, nem força no braço direito pra engatar a ré, por causa da dor no ombro.

Resumindo as consequências diretas da compra do scooter:

1 – Mirco aprendeu a falar “capacêtchi pratchiado”
2 – Estou com a marca da sandália de dedo nos pés, depois de só 15 minutos de scooter na terça-feira, debaixo do sol das 5 da tarde
3 – Meu trapézio dói, meu ombro direito dói e está ralado, minha mão direita não tem força porque o ombro dói, tenho dois hematomas na lateral da coxa direita, uma escoriação horrível por todo o comprimento da batata da perna direita, um ralado HORRÍVEL no maléolo lateral direito, outro horrível no peito do pé direito, tornozelo inchado com movimentação reduzida, e um capacete levemente arranhado no lado direito. E amnésia relativa ao acidente.

Hoje vamos jantar na Sagra della Torta al Testo em S. Egidio, não muito longe da casa da FeRnanda. Os pais dela ainda estão aqui e já foram comer na festa do javali de Petrignano e adoraram a caipirice.

Postado por leticia em 19:01

12.08.04

Acabo de voltar do hospital. Nada grave, estou bem, mas dormi la de anteontem pra hoje e estou de saco cheio demais pra escrever. Mas aguardem, porque tanto o acidente (cai do scooter, logico) quanto a internaçao foram, digamos, bizarros.

Postado por leticia em 19:52

09.08.04

voltou (a vontade de escrever)

O scooter.

Sábado Mirco interrompeu minha conversa com a Hunka no MSN mandando eu descer que iríamos juntos até a oficina, eu pegaria o scooter e voltaria pra casa já devidamente motorizada. Fui, né.

Meu Zip é realmente uma gracinha, como vocês podem ver na foto abaixo. O problema é que eu não tenho a menor intimidade com ele ainda e morro de vergonha de parecer uma retardada montada numa máquina que tem vontade própria. Claro que ninguém nem olha pra mim na rua; há zilhões de outros scooters pela cidade, das mais variadas idades e dos mais diversos estados de conservação. Muitos são pilotados por velhinhas de saia comprida, meia-calça cor da pele e salto. Muitos outros por extra-comunitários. Mais outros ainda por adolescentes de blusinha de alça e mini-saia, ou de óculos escuros estilo vespão, camiseta mamãe-sou-forte e calça jeans D&G. Ninguém olha pra mim no meu Zip, mas eu me sinto breguérrima.

O capacete é de ótima qualidade e protege o queixo também, coisa pouco comum pra quem anda de scooter. Só que 1) amarfanha a minha juba, 2) espreme as orelhas, de modo que não posso usar brinco quando piloto, 3) quando dá coceira no nariz tenho que encostar, abrir o visor e coçar, 4) faz um calor desgraçado lá dentro, e 5) eu fico A CARA do Ultraman. Só falta o uniforme colante com o zíper aparecendo nas costas.

Desnecessário dizer que quem pedir foto minha de Ultraman montada no Ultrascooter vai levar porrada, já vou logo avisando.

Ainda não aprendi direito a regular o acelerador. Dou cada arrancada monstruosa e às vezes tenho que tocar o pé no chão pra me equilibrar. Não consigo desacelerar devagarinho. Tenho que lembrar de usar o freio da mão esquerda, que é o freio de trás, pra não sair voando à frente do scooter se usar o da direita, da roda anterior. Se relaxar a mão direita do acelerador, o scooter perde velocidade, obviamente.

O mecânico que deu uma ajeitada no scooter botou um barulho piiiii piiiiiiii piiiiiiii quando eu ligo a seta, senão correria o risco de deixá-la acesa eternamente, já que não fica à mão, como num carro, nem desliga automaticamente depois da curva. Só que o barulho é muito alto, e igual ao que fazem os ônibus quando a marcha a ré está engatada, e quando paro no sinal com a seta ligada o pessoal dos carros em torno fica procurando a fonte do barulho. Nessas horas eu acho ótimo estar de Ultraman, irreconhecível.

A coisa mais estranha é que você fica se achando aaaaaa poderosa, como qualquer ciclista que pode passar com a magrela entre os carros e se enfiar em qualquer buraco e fazer qualquer manobra bizarra, bastando apoiar os pés no chão se vir que a coisa ficou preta. Só que não é bem assim: por menor que seja o scooter, ele é pesado, e não basta a pontinha do pé no chão quando se pára no sinal (ou pra esperar o trem passar). Não dá pra ir me enfiando entre os carros (ainda), porque ainda não entendi direito as medidas do Zip, não aprendi direito a calcular as consequências do deslocamento do seu peso pra um lado e pro outro. Sei que isso vai vir com o tempo, oras, se meninos e meninas de 14 anos pilotam esses trecos, não sou eu que não vou ser capaz. Mas essa mistura de sensação de liberdade, que é DELICIOSA, e o medo de estar tão exposta ao chão em caso de queda e tão perto dos outros veículos na rua é muito bizarra.

No sábado eu fui até o centro de Torgiano botar gasolina (4 € o tanque cheio, e faz 130 km. MA-RA-VI-LHA) e depois fui dar uma volta por lá mesmo (na verdade errei a direção no cruzamento mas vamos fingir que foi uma coisa voluntária). Voltei pra casa felizona, e no retão de Cipresso meu pobre scooterzinho tabajara fez 70 km/h numa boa, e contra o vento! Domingo não levei o coitado pra passear, mas agora à tarde fui a S. Maria fazer cópias da chave e pagar o seguro, e apesar da atolação foi muito agradável. Por enquanto ainda dá medinho, mas quando ele estiver devidamente domesticado, ninguém me segura. Vou virar centaura.

Postado por leticia em 18:45

sem saco pra escrever

Postado por leticia em 10:49

08.08.04

arde

Eu não sei vocês, mas eu tenho um peperoncino na minha varanda.

Postado por leticia em 09:44

07.08.04

Ah: amanhã, relatório completo sobre a minha primeira pilotagem de scooter.

Postado por leticia em 13:25

faz-me rir

O Instituto Márcia Aguiar de Expat-Pampering me enviou, diretamente da sua Biblioteca de Assuntos Sérios e Profundos, um exemplar da revista Claudia de julho, que lerei com avidez. Chegou hoje.

Uhuuuuuuuu! :)

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Depois de "se você não gostou de Berlim, deve ser uma neguinha da Rocinha que comprou o diploma"...

Depois de "o vizinho coreano da Hunka quando cozinhava empesteava o prédio", logo "você não é polida, faz chacota e desmereceu a cozinha de uma nação inteira"...

Vem aí, diretamente da comunidade Brasil do Iogurte...

...o mais novo membro da Coleção Imperial pacamanca de Silogismos de Quem Não Tem o Que Fazer e Adora Distorcer o Que os Outros Dizem:

..."eu não moro mais no Brasil", logo "sou indigente e desertora, e não tenho mais o direito de dar pitaco no que acontece lá!"

Quando você acha que já ouviu de tudo nessa vida...

Postado por leticia em 13:25

ai meu zovido

Dez pras dez da manhã. Da janela aqui do escritório ouço Suely Maria cantando "solos de guitarra não vão me conquista-ar, uuuuuuuuuuuuuuu eu quero você, como eu quero...".

Por que é que não existe teletransporte ainda mesmo, hein?

Postado por leticia em 09:52

06.08.04

africanos, javali, Kinder Ovo

Pra compensar o tédio do dia de ontem, a serata foi ligeiramente bizarra, embora tranquila. Lá pras sete e meia da noite, eu batendo papo no ICQ e discutindo a existência ou não de dialetos no Brasil (...) via orkut, o lanterneiro me liga dizendo pra eu descer que íamos comer fora, e traz também um par de meias limpas e um suéter que tá frio. Ele estava voltando de uma das empresas pras quais ele pinta as peças de maquinário industrial, ou seja, estava com o bendito caminhão vermelho – aquele da carona fatídica. Lá fomos nós sacolejando até a oficina. Deixei o menino tomando banho lá mesmo e fui dar uma carona ao Nerone (leia-se Negão), aquele de Costa do Marfim que estava presente no almoço do dia do Trabalho (tudo nos arquivos). Ele mora lá no cu do judas, numa casa de fazenda, digamos, numa propriedade de cultivo de tabaco. Até chegar lá, ainda mais porque chovia horrores e não dava pra ir a mais de 70, falamos novamente de todas as frutas boas que nós tropicais temos e aqui não rolam. Ele esteve de volta ao seu país mês passado porque sua mãe morreu, e quando alguém morre fazem festa e coisa e tal. Ele disse que tirou a barriga da miséria em termos de banana, manga, mamão, abacate, maracujá, "abacaxi de verdade, não esse em lata que tem aqui". Aí eu, inocente e curiosa que sou, caí na asneira de perguntar qual era a religião oficial de Costa do Marfim. Pronto. Ele desandou a falar de tudo que é religião pela qual já passou, e à medida em que se empolgava com o assunto ia caindo no Francês, de modo que no final das contas ele queria porque queria que eu conhecesse a sua igreja evangélique, porque a catolique não tava com nada e coisa e tal, a evangélique resolvia completement toute os seus problemas, curava todas as maladie, e por aí vai. Dispensei-o correndo antes que o ataque de riso viesse e voltei pra oficina. Mirco sai cheiroso e barbado do portão e lá vamos nós a Petrignano.

De todas as sagras que rolam aqui no período de maio até setembro, a minha preferida, pelo menos em termos de menu, é de longe a sagra do javali de Petrignano. Ano passado também fomos e comemos muito bem. Esse ano não foi diferente. Mas vejam a organização italiana a que ponto chega: quando saí de casa chovia forte, mas pensei, não vou levar guarda-chuva porque com certeza o pátio onde fica a caixa vai virar estacionamento, pertinho da entrada do galpão, e não vamos precisar caminhar na chuva. Com certeza vão transferir a caixa pra dentro do galpão, pra neguinho não precisar pegar chuva enquanto faz fila pra pagar.

...

Apesar de só ter 3 pessoas na nossa frente, sabe como é, neguinho aqui não sabe fazer fila e ponto final. Bastaria ditar o seu pedido, é tão simples: due pappardelle al cinghiale, una torta con salsiccia e verdura, un’acqua minerale naturale e una birra media. Mas nãaaao, jacaré, nada é simples aqui no interior do Haiti. A loura gorda com um guarda-chuva imenso ficou horas parada em frente ao caixa, pensando, contando nos dedos quantos membros da família estavam presentes, berrando pros filhos, parados dentros do galpão pra se proteger da chuva, quem queria torta con Nutella, se a cerveja do marido era grande ou média. E nós, pobres-coitados, em pé na chuva, protegidos apenas por uma jaqueta jeans apoiada sobre nossas cabeças. Junte-se a isso a lerdeza incompetente e caipira do careca da caixa, e vocês têm uma idéia do tempo que levamos pra conseguir fazer o pedido.

Pelo menos a comida chegou rápido, porque tinha pouca gente. E é aqui que eu queria chegar. ALGUÉM POR FAVOR VENHA ME VISITAR! Eu PRECISO compartilhar pappardelle al cinghiale com alguém. Preciso! Eu teria comido, fácil fácil, três pratos de macarrão. Juro. O molho delicioso, consistência perfeita, levemente picante, a massa perfeitamente al dente, aaaaaah!!! Da próxima vez vou pedir uma torta sem recheio pra poder passar no molho e não deixar nada no prato. Manjar dos deuses.

Depois deu vontade de tomar sorvete e fomos até S. Maria, à Gelateria Vecchia – a melhor da cidade. Em vez do clássico chocolate, avelã e flocos/nozes/Kinder/Nutella que eu sempre tomo, pedi Kinder, chocolate e avelã ;) Aqui eles têm mania de misturar sabores, ninguém toma sorvete de um gosto só. Mirco foi de panino (leia-se sanduíche), que nada mais é do que um enorme brioche recheado com três gigantescas bolas de sorvete (Kinder, frutti di bosco e fiordilatte). Voltamos pra casa sem nem parar pra visitar o Leguinho, que inevitavelmente nos teria sujado inteiros de lama. Adormecemos com a TV ligada.

Hoje acordamos às seis da manhã, porque estão impermeabilizando o teto do miniprédio em construção aqui em frente, e fazem um barulho danado. Uma neblina lá fora que parece até que é novembro.

Depois do almoço vou a S. Maria pegar as placas do scooter e pagar o seguro. Assim que o tempo melhorar vou dar umas voltas e depois faço o relatório ;)

Postado por leticia em 08:48

05.08.04

aulinha

Lição de hoje: diferenças óbvias entre termos obviamente diferentes, mas que mesmo assim neguinho confunde e com isso ESTÃO TORRANDO A MINHA JÁ POUCA PACIÊNCIA.


Preconceito e pós-conceito. Se eu já vi vários filmes de um determinado diretor e achei todos um porre, é provável que eu não vá gostar do próximo que sair. Prefiro nem assistir, porque a possibilidade de não gostar e gastar dinheiro de ingresso à toa é grande. É preconceito, porque julguei antes de ver, mas baseando-me em experiências passadas. Na minha opinião, a imensa maioria dos preconceitos é desse tipo, ou seja, baseado em estatística. Não é nem certo nem errado, nem bonito nem feio: é inevitável, e é um mecanismo de proteção muito eficaz também.

Por outro lado, se eu vi um filme qualquer e achei uma merda, tenho o direito de dizer "achei uma merda". Atualmente, porém, se o diretor for negro, mulher, homossexual ou pobre, dizer "achei uma merda" imediatamente me transformará em racista, preconceituosa (veja bem, mesmo eu tendo formado o meu conceito DEPOIS de ter visto o filme), e/ou invejosa.


Objetivo e subjetivo. Azul é azul, uma maçã é uma maçã, um pé direito é um pé direito e não um esquerdo, uma mulher promíscua é uma mulher promíscua (doravante chamada piranha). Todos esses conceitos são OBJETIVOS. Feio é subjetivo, chato é subjetivo, gostoso é subjetivo, fedorento um pouco menos subjetivo.

O adjetivo/substantivo piranha não é, nunca foi e jamais vai ser subjetivo. Assim como azul, maçã e pé direito também não o são. Piranha só vai ser usado preconceituosamente quando eu chamar de piranha uma mulher cujos hábitos sexuais não conheço e cuja atitude e postura não dão indicações de comportamento promíscuo.

p.s.: Não vou ficar aqui discutindo quantos parceiros uma pessoa deve ter pra ser considerada promíscua. A OMS determinou 2 parceiros diferentes por ano, o que me parece às vezes razoável, às vezes ridículo. O número exato de parceiros que transforma uma pessoa em piranha é subjetivo até um certo ponto; "um monte de parceiros" não precisa se referir a um número exato pra permitir a compreensão do conceito de piranha. Tenho certeza de que qualquer pessoa equilibradazinha entende o que eu quero dizer.


Relatar e criticar/achincalhar.

Bom, se eu precisar explicar esse tipo de diferença aos meus ótimos leitores, melhor fechar o blog.

O pior cego é o que não quer ver.
E não adianta tapar o sol com a peneira.

Postado por leticia em 17:04

03.08.04

zip

Mirco comprou uma vespa – lambreta, motorino, scooter. É preta, bonitinha, pequenininha, de 94, e custou € 200. Estão fazendo uma super revisão nela, as placas ficam prontas sexta à tarde, e já compramos o capacete, que é cinza metálico.

Eu odeio qualquer coisa na cabeça, chapéus, boinas, you name it. Fiquei ridícula com o capacete, como uma tartaruga ninja cabeçuda. Mas se o scooter consome menos que o carro, tá valendo! Tô cansada de gastar meus pouquíssimos euros em gasolina pra Punto, coitada, que é uma delícia de dirigir e tem valor afetivo, mas bebe feito um gambá.

Fora que é uma delícia andar de scooter! Eu sou super atolada e vou ter que aprender a pilotar o Zip (o scooter é Piaggio, modelo Zip) sem cair por aí, mas estou gostando da idéia. Minha primeira vez num scooter foi em Roma, com meu amigo Guido, e adorei! No verão não tem coisa mais gostosa, principalmente à noite. Pena que meu Zip é pequeno e de baixa cilindrada, e não dá pra dar carona pra ninguém, senão vou presa hohoho

Postado por leticia em 17:20

02.08.04

MOOOITO L-E-N-T-A-M-E-N-T-E vou respondendo aos e-mails, que agora ja consigo enviar. Sejam pacientes.

Postado por leticia em 12:03

Bananão

Tá rolando uma propaganda no rádio que me faz rolar de rir.

O produto é um suco de frutas tropicais/exóticas que se chama, vejam quanta originalidade, Brazil. Eu adoro suco de frutas e aqui, na falta de uma boa loja de sucos na esquina, neguinho se arranja com sucos de caixinha mesmo. Os sabores são os mais variados, e na maioria das vezes são bem gostosos. Esses tropicais normalmente têm tanta fruta misturada que não dá pra sentir o gosto de nada direito – é o caso desse Brazil, que eu já experimentei e não entendi bem o que tinha lá dentro. Deve ter umas dezoito frutas juntas, o sabor fica confuso, o céLebro não entende direito o que está rolando. Mas enfim, só de ver uma foto de um maracujá na embalagem eu já fico feliz.

A propaganda do rádio é assim: um homem, supostamente brasileiro, desfia um rosário de nomes de frutas.

- Ah, bananao, papaiao, ananasao (eles não conhecem abacaxi, só ananás), maracujá, laranjao...

(os italianos acham que todas as palavras em espanhol terminam com S e todas as palavras em português terminam com ão. Como eles não conseguem fazer o ão anasalado, deixei a fala do homem sem til mesmo, como eles pronunciam aqui)

Um outro, supostamente amigo desse brasileiro, diz, em italiano:

- Tá, já entendi, é o suco do seu paisao!

Eu sei que parece bobo, mas é muito engraçado. Bananão é MUITO engraçado.

Postado por leticia em 10:53

ganso

Ontem fomos jantar na festa de Bettona, a Sagra dell'Oca (festa do ganso). Bettona é uma cidade muito gostosinha, no alto de uma colina. Era uma das três cidades umbro-etruscas, juntamente com Todi e Civitella d'Arno, que foram cedidas à Etruria depois que etruscos e umbros entraram em acordo e usaram o rio Tevere pra marcar os limites entre os dois territórios.

No inverno Bettona é geladíssima, mas no verão é uma maravilha. Aqui embaixo, em S. Maria e em Bastia, tava um calor desgraçado, mas lá no alto soprava um vento fresco delicioso. Tive até que botar uma jaqueta. Enfim, fomos jantar na festa com Marco e Michela, nossos companheiros de sagra no domingo. Diferentemente da maioria das outras sagras, quando normalmente a festa é feita sob tendões armados em algum campo aberto na periferia da cidade, essa é na praça principal de Bettona, e totalmente a céu aberto. E eles também fazem um menu diferente a cada dia, enquanto que normalmente, nas outras sagras, o menu é praticamente fixo todos os dias, com um prato a menos ou a mais de vez em quando. Dá vontade de voltar todos os dias, pra experimentar pratos diferentes.

Claro que a estrela da festa é o ganso, presente nos primi (gnocchi e tagliatelle ao molho de carne de ganso, que eu ADORO) e nos secondi (ganso assado, ganso ensopado, espetinho de ganso), mas também tem as onipresentes torte al testo (a clássica com linguiça e verdura cozida, com presunto, com linguiça sozinha, com rúcola e queijo), carneiro em diversas preparações, javali, carne de porco, mil tipos de pasta. Ontem comi um risoto delicioso de radicchio e provolone, depois ensopadinho de javali acompanhado de torta al testo. Ficamos horas sentados à mesa, batendo papo e observando a gente que passava, as crianças que brincavam, os velhos que ajudam na cozinha, um ou outro turista, todo mundo aproveitando "il fresco". Não tinha música alta, o barulho das conversas misturadas não era ensurdecedor porque se perdia no céu aberto, a comida estava ótima e os preços também eram bons, a piazza é lindinha, aaaaah... Una serata veramente piacevole.

Postado por leticia em 10:05

01.08.04

chuveiro

Semana passada tive que comprar um chuveiro novo. Sempre culpa desse maldito calcário que está presente na água de toda a Itália central (tirando Roma, que tem fontes espalhadas pela cidade inteira, com água de ótima qualidade). Um porre, UM PORRE. Tudo que você lava fica manchado de branco: copos, talheres, a própria pia. Se você ferver água numa panela e depois deixar esfriar, se forma uma película branca na superfície da água, e a panela fica toda branca por dentro. Torneiras e canos entopem frequentemente. Há pastilhas anti-calcário no mercado pra proteger as partes e os encanamentos de máquinas de lavar louça e roupa. Pra limpar metais e louças do banheiro e da cozinha, tem que usar produtos anti-calcário que normalmente destroem as mãos se você não usar luvas de borracha.

A torneira do banheiro estava tão entupida de pedrinhas de calcário que a água saía em mil direções diferentes, e quando escovávamos os dentes ou lavávamos as mãos ficávamos todos molhados com a água que espirrava. Mirco trouxe da oficina um desincrostante superpower que ele usa pra limpar as pistolas de tinta, e que normalmente não ataca superfícies plásticas. Desaparafusei a torneira e deixei de molho no desincrostante. Mirco teve a idéia de aproveitar o ensejo pra botar o chuveiro de molho também, porque a situação já começava a ficar crítica. Deixamos tudo ali quietinho e fomos comer na Arianna. Quando voltamos, as partes de plástico preto do chuveiro tinham simplesmente dissolvido! No dia seguinte lá fui eu comprar o maldito chuveiro, que é ótimo. A água sai não diretamente dos furinhos, mas passa por minifunis de borracha, digamos assim. O cara da loja explicou que, em teoria, quando começar a acumular muito calcário basta passar a mão rapidamente sobre as borrachinhas que as pedrinhas saem. Vamos ver.

Postado por leticia em 09:40