31.07.04

Fomos a Certaldo, na Toscana, pro casamento da Renata, irmã da FeRnanda, com o Stefano. Eles já tinham se casado no civil, no Brasil, e sábado fizeram a cerimônia religiosa e a festa. Foi tudo na casa de um primo do Stefano, em uma colina chamada Vico d'Elsa, e foi tudo lindo. Me diverti horrores, apesar do discman não ler os CDs que eu levei meses gravando. Se a Renata deixar eu boto umas fotos aqui.

Postado por leticia em 09:39

30.07.04

autolavaggio

Sempre adorei observar gente trabalhando. Desde pequena. Quando tinha obra lá em casa eu ficava horas olhando os peões lixando, cobrindo buracos com massa, preparando tinta, forrando o chão com jornal, pintando. Quando vinha alguém consertar alguma coisa eu sempre ficava prestando atenção no que estavam fazendo. Pura curiosidade mesmo; gosto de saber como as coisas são feitas, como são por dentro, por qual motivo se quebram.

Também gosto de observar os movimentos das pessoas; os seguros e mecânicos de quem já tem uma certa experiência, os titubeantes de quem ainda está no começo da estrada. Fico analisando quem é lento e quem é dinâmico (vocês sabem perfeitamente bem em qual categoria me encaixo), quem é burrinho e quem é mais esperto, quem é distraído e quem não deixa passar nada (pra quem não sabe, estou na categoria dos distraídos). Sempre aprendo alguma coisa. Hoje, enquanto observava o garoto que lavava o carro do Mirco, aprendi que a quantidade de caraca preta que se acumula nas rodas do carro é uma coisa impressionante.

Tem um lava-carros bem do lado da oficina do Mirco, em Torgiano. Não é posto de gasolina, é só lavagem mesmo, e normalmente o Mirco deixa o carro com eles de manhã e na hora do almoço o pega limpinho e cheiroso pra voltar pra casa pra comer. Mas eles são super lentos e nem sempre conseguem cumprir o horário, e quando isso acontece eu sou a encarregada de levar o carro pra lavar. E levo ao posto ERG de Santa Maria, perto da saída pra Foligno.

Como é normal por aqui, devem ser todos parentes, primos, amigos, conhecidos. Os que eu vejo sempre são a Mini-Loura e seu provável marido, Altão Antipaticão, e o Russo, provavelmente filho deles, um jovem muito muito muito louro de cara muito muito muito vermelha. Ele é super bonitinho e tem uma cara de cafajeste que não combina muito com suas cores angelicais. Hoje de manhã não quiseram lavar o carro porque a fila tava comprida demais, e voltei à tarde, cumprindo as ordens de Mini-Loura. A fila continuava enorme, mas ela me reconheceu e disse que lavava sim, coitada de mim, já tinha vindo de manha à toa... Larguei o carro num canto do posto e sentei numa das cadeiras de jardim, de plástico, que ficam na calçada pros clientes esperarem sentadinhos enquanto o carro não sai do banho. Quem manobrou meu carro foi um rapaz alto que eu nunca tinha visto, cara de abobado, e corte de cabelo muito anos 80 – digamos o Footloose. Foi direto pro outro canto do posto, onde um menino também desconhecido, de cabelo comprido, óculos e a maior cara de jogador de RPG, pilotava o aspirador de pó. Da minha cadeira encardida fiquei tentando entender o esquema de trabalho deles, mas depois de um tempo acabei desistindo. O sistema "cadeia de montagem" não existe, ou chegou mas já foi suplantado pelo clássico caos organizado que só os italianos conseguem entender. O único que não sai da sua posição é o Russo, até porque se ele parar, trava tudo. Ele faz a pré-lavagem, com uma pistola de sabão líquido e depois um jato forte de água que tira toda a caraca das rodas, da parte interna das portas, do pára-lama. Dali o carro segue pra clássica lavagem automática, com aqueles rolões estilo pom-pom. O tempo que ele tem pra pré-lavar o meu carro é exatamente o tempo que a máquina leva pra lavar a Lancia Y tinindo de nova que chegou antes de mim. Enquanto a máquina passa com o secador, um outro funcionário vem com um pedaço de couro, próprio pra enxugar carros. Eles têm uma máquina rudimentar pra secar os panos, aquela coisa de desenho animado, o pano passando entre dois rolos muito próximos entre si, que espremem toda a água. Depois alguém leva o carro pra outro canto, onde outro alguém passa um produto cheiroso no painel e sprays hidrorepelentes no pára-brisas.

E no meio disso tudo, sempre gente chegando pra botar gasolina, gente em lambreta querendo a famosa "mistura" de combustível, que é ilegal e ninguém nunca me explica o que é, gente que passa buzinando pra cumprimentar um dos meninos, gente que encosta só pra falar com o Footloose, gente que pára pra perguntar como se faz pra chegar em Cannara. Um sósia do meu irmão quando era mais novo corria pra lá e pra cá, sem saber se botava gasolina no carro velho da senhora ou se ajudava o cabeludo a enxugar a Lancia Y preta. Uma polaca botou só 2 euros de gasolina no carro, porque "benzina in Italia molto caro". Uma menina novinha num carro super velho teve um ataque de riso porque não conseguia manobrar pra ir embora – depois nos explicou que tinha acabado de tirar a carteira. Um turista holandês não conseguia explicar pra onde queria ir e por isso foi embora de tanque cheio, mas sem destino.

Meu carro ficou pronto às cinco e meia da tarde. Àquela hora Mini-Loura já não aceitava mais carros pra lavar, e todo mundo parou pra dar uma respirada (e uma fumada também. Fumam TODOS. Ao lado da bomba de gasolina). Paguei os 13 euros e vim embora, ouvindo Live.

Postado por leticia em 18:04

curtas

Minha conta de e-mail anda me dando furo outra vez. Como ando meio atolada aqui, entre brigadeiros e CDs pro casamento da Renata, documentos do Mirco pra organizar e casa pra cuidar, é até melhor assim, pelo menos não perco tempo pensando no que responder.

Como sempre, o problema resolver-se-á sozinho (linda mesóclise) dentro de alguns dias.

**

Eu adoro frutos do mar, mas é um saco isso da cozinha ficar fedendo a peixe! E olha que eu só fiz um mero prato de spaghetti alle vongole e um merluzzo (meu dicionário tabajara diz que é bacalhau, mas eu me recuso a acreditar) cozido no vinho branco. Agora a casa tá cheirando a casebre de pescador de novela das sete.

**

Encontrei o Chefe Idiota no posto de gasolina agora há pouco. Barba por fazer, cabelos ruins sem o gel que é a única coisa capaz de mantê-los no lugar, montado na sua ridícula moto BMW que ele só usa uma semana por ano. Pareceu genuinamente contente de me ver e interessado no meu bem-estar. Tive que fazer um certo esforço mandibular pra não sair destilando veneno pelos caninos. Que homem odioso! Pior que agora que me viu vai lembrar que o Mirco existe e o perrengue vai começar todo de novo, querem ver?

Postado por leticia em 17:36

29.07.04

comendo fora

No verão os pais do Mirco sempre comem na varanda, ou então no terraço que eles fizeram no lugar onde ficava a pequena horta, que agora virou um hortão, transferido pra um pedaço de terreno atrás da casa que pertence à irmã do Ettore (o terreno, não a casa). Quando a Arianna faz pizza ou torta al testo sempre telefona pra convidar a gente pra comer lá. Ontem ela fez torta e lá fomos nós.

É uma delícia comer assim, a céu aberto. Tudo bem que os insetos são uns pentelhos, mas a gente finge que não percebe. Uma brisa fresca, se tivermos sorte, o relativo silêncio, os galos que cantam na hora mais errada do mundo, os coelhos que fazem barulho quando bebem água, os malditos ciganos que acamparam no estacionamento ao lado da casa e fazem uma muvuca danada. O presunto do Ettore tinha uma cor linda, mas o cheiro era exatamente igual ao emanado pelos cadáveres que dissequei no anatômico da Uni-Rio. Deixei pra lá, comi torta com ricota fresca.

Legolas jantou pepino e casca de melancia. Don't ask.

Postado por leticia em 17:33

28.07.04

nome e cognome

O assunto da semana aqui em Tonga é a talvez futura possibilidade da mãe poder passar o sobrenome aos filhos. Pois é, vejam que país avançadão que eu fui escolher pra morar. Aqui só o sobrenome dos pais passa adiante. Todo mundo é filho de pai solteiro hohoho Não, sério, sempre achei muito esquisita essa história, pra não falar de discriminatória. Catálogo telefônico é um outro mundo aqui. Adoro catálogos telefônicos, me divirto horrores não só com os sobrenomes bizarros, mas também com as relações familiares facilmente detectáveis, principalmente aqui, nas cidades pequenas.

Por exemplo: se eu procuro uma Tizia Rossi (traduzindo literalmente, Fulana da Silva) no Comune di Assisi, só vou achar o nome dela se ela morar sozinha, coisa pouco provável. Normalmente telefone, como todas os outros bens, ficam no nome do marido. Nesse caso é mais fácil perguntar a alguém do lugar com quem ela é casada, e procurar pelo sobrenome do marido. Ou então procurar outro Rossi que more na mesma rua. Muito provavelmente vai ser o pai ou um irmão, já que familiares tendem a arrumar casa pra morar na mesma rua do resto da família, e de preferência no mesmo terreno. É incrivelmente comum por aqui um filho construir um andar a mais na casa dos pais pra ir morar depois que casar. Ou então construir outra casa no mesmo terreno. Ou construir casas chamadas "plurifamiliari", ou seja, que abrigam várias famílias – como se fosse um edifício de apartamentos de dimensões reduzidas, com no máximo quatro famílias. Dá pros pais, pros dois filhos depois que casarem, e pra família de um dos irmãos dos pais.

Mas então, o assunto da semana é o projeto de lei, ainda não aprovado, que fala da possibilidade da mãe poder, finalmente, passar seu sobrenome aos filhos. Os debates são animadíssimos, o que me faz dar altas gargalhadas. A vida aqui na Itália meio que se resume à frase rir pra não chorar. Acho tristíssimo que um país relativamente desenvolvido tenha chegado aos anos 2000 com essa discriminação ridícula, não importa a antiguidade desse costume. Os tempos mudam e o fato de que eles levem taaaaanto tempo pra assimilar novos costumes, mesmo que melhores do que os velhos costumes, às vezes me entristece, às vezes me diverte. Acho engraçadíssimo é que todo mundo esteja levando tão a sério a coisa da tradição, dos hábitos milenares, etcetera e tal. Eu sou a primeira a levantar o bracinho quando perguntam, tradição é uma coisa legal? Eu acho superlegal, acho que tem mais é que preservar mesmo, mas, por favor, né, só quando tem sentido. Tem sentido um sobrenome desaparecer se todas as filhas de uma geração forem mulheres? É o caso da Martinha, por exemplo, que trabalhou comigo no escritório do Chefe Idiota, lembram? Ela e a irmã são as únicas filhas dos pais delas. Quando casarem, os filhos delas terão só os sobrenomes dos maridos delas. O pai delas é filho único. Ou seja, o sobrenome delas vai deixar de existir. Não é só ridículo, é uma falta de respeito também. Pô, a mulher tem metade da culpa da criança existir, aturou aquela barriga por nove meses, pariu – pariu, gente, parto não é uma coisinha à toa não, né – e não tem direito a pôr a assinatura dela na obra-prima? Poupem-me.

Quero só ver quanto tempo vão levar pra aprovar essa lei.

Postado por leticia em 19:19

socorro

Arrumando o escritório aqui de casa desencavei, de modo totalmente involuntário, umas velhas fitas dos Scorpions que o Mirco ouvia quando era adolescente magrelo e rebelde. Sim, Scorpions.

Pra quê. Agora sou obrigada a ficar ouvindo aquela mala do vocalista berrando, toda vez que saímos de carro. Maldita nostalgia.

ODEIO cantores homens que têm voz de mulher. Homem tem que ter voz de homem e mulher tem que ter voz de mulher, pô. Axl Rose talvez seja uma exceção.

Postado por leticia em 19:02

hihihi

Tô atrasada com os e-mails, foi mal. Pior é que não posso nem inventar desculpa nenhuma, porque vocês tão carecas de saber que eu não tenho nada pra fazer da vida.

**

Pfaender, amigão de faculdade, futuro superurologista, que usou bigode falso de português na colação de grau e que ano que vem casa com a bendita Raquel, futura superginecologista, me mandou essa piada besta que eu adorei, exatamente porque é besta:

O cara se sentia muito sozinho e foi a um pet shop comprar um bichinho de estimação. Mas ele queria uma coisa diferente, original, em vez do beagle nosso de cada dia. Então ele vai e compra uma centopéia. Leva a centopéia pra casa na sua caixinha, felizão, e fica tão contente de ter uma nova amiga que resolve dar um pulo no bar pra tomar um choppinho básico. Claro que, sendo muito bem educado, ele convida a centopéia pra dar uns rolés com ele.

- Centopéia, quer ir tomar um choppinho comigo?

A centopéia nada.

- Ô Centopéia, vamo dar um pulo ali no boteco pra tomar um chopp, jogar uma conversa fora, hein?

A centopéia nem tchum.

- Centopéia, na boa, vamo, cara! Ô CENTOPÉIA! VAMO LÁ!

A centopéia responde, muito pau da vida:

- Eu já ouvi, porra, tô calçando os sapatos!

Postado por leticia em 18:59

27.07.04

Descobri no Lidl, supermercado que consegue ser ainda mais P.I.M.B.A. do que o Penny, um pão de semente de girassol que é uma coisa. Denso como um meteorito, mas delicioso.

Eu sou louca por pão. De qualquer maneira, basta que seja salgado – o que automaticamente exclui o pão cascudo e sciapo (se pronuncia chapo, literalmente sem sal) tradicional aqui da Itália central e que eu uso só pra fazer bruschetta. Adoro pães esquisitos, com texturas bizarras, grãozinhos não-identificados dentro, cores suspeitas, nham nham. Nossas férias de verão do ano passado foram estranhas, afinal de contas odiamos Berlim (o que significa que meu diploma foi comprado), mas só a loja de pães de Lubeck valeu por todo o perrengue. Claro que eu não entendia nada do que estava escrito nas etiquetas e claro que ninguém na loja falava Inglês, mas mesmo assim voltamos pra casa carregados de pães misteriosos, de todos os tipos e formas. Um deles tinha esses grãos estranhos, que eu não cheguei a identificar, e só fui reconhecer no último sábado, quando vi o tal pão-meteorito no Lidl, com um desenho de um girassol gigante na embalagem. Até hoje não sei o que mais eu comi, além de semente de girassol, naqueles outros pães de Lubeck, mas sei que tava tudo ótimo.

Almoço de hoje: penne com tomatinhos da horta da Arianna, crus, com alho, azeite e em teoria manjericão também, mas hoje esqueci. Eu, que não como tomate cru, fiz uma salada fria de trigo com cenoura, abobrinha e um ovo cozido. Depois comemos uma fatia de pão-meteorito com fontina, um queijo macio que não tem gosto de nada mas que eu adoro.

Aproveitei o ensejo pra preparar e congelar uns hamburgers básicos. Adotei a idéia da minha mãe de misturar um pouco de aveia, assim o hamburger fica crocantão. Tempero com cebola cortada pequeniniiiiinha, sal, pimenta-do-reino, ervinhas secas (uma mistura de salsinha, hortelã, alecrim, estragão) e um pouco de farinha de rosca pra render mais. Não é porque sou eu que faço não, mas é o melhor hamburger que já comemos.

E zé finí.

Postado por leticia em 14:39

nao consigo mudar de assunto

Uma leitora gentil me mandou um e-mail graciosamente entitulado "telhado de vidro", onde apontava dois erros meus: o uso de tráfico em vez de tráfego, e um superagressivo em vez de super-agressivo.

Eu gosto de me explicar, então vamos lá:

Em primeiro lugar, esse negócio de telhado de vidro sempre foi uma balela, na minha opinião. TODO MUNDO tem telhado de vidro; todos nós somos infalíveis, ninguém é perfeito. Qual é o escritor que não submete seus textos a um revisor, antes de publicar? Isso não significa que seja proibido criticar.

Em segundo lugar, PRECISO DE UM DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS!!! Os dicionários online que eu costumava usar hoje requerem cadastro e pagamento (leia-se "não rola"). Já está na minha lista de livros a comprar quando for ao Rio.

Em terceiro lugar, essa é a coisa chata de falar uma língua estrangeira que é ridiculamente parecida com a sua. Perdi a conta de quantas vezes escrevi "orrível", "lavorei muito hoje", "consulência", "próssimo", porque em Italiano se diz orribile, trabalhar se diz lavorare, consultoria se diz consulenza, próximo se diz prossimo. Se procurarem aqui no blog vão achar dúzias de erros idiotas desse tipo. Pra não falar dos acentos desaparecidos. Lembrem-se de que eu não tenho corretor ortográfico no Word, e acentuo tudo na mão, depois de terminado o texto. Haja saco.

O blog da Ane, jornalista que no seu trabalho escreve sempre em Italiano (e muito bem, por sinal), anda cheio dessas maluquices linguísticas. Quem entende italiano morre de rir com as expressões italianas estranhamente traduzidas pro Português. Acho que ela tem menos saco (e sobretudo menos tempo!!!) de revisar do que eu. Mas minhas conversas com a FeRnanda são exatamente iguais ao blog da Ane, totalmente sem pé nem cabeça. As pausas pra procurar palavras são inúmeras. Quando duas palavras são parecidas nas duas línguas, mudando só um sufixo ou prefixo ou um pedacinho de nada, como no caso de consulenza e consultoria, ficamos horas tentando descobrir qual é a versão correta. Foi o que aconteceu comigo no caso do tráfico em vez de tráfego. Traffico, em italiano, serve pra falar tanto de comércio ilegal quanto de fluxo de automóveis. Em italiano não há hifen, alguém me corrija se eu estiver errada, e super, hiper (iper, em italiano, como o Ipercoop) e ultra vão todos colados à palavra que vem depois, sem tracinho nenhum. Outro dia fiz o Mirco ter um ataque de riso quando ele me pegou falando sozinha "Capítolo? Ou capítulo?", tentando lembrar o que era Português e o que era Italiano. É fácil se confundir, putz. Ainda mais porque há mais de dois anos não leio nenhum livro em Português. Que orror. ;)

Como eu disse, se forem procurar com afinco vão achar mil errinhos nesse blog. Mas não vão encontrar coisas do tipo "cafézinho", "agente vai à festa hoje", "por causa que", "espero que seje legal", "estou na Itália fazem dois anos" ou "estou na Itália a dois anos", etc.

**

Baixei "Como uma Deusa" ontem. Aquela da Rosana.

Postado por leticia em 07:43

26.07.04

ainda a patrulha gramatical

Um novo leitor, simpático e educado como a maioria de vocês, me escreveu perguntando por que eu levo tanto a sério esse lance do Português correto. Comentou que essas corruptelas do tipo "nada haver" provavelmente um dia serão o modo correto de escrever, como voismecê virou você etc.

Eu respondi que a minha pinimba é seletiva. Se o porteiro do meu prédio escreve "nada haver" eu nem reviro os olhinhos. Mas não admito que um jornalista escreva "fui à Londres". Que um advogado escreva "desculpe encomodar". Que um médico escreva "tuberculose à esclarecer", como cansei de corrigir nos prontuários da minha saudosa oitava enfermaria do Gaffrée. Que um engenheiro escreva "dois kilos". NÃO PODE. Quem teve a oportunidade de estudar, de comprar livros, de viajar, de se aprimorar, NÃO PODE botar crase antes de verbo. Não pode. E como a gente sabe que no Brasil quem tem acesso à internet é a classe média-alta, a maioria com acesso à universidade, fico chocada quando vejo esses erros online. ADVOGADO NÃO PODE ESCREVER "ENCOMODAR". Não pode, é proibido. Porque se escreve coisas desse tipo é porque não lê um livro, ou jornal, ou revista, ou quadrinhos, há séculos. Ou, pior, se leu não prestou atenção.

Vou dar um exemplo radical, de uma colega de turma que era de uma imbecilidade ímpar – e felizmente era a única, porque os meus colegas de classe eram todos feras, e tenho certeza de que hoje são ótimos profissionais. Ela se chama Patricia (nome absolutamente não-fictício), e era completamente idiota. Um dia, numa aula de Gineco, a professora fazia comentários sobre o que mudou nas fichas do ambulatório, que as pacientes têm que preencher antes da primeira consulta. Hoje tem escrito "idade da primeira relação sexual", mas antigamente lia-se um pudico "idade da mulher ao casar".

Eu estava sentada atrás da Patricia e meus olhos de lince captaram a seguinte anotação:

IDADE DA MULHER ALCAZAR

Agora me respondam se vocês gostariam de ser operados por uma médica desse nível. Eu não. Uma pessoa que escreve uma coisa desse tipo não processou a informação de jeito nenhum. Aliás, nem era pra anotar nada sobre esse assunto, era uma curiosidade que a professora falou pra relaxar o papo, mais nada, e o fato dela não conseguir nem entender o que é importante e o que não é já teria sido suficientemente grave. É como se eu começasse uma aula de Inglês falando, putz, que calor que tá hoje, e o aluno escrevesse "está calor hoje". Quequeísso! Voltamos sempre àquele velho assunto da atenção, da observação, do pensar antes de falar/escrever, de extrapolar e comparar.

Desnecessário dizer que ela ficou conhecida para todo o sempre como Patricia Alcazar. E também é desnecessário dizer que ela anda solta por aí, responsável pela saúde dos outros. Virou ginecologista. É de dar medo ou não?

Postado por leticia em 19:50

24.07.04

Se você achou The Ring assustador...

...é porque não viu a Suely Maria de biquini e microshort na varanda.

Eu estou tremendo de medo até agora.

Postado por leticia em 13:05

23.07.04

putz

Surreal é entrar na comunidade Orkut do seu colégio e lembrar dos professores bizarros, das lendas absurdas sobre o homem do canivete da Macedo Sobrinho, do campão, da musiquinha que a Salvadora cantava (uma pulga na balança/deu um pulo, foi à França/os cavalos a correr, as crianças a brincar/vamos ver quem vai sobrar), do caderno Caderflex que a Orchidea obrigava a gente a usar, do Luis Eugênio que andava de lambreta prateada e dizia "Cabeças vão rolar!".

E além disso tudo descobrir gente que você não vê há séculos e que estudou com você desde o Jardim 11 até o primeiro científico, ver as fotos e pensar CARACA como elas tão diferentes! E entender que você também está diferente. Mais diferente ainda, provavelmente.

Postado por leticia em 08:40

22.07.04

the abyss

Lendo o último post da Mary, mais precisamente a expressão "experiências geracionais", lembrei de uma coisa que aconteceu ontem e de outra que aconteceu hoje.

Ontem fomos jantar frutos do mar com Fabião e FeRnanda. Eu e ela engatamos numa conversa sobre escola, faculdade, cola, prova, seminário, DP, professor filho da puta, e os meninos ficaram putos porque os deixamos sozinhos enquanto fofocávamos. Mas essas coisas em comum, esse passado em comum, por mais que a minha vida tenha sido diferente da da FeRnanda (porque ela é do interior e porque a família dela é muito diferente da minha), dão uma sensação de segurança muito grande. Os valores básicos são os mesmos, entendemos sem problemas o que a outra está pensando ou o que acha disso ou daquilo. Esse tipo de intimidade, de compreensão automática, é difícil de atingir num relacionamento internacional. Eu não tenho NADA em comum com o Mirco, em termos de infância. Pra vocês terem uma idéia, o único desenho animado que temos em comum nos nossos passados é Os Smurfs, que vimos hoje de manhã, tomando café. Só que aqui se chamam Puffi, o Gargamel tem outro nome que eu esqueci, o gato aqui é uma gata e se chama Birba (não lembro o nome em Português). Não temos mais NADA em comum. Nossas infâncias foram completamente diferentes. Os modelos de escola são completamente diferentes; ele não entende as nossas técnicas de cola porque aqui as provas são todas orais, e eu não entendo o nervoso antes de uma prova oral com a turma inteira e os parentes assistindo porque não temos nada disso no Brasil. Não há vestibular e quase ninguém faz faculdade. Eles não têm festa de formatura, as festas de casamento são chatíssimas, não há festa de 15 anos. Os adolescentes italianos vão à praia em Rimini no verão, viram a noite em discotecas e voltam pra casa dirigindo numa boa, mesmo que tenham acabado de tirar a carteira. As crianças não têm o habito de ir dormir na casa dos amiguinhos. Ninguém vai pros EUA em intercâmbio pra estudar Inglês. Aliás, ninguém estuda nada. Ninguém tem TV a cabo e séries da Sony não são conhecidas aqui. Ninguém nunca viu Curtindo a Vida Adoidado nem A Noviça Rebelde.

Assim fica muito mais difícil ter uma conversa engraçada. Private jokes são coisas raras. Eu e Mirco rimos muito juntos porque eu, modéstia à parte, sou engraçada pra cacete, e ele também adora um besteirol, mas se fôssemos um pouquinho mais normais não haveria nada de engraçado pra comentar. Dificilmente ele acha graça das minhas histórias de infância (e vice-versa), porque os referenciais são totalmente diferentes. Esse abismo pode ser muito estimulante, na maior parte do tempo, mas às vezes é muito, muito cansativo.

Postado por leticia em 19:51

Hohohoho!!!

Via Orkut (Berlusconi is stupid, too)

Postado por leticia em 12:07

21.07.04

hmpf

Ah, e quanto à história do paulista-coreano-analfabeto-facilmente-ofendível do Orkut: deixei pra lá. Nem me dignei a voltar à comunidade pra ver a resposta do Anonymous à resposta que eu dei ao Anonymous, que, por sinal, desencavou aquela história sem pé nem cabeça dos Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e Se Acham OOOOS Alemães. Pra vocês verem a que nível descemos. Deixei pra lá. Vou esperar um pouquinho até o thread sumir e voltar à programação normal na comunidade. E foda-se o mundo que não me chamo Raimundo.

Penne alla norcina hoje pro almoço.

p.s. 1: Poucas delícias no mundo são comparáveis a uma focaccia de alecrim, com salzinho em cima, recém-saída do forno da sua padaria preferida.

p.s. 2: Acabei a Epopéia Toscana. Acho que vocês vão gostar do último capítulo. Nos arquivos de junho.

p.s. 3: Legolas jantou um Cornetto (aquele mesmo, o sorvete) ontem à noite.

p.s. 4: TÁ QUENTE BAGARAI!

Postado por leticia em 12:24

Parabéns pra flabb, que faz aninhos hoje! E que eu encontrarei em Paris, claro. Gente chique é outra coisa.

Postado por leticia em 12:16

20.07.04

Botei mais um dia da saga toscana ali no mes de junho, notaram?

Postado por leticia em 17:55

eles estão chegando

Desconheço as razões, mas nesse verão, além da já clássica invasão da Itália por parte de sandalhudos turistas alemães, estamos assistindo à chegada de uma verdadeira horda de holandeses. Passeando pelas ruas de Santa Maria eu quase quase penso que estou em Rotterdam, pela quantidade de carros com placa NL que se vêem. Tal onda migratória de veraneio só pode ser comparada às multidões de italianos que todo ano invadem a Espanha ou os resorts de Sharm-el-Sheik, no Egito.

Nada contra, muito pelo contrário. Os holandeses são simpaticíssimos, ao contrário dos alemães e, igualmente ao contrario dos alemães, falam Inglês muito bem, obrigada. São menos zuras também, gastam mais nas lojas. Nós amamos os holandeses.

Postado por leticia em 16:21

Momento super diarinho

Eu acho que sempre comi bem. Meu problema com o peso sempre foi relacionado à quantidade, e não à qualidade. Lá em casa nunca rolou muita fritura, refrigerante só quando vinha visita e assim mesmo às vezes estragava (vocês não querem saber o aspecto que tem uma garrafa de Sprite que passou do prazo de validade há um ano), de doce eu só como chocolate e sorvete, mas a gente quase nunca comprava...

Eu sou chata pra comer. Apesar de ter melhorado muito desde que vim pra cá, ainda gosto de relativamente poucas coisas. Como verduras e legumes por obrigação moral, mas nunca tive sonhos eróticos com um prato de alface com tomate. Mas pelo menos não sou doida por besteira. Prefiro um bom e simples prato de pasta a qualquer cheeseburger ou pizza gordurosa.

Mas falei de tudo isso porque acabei de sair do banho depois da corrida matinal, e estou saboreando um copinho de iogurte natural desnatado com uma colherzinha de mel. Combinação imbatível. São duas das coisas das quais gosto mais, em termos de comida.

AMO mel. Puro, com banana amassada, com iogurte, com morangos. Só não gosto de mel substituindo o açúcar, mas fora isso, como vier eu encaro. Mas eu não entendo nada do assunto e não consigo sentir na língua a diferença entre mel de acácia, de castanheira, de laranjeira, de mil flores... Aqui no supermercado a variedade é enorme, cada planta estranha, combinações malucas de óleos essenciais, uns mais escuros e densos, outros mais claros e líquidos. Como pra mim é tudo mais ou menos igual, compro sempre o millefiore, que custa menos.

E o iogurte? Com fruta, sem fruta, desnatado, integral, não tem problema. Há anos uso iogurte natural como substituto do creme de leite pra salada de macarrão, pra recheio de quiche, pra acompanhar o quibe quando não há coalhada disponível. Acho muito, mas muito mais gostoso do que creme de leite, e as vantagens pro organismo são tão óbvias que nem vou ficar aqui falando. E o melhor de tudo é que, no supermercado de mendigo onde compramos água mineral, atum e Coca-Cola em lata, eu descobri uma marca de iogurte desnatado tabajara que eu não tenho a menor idéia de onde é produzido, e custa a bagatela de € 0,15 centavos por copinho. Compro a embalagem de 8 e faço a festa.

Menu do almoço de hoje:
Filezinhos de vitela na chapa
Berinjela e abobrinha na wok com um fio de azeite e salsinha, cenoura e batata no vapor
Salada de alface da horta da Arianna com tomate-cereja e pepino da horta da Arianna (essa vai pro Mirco porque eu odeio tomate cru e tenho verdadeiro horror a pepino)

Aliás, tá na hora de dar um pulo em S. Maria visitar meu cachorro, que ontem eu não vi, e fazer compras na fruttivendola da praça, a Rita, que é um amor e tem legumes e frutas deliciosas. Lista de compras pra Rita:

Berinjela boa pra grelhar
Maçãs Fuji da Argentina, que semana passada estavam ótimas
Batatas (as da Arianna só vão ser colhidas daqui a duas semanas)
Duas bananas (compro só duas de cada vez porque amadurecem super rápido e detesto banana passada)
Funcho, pro Mirco
Cenoura e salsão que ela dá de brinde pros clientes


Lista de "compras" pra Arianna:

Alface da horta
Ovos frescos
Mais pepinos da horta
Mais tomatinhos da horta
Mais vagem da horta, que eu AMOOOOO
Mais cebola da horta
Salsinha da horta
Mais abobrinha da horta que hoje detono o pedacinho que sobrou de ontem


Lista do supermercado de mendigo (leia-se Penny Market, onde os imigrantes fazem compras):

Coca-cola em latinha, que custa uma titica
Barrinhas de cereal importadas da Alemanha, baratinhas e deliciosas
Guardanapos coloridos, igualmente baratinhos e fofos
Iogurte desnatado tabajara

**

Postzinho chato, né? Deu vontade de ser bobinha hoje.

Postado por leticia em 10:37

19.07.04

Só deu Brasil na parte de esportes dos telejornais de hoje (boto no plural porque TODOS os telejornais de todos os canais usam as mesmas filmagens e os mesmos textos, só mudam os apresentadores. O que vi no Studio Aperto Sport com certeza vai aparecer mais tarde nos outros telejornais esportivos). Falaram bem da seleção de vôlei, “favorita per i prossimi giochi olimpici”, dos gols do goleiro do São Paulo, fizeram entrevista com Kaká (que é amadíssimo aqui), falaram dos resultados da Copa América e da rivalidade Brasil x Argentina, falaram do Wanderley Luxemburgo.

Tamos na moda, tamos na moda.

**

Enquanto isso...

A sessão “ignorance-related misunderstandings” continua no Orkut. A última novidade foi ser acusada de ter feito “chacota” e de não ter sido “polida” quando falei que o vizinho coreano da Hunka cozinhava algo que fedia muito. Igualzinho à história de Berlim. O vizinho coreano da Hunka cozinhava algo que fedia muito, leia-se eu odeio todos os coreanos, quero que eles morram, são todos fedorentos, a cozinha coreana é uma merda.

Depois dizem que eu sou intolerante. Não dá vontade de jogar uns napalmzinhos aqui e ali, de vez em quando? Pelo menos pra exterminar os assassinos de espaço depois da vírgula, os adeptos da vírgula entre sujeito e predicado, os conclusion-jumpers, os mal-humorados crônicos, os generalizadores em estado terminal que pululam na internet?

Aguardem o próximo insulto original e criativo. Ali do lado de Odiei Berlim, logo meu diploma foi comprado já já vai aparecer outra frase de impacto. Tipo, o vizinho coreano da Hunka cozinhava algo fedido, logo não sou polida.

Postado por leticia em 13:44

18.07.04

ai, meus sais...

Tenho feito vários inimigos no Orkut. Invariavelmente é gente que não respeita a diferença de gostos. A internet anda cheia delas.

Um paulista-oriental que insiste em não usar espaço depois da vírgula e tem um português péssimo abriu um thread recomendando a cozinha coreana. Eu falei que nunca experimentei e não quero porque tenho trauma, porque a Hunka tinha vizinhos coreanos que empesteavam o prédio no domingo, quando resolviam cozinhar. Escrevi isso lá porque achei que era uma historinha engraçada, não?

Pronto. Como você é preconceituosa! Como você pode julgar a culinária de um país inteiro por um vizinho que cozinha mal? Os restaurantes coreanos vivem cheios de gente famosa, deve significar alguma coisa, né? (ma che cazzo di argomento è???)

Respondi que nem que eu quisesse poderia experimentar comida coreana, porque aqui onde eu moro não tem. Um idiota responde, sempre em português sofrível:

Eu estive em Roma e vi restaurantes tibetanos, peruvianos, tailandeses, coreanos...

Eu não moro em Roma, querido. E restaurantes estrangeiros não fazem exatamente um sucessão aqui, como qualquer um que conheça um italiano pode demonstrar. O que você acha que um italiano pede quando vai a um restaurante chinês? Spaghetti com frutos do mar, frango com amêndoas, carninha na chapa. Nada de bizarro, italiano não gosta de arriscar quando o assunto é comida.

Ai vem a pérola do paulista-oriental (estou omitindo os erros de digitação e de gramática):

Viva quem aprecia comida estrangeira sem culpa...

Culpa? Não entendi.

Fechei com a Grande Verdade Universal: GOSTO NÃO SE DISCUTE, PORRA.

Postado por leticia em 09:35

17.07.04

num to intendeindo

Quanto mais o tempo passa e mais coisas eu vejo, mais dou importância à capacidade comunicativa das pessoas. Pois não existe inteligência emocional? Musical? Esportiva? Matemática? Com certeza existe comunicativa também. A diferença, acho, é que não se comunicar direito causa problemas em todas as áreas da vida, enquanto que ser desafinado, por exemplo, é só levemente desagradável.

Lembro da minha época da faculdade, quando fazíamos prova no anfiteatro principal, estilo anfiteatro grego, com bancos de madeira e total visibilidade das fileiras à frente. Eu enxergo muito bem e sou muito curiosa, e sempre tive o hábito de xeretar nas provas dos outros, mesmo quando sabia as respostas. E ficava impressionada com a incapacidade das pessoas de entender o que foi perguntado e dar uma resposta adequada. Via gente respondendo em páginas e mais páginas a questões do tipo "Cite três sintomas...". Eu pensava, cacete, citar NÃO é explicar, por que essa criatura está escrevendo tanto??? Ou não entendeu a pergunta ou não é capaz de escrever uma resposta sucinta – ambos defeitos graves, na minha opinião. Extrapolando um pouco a coisa, eu imaginava essa futura médica explicando a um paciente a sua doença, as opções de tratamento, os efeitos colaterais de uma medicação. Com certeza não seria uma explicação clara, muito menos sucinta.

Essa pessoa também com certeza vai ter problemas até quando for ao Ponto Frio Bonzão comprar um liquidificador. Como a senhora quer o seu liquidificador, senhora? Imagine uma resposta de meia hora, que não responde nada.

Claro que nem todo mundo sabe escrever bem. Cada um tem seu talento individual e seus defeitos individuais. Eu escrevo bem mas não sei desenhar nem casinha e também não sei fazer regra de três de cabeça, mas isso não atrapalha em nada a minha vida. Não tenho a pretensão de que todo mundo deva ser um Verissimo. O que eu acho é que neguinho anda muito burrinho, muito incapaz de entender e, consequentemente (que saudade do trema!), incapaz de se fazer entender. E isso não tem nada a ver com escrever e falar BEM, mas com escrever e falar pelo menos CLARAMENTE. Coisas muito diferentes.

(E eu diria que essa idiotice generalizada é um fenômeno muito brasileiro, porque em threads semelhantes a essa abaixo, em comunidades americanas semelhantes, a discussão é de altíssimo nível, tanto em termos de conteúdo quanto de forma).

Vejam os exemplos de um thread numa comunidade de ateus do Orkut. Começou com um topic do Eduardo, um evangélico chatérrimo que adora encher o nosso saco.

Já que vocês não acreditam em Deus, quero saber... 7/16/2004 1:43 PM
1. Todo Cristão é culpado pelas mortes causadas pela Igreja católica (que nunca foi muito cristã!) durante inquisição, etc?
2. Dentre todas as religiões existentes (teístas), quais o qual [SOCORROOOOOOOOO] você consideraria como a mais lógica?
3. Você se tornou ateu porque cansou da religião? Ou porque sempre procurou por Ele, e Ele nunca te respondeu?
4. Vocês acham mesmo que não tem fé?
5. Vocês acham que não existe nada além daquilo que podemos enxergar ou pensar?

Até!

Algumas respostas selecionadas pelo pouco nexo que apresentam (e reparem também nos repetidos assassinatos gramaticais. Os negritos gramaticais e os itálicos de sem nexo são meus, assim como os comentários entre colchetes.):

1. Claro que não, isso não tem nada haver uma coisa com (onde foi parar a preposição?) outra.

2. Na minha opniao, as mais logicas são o satanismo(como religiao pessoal) e o paganismo.

3. Na verdade eu nunca acreditei muito nessa história, as pessoas são ignorantes, coisas que não entendem dizem que é obra divina.

4. Essa história já esta morta, já foi mais do que provado que a fé nao tem nada haver com deus, ou religiao alguma, a fé é uma forma de pensamento positivo, isso já foi provado cientificamente (já pareceu no Fantástico inclusive.

5. Isso foi umas das coisas mais ignorantes que eu já , sem comentários.


Vejam que pérola do nonsense:

1 - aaah mas na inquisição o papa pediu desculpa depois. quantas culturas indigenas massacradas, nas cruzadas, sua igreja mediocre de lutero foi criada simplesmente porque a SIRG [reparem que estamos falando de um Império. Substantivo masculino.] queria anexar terras da igreja católica. a [o que seria isso? Um "Ah,"?] mas a 1 GM nao tem nada a ve com a 2 GM nem vo cita história
2 - na espiríta, foi a única que começou com processos lógicos e racionais antes de se jogar na fé com oq nao explicava (nao curto espiritismo)
3 - procurando ou nao procurando continuava a mesma coisa, novamente, se deus existe eu nao gosto dele e eu sou anticristo
4 - sim, na mesma intensidade que acho vc alienado
5 - se deus está até alem do seu pensamento, nao pode existir ;) vc sempre acaba caindo em contradições te perdoo


Outra:

1. Não é bem assim. Eu não confundo a igreja com o clero. Apesar de ser "mentirosa" [Quem é o sujeito? A Igreja, presumo], há muitos clérigos que podem passar uma lição de vida muito melhor que ateus revoltados e satanistas ou simplismente desinformados. Assim como tem clérigos que como muitos seres humanos é ganancioso [o plural onde foi parar?] e não se importa com a vida alheia. Eu imagino um ateu, na situação do clero, onde eles tinham [eu usaria um futuro do pretérito aqui, e vocês?] que manter o poder. Fariam [aqui ele acertou o verbo, vai entender] ainda pior, porque mesmo alguns inquisidores acreditavam que faziam o que faziam por deus. Se o ateu não acredita em um pós vida, seria ainda mais sarcastico. Claro, levando em consideracao que o ateu seja tão mal quanto o padre. Lembre-se, ha bons padres e maus padres. Assim como todo ser humano [falta alguma coisa aqui...].

2. Ah... Exceto o islamismo e algumas criadas na Reforma, todas são perfeitas, levando em conta a existencia de deus, pois todas explicam tudo ded um modo perfeito. Mas, como ele nao existe, nao ha religiao teista logica.

3. Me tornei ateu porque estudei. [Nota-se].

4. Em algumas coisas. Eu tenho fé que se eu soltar um lapis a uma certa altura ele vai cair. Mas em deus eu nao tenho.

5. Acredito que a ciencia chega lá e vai resolver todos os misticismos.


Minha resposta ligeiramente desaforada:

1. Não merece nem resposta, essa tua pergunta. O máximo que eu posso dizer é que aceitar fazer parte de uma religião que causou tantas guerras, tantas mortes, tanta pobreza e sobretudo tanta ignorância não é um bom indício de lucidez. Não importa se o Papa pediu desculpas ou não. Hoje a Igreja Católica não manda mais ninguém às Cruzadas, mas continua matando indiretamente, ao ser contra a camisinha em tempos de AIDS, por exemplo. Apoiar esse tipo de pensamento é ser conivente com as consequências. Que, diga-se de passagem, não são nada light.


2. Nenhuma, obviamente, já que religião e lógica são coisas diametralmente opostas, por definição.


3. Nunca acreditei em deus, porque nunca fez nenhum sentido pra mim, além de nunca ter entendido por que as pessoas precisam tanto acreditar nele. Meus pais tiveram a sensatez de não me batizar (ainda bem, porque essa imposição da escolha religiosa me dá um nojo que você nem imagina) e de não me botar em escola religiosa. Cresci livre pra pensar. Não é maravilhoso?

4. Isso tudo depende da sua gramática, querido. "Não tem fé" se refere a quem? Porque se você está perguntando se nós achamos que não temos fé, teria que ter botado um circunflexo no verbo "tem", pra fazer o plural. Como não botou, esse "não tem fé" pode querer dizer inclusive "não há fé". Nesse caso a resposta é sim, infelizmente. Infelizmente existe fé, aquela cega, que impede a visão do mundo ao redor. Aquela dos antolhos.

Marcelo, o seu exemplo do lápis não tem nada a ver com fé. Ter fé é acreditar cegamente. Quando deixamos o lápis cair SABEMOS que ele vai cair, e sabemos o porquê também. Saber é diferente de acreditar cegamente.

Não me batam, mas a minha única fé cega é a de que um dia o pessoal que se manifesta publicamente vai ter um nível de Português um pouquinho melhor e parar de botar vírgula entre sujeito e predicado, crase antes de verbo e de palavra masculina, vai parar de errar os acentos dos porquês. Será que é otimismo demais da minha parte? ;)


5. Essa também não merece resposta.

Eduardo, na boa, não subestime a cabeça do pessoal aqui. Só porque os outros escrevem mal, que nem você, não significa que são estúpidos e cegos, que nem você. Pelo contrário, os argumentos dos membros dessa comunidade costumam ser muito lúcidos e interessantes. Ao contrário dos teus, sempre repetitivos e desprovidos de embasamento científico ou de opinião própria. Culpa dos antolhos...

**

Uma das coisas mais tristes é a falta de coerência gramatical (pra não falar das idéias). Já cansei de ler respostas com diferentes erros sobre o mesmo assunto na mesma frase – como o que escreveu mau e mal acima, em contextos idênticos, acertando num caso e errando no outro. Que síndrome é essa da atiração pra todos os lados? O cara não sabe como se escreve "nada a ver", então ele escreve na mesma frase "nada haver", "nada a vê", "nada ver", pra ver se acerta em pelo menos uma? Queísso! Pelo menos escolhe um e fica fiel ao seu errinho! Eu tenho meus erros de italiano de estimação, que fico com preguiça de olhar na gramática pra consertar. Mas pelo menos são sempre os mesmos.

Gente estranha.

(podem deixar que eu darei detalhes da minha expulsão da comunidade.)

Postado por leticia em 13:10

16.07.04

bicharada

Minha casa é um criadouro de aranhas supersônicas. Elas são tão rápidas na construção das teias que eu estendo a roupa no varal de manhã cedo e na hora do almoço há teias entre as perninhas dos pregadores.

Esse é o L*egolas dois sábados atrás. Ele foi pra oficina com a mula do Ettore, que insiste em deixar o portão aberto mesmo sabendo que os cachorros saem pra passear lá não sei onde – e a estrada passando ali pertinho, socorro. Enfim. L*egolas volta MORTO, destruído, acabado, a massa falida. Bebe duzentos litros de água, derruba mais duzentos no chão e deita em cima. Vira isso aí.

Depois o Ettore leva os cachorros pra passear e secar, e limpa todos com jatos de ar comprimido. O mesmo que se usa pras pistolas de tinta.


E essa é a Dadà, a vira-lata fofa da FeRnanda. Chegou terça-feira. Não é uma coisa?


Esse é o pombo maluco que ontem ficou horas sentado na nossa janela do banheiro. Deve ser recenseado porque tinha um anel na pata. Não me pergunte o que ele tava fazendo na nossa janela. Eu perguntei, mas ele não quis papo comigo.


Ripa tem a Sagra del Tartufo. Fomos domingo passado, mas tava tão desanimada! Quando penso na multidão que dançava ao som da Orquestra Riccardi na festa da primavera, aqui embaixo de casa, em junho... Em Ripa só dançaram praticamente as crianças, como vocês podem ver. Alguns casais se aventuraram, mas eram poucos. E observem os modelitos da festa...

Postado por leticia em 18:15

15.07.04

E vocês já foram dar os parabéns pra Mary hoje?

Postado por leticia em 12:26

Estaremos em Paris de 15 a 21 de agosto.

:)))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))

Postado por leticia em 08:13

14.07.04

with a little help from my friends

Uma italiana que conhecemos num albergue em Hamburgo, ano passado, me escreveu dizendo que vai passar 9 dias no Rio, em agosto. Pediu sugestões de lugares pra ir, além do básico que se encontra em qualquer guia turístico. Vergonhosamente nunca fui uma grande exploradora da minha cidade, até por medo mesmo. Por isso peço sugestões a quem ficou por aí: aonde eu mando ela ir? Comer? Se divertir? Lembrem-se que o budget é médio-baixo, estilo albergue da juventude. Mas lembrem-se também que ela ganha em euro.

(se alguém que fala italiano ou inglês se oferecer como ponto de referência pra ela, melhor ainda. Ela é super gente boa, professora, se não me engano, e não é grudenta nem pateta que precisa de babá o tempo todo. E não vai acampar na tua casa, porque já está com albergue reservado).

Postado por leticia em 09:22

rir pra não chorar

A secretária da oficina foi tirar um pólipo esquisito do pescoço e eu fui ontem lá, depois do almoço, pra dar uma geral no escritório. A cena que eu vejo, logo de cara:

Ettore manobrando um caminhão ENORME, que tinha que entrar num canto da oficina, em frente ao banheiro.

Um marroquino à frente do caminhão, dizendo vai, vai.

Outro marroquino atrás do caminhão, dizendo vem, vem.

O caminhão se aproximando cada vez mais do ângulo do almoxarifado com o banheiro. Os marroquinos continuam, vai, vai, vem, vem que dá.

O caminhão arranca um pedaço ENORME da parede do ângulo do almoxarifado com o banheiro.

Mirco começa a xingar e abanar os braços como só um italiano é capaz de fazer, amaldiçoando toda a árvore genealógica dos marroquinos e do idiota do pai dele que demite e reassume mil vezes cada um deles.


Sabe aquela piada do cara que ajuda o outro na manobra, e fica do lado de fora falando vem, vem, vem... CRASH!!! Vem ver a merda que você fez!?

Igual.

Postado por leticia em 08:49

13.07.04

...

O assunto é velhinho, mas parece que só eu não comentei, então aproveito os últimos acontecimentos pra meter o meu bedelho também.

Depois das novelas do crucifixo na sala de aula e da proibição do véu pras alunas muçulmanas, uma escola do norte da Itália, Padova, se não me engano, propôs abrir uma turma só pra imigrantes muçulmanos. Os radicais de direita começaram logo a vociferar, protestar, se indignar. Eu acho a história toda um absurdo, mas não pelos mesmos motivos da Lega Nord, da Forza Italia e da Alleanza Nazionale, os radicais de direita que simplesmente não querem imigrantes e ponto final. Pra mim o absurdo-mor dessa farofada toda é o fato de haver diferenciação religosa dentro da escola. Escola é lugar de estudar, não de rezar. Educação e religião não têm NADAAAAAAAAAA a ver uma com a outra – e não digo isso porque sinto asco total e absoluto por qualquer tipo de religião, mas porque são coisas claramente distintas e que não podem caminhar de mãos dadas. Não importa se a religião oficial da Itália é o Catolicismo; acho o cúmulo escola pública ter aula de religião. Não tem que ter nada! Se você quer uma escola católica pro seu filho, coitado, que vá procurar uma – e pagar por ela, obviamente, porque todo mundo sabe que a Igreja não dá nada de graça pra ninguém. Religião não é disciplina escolar, é opção (ou, na maior parte dos casos, imposição) espiritual, ou o que quer que vocês resolvam usar como descrição. De qualquer forma, deve ser desvinculada da educação. DEVE. SEMPRE.

O segundo absurdo dessa história é a cara-de-pau dos imigrantes, querendo mudar o país onde vieram viver. Eu sou imigrante e, embora as diferenças culturais Brasil-Itália não sejam exatamente abissais, obviamente sinto as diferenças do estilo de vida no dia-a-dia. E não tenho a MENOR intenção de mudar nada por aqui. As minhas indignações são as de qualquer pessoa racional: fila tem que ser única senão não anda, e aqui ninguém sabe fazer fila; a televisão é uma merda, tão merda que saiu até comentário num jornal Inglês há pouco tempo; ninguém lê nada nem estuda línguas estrangeiras e quase ninguém faz faculdade, e isso é estatisticamente comprovado; o governo Berlusconi é uma piada de mau gosto, e isso todo o planeta sabe. Mas seria ridículo eu me indignar porque aqui eles não comem arroz com feijão. Ou porque comem primo, secondo e contorno em pratos separados. Ou porque não tem ralo – bom, isso é motivo de chateação mas eu não vou pra rua protestar pra que as empreiteiras passem a construir casas e apartamentos com ralo, nem acharia justo que elas o fizessem só pra agradar uma minoria imigrante (e limpinha). Eu vim morar aqui, não interessa o motivo, e é mais do que justo que eu me adapte – obviamente sem perder, jamais, a capacidade de criticar, porque é criticando e comparando que as coisas melhoram. É absorvendo as coisas boas que pessoas diferentes nos ensinam que a gente vai dando upgrade na gente mesma e no mundo. Se o idiota que monta as multi-filas no cinema de Perugia já tivesse ido à Disney, certamente teria montado uma fila única, porque saberia que não existe outro jeito de fazer a coisa funcionar. Se os italianos soubessem o quanto é gostoso o suco de maracujá, ele estaria em todas as prateleiras de todos os supermercados – coisa que ainda tenho esperança que irá acontecer, como foi com o abacaxi. O Mirco adora, mas se ele não estivesse comigo a probabilidade dele morrer sem nem ouvir falar no maracujá seria imensa. Se os americanos já tivessem adotado o sistema eletrônico de eleição como nós já fazemos, talvez o Bush... Hm, estou fugindo do assunto.

E se toda minoria quisesse ter turmas separadas, seria engraçado. Uma turma pra muçulmanos, uma turma pra protestantes, uma pra orientais, uma pra quem tem cabelo ruim, uma pros míopes... Que catástrofe, que pequenez de mentalidade seria.

E o terceiro absurdo é a segregação maior ainda que uma coisa dessas causaria. Se já é difícil pro pessoal de outros hemisférios se adaptar normalmente, imagina mantendo o povo separado! Pois se crianças, normalmente menos preconceituosas (ou desconceituosas, já que não entendem nada da vida ainda), brincam todas juntas sem esquentar a mufa se o amiguinho é isso ou aquilo, e são, na minha opinião, o melhor modo de integrar culturas, o que aconteceria se nem elas tivessem a oportunidade de se conhecer melhor, sem preconceitos?

A coisa toda é uma perda de tempo tão grande que eu fico até sem palavras. É o tipo de idéia que nem deveria passar pela cabeça de uma criatura, nunca – como a idéia de jogar lixo no chão. É tão óbvio, tão claro, que não há razão pra discutir. Não há razão pra discutir assuntos religiosos dentro da escola. NADA justifica religião dentro da escola, a não ser que seja um escola religiosa, mas aí é uma escolha tua.

Acho que foi esse o verdadeiro problema do véu dentro das escolas. Não vejo o menor problema no uso do véu nas escolas, tipo, não acho que seja uma ofensa pessoal a ninguém. Trabalhar com gente que tem crucifixo pendurado no pescoço também não é ofensivo pra mim – levemente ridículo, mas não ofensivo, não tô nem aí. Só acho que uma religião que decide tudo na sua vida, desde o modo de pensar até o de comer e se vestir, merece o máaaaaaaaaaximoooooooooooo do meu desprezo. Pensando bem, toda religião merece o meu máximo desprezo, mas quando começa a interferir nas coisas mais bobas do seu dia-a-dia, a coisa fica séria. Chegar a ter protesto na rua e gente perdendo tempo e dinheiro na TV por causa de um véu é um pouco demais pra mim. Tanto problema mais sério pra resolver, tanta coisa mais interessante pra fazer da vida, e neguinho vai ficar discutindo véu, crucifixo? Ai, por favor, né.

E no entanto, até eu tô perdendo meu tempo falando desse assunto, vejam só. Bobeira é uma coisa contagiosa, aparentemente. Embora no meu caso eu acho que a falta do que fazer tenha muito a ver com a história.

Postado por leticia em 14:26

E pra vocês não ficarem achando que só eu reclamo: já foram lá dar uma zoiada na arretada da Daiza e nas suas histórias de fila na Itália? Tão esperando o que messss?

Postado por leticia em 08:41

12.07.04

zoinho

Estou com uma dor de cabeça chata que eu não sei explicar. Nunca fui muito de ter dor de cabeça, mas ultimamente anda um horror. Às vezes retro-orbital, às vezes frontal, sempre latejante. Será que eu estou precisando de óculos? Justo eu, campeã mundial de avistamento (e identificação) de buzum à distância?

Postado por leticia em 19:58

roça

Aliás, falando em colheita... Como os tratores atrapalham o trânsito, putz!!! Da nossa casa até Torgiano, onde fica a oficina, não tem como ir pela superstrada. Torgiano é meio escondida e não tem jeito, precisa pegar a estrada de mão dupla que atravessa campos e mais campos. Já está terminando a época da colheita do trigo e a maioria dos campos já está carequinha, com aqueles rolos enooooormes de capim/feno espalhados, sabe aqueles clássicos, que se vêem em tudo que é cartão-postal da Toscana? As máquinas que colhem trigo são uns verdadeiros tanques de guerra. Monstros blindados, os mais novos invariavelmente pintados de verde-pistache, altíssimos, com cabine climatizada pros camponeses não assarem lá dentro no verão, cada pneu gigantesco, comendo trigo de um lado e cuspindo caules dourados do outro. É bonito de se ver. Mas dirigir atrás de um desses em estrada estreita onde não dá pra ultrapassar é um PORREEEEE. Queria ter tirado umas fotos hoje, mas o tempo tava uma porcaria. Chegou até a nevar no norte do país, é mole? Non si capisce più un cazzo...

Postado por leticia em 19:57

Amélia

E aproveitei que o Mirco ficou enrolado no trabalho e não veio almoçar em casa pra matar o ensopadinho que comemos com torta al testo anteontem – italiano odeia comida requentada, por isso quando sobra alguma coisa eu congelo, e deixo pra comer num dia em que o Mirco não vier almoçar em casa. Fiz arroz branco e farofa e mandei ver. Depois preparei o almoço pro Mirco e pra dois operários dele (spaghetti com o molho do ensopadinho, enroladinho de peito de peru com cenoura cozido no vinho branco, salada, e de sobremesa uma mousse branca com cobertura de abacaxi que eu sempre compro no supermercado de pobre aqui de Bastia, custa uma titica e é uma delicia, além de ter sabor pêssego com maracujá também), e fui levar lá na nova empresa do ex-chefe dele, onde eles tavam trabalhando hoje. Me senti AAAA camponesa que leva a marmita pros homens no campo, na época da colheita. Fiquei até tentada a enrolar um prato num pano, mas como os pratos eram de plástico não foi possível.

Postado por leticia em 19:56

E a epopéia da carteira de motorista continua...

Hoje saí de casa mais cedo ainda, e cheguei à Motorizzazione às sete e cinco, mais ou menos. Sete carros na minha frente, todos de auto-escolas (depois fiquei sabendo que o primeiro da fila chegou à meia-noite). Fiquei sentadinha ouvindo rádio dentro do carro, até que alguém começou a clássica distribuição de papeizinhos numerados. Saí do carro e, embora não estivesse muito a fim de papear, acabei fazendo vários amigos entre os veteranos de auto-escola que frequentam há anos os modorrentos escritórios da Motorizzazione. Um deles, Giancarlo, que conhecia (e sacaneava) todo mundo, resolveu ficar meu amigo e não parou de contar piada e fofocar no meu ouvido a manhã inteira.

De repente vemos um carrinho azul-metálico passar direto por todos nós na fila e parar em frente ao portão. Mais tarde, depois de abertos os portões do estacionamento, vimos que o motorista do tal carrinho era um velhinho sem pescoço, com carinha de tartaruga, enfiado numa camisa pólo verde-musgo – mais jabuti, impossível. Pois não é que o jabuti se meteu na frente de todo mundo na maior cara-de-pau? Eu cutucando o ombro dele, outros dois puxando-o pelos braços, o senhor é aposentado, tem tempo pra perder na fila, chega depois de todo mundo e quer passar na frente? Tá doido? O velhinho esperneava, se irritava, discutia, eu puta da vida, até que alguém viu que o documento que ele tinha na mão, e que segundo ele só precisava de um carimbo, não poderia ser carimbado porque faltava um bollo (aqui tudo funciona à base do bollo, que nada mais é do que um selo, que pode ter valores diferentes, que eu acho que substitui, até um certo ponto, o pagamento de taxas. Qualquer tabaccheria vende bollo, então você não tem que ficar na fila do banco pra pagar um imposto e depois ainda perder tempo levando comprovante pra lá e pra cá: basta colar o bollo no documento e pronto). Quando a mulherzinha do balcão foi explicar isso pro jabuti, caiu um silêncio sepulcral na sala: todo mundo querendo ouvir o jabuti se foder e voltar pra casa de mãos abanando. E quando ele foi embora ainda teve direito a vaias. Dei muita risada, e felizmente consegui resolver o que eu tinha que resolver. Agora só tenho que esperar um mês pra pegar o maldito foglio rosa, o que significa o final do mês de agosto, já que na semana de Ferragosto (dia 15) os escritórios públicos (e o resto do país inteiro também) não funcionam.

Postado por leticia em 19:55

09.07.04

ira

Quando eu estou assim irritada, e não estou falando da irritação de um sapato que machuca, ou de um mosquito no ouvido, mas de irritação séria como essa de hoje, fico intratável. E não tem nada nem ninguém no mundo que ajude a melhorar. Tenho que esperar passar mesmo, porque não tem nem Leguinho que dê jeito. Anzi, tudo que acontece ao meu redor é motivo pra me irritar mais ainda e é mais seguro pro mundo que eu fique isolada, totalmente longe do contato com outros seres animados.

Por isso, crianças, cuidado a quem resolver me escrever e-mail hoje. Porque uma simples mas absurda crase antes de verbo (ou, como aconteceu ontem, um estudante de Direito que me escreveu dizendo que esperava não estar encomodando e perguntando se na primeira vez que eu vim à Itália eu já tinha pretenção de ficar) vai ser o suficiente pra desencadear um macabro episódio de Móveis Hediondos Que Voam Janela Afora.

Postado por leticia em 16:54

patente italiana, capitolo secondo

Mais legal ainda é que isso tudo foi depois do Capítulo II da Epopéia da Carteira de Motorista Italiana (o Capítulo I foi aquele exame de 15 segundos, na terça-feira). O lance é o seguinte: na terça, na auto-escola, a secretária me deu um formulário pra preencher e completar com duas fotos 3x4 em fundo claro (eu só tinha com fundo escuro e tive que refazer as fotos) e três bollettini, que seriam três carnês de 10,33 € pra pagar – seria algo equivalente ao DUDA, acho. E com tudo isso na mão, mais duas fotocópias do certificado médico, do permesso di soggiorno e da carteira de identidade, eu tinha que ir à Motorizzazione di Perugia – o DETRAN deles. Os horários, como sempre, são ótimos: segundas, quartas e sextas, das 8:30 às 12:00 (abre bem na hora do rush, quando o trânsito pra Perugia fica impraticável) e das 15:00 às 18:30 (fecha bem na hora do rush, quando o trânsito vindo de Perugia fica impraticável), sendo que às sextas só abrem de manhã. Não deu pra ir na quarta, então ficou pra hoje. Já tendo sido avisada da bagunça que é aquilo lá, saí de casa às sete da manhã, pra evitar o trânsito maldito e chegar cedo. Cheguei às sete e vinte, e já havia 9 pessoas na minha frente, sendo que quatro eram auto-escolas, ou seja, com um MONTE de pedidos pra entregar, e uma dessas era uma senhora de maquiagem absurda que tinha chegado às quatro da manhã. E já tinha um antes dela.

A entrada pra Motorizzazione é uma ladeira que faz uma longa curva à direita e termina nos largos portões do departamento. Os carros fazem fila encostados na pista da direita, mas quando a fila chega lá na rua o pessoal, obviamente, não tem mais onde ficar esperando sem atrapalhar o trânsito, e acaba indo lá pra frente, pra perto do portão. Quando eu cheguei não entendi a fila de carros, porque vi os carros das auto-escolas e tive, juro, a vã esperança de que houvesse uma fila pra elas e uma pra nós, particulares. Passei direto pela fila de carros e parei em frente ao portão, onde todos aqueles motoristas estavam em pé, conversando. Perguntei como funcionava a fila, eles disseram que infelizmente não tinha essa de uma fila pra cada tipo de cliente, e que era melhor eu pegar um número, que um senhor baixinho (o terceiro a chegar) de óculos escrevia num bloquinho de comandas e distribuía informalmente aos que chegavam, e voltar correndo pra fila de carros pra não perder o lugar. O tempo foi passando e fui vendo mais e mais carros passando por mim e parando lá na frente, no portão. Às oito e dez abriram os portões do estacionamento, e todo mundo que estava parado em pé batendo papo saiu CORRENDOOOO, correndo mesmo, pros carros pra levá-los ao estacionamento, descer correndo do carro e se aglomerar na porta ainda fechada do departamento, no tradicional coágulo humano não-fila que os italianos são craques em fazer.

Aí começou a bagunça, porque um barrigudo arrogante que tinha acabado de chegar tava plantado logo na cara da porta. Todo mundo que tinha seu papelzinho não-oficial na mão e tinha chegado super cedo obviamente reclamou, e a discussão tava formada. Porque um sistema de fila deve existir pra todo mundo, e não só pros 15 primeiros que chegam! Porque organizar a fila é dever da Motorizzazione e não dos clientes! Sim, mas já que eles não fazem nada, os clientes pelo menos tentam organizar! Eu dei meu pitaco dizendo que em tudo que é lugar civilizado do mundo, quando a fila é uma bagunça as pessoas educadas simplesmente perguntam quem foi o último a chegar, e se enfiam depois dela. O povo continou discutindo, brigando, gesticulando, todo mundo se espremendo em frente à porta com medo do vizinho passar à frente, uma coisa horrorosa. Pelo menos o tempo tava fechado e soprava uma brisa fresca, senão os ânimos teriam esquentado ainda mais.

Às oito e meia em ponto uma funcionária vem em ritmo de cágado abrir as portas. O pessoal cai dentro como torcedores no Maracanã, só faltava gritar êeeeeeeeeeeeeeeeeeeee u-tererê uhuuuuuuuuuuu!. Fila? Nem pensar. Consegui chegar perto da ÚNICAAAAAAA FUNCIONÁRIAAAAAAAAAAAA no balcão, mas quando vi que vários dos senhores que tinham chegado antes de mim estavam logo atrás, deixei passar todos e só depois do nono barrigudo entreguei meus documentos. Era a chamada richiesta del foglio rosa, ou pedido do papel rosa, que de rosa só tem um retângulo na parte de cima, e que permite ao portador de dirigir na presença de alguém que tenha carteira há mais de dez anos. E depois de um mês e um dia (DON’T ASK) com esse papel na mão você pode entrar com o pedido dos exames teórico e prático. Normalmente eles levam dez dias pra te dar o papel rosa, depois da entrega do pedido. Mas durante a longa permanência na fila fiquei sabendo que atualmente o período de espera é de quarenta dias. Tudo bem, minha carteira internacional vale até setembro, pra mim o foglio rosa não faz a menor diferença, é simplesmente a primeira fase da obtenção da carteira. Pacientemente e com um sorriso esperançoso esperei a mulherzinha examinar minha papelada. A mulherzinha ajeita os óculos na ponta do nariz, ajeita o vestido de velha, ajeita os cabelos repicados anos 80 totalmente nada a ver, e sentencia:

- Tá errado aqui, senhora.
- Como, tá errado? O quê que tá faltando? Foi a auto-escola quem me deu os papéis.
- Deram-lhe os bollettini errados. Eram dois com a tarja verde e um com a tarja azul, lhe deram dois azuis e um verde.
- E agora?
- E agora precisa pagar de novo.

E me deu um maldito bollettino com tarja verde pra eu pagar. De novo.

Eu quero que alguém, qualquer um, alguém, por favor, me dê uma explicação razoável pra existência de uma diferença substancial entre uma tarja verde e uma tarja azul. Alguém? Não. C.Q.D.

A essa altura já eram dez da manhã e saí desembestada à procura de uma agência dos correios pra pagar o maldito bollettino. Levei horas pra achar uma, porque o trânsito em Perugia é uma coisa louca, não tem sentido nenhum, e se você erra uma esquina leva três horas pra voltar pro ponto de onde saiu, tendo que dar mil voltas por causa das inúmeras Z.T.L. (zone traffico limitato) e ladeiras de mão única. Quando finalmente achei a agência, havia 7 pessoas na minha frente. Paguei o bollettino e fui a uma papelaria em frente fotocopiar o recibo, que eu não sou boba e bem vou lá reclamar na auto-escola por me terem feito pagar 10,33 € duas vezes. Voltei pra Motorizzazione e a fila chegava lá fora. Entrei na cara-de-pau mesmo, achando que a mulherzinha do balcão ia me fazer passar direto, já que eu tava lá desde cedo e não foi por culpa minha que eu tive que ir embora e dar lugar ao número 11 (que era uma família de Gubbio, bem longe daqui, que acompanhava o filho adolescente pra pegar o patentino, a carteirinha de motorista pras lambretas que agora é obrigatória). Que nada. Logo me enxotaram, dizendo que eu tava furando fila, que eu era desonesta, que era mentirosa porque não estava lá desde cedo coisa nenhuma. Fui embora chorando de ódio, antes que alguém viesse dizer que eu era mal-educada por ser estrangeira. Porque aí eu matava alguém. Juro.

É nesses momentos que eu entendo gente que entra no McDonald’s metralhando todo mundo. Bem momento Dia de Fúria. Faz sentido.

Postado por leticia em 16:53

anta

O dia em que eu aprender a mentir ao telefone eu vou ser uma pessoa mais feliz.

Ligaram-me de uma agência de tradução em Milão, uma das mil às quais mandei meu currículo. Diziam que estavam me mandando um fax, em casa, com um questionário que eu deveria preencher, assinar e devolver via fax. Depois do almoço ligaram de novo, dizendo que nem todas as páginas da minha resposta chegaram direito mas a pergunta importante era uma só: eu tenho corretor ortográfico de Português no Word? E o que a idiota aqui responde, sem nem piscar, num primor de sinceridade? Não. O suspiro de decepção do outro lado foi tão nítido que me deu até dor no coração.

E assim eu me fodi e perdi uma talvez bela oportunidade de trabalho.

E o mais legal é que não foi, nem de longe, a primeira vez.

Postado por leticia em 16:41

07.07.04

curtas

Engraçado que agora que não estou trabalhando parece que tenho menos tempo pra ficar online. Tô sempre cheia de coisas pra resolver na rua. Novidades:

- A casa da FeRnanda e do Fabio já tá praticamente pronta. Os móveis do quarto já chegaram, a cozinha já tá quase toda montada, as paredes já estão pintadas. Domingo à tarde eu e Mirco carregamos o caminhão com os móveis IKEA deles, que estavam armazenados na nossa garagem, e lá fomos nos pra Ripa. Montamos os móveis da sala, sofá, mesinha de TV, mesinha pra trás do sofá, mesa de jantar e cadeiras azuis foférrimas. Segunda-feira fomos levar as persianas que o Mirco pintou e jantamos lá mesmo, pappardelle com molho de javali e sorvete de sobremesa, que nós levamos. E hoje à tarde provavelmente vou dar um pulo lá pra ajudar a FeRnanda na limpeza final.

- Segunda também saiu, finalmente, meu permesso di soggiorno. A primeira coisa que eu fiz foi ir a uma auto-escola pra engatilhar o lance da carteira de motorista. Eu tô dirigindo com a carteira internacional, mas um ano depois do pedido de residência (o meu foi feito em setembro do ano passado) ela não vale mais, tem que tirar a carteira do país mesmo. Ontem à tardinha fui fazer o exame médico, que durou 15 segundos (tapa o olho esquerdo e me diz que letra é essa. Ele. Tapa o olho direito, que letra é essa? Ó. Cabou o exame.) e custou 16 euros. Hoje tenho que ir aos correios pagar três taxas de € 10,33 (o equivalente às velhas 20.000 liras) e sexta-feira de manhã vou sair cedo de casa pra ir à Motorizzazione em Perugia, pra dar entrada no pedido da carteira. Vai dar trabalho e tudo vai ser muito lento porque agosto vem aí e em agosto a Europa pára, mas a garota da auto-escola me garantiu que em setembro eu consigo a carteira – se passar nas provas, é claro.

- Acabei de ler o terceiro livro de Camilleri sobre o Commissario Montalbano. O primeiro eu já tinha, La Forma dell’Acqua. O segundo e o terceiro eu comprei em Siena enquanto esperava os Salames. São Il cane di Terracotta e Il Ladro di Merendine. O Cane eu comecei na véspera da partida dos Salames, e terminei três dias depois. O Ladro comecei anteontem e terminei ontem. São ótimos, estou doida pra ler os outros!

- Benetton de Bastia em liquidação com descontos de até 70%. Comprei uma jaqueta jeans, muito precisada, e umas camisetinhas pra esse verão nojento.

- Comprei adubo pras minhas plantas. Meu manjericão tá anêmico, a salsinha só dá flor mas não cresce, a sálvia tá amarelando. E não foi culpa do Mirco, porque ele lembrou de regá-las durante a minha ausência. Pelo menos o peperoncino já deu uma pimenta, que ainda tá verde e feia. Quando virar vermelha eu tiro uma foto.

- O ministro da economia do Berlusconi pediu demissão no último fim de semana. Hohohoho.

Postado por leticia em 08:10

03.07.04

tem quem ganha, tem quem perde...

Ontem rolou o primeiro Palio di Siena (o outro é em agosto). Eu estive lá em 2002 e expliquei como funciona; quem quiser vai lá dar uma zoiada que eu tô com preguiça de explicar tudo de novo. Foi transmitido pela TV, como sempre, mas eu não vi. Ouvi no rádio que ganhou a Girafa, contra todas as expectativas, já que a favorita era a Torre.

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Falando em ganhar e perder: nas últimas eleições (segundo turno) de semana passada, a esquerda papou um monte de cidades que “pertenciam” ao governo. A besta-mor do Berlusconi veio logo todo pimpão, pra disfarçar a cara de tacho, dizendo que isso não faz a menor diferença, que o governo vai continuar governando do mesmo jeito. Parece óbvio, mas aqui não é: meses atrás o governo Berlusca comemorou 4 anos de mandato (são seis), batendo o recorde de permanência no cargo. Quando vi essa matéria na televisão lembrei de um dos nossos professores de italiano no Rio, que dizia que toda hora tinha eleição na Itália porque toda hora um governo caía e ninguém terminava o mandato, e eu achei incrivelmente surreal. Agora a oposição, se achando a rainha da cocada depois dessa grande vitória nas urnas por todo o país, já anda pedindo pro governo renunciar. Quem dera.

Postado por leticia em 09:53

02.07.04

na toscana

Os novos posts sobre a viagem à Toscana estao nos arquivos do mes de junho.

Postado por leticia em 19:47