30.06.04

Toda vez que eu saio de campo perco alguma boa novidade. Dessa vez foi so eu sumir por 12 dias que o Brizola bate as botas! E ninguém me avisou!

Sera' que se eu for, digamos, pra Calabria por um mes inteiro o casal Inho do Rio também sai do circuito? Hein?

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Posts retroativos, day-by-day. Aguardem e confiem.

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Seu meio-chefe tem psoriase E caspa E mau halito E babinha no canto da boca quando fala E so sabe falar berrando E nao escova os dentes NUNCA E fede pra burro E é repetitivo E faz piadas sem graça E te liga 2.000 vezes por dia até acabar a bateria do seu celular E come de boca aberta E fuma E dirige mal apesar de ser motorista de profissao E ronca alto? O meu sim.

Postado por leticia em 18:16

a volta

O vôo dos salames partia às dez e dez da manhã, por isso às seis e meia já estávamos na villa entupindo o microônibus de malas. Eu fui dirigindo a Ulysse e a mala do Leo dirigindo o Astra das babás, que não tavam a fim de pilotar.

A viagem foi super light. Pegamos uma estrada menos importante, com menos movimento, e caímos direto no aeroporto, sem passar pelo anel rodoviário de Roma, que é onde a muvuca acontece sempre. Mas e pra descarregar aquele povo todo e aquelas malas todas no aeroporto, já que não dá pra estacionar? Leo falou "larga o carro aí e vem me ajudar", e lá fui eu. Mas depois obviamente rolou um grande estresse com as duas guardas de trânsito que vieram me dizer que nunca tinham visto uma criatura tão cara-de-pau quanto o Leo, que tinha largado o carro quase no meio da rua e desaparecido no aeroporto, pra catar alguém que viesse pegar as malas dos Salames. Eu estava num estado de irritação ímpar, porque o coitado do Paolo teria que dar uma volta enorme pra retornar a Porto Ercole (ele tinha que ir a Volterra, totalmente fora de mão) e nos deixar na villa, onde pegaríamos a outra monovolume e a C3, pra levá-las ao aeroporto novamente e devolvê-las à Avis. Os Salames se despediram, me deram a minha gorjetinha básica que depois o enxerido do Leo quis saber de quanto foi e eu não disse, e foram embora. Mas ainda não dava pra me sentir aliviada, porque 1) ainda não tinha sido paga e 2) ainda não estava na minha casinha.

E aí recomeçaram os perrengues. Porque o filho da puta do Leo, que dormiu em casa todas as noites enquanto eu e Paolo dormíamos na casa de uma velha desconhecida, em vez de ir ao banco de manhã cedo pegar o dinheiro pra pagar o microônibus e a mim, veio de mãos abanando. Quando ele pediu ao Paolo pra ele dar um pulo em Orvietopra pegar o dinheiro, longe pra cacete, onde fica a agência de banco do Leo, o Paolo se irritou de verdade e começou a dizer um monte de desaforos – muito educadamente, porém, porque ele é um lord. Eu fiquei quieta mas tava doida de vontade de vociferar também. No final das contas o Leo ligou pro Renzo, o dono da companhia de ônibus, e concordaram de se encontrar em Orvieto. O que significava que eu teria que voltar a Porto Ercole com o coitado do Paolo, pegar aquela bosta da C3, voltar sozinha até Todi, deixar a C3 no estacionamento do centro commerciale onde eu tinha deixado o meu carro, deixar a chave no tabaccaio do centro commerciale, pegar o meu carro e voltar pra casa. E rezar pro Leo me pagar assim que fosse possível.

Voltei batendo papo com o Paolo e a viagem passou rápido. Despedimo-nos, ele foi embora pra Volterra e eu peguei a estrada que ele me explicou. Dei uma volta danada mas não tinha outro jeito. Passei por um monte de cidades estranhas, atravessei campos, sempre achando que tinha errado o caminho e depois vendo que não, quando a próxima placa pra Viterbo aparecia. Passei por Saturnia e Tuscania e deu uma vontade danada de parar pra ver os castelos, LINDOS. Mas fui indo.

Agora vem a parte boa.

Quando faltavam uns 30 quilômetros pra chegar a Todi, o carro começou a apitar. A anta do Leo não tinha abastecido o carro e o combustível tava no fim. Eu não tinha UM TOSTÃO, e mesmo se tivesse não queria gastar meu dinheiro botando gasolina praquele idiota. Mas o apito ficava cada vez mais insistente e eu tinha que parar em algum lugar. Entrei no primeiro posto de gasolina que vi. Diálogo:

- Encho o tanque?
- Não, deixa eu te explicar. Esse carro é de um filho da puta que encheu o meu saco durante 12 dias de trabalho e ainda não me pagou nem uma grana que ele me devia já antes desses 12 dias. Eu tenho que ir a Todi, onde ele mora, deixar esse carro e pegar o meu pra voltar pra casa, em Perugia. O negócio é o seguinte: eu quero chegar a Todi com MEIA GOTA de gasolina no tanque. Que é pra ele ligar o carro, andar dois metros e parar.

O cara me olhou meio descrente, mas fez uns cálculos de cabeça e sentenciou:
- Dois litros bastam.

Catei umas moedas no porta-níqueis, paguei os dois litros e fui embora pra Todi.

Só que eu não lembrava onde tinha largado o meu carro. Naquele primeiro dia, como eu tinha errado a estrada, acabamos dando umas voltas, e eu me confundi. Sabia que tinha deixado o carro no estacionamento de um centro commerciale, mas não sabia qual era, até porque não tinha nada escrito (se tivesse, eu com certeza lembraria). Rodei, rodei, o carro apitando loucamente de novo, parei num posto de gasolina pra pedir informações mas os caras não souberam me explicar direito, voltei a onde eu achava que era mas não era, e já estava quase chorando de ódio quando vi dois garotos entrando num carro, prontos pra sair do estacionamento. Pulei na frente do carro e expliquei a minha situação, e eles gentilmente se ofereceram pra me levar aonde eles achavam que era o tal centro commerciale. Deixei a C3 estacionada nesse lugar errado e fui com eles. Felizmente achamos o outro estacionamento, que era relativamente longe. Os meninos se ofereceram pra me levar de volta ao estacionamento errado, onde eu pegaria a C3 pra depois deixá-la no estacionamento certo, na vaga deixada pelo meu carro. Pensei bem e decidi que não, obrigada.

A essa altura era uma e meia da tarde e estava tudo fechado, por isso não tinha como deixar a chave da C3 com ninguém. Entrei no meu carro e vim embora.

Conclusão: deixei de presente pro Leo um carro de aluguel estacionado longe, sem uma gota de gasolina, e sem chave. Se eu tivesse programado tudo isso, não teria dado tão certo.

Vim rindo sozinha no carro de Todi até em casa.

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Leo me pagou só dois dias depois. Não me deu nenhum adicional por ter dirigido todos aqueles quilômetros, coisa que não estava no acordo inicial. Três dias depois eu deixei a chave no bar aqui debaixo de casa e ele veio pegar – de carona com um amigo, porque o carro dele ainda estava na oficina. No dia seguinte me ligou pedindo pra eu falar no telefone com um cliente dele, um americano cujo carro de aluguel tinha morrido no meio da estrada, perto de Napoli. Ele me pagou por essas três ligações internacionais, do meu celular ao celular do americano? Não preciso nem responder.

O que ele não sabe é que eu venho mantendo contato regular com a garota da agência de turismo dos EUA, que organizou a viagem dos Salames. E já deixei bem claro que eu trabalho SOZINHA.

Postado por leticia em 15:42

29.06.04

Giannella

Às onze da manhã passamos na villa pra pegar a família. Leo chegou às onze e meia e fomos direto a uma praia chamada Lido di Giannella (Giannella é uma das duas restingas que ligam o Monte Argentario ao continente). É uma praia mais ou menos particular, teoricamente pertencente ao hotel de mesmo nome, mas o Leo deu um jeito e eles ficaram lá debaixo do guarda-sol e estirados nas espreguiçadeiras – tudo a pagamento, obviamente. Eu fiquei no ônibus lendo Andrea Camilleri enquanto o Paolo foi almoçar no restaurante em frente à praia. Foi ficando tarde e eu fui ao restaurante também, ver se os Salames já tinham acabado de comer e queriam ir embora, mas quem disse que alguém conseguia mandar as crianças pra casa depois do macarrão com manteiga nosso de cada dia? Tinham todos voltado pra areia depois do almoço, e eu acabei ficando por ali mesmo. E foi aí que conheci o Ulisse, dono do restaurante Da Ulisse (muito criativo. Strada Provinciale Giannella, km 3 – Albinia (GR). 0564.820214. Especialidade: frutos do mar grelhados). O cara é uma figuraça, cabelo tipo black power, camisa pólo amarelo-ovo, shorts brancos, ritmo lento, voz idem. Não sei de onde ele é, provavelmente de Roma, decididamente não toscano. Vi uns artigos de jornal emoldurados na parede e não consegui entender de onde eram, até que ele veio explicar: ele tem um restaurante em Cuba e outro em Brisbane, Austrália, que aparentemente faz muito sucesso. Ulisse adora viajar e vai ao Brasil todo ano. Praticamente me obrigou a provar o vino della casa, que ele mesmo produz, e é realmente ótimo. Ficou pau da vida porque eu não tinha almoçado, e não dava mais tempo porque os Salames já tavam saindo da areia. Mas deixou o cartão de visitas com a foto dele no fundo, em cinza, que infelizmente não vai dar pra ver direito se eu escanear, porque é uma comédia. Despedimo-nos e picamos a mula.

Deixamos os Salames na villa e fomos pra casa. Tomei banho e fiquei batendo papo com a senhora Teresa, que costura pra fora e consertou minha saia preta que tinha descosturado na lateral direita. Lá pras sete da noite eu e Paolo fomos de microônibus até a villa levá-los pra jantar fora. Leo queria levá-los ao chiquérrimo restaurante do Pellicano, mas falamos com o maître pelo telefone e ele se recusou terminantemente a aceitar crianças menores de 12 anos (o Leo tinha mentido pra ele antes, dizendo que todas as 7 crianças estavam na faixa dos 12. Na verdade só duas estavam.), a cozinhar peito de frango pra elas, e principalmente a fazer macarrão com manteiga pra eles. Aliás, quase desligou na minha cara quando eu falei, suspirando adequadamente, que as crianças estavam comendo macarrão com manteiga há 11 dias. Bom, então, Leo arranjou esse outro restaurante chamado La Sirena (ou A Sereia. Viale Caravaggio, 87/89. 0564.835032), de frente pra praia, e lá fomos nós. Eu fui num outro carro, porque era o aniversário de uma das Salaminhas e tinham comprado uma torta surpresa, que eu levei escondida até o restaurante e entreguei na cozinha, pra ser servida de sobremesa. Eu e Paolo, irritadíssimos com o Leo, comemos lá mesmo e botamos na conta dele. Menu: risoto de camarão com curry, rana pescatrice (é um peixe feio pra burro) no forno com batatas, um vinho branco de Avellino, cidade que fica perto de Napoli, e de sobremesa sorvete de nozes feito por eles mesmos. Tudo delicioso, impecável, o serviço ótimo; os proprietários, super simpáticos, vieram nos dizer que também têm um outro restaurante ali perto, especializado em carnes (La Locanda del Caravaggio – Via San Paolo della Croce, 6. Porto Ercole (GR). 0564.833078. Pertinho da colina dos javalis).

Felizes da vida com a barriga cheia, deixamos a família na villa e fomos dormir.

Postado por leticia em 15:08

28.06.04

Pitigliano

A região onde estamos se chama Maremma. Um dia já foi uma área pantanosa, praticamente inabitável, insalubre, cheia de mosquitos e com grande incidência de malária (lembram que eu escrevi antes que Caravaggio morreu em Porto Ercole, e provavelmente de malária?). A coisa só foi melhorar lá pra 1700 e bolinha, com a família Lorena da Áustria, que depois da morte de Gian Gastone Medici, em 1734, começou a ajeitar essa vasta região. A terra se revelou fértil e generosa, como certamente tinha sido um dia, na época dos etruscos (sempre eles).

Pitigliano fica em cima de um bloco de pedra chamada tuffo, um tipo de magma vulcânico. Vêem-se cavernas e túneis escavados no tuffo, pelos etruscos. Provavelmente eram usados como tumbas ou com outras finalidades funerárias, já que as únicas estruturas sólidas e duradouras deixadas por eles eram tumbas, urnas funerárias e coisas do gênero. Eles se preocupavam muito mais com a vida após a morte do que com a vida antes da morte, e por isso não há sequer uma casinha etrusca pro pessoal estudar. Provavelmente as casas eram construídas com materiais perecíveis como madeira, palha, etc. Hoje esses túneis e cavernas são usados como cantinas e despensas.

Um dos aspectos mais interessantes de Pitigliano é a sua mistura com a história dos judeus na Itália. Por um longo período, a comunidade judaica de Pitigliano foi bem importante. Em épocas de perseguição de judeus, a cidade serviu de refúgio pros perseguidos. A comunidade judaica chegou a representar 20% da população da cidade, em 1850 – um caso único na Itália. Depois da unificação italiana, em 1871, os judeus foram emancipados e, livres pra ir aonde quisessem, foram deixando a cidade, mudando-se pra outras áreas mais prósperas. Nos anos 30, na época da propaganda anti-semita, os judeus de Pitigliano sobreviveram muito bem, obrigada.

Hoje não há mais uma comunidade judaica em Pitigliano (vou falar disso mais adiante), mas a herança cultural permaneceu. A sinagoga foi restaurada, e a padaria kosher já pode ser visitada novamente. Também há um grande cemitério judeu.

A cidade de Pitigliano é famosa pelo vinho branco, o Bianco di Pitigliano, do qual comprei duas garrafas. Já abrimos uma e o vinho é realmente delicioso. Também fazem vinho kosher, que dizem que é uma porcaria mas o pessoal compra por curiosidade mesmo.


28 de junho

A partida da família estava prevista pras onze da manhã. Acordei cedo e fiquei enrolando, lendo, vendo TV, falando com o Mirco no telefone. Paolo ligou me chamando pra tomar café no bar; fui. Passamos nos correios pra enviar uns cartões-postais, demos umas voltas pra matar o tempo e finalmente fomos à villa pegar os Salames.

A estrada pra Pitigliano é cheia de curvas, e na última delas o Paolo parou pra gente tirar foto – e pra retomar o fôlego, porque a cidade é LINDA. Vista assim, de uma colina oposta, é de arregalar os olhos mesmo. Linda, e super diferente. Ficamos lá babando e fotografando e depois entramos na cidade. Já era hora do almoço e enfiamos os Salames numa pizzaria.


Os Salames queriam ir ao museu judaico, mas naquele dia estava fechado, sabe-se lá por quê. Leo conseguiu falar com a diretora e convencê-la a abri-lo por algumas horas, só pra nós. Enquanto ele ia lá buscar a velhinha, eu e os Salames fomos dar umas voltas.

Achei a cidade bem parecida com Perugia, cheia de becos, arcos, ladeiras. O mais estranho é olhar por cima das muralhas e perceber que você está plantado numa plataforma de pedra. Muito verde ao redor, uma cascata ao longe, linda paisagem, e um calor de matar. Voltamos à praça principal e as crianças foram tomar sorvete. Logo chega a mala do Leo com a velhinha curadora do museu, uma senhora judia de 350 anos e óculos fundo de garrafa. Entramos no bairro judaico e, passando por um arco, descemos até o tal museu, que nada mais é do que a parte funcional do bairro judaico – onde ficavam a padaria, a cantina, etc. Mas vamos com calma.

Ela foi explicando tudo com muita tranquilidade, falando sem parar, mal dando tempo pra eu traduzir pros Salames. Vimos a sala dos banhos rituais, praticados principalmente pelas mulheres menstruadas, antes do casamento, ou nos 45 dias depois de um parto. Segundo ela, tudo isso está escrito na Bíblia (abstenho-me de comentar). A água que sobrava dos banhos descia através de um buraco no chão e ia parar lá nos tanques onde se curtia couro. Também vimos o forno da padaria, fotos daquele pão furadinho judeu cujo nome eu esqueci e que tem cara de ser bom pra caramba, os tanques de tingimento de couro e tecidos, a cantina onde até hoje se armazenam barris de vinho kosher.

A velhinha falou que hoje só vivem mais 3 judeus em Pitigliano, além dela, mas como a sinagoga deles é uma das únicas 5 da Toscana, muitas festas religiosas são celebradas nela – aliás, no dia seguinte iria rolar um casamento básico.

A sinagoga já sofreu muito, coitada. É pequena mas charmosinha, e chega-se até ela através de um terraço onde, um dia, ficava uma biblioteca. Hoje não há mais teto e o terraço é a céu aberto mesmo. Um grande pedaço do teto da sinagoga caiu nos anos 60. Aparentemente o tuffo não é o tipo de terreno mais estável do mundo, e quando resolve se acomodar balança tudo o que está em cima, e foi numa dessas que o teto desabou. Hoje as pinturas no teto são claramente modernas demais, o azul das escritas é cafona, o dourado é excessivamente artificial. Ainda há uma parte do templo reservada pras mulheres, que em teoria não podem assistir aos rituais junto com os homens (não vou comentar, é melhor). Uma cortina numa das paredes cobre a mini-sala que guarda o livro sagrado deles. Bem no meio do templo, uma estrutura de madeira avermelhada, de onde são conduzidas as cerimônias. Tudo muito bem cuidado, limpo e sobretudo interessante. Pena que a velhinha tinha uma reunião na prefeitura e tinha que ir embora.

Poderíamos ter saído pelo portão da sinagoga, que dá pra rua, mas não queríamos que nenhum outro turista nos visse, já que em teoria não deveríamos estar ali. Por isso descemos tudo de novo e saímos por onde entramos. Os Salames nos despacharam, como sempre, e eu voltei pra onde tínhamos marcado com o Paolo de nos esperar. Leo se mandou pra Porto Ercole, pra procurar uma praia decente pra eles, que queriam um lugar de areia e não rochas, e sem topless. Como ainda estava cedo, entrei numa loja pra comprar um vinho e fiquei batendo papo com o proprietário, um grisalho bonitão e simpático que reclamou da falta de vocação pra self-marketing da Maremma, ao contrário do resto da Toscana. Logo depois que saí da loja os Salames voltaram do passeio e tocamos de volta a Porto Ercole.

A viagem não foi fácil. Paramos 3 vezes pra várias das crianças fazerem várias necessidades fisiológicas: duas vezes no mato, e uma num bar. Deixamos o pessoal em casa, Leo se mandou pra Todi e eu fui dormir.

Postado por leticia em 14:38

27.06.04

Monte Argentario

O Monte Argentario (algo como Monte de Prata) provavelmente um dia já foi uma ilha, que acabou se ligando à costa tirrênica através das estranhas restingas de Feniglia e Giannella, formadas pelo acúmulo de detritos transportados pelos rios e pelas correntes marinhas. Hoje a região controlada pelo Comune di Monte Argentario inclui as cidadezinhas de Porto Santo Stefano, onde fica a sede principal, e Porto Ercole, que seria uma fração do Comune (assim com Cipresso, onde eu moro, é uma fraçao do Comune di Bastia Umbra).

Sobre Porto Ercole, a única coisa interessante que eu achei no site do Comune é que foi lá que morreu Caravaggio, provavelmente de malaria.


27 de junho

Acordamos cedo e tomamos café da manhã no quarto. Na noite anterior tínhamos visto um treco pendurado na maçaneta; era um pré-pedido de café da manhã, pra gente preencher. Bem cedo um funcionário passa pra recolher, anota os pedidos e no horário selecionado os rapazes te levam a comida. Lindo. Pedimos morangos, pão fresco, torradas, geléias, manteiga, chocolate quente, cereais. Não sobrou quase nada ;)

Fomos diretamente à villa e de lá levamos a mulher do Salame, Morena Simpática e sua filha e mais Salaminha 1 e Blonde Teenager pra passear. As babás ficaram com o resto das crianças e os machos da casa. Leo foi dirigindo a Ulysse e eu a Citroen C3 que ele alugou pra substituir sua Alfa batida. Aliás, que carro ruinzinho de dirigir! O pára-brisas é estranho, tem uma curvatura bizarra que distorce um pouco a visão; o motor dá pena, o carro não anda, o ar condicionado não condiciona nada. Mas tudo bem. Fomos até Porto Santo Stefano, pras meninas fazerem compras nas barraquinhas da feirinha do calçadão. Enquanto esperávamos por elas fui analisando a paisagem.

Eu achei uma bosta. Sabe Rio das Ostras entupida de farofeiros? Carros estacionados em tudo que é lugar, casas velhas e feias, casas velhas e feias que viraram pousadas improvisadas, lojas cafonas, a inevitável molambice que acompanha a vida na praia, trânsito absolutamente impossível, restaurantes com mesas na varanda, onde o pessoal que passa na rua vê você comendo (eu DETESTO esse tipo de restaurante). Gostei não. Um calor desgraçado, um sol que queimava a moleira, e as malucas passeando no calçadão comprando camisetinhas tye-die e colares de plástico.


Voltamos pra villa, e de lá o Leo foi encontrar o Massimo, administrador da villa de S. Gimignano, numa cidadezinha ali perto. Morena Simpática tinha esquecido um saquinho de jóias na outra villa, que a faxineira achou e deu pro Massimo. Eu aproveitei pra encontrar o Paolo, o novo motorista do novo microônibus, que tava esperando em frente à villa porque às 14:30 teríamos que passar lá pra levar o povo pra visitar uma das fortalezas espanholas da cidade e depois Cala Galera, uma marina famosa (eu adorei foi o nome, Cala Galera... Lindo!). Larguei a C3 na garagem da villa, botei minhas malas no ônibus e fomos até o centro da cidade, à casa onde iríamos dormir.

O lance era o seguinte: a senhora Teresa, viúva, mora num grande apartamento no centro de Porto Ercole com uma mãe solteira e seu filho adolescente, que pagam aluguel, e aluga os outros dois quartos do apartamento a turistas, no verão. O prédio cheira a mofo e o elevador é dos anos 50, daqueles que tem portas duplas que você tem que abrir e fechar manualmente. Então é assim, ó: eu e Paolo ficamos hospedados na casa de uma velha que não conhecíamos, num apartamento cheio de coisas velhas, santinhos e flores secas na parede, e dividindo um banheiro. Pelo menos o Paolo é super educado, a senhora Teresa é simpática e me deixou usar a geladeira dela. Nos quartos tem televisão e a cama é de casal, os travesseiros são confortáveis, não bate sol da tarde e por isso dormi fresquinha.

Descansamos até a hora de sair, e às 14:30 lá estávamos nós na villa. Só que ninguém queria sair da piscina, e mandaram a gente voltar às 17:30, pra dar uma volta em Porto Ercole (dispensaram as fortalezas e Cala Galera porque tava quente demais). Voltamos pra casa da senhora Teresa. Vi Charmed, dormi um pouquinho, comi um sanduíche e voltamos pra villa. Dessa vez todo mundo tava prontinho pra sair, e fomos pro centro. Paolo estacionou lá nos cafundós do Judas e Leo veio nos encontrar. Quis dar umas voltas antes de ir pegar o pessoal, e fomos a Cala Galera, que não tem nada de mais, é só uma marina chique. Depois paramos no centro. Ele foi comer pizza num lugar chamado El Merendero (Viale Caravaggio, 61 – 329.5656786 – é um número de celular). Deixei-o lá comendo de boca aberta e subi a pé até a parte antiga da cidade.

Não tem nada de particular, só meia dúzia de casas em vielas apertadas e uma praça bobinha, mas uma vista estupenda.


Vi uma escadaria e fui subindo, até dar de cara com umas velhinhas sentadas em cadeiras, do lado de fora de uma casa. Perguntei onde terminava a escadaria, e elas disseram que ia até uma das fortalezas, e que era uma bela subida mas a vista compensava. Respirei fundo e continuei subindo, ora degraus, ora ladeira, ora trilha no meio do mato. De vez em quando via um pedaço de mar azul entre as plantas espinhudas, que arranharam meus braços várias vezes durante o percurso. E no fim da trilha eu vi...

...eu vi uma menina que estava sentada na pedra, tirando as sobrancelhas. Com ela, uma dálmata e um vira-lata chato, Aldo, que pentelhava a dálmata sem parar. A vista era de tirar o pouco fôlego que tinha sobrado depois da subida pesada. A outra fortaleza na colina oposta, os barcos lá embaixo no cais, a avenida à beira-mar, os Salames tomando sorvete sentados em bancos na avenida, o microônibus azul do Paolo manobrando lá longe... E ao meu lado a menina que tirava a sobrancelha. Achei surreal demais e resolvi ir embora. No caminho parei pra conversar com as velhinhas sentadas fora de casa, que contaram que na cidade velha, no inverno, só ficam 30 habitantes. O resto da população é formado por romanos que têm casa de veraneio lá e só aparecem 3 meses por ano.


Desci novamente à cidade nova e Leo me deixou em casa. Tomei banho, vi um pouco de televisão e às nove fui a pé até o calçadão, pra encontrar os Salames que saíam do restaurante onde o Leo os tinha levado pra jantar. Dizem que comeram muito bem, mas como os donos são antipáticos não vou dar o endereço. Eles ainda foram tomar sorvete, depois levamos todo mundo pra casa de ônibus enquanto o Leo se mandou de novo, e fui fazer companhia ao Paolo, que tava com fome e queria uma pizza. Fomos parar no Merendero de novo. O Massimo, dono do lugar, é bonitão e super simpático. Diz o Paolo que a pizza é ótima. Não sei, não comi nada.

Quando voltamos e fomos estacionar o ônibus num terreno baldio no fim da rua, damos de cara com um bando de javalis que passeavam entre os carros estacionados ao pé da colina! Levei um susto danado, era a última coisa que eu esperava encontrar ali, a dois metros do centro nervoso de Porto Ercole. Depois descobrimos que o padeiro todo dia passava ali à mesma hora pra dar restos de pão e cascas de frutas pros javalis, que, não sendo bobos nem nada, todo santo dia descem pontualmente do bosque na colina pra jantar.


Esse dia surreal me cansou. Voltei pra casa e chapei.

Postado por leticia em 17:45

26.06.04

San Gimignano - Porto Ercole

Acordei cedo, fiz as malas, tirei os lençóis da cama, e tava quietinha lendo quando toca o celular do Leo. Era a Ruivona, mas como ele, além de não entender nada de Inglês, ainda tava dormindo, não entendeu o que ela queria e achou que era urgente. Veio me chamar e saímos completamente esbaforidos. Quando eu reclamei que não tinha dado tempo nem de escovar os dentes (na verdade foi um verdão que eu joguei, porque ele não escovou os dentes NENHUMA vez durante a viagem inteira), ele começou a discutir dizendo que eu era chata, que tinha complexo de... Não terminou a frase, porque batemos num carro que vinha vindo da direção de S. Gimignano. Ele tinha olhado pra direita e não vinha ninguém, mas esqueceu de olhar pra esquerda e saiu meio desembestado. Sorte que a mulher, que entrou em pânico e começou a chorar e tremer, vinha devagar, até porque a estrada é cheia de curvas e não dá pra ir a mais de 50 km/h. Eu bati o joelho no painel, mas ficou só meio vermelho. As topadas que eu dou por aí doem muito mais. Atrás da mulher vinha um furgão da polícia penitenciária (tem um presídio enorme em S. Gimignano); o policial parou pra ajudar e acabou que era um amigo da mulher, ligou pro marido pra contar o acontecido e coisa e tal.

E aqui vou ser muito honesta: ao contrário do Leo, eu vi a mulher vindo da esquerda. Eu vi que íamos bater, vi que não seria nada sério porque ela vinha muuuuito devagar. Teria dado tempo de avisar ao Leo pra pisar no freio. Mas eu não avisei, voluntariamente. Achei que ele merecia essa. E não me arrependo.

Um carro que veio depois e tinha que subir pra Racciano parou ali, porque o carro do Leo tava bloqueando a estrada. Pedi uma carona e fui com ele até a villa ver o que a Ruivona queria. No final das contas nem tinha sido a Ruivona, mas a Filipinona, que tinha mandado uma calça branca da Banana Republic pra lavar a seco no hotel e a calça veio encardida. Peguei a Ulysse e fui até o hotel ver o que tinha acontecido. A menina da recepção, com quem eu já tinha batido papo outras vezes quando fui encontrar as meninas lá, explicou que o tecido era misto, com três tipos de fibras, entre sintéticas e naturais, e tecidos assim devem ser lavados à mão, e não a seco, como estava escrito na etiqueta, senão absorvem os produtos químicos e acabam manchando. Ela já tinha trabalhado em lavanderia e disse que já tinha visto acontecer a mesma coisa antes. No final das contas não teve jeito: não quiseram dar o dinheiro da garota de volta nem a pau. Também nem me esforcei muito porque não dava tempo; tinha que voltar logo pra villa pra ajudar a botar as malas no ônibus e nos carros, pra ir a Porto Ercole. Ainda passei em Racciano pra pegar as minhas malas. Leo já tava indo pra villa com Michele, que tinha ficado de passar lá pra me pegar.

Todo mundo e todas as malas no ônibus, lá fomos nós pra costa da Maremma, o pedaço da Toscana onde fica Porto Ercole. Fui dirigindo a Ulysse, Leo dirigindo a minivan Ford, e as babás dirigindo o Astra delas. Paramos pra almoçar numa trattoria de beira de estrada. As meninas me convidaram pra almoçar na mesa delas no terraço; aceitei, enquanto o Leo e o Michele almoçaram dentro do restaurante. Comi spaghetti com mariscos mas não tava lá essas coisas. As crianças comeram, pra variar, macarrão com manteiga, pra tristeza do garçom e do proprietário. Lá pelas 4 da tarde chegamos a Porto Ercole. Largamos as coisas na casa, que é maravilhosa e tem vista pro famoso Isolotto (abaixo), mas tem uma decoração moderna que eu detesto, e fomos inspecionar a praia.


Aqui, uma nova mentira: tinham dito que havia uma praia particular pros Salames, mas a praia mais próxima ficava a dez minutos de caminhada obrigatória, e de particular não tinha nada. Além disso era minúscula, de pedras e não de areia, e cheia de mulher fazendo topless. Os Salames não gostaram e ficamos de achar outra praia pra eles mais tarde. Leo voltou pra casa dele pra levar o carro pro mecânico e me deixou com as babás, sem lugar pra dormir. As babás ficaram num resort ma-ra-vi-lho-so, Il Pellicano, e cismaram que eu tinha que jantar no restaurante do hotel com elas e depois me levariam ao centro da cidade, onde o Leo finalmente arrumou um quarto pra mim, na casa de uma senhora que aluga quartos pra turistas. Eu tava irritada e não tava com a menor fome, mas o maître encheu tanto o saco que acabei jantando com elas. O lugar é chiquérrimo, janta-se de frente pro mar azul, os mosquitos jantam você, a comida é carérrima, e nós três todas molambas e suadas destoando completamente do resto dos comensais, mas foda-se. O menu:

Não pedimos antipasto, mas eles trouxeram um mini-antipasto assim mesmo. Tratava-se de um creme de cenoura delicioso no fundo de um prato lindo, com uma bolinha minúscula de ricota com pistache por cima. Delicadíssimo e gostosíssimo. Pãezinhos quentes, recém-assados, com azeite siciliano que vinha num mini-bule de porcelana branca.

De primo eu e a Filipinona pedimos tagliolini (tipo talharim) feitos à mão com molho de lagosta. A massa veio enroladinha em forma de ninho, pousado sobre um creme de ervilhas deeeeeeeeelicioooooooooooso. Pousado no prato, um enfeite de nero di seppia (a tinta preta das lulas), uma delícia. Ruivona foi de tagliolini com molho de lentilhas e tomilho, que tavam com uma cara ótima também.

De secondo fui de sogliola (solha, um peixe), um pedaço infelizmente minúsculo, grelhada com ervas numa caminha de batatas assadas cortadas em cubinhos minúsculos. As babás foram, claro, de frango. Que obsessão essa dos americanos com frango, putz! Mas o golpe mais doloroso pro maître, que era viado afetado, foi a Coca-cola que elas pediram. Lagosta com Coca-cola!!! O homem quase chorou de tristeza. Eu fui mais educada e pedi um copo de vinho branco do Friuli, divino.

Resolvemos pedir a sobremesa. Eu e Filipinona pedimos uma chamada Cioccolato, cuja foto vocês podem ver abaixo (aquela é obviamente a Ruivona, comendo sua sobremesa de abacaxi caramelado). O Cioccolato era um cilindro de chocolate amargo com sementes de gergelim, e dentro um creme quente de chocolate. No outro canto do prato, uma colherada de mousse de chocolate. E uma espiral de chocolate meio-amargo no meio do prato, pra enfeitar (e pra comer também, que eu não desperdiço nada quando se trata de cacau).

Mas antes da sobremesa veio a pré-sobremesa: uma bolinha de mousse de côco num canto, uma colherada de sorvete de maracujá com abacaxi no outro, sobre uma caminha de côco caramelado. Um fio de caramelo ligando as duas coisas.

E depois teve a pós-sobremesa: mini-pães de especiarias, minimicrotortas de limão com uma amora em cima, mini-enroladinhos de canela. Nem sei quanto custou essa brincadeira toda; quem pagou foi a Filipinona, com o cartão de crédito do Salame.

A essa altura elas não queriam que eu fosse embora. Fomos à recepção pedir pra botar outra cama no quarto delas, mas o cara falou que já tava tarde e não dava mais. Resolvemos que eu ia dormir lá assim mesmo, nem que fosse escondida, mas antes queriam ir nadar na piscina. Eu não tinha trazido roupa de banho, até porque não tenho, mas a Filipinona me emprestou shorts e uma camisetinha de lycra e lá fomos nós nadar na piscina térmica de água do mar. Ficamos nadando sob as estrelas e batendo papo até meia-noite. Foi uma das coisas mais legais que já me aconteceram na vida, de verdade. Fazia mais ou menos três anos que eu não nadava. Eu adoro piscina, mas não gosto da idéia de ter que ir a uma piscina pública pra nadar, que é o único jeito aqui onde eu moro. Essa piscina do hotel era linda, a água tava morninha apesar do ar frio fora, tava tudo escuro em volta mas escutávamos a música do pianista do restaurante, e as meninas são muito legais e divertidas (além de terem me contado várias fofocas úteis, que guardei pra mim). Só fomos embora porque começou a esfriar. Subimos, enroladas em roupões, tomamos banho, improvisei uma cama com as almofadas das poltronas, ligamos o ar condicionado e fomos dormir.


Postado por leticia em 10:06

25.06.04

Castellina in Chianti

Não sei nada sobre Castellina in Chianti. Foi uma escolha de última hora e não tive tempo de pesquisar. Também não estou com vontade de traduzir o texto do site do Comune, porque é super mal escrito. Quem tiver curiosidade, que vá lá dar uma zoiada.


25 de junho

Acordei cedo e fiquei enrolando na cama, lendo. A mala do Leo bateu na minha porta pra me acordar, apesar deu já ter dito a ele mil vezes que acordo cedo todo dia e não preciso dele como despertador. Troquei de roupa e quando fui à cozinha tomar café dei de cara com ele na janela, de toalha enrolada na cintura, aquela psoríase toda nas costas, nos braços, nas pernas, socorroooooooooooooooooooooo! Sabe AAAAA visão do inferno? Então. Saí correndo pra tomar banho e quando voltei pra finalmente tomar café ele felizmente já estava vestido. Decidi não dar nenhum ataque de pelanca pra não piorar as coisas, mas só pelo susto (e pela falta de respeito total e absoluta) da toalha e da psoríase ele merecia uma panelada na cabeça. Mas tudo bem, tudo bem. O que não se faz por um punhado de euros...

Fomos pro internet point catar uma cantina pros Salames visitarem, depois sentamos nos banquinhos no piazzale logo em frente, enquanto o Leo telefonava tentando marcar uma visita à maldita cantina. Encontramos duas velhas birutérrimas, uma italiana que mora na Inglaterra e uma alemã que já morou lá também mas voltou a viver em Berlim (que ela odeia, diga-se de passagem, hohoho). Falavam sem parar, contando velhas histórias de viagem, mostrando fotos antigas, dando conselhos ("você tem muita cara de árabe, minha filha, assim fica difícil não ser discriminada aqui na Europa"), tirando fotos. Deram uma canseira danada na gente, mas conseguimos escapar depois que o Leo conseguiu convencer uma cantina que ele dizia que era chiquérrima a receber os Salames assim, em cima da hora.

Fomos pra villa meio-dia e de lá pra Volpaia, cidadezinha no Chianti onde fica a tal cantina supostamente famosa, Castello di Volpaia. No final das contas não era nem famosa nem chiquérrima, mas enfim. A menina que explicou o tour era da Calabria e falava um Inglês tão sofrível que eu tinha que retraduzir tudo o que ela dizia. Explicou que toda a cidadezinha de Volpaia pertence à família dona da cantina, que a comprou há algumas gerações. Vimos os pequenos armazéns de vinho e de azeite, ouvimos as explicações sobre a colheita, os tipos de vinho e de azeitona, etcétera e tal, e finalmente começamos a degustação. Até as crianças provaram o vinho, que era realmente muito bom. A calabresa era muito simpática e tinha preparado uma mesa linda, com pão tostado, molhinho de tomate com orégano, pecorino em pedacinhos, pra acompanhar os vinhos. Saí meio zonza porque pra variar estava de estômago vazio, mas contente por ter provado vinhos ótimos que eu nunca teria dinheiro pra comprar.

E dali fomos a Castellina in Chianti. Há várias outras cidades lindas por ali; passamos pelo delicioso centro de Radda in Chianti e vimos placas pra Panzano, onde trabalha a irmã do Mirco no verão. Mas eles cismaram com Castellina, fazer o quê. A cidade é uma gracinha mas fizemos um tour a jato porque as crianças já tavam de saco cheio de ver fortalezas, castelos e coisas velhas. Paramos numa loja de artesanato em papel e madeira e comprei um novo diário, lindo, de capa de couro e folhas cor creme, feito à mão. Não havia nem uma sorveteria decente na cidade, e resolvemos voltar. Um cervo atravessou a estrada na nossa frente, as crianças ficaram doidas!

Os Salames estavam com fome e paramos no Sovestro de novo pra jantar. Sentei à mesa com Michele e Leo, que dividiram um prato de tripa. Eu fiquei só olhando; além de estar sem fome a visão daquela tripa me dava engulhos. Acabei me irritando de novo com o Leo, simplesmente porque eu não gosto de pegar sol e ele acha que não pegar sol, como eu faço (palavras dele), faz mal. Ainda teve a cara-de-pau de dizer que eu sou pálida como um cadáver. Sua mula, eu respondi, aqui na Itália todo mundo acha que eu sou crioula e pergunta de onde veio o meu bronzeado, e você vem dizer que eu sou pálida só pra justificar uma maluquice da tua cabeça? Se liga! Eu não gosto de sol e não fico bem bronzeada, dá licença deu não gostar de sol e achar que não fico bem bronzeada? Fora que é impossível ter uma vida normal e conseguir, ao mesmo tempo, se esconder tanto do sol a ponto de ficar doente, como ele diz. Só de ficar esperando na fila da Rita verdureira na praça eu já metabolizo toda a vitamina D da qual preciso, tá um calor do cacete, o sol brilha inclemente. Putz, que cara chato! Ainda me chamou de cafone, que seria algo como tosca, mal educada, brega, grossa. Nesse ponto não resisti e dei uma risada ENORME. Ele saiu pra fumar, irritadíssimo, e eu comentei com o Michele que pra mim cafone é quem tem psoríase, caspa, mau hálito, junta saliva no canto da boca quando fala, come de boca aberta, fala berrando, mente pros clientes, usa a mesma camisa horrorosa três dias seguidos no verão, passeia de toalha na cintura na frente de uma mulher comprometida com a qual ele não tem a menor intimidade, atrasa pagamentos, faz piadas idiotas, fuma sem pedir licença. Tudo ao mesmo tempo. Michele engasgou de tanto rir.

E assim acabou meu dia.

Postado por leticia em 09:15

24.06.04

San Gimignano

Background histórico

San Gimignano fica no alto de uma colina (334 metros), a 56 km ao sul de Florença e a uma hora de Siena, dominando o vale do rio Elsa com suas torres. O nome da cidade vem do Bispo de Modena, San Gimignano, que, dizem, salvou a vila das hordas bárbaras. Já foi uma pequena vila etrusca (200 – 300 a.C.), mas sua vida como cidade propriamente dita começou mesmo no século XX, quando o Bispo de Volterra deu autorização para abrir um mercado semanal. A cidade enriqueceu e se desenvolveu bastante durante a Idade Média graças à via Francigena, uma rota de peregrinação e comércio que passava exatamente ali e ligava a principal estrada entre Roma e os Alpes e a estrada que ligava o coração da Toscana à república marítima de Pisa e à costa oeste do que hoje é a Itália. Sinais dessa prosperidade são as igrejas e monastérios ricamente adornados. No ano de 998 os habitantes começaram a construir os primeiros muros. A proteção oferecida pelos muros começou a atrair tanto camponeses quanto a nobreza feudal, e a cidade foi ficando mais importante, apesar das lutas de poder entre o Bispo de Volterra, que representava o poder da Igreja, contra a nobreza feudal e mais tarde contra o Conselho Municipal, que obviamente eram contra o bedelho da Igreja na política e na economia e apoiavam o Sacro Imperador Romano. Devido a lutas internas pelo poder, a cidade acabou dividindo-se em duas facções, uma liderada pela família Ardinghelli (Guelfos) e outra pela família Salvucci (Ghibellinos). No final das contas o Bispo levou a melhor. Em 1199 San Gimignano tornou-se um município livre, mas teve que jurar lealdade ao tal bispo, tendo que lugar contra os Bispos de Volterra e das cidades em torno. Dois anos depois, foi construído o segundo anel de muros. O tal bispo era um ótimo administrador, oferecendo incentivos a quem construia suas casas e lojas na parte de dentro da cidade murada. Claro que, quanto mais segura (leia-se murada) uma cidade, mais as pessoas se interessavam em ir viver e trabalhar lá, e os mercadores logo logo aproveitaram, também porque San Gimignano era o maior produtor italiano de açafrão, planta que cresce às margens do rio Elsa. Exportavam até para a Holanda.

Mas o século XIII não foi nada pacífico e San Gimignano mudou de mão algumas vezes (em 1250 os Florentinos destruíram as muralhas para que a cidade atraísse menos os Pisanos. Os Seneses as reconstruíram em 1261), mas isso não impediu a construção das torres das famílias patrícias, que controlavam a cidade. A construção das torres já havia começado desde o século XI. Um decreto dizia que ninguém tinha autorização para construir uma torre mais alta do que a torre do Comune, e por isso as famílias mais ricas decidiram partir pra quantidade, contruindo torres gêmeas. Já foram 72 as casas-torres, de até 50 metros de altura. Hoje são só 14. A arquitetura da cidade monstra influências misturadas dos estilos de Pisa, Siena e Florença, até porque uma lei determinava a altura e a largura máximas de casas e lojas, e pra se diferenciar dos vizinhos, já que as medidas eram as mesmas, o pessoal começou a botar a mão na massa em termos de criatividade.

Em maio de 1300 Dante Alighieri visitou San Gimignano como Embaixador da Liga Guelfa na Toscana (Dante era danado, adoro ele). Em 1348 rolou aquela peste negra braba na Europa e a população de S. Gimignano também foi reduzida drasticamente, em cerca 75% - sobraram umas 7000 pessoas, o mesmo número de habitantes de hoje. A cidade entrou em crise e em 1353 teve que se submeter à poderosa Florença.

Quando começou o salto econômico que transformou a Itália em uma das maiores potências econômicas mundiais, as estradas da Via Francigena que passavam por ali perderam importância para outras estradas que passavam por outros vales, e San Gimignano ficou, felizmente, isolada dos grandes centros industriais que pululavam ao longo das ferrovias, láaaaa embaixo. Hoje há gente tentando reviver os grandes tempos do açafrão, mas o produto mais famoso de S. Gimignano é a vernaccia, um vinho branco (que eu infelizmente não consegui provar) que dizem que é maravilhoso, e lendas contam que suas uvas foram introduzidas pelos etruscos. Pela sua importância histórica, foi o primeiro vinho italiano a ganhar o selo DOC (denominazione di origine controllata, um selo de qualidade).


24 de junho

Mirco saiu cedo, às 6:30. Eu fiquei meio lendo, meio dormindo, reacordando, até umas nove da manhã. Fui a pé até a cidade, que a gente mal tinha visto no primeiro dia, eu e as babás. Entrei pelo piazzale dei Martiri di Montemaggio, que está em obras. Ali fica a porta principal, a Porta San Giovanni, construída pelos seneses em 1261.

Segui pela Via San Giovanni, onde almoçamos no primeiro dia, passei pelo Arco dei Becci e fui cair na Piazza della Cisterna (a foto tá lá no segundo dia da viagem). Fiquei lá bundeando, depois fui dar uma olhada na fortaleza, que no verão vira teatro a céu aberto. A vista lá de cima é estupenda; as torres mais altas ficam ali pertinho, mas paga-se pra entrar.

Eu queria subir na Torre Grossa (grosso em italiano quer dizer grande, em todas as dimensões, e não só grosso em termos de espessura ou diâmetro) mas tive um ataque de pão-durismo e resolvi deixar pra outra vez. Pelo mesmo motivo não entrei no Duomo. Tem cabimento igreja cobrar pra entrar? Pode ter as obras de arte mais lindas do mundo, mas um templo é um templo, pombas! Fiquei tão irritada quando vi que tinha que pagar o ingresso que fui bater perna, entrar em lojas, visitar oficinas de artesanato, comprar cartão-postal.

Dali a pouco a mala do Leo ligou, dizendo que já tinha chegado. Fui encontrá-lo na porta principal, depois voltamos à Piazza della Cisterna, onde tava rolando o mercado semanal. Leo comprou galinha-d’angola (faraona) assada e pimentões grelhados pra levar pra casa, e fomos procurar um internet café. Fizemos o que tinha que fazer e ele foi embora. A essa altura já eram umas 3 da tarde e eu fui almoçar sorvete de maracujá na piazza del Duomo, embaixo de uns arcos, na sombra. Fiquei batendo papo com uns padovanos que estavam ali tomando sorvete, depois ataquei High Fidelity (Nick Hornby, uma das coisas mais legais que eu já li na minha vida) e de repente começou um burburinho ali na praça. Era dia de casamento e um noivo muito nervoso, DE GRAVATA IMPERDOAVELMENTE COR-DE-ROSA, passeava pra lá e pra cá, tirava fotos, era cumprimentado pelos amigos. Um casal recém-casado saiu da igreja; a noiva era uma morena bonita com um vestido super simples, o noivo também era bonitão. Até que chegou a noiva do cara da gravata rosa. Chegou num carro antigo, como vocês podem ver, e o vestido dela dava até medo de tão feio: meio saia, meio calça transparente, blusa transparente cheia de botões e com um colarinho imenso, uma coisa horrorosa. Como o cara também não era lá essas coisas, ficou tudo ótimo.

Uma menina pequenininha mas com cara de esperta, no colo do pai, ao meu lado, repetia "eu quero ver a noiva!", enquanto a mãe explicava que aquela ali de branco era a noiva – claro que a garota não entendia, só repetia o que os outros diziam em torno dela. Achei tão engraçado que puxei papo. Quantos anos você tem? Ela estendeu três dedinhos e me disse, toda séria: mas a Ilaria tem 8. A mãe explicou que Ilaria era uma prima dela. A família era de Genova, muito simpática, e depois de tirar umas fotos dos noivos, foram embora continuar o tour.

Mais tarde o Leo ligou de novo, estava na cidade. A Mulher do Salame tinha pedido pra ele vir buscar as mil sacolas de compras, e eu fui com ele deixá-las na villa. Depois fomos levar os adultos a um restaurante no centro e ficamos esperando na pizzaria do Francesco. Levamos os Salames pra casa e fomos dormir.

Postado por leticia em 08:14

23.06.04

Florença

Todo mundo conhece Florença, então não vou ficar enchendo o saco de vocês com fatos históricos. Eu também conheço Florença, e adoro, mas o dia foi corrido e não deu tempo de rodar.

Basicamente Leo partiu cedo pra lá, pra comprar os ingressos pro Palazzo Ufizzi (onde fica a Vênus de Botticelli) senão os Salames teriam que pegar fila, e Salame milionário não pega fila, jamé. Michele veio me pegar de ônibus no pé da ladeira que leva a Racciano, onde fica a nossa casinha, e fomos pra villa. As crianças vieram reclamando de sono, que algum alarme disparou durante a noite e não deixou ninguém dormir. Liguei pro Massimo e ele garantiu que a casa não tinha NENHUM alarme. Falei pra ele ir lá do mesmo jeito dar uma olhada, aproveitar que o Salame ficou em casa com o Salaminho mais novo e perguntar de onde vinha o barulho. Mais tarde ficamos sabendo que não era, obviamente, alarme nenhum, mas um walkie-talkie da Salaminha mais velha que tinha ficado esquecido numa mochila, a bateria descarregou e por isso ficava apitando. Agora eu pergunto: onze pessoas numa casa, um apito que não deixa ninguém dormir e NINGUÉM teve a brilhante idéia de ir procurar e eliminar a fonte do barulho, em vez de sair reclamando de um alarme que ninguém viu, porque não existe?

Mas enfim. A viagem a Florença foi tranquila; pegamos um pouco de engarrafamento mas nada comparado à hora do rush em Roma ou Milão. Leo nos encontrou no checkpoint dos ônibus (em algumas cidades italianas agora é assim, os ônibus têm que pagar pra entrar, e custa caro pra cacete) e dali Michele nos deixou num ponto qualquer de um Lungarno, de onde fomos a pé até o centro. Já expliquei aqui mas reexplico: as avenidas que correm ao longo de um rio ganham o nome Lungo(nomedorio) + o nome da rua. Como em Roma, onde há várias avenidas chamadas Lungotevere Fulano de Tal, Lungotevere Cicrano da Silva. Em Florença são Lungarno, já que o rio que corta a cidade é o Arno, lindo.

Então. Botamos os Salames dentro do Uffizi e fomos procurar lugar pra estacionar. Como NCC é bom mas não é infalível, e Florença não é muito grande e por isso não tem muito lugar pra estacionar, Leo achou melhor ficar no carro enquanto eu ia almoçar. Comi num self-service horrível perto do Ponte Vecchio, uma porção minúscula de cappelletti industrializados com presunto e ervilhas, ao preço mata-turista de 7 euros! Um primo de qualidade, aqui na Umbria e mesmo na Toscana, fora dos grandes centros turísticos, não passa de 6,50, 7 euros, isso se tiver um tartufo ou cogumelo porcino no meio (são ingredientes caros). Fiquei passada, mas como não tava com fome e só comi pra não desmaiar na rua, não reclamei.

Terminado o passeio no museu, levamos os Salames pra almoçar na Buca dell’Orafo, restaurante tradicional sempre ali na zona de Ponte Vecchio. Eu fiquei esperando, sentada num murinho ali do lado, lendo Lullaby (que é ótimo, por sinal). Dali eles foram fazer compras na rua chique de Florença, onde ficam as lojas de griffes famosas. Eu e Leo ficamos rodando de carro, pra não perdê-los de vista, quando de repente toca o meu celular. Era a Giuseppina, a cozinheira, perguntando se os Salames realmente tinham cancelado o jantar de sexta-feira à noite (eles decidiram ir jantar fora pra não ter que arrumar nada na cozinha depois). Respondi que sim, e ela aproveitou pra perguntar se eu sabia o que ela tinha que fazer pra pegar a grana dela. Perguntei ao Leo, do meu lado, e ele disse que era pra ligar pro Massimo, que entraria em contato com a agência em Londres, já que nos não tínhamos nada a ver com a história. Dois minutos depois me ligam de Londres. Levei um susto, porque eles mal sabem que eu existo, o Leo não é bobo e jamais deu nenhum telefone ou email meu pra eles, e eu, eticamente, nunca entrei em contato também. O cara, muito simpático e falando italiano muito bem, perguntou o porquê do cancelamento, que tipo de gente era, se a Giuseppina podia falar desse assunto grana com eles e coisa e tal. Lógico que ele ligou pra mim e não pro Leo; se sou eu que falo Inglês e converso com eles, pra quem mais ele vai ligar? Leo desconfiou e perguntou quem era. Quando eu falei ele arrancou o telefone da minha mão, desconversou e desligou – e ai começou o escarcéu. Ficou puto porque:

1. Eu dei confiança pra Giuseppina, coisa que não deveria ter feito, segundo ele, porque ela não tem classe, tem cabelo no sovaco e um filho rastafari (mas pelo menos não come de boca aberta que nem você, nem tem tanta psoríase que o chão do carro fica coberto de pele morta, pensei). Dei tanta confiança (isso porque nos nos vimos só 2 vezes!) que ela teve o topete de dar meu número de celular pra terceiros! E daí, retruquei. O numero é meu, eu dou a quem quiser, ela não deu o meu número a um cafetão ou traficante de drogas ou chefe da máfia, simplesmente a uma agência que PEDIU o número porque precisava de informações que só eu sabia dar. Qual é o problema?

2. Eu reclamo quando ele enche o meu saco com aquelas famosas piadas idiotas. Mandei-o tomar no cu, com todas as letras, e comecei a berrar também. As pessoas na rua passaram a nos olhar, dois loucos se esgoelando dentro do carro.

3. Eu não fui profissional ao fazer amizade logo de cara com a Giuseppina. Respondi que realmente eu não sou profissional, já que esse é o primeiro trabalho desse tipo que eu faço, e ele sabia disso. E que eu faço amizade com quem eu quiser, não tenho culpa de ser simpática, extrovertida e maravilhosamente interessante.

4. Eu não tinha nada que me meter no assunto pagamento da cozinheira, porque não é da nossa alçada. Respondi que eu não me meti em assunto nenhum, e se ele era surdo e não me ouviu dizendo à Giuseppina pra ligar pro Massimo, coisa que ele mesmo mandou fazer, o problema era dele.

E foi aí que ele se traiu, soltando um "Mas agora a agência tem o seu telefone!" exasperado. Aaaaaaaaaaaaaahn, eu fiz, então é esse o problema, Catatau... Pois é, agora que eles têm meu telefone vou excrusive mandar meu currículo, que mal tem. Não tenho contrato de exclusividade nem com você nem com ninguém, tô cagando pro seu conceito de ética, encheu demais o meu saco, chega!

Felizmente avistamos os Salames, que tinham acabado as compras e queriam ir ao museu da Accademia ver o Davi. Lá pras sete eles saíram, entramos no ônibus e fomos embora. O meu estado de irritação era tão grande que eu não conseguia nem falar, só rosnava. Pra piorar, a mala do Leo tinha me ligado tantas mil vezes durante o dia, pra repetir as mesmas coisas e se certificar de que os dois boçais, eu e Michele, não tínhamos feito nenhuma cagada, que a bateria do celular acabou toda, mesmo tendo ficado toda a noite anterior carregando. O Mirco tava vindo jantar comigo em San Gimignano, mas, lemming como eu, já tinha dado mil voltas e não sabia como chegar – e não conseguia falar comigo porque o celular tava mortinho. Acabei botando o lanterneiro pra falar com o Michele no telefone dele, tadinho, e nos encontramos no restaurante Da Pode, no Hotel Sovestro (località Sovestro, 63 – San Gimignano. Tel. 0577.943089), onde os Salames já tinham jantado uma vez, e adorado o frango deles. Jantamos juntos, nós três (o Leo felizmente fugiu pra Todi outra vez), e botamos tudo na conta do Leo. Michele foi levar o povo embora e eu e Mirco fomos pra casa. Uma lebre e seu filhotinho atravessaram a estrada na nossa frente, na ladeira pra Racciano. Tirei foto, mas ficou escura. Sorry.

Postado por leticia em 20:03

22.06.04

Volterra

Background histórico

A cidade de Volterra tem mais ou menos uns três mil anos de história. Há evidências de TODOS os periodos históricos desde os primeiros habitantes, o que confere à cidade um aspecto artistico único. A antiguidade dos muros, a imponente Porta dell'Arco Etrusco abaixo, a Necrópolis de Marmini e os inúmeros achados arqueológicos conservados no Museo Etrusco, como a famosa estatueta L'Ombra della Sera abaixo, as urnas funerárias e jóias finamente trabalhadas são testemunhas do período etrusco. O Teatro di Vallebona é do período de Augusto, o que sugere a importância de Volterra durante o domínio romano.

Hoje a cidade conserva sobretudo um aspecto medieval, não somente pelos muros do século XII mas também pela estrutura urbana, de ruas estreitas, palácios, casas-torre e igrejas. O Paolo, motorista do segundo ônibus (que vocês ainda não conhecem), é de Volterra e me contou um monte de coisas interessantes sobre a cidade. Basicamente morar numa casa-torre era demonstração de potência econômica e de status social. S. Gimignano chegou a ter 72 delas – hoje são 11, se não me engano. Volterra tinha bem menos torres, mas tinha. Hoje não sobrou nenhuma, porque quando foi conquistada por Pisa, que hoje é a província à qual pertence Volterra, suas torres foram literalmente capadas, prática comum na época. Quem ganha corta as torres de quem perde, que assim fica de mãos abanando em termos de status. Ele também falou que Volterra, originalmente Velathri (que nome lindo!!!), foi a mais importante cidade etrusca, dominando toda a área ao redor.

O Renascimento teve grande importância na cidade, mas não alterou seu caráter medieval. Desse período são a Fortezza Medicea (foto abaixo), que, acreditem, hoje é um presídio de segurança média, e o Convento di San Girolamo.

A cidade tem uma tradição longuíssima de artesanato em alabastro. As lojas e estúdios de alabastro são infinitos e alguns trabalhos são realmente lindíssimos. Os cacarecos pra turista ainda são relativamente poucos, ao contrário de Assis. Paolo falou que, ao contrário da terra de São Francisco, há uma lei contra quem pendura cacarecos fora das lojas, por isso a cidade parece muito mais organizada e limpinha, menos poluída visualmente. Eu comprei um potinho de alabastro branco com uma florzinha em bronze na tampa, pra Arianna, e um outro também com apliques em bronze pra minha tia Ilse, que adora esses trequinhos.


22 de junho

Em vez de me deixar em paz, lendo, Leo me fez ir com ele até o escritório do Massimo, em Larniano, ao lado da villa dos Salames, pra tentar achar o bendito microônibus. Eles estavam sem telefone, por isso Massimo nos levou a Poggibonsi, cidade maiorzinha, mais funcional e menos turística ali perto, onde fica o escritório central da empresa onde ele trabalha. O proprietário dessa villa di Larniano e de outras é um certo Senhor Niccolai, que de operário passou a dono de uma empresa de trailers – aqueles que neguinho usa pra viajar gastando pouco (pouco uma ova, porque um trailer custa MUITA grana). A empresa vende e aluga trailers – no caso do aluguel, os maiores clientes são prostitutas da área, que alugam por um dia (ou noite) pra ter um lugar pra levar os clientes. Homem esperto e de muita visão, seu Niccolai comprou, há séculos, antes do boom da Toscana, um monte de antigas ville a preços ridículos, reestruturou todas e hoje valem uma grana preta – e rendem mais ainda, visto que ele não é bobo e vender, não vende nada, só aluga pra turistas endinheirados. Então lá estamos nós no escritório em Poggibonsi ligando pra todos os transportadores, taxistas e alugadores de carro e ônibus da província. Levamos a manhã inteira nisso, e eu, entediada, abri meu diário e comecei a escrever. Lá vem a besta do Leo encher meu saco:

- O que que você tá escrevendo?
- Um diário.
- Você escreve um diário?
- Sim.
- Nossa, você é uma brasileira muito atípica.
- Por que, porque sei ler e escrever melhor que você? Leo, na boa, se você continuar enchendo o meu saco com essas idiotices eu vou me irritar seriamente. E você NÃO QUER ME VER IRRITADA SERIAMENTE. Nem eu quero me ver irritada seriamente. Pára de me torrar a paciência.

Começamos a discutir ali mesmo – aliás, ele berrava e eu nem tchum, continuava no meu diário. Ele tem essa mania idiota de fazer piadas bestas sobre o Brasil, país que, conforme fiz questão de lembrar-lhe várias vezes, ele não conhece. ODEIOOOOOO gente que brinca com coisas que não conhece nem de longe. No final das contas a briga acabou porque ligaram de uma companhia confirmando um ônibus de 29 lugares pra meio-dia e meia, hora em que a gente deveria ir pegar os Salames na villa. Eles queriam um ônibus maior do que o que foi pegá-los no aeroporto, que segundo eles pulava demais (engraçado que mesmo pulando eles dormiram a viagem toda...), então esse de 29 era perfeito. Lá fomos eu e Massimo inspecionar o tal ônibus, cujo proprietário se chama Renzo. Achamos que servia, apesar de não ser muito bonitinho, ser pintado em cores cafonas e não ser exatamente novo. Mas só tinha ele mesmo, então fomos à villa pegar a galera.

O motorista se chamava Michele e era um amor, um docinho. Pequenininho, dentes completamente acavalados, tímido, era só uma das crianças dar buongiorrrrrno, Michael! pra ele que ele ficava todo vermelho. Foi dirigindo devagarzinho, já sabendo que ali todo mundo tinha mania de enjoar e vomitar, até porque comem sem parar dentro do ônibus, e que o Salame não gosta de ônibus que pula. Nesse ritmo caramujo levamos séculos pra chegar a Volterra, mas eu gostei logo de cara. Desembarcamos a família na entrada da cidade e fomos almoçar, eu e a mala do Leo (o Michele tinha que ficar no ônibus, no estacionamento um pouco fora da cidade), num restaurante muito fofo chamado Web & Wine (Via Porta all’Arco, 11/13. Tel. 0588.81531). Leo comeu pizza mas eu não almocei, tava doida pra dar umas voltas pela cidade. Deixei o pentelho lá imprimindo e-mails no restaurante e fui dar os meus rolés.

Volterra é LINDA. É turística, sim, mas manteve a qualidade de vida. As lojas são foférrimas, super bem cuidadas, as vitrines de um incrível bom gosto, as embalagens dos produtos são lindas, as ruas são limpas, as pessoas são simpáticas. Um amor, um bijoux de cidade, fiquei louca! A piazza del Comune lembra muito a de Arezzo, mas é vários séculos mais antiga, como fez questão de frisar o Paolo. Eu não queria encontrar com os Salames na rua, pra não parecer que eu estava me divertindo às custas deles, por isso evitei o Museo Etrusco. Mas pretendo voltar a Volterra com calma e passar horas no museu e várias outras rodando pelas ruelas.

Encontrei, num beco, uma livraria chamada Lorien. Jacaré entrou? Eu também. Achei vários livros em língua original, coisas atuais, muitos livros da minha wishlist, muitas coisas fofas, e acabei comprando Lullaby, do Palahniuk, e outras coisas bubus, algumas das quais estão em processo de envelopamento e expedição pra Newlands, mas não contem pra ela não. Tirei várias fotos, a maioria escura e feia, comprei mil cartões-postais, fui aos correios expedir todos, comprei os potinhos de alabastro, voltei pra entrada da cidade e mais tarde a família chegou e fomos embora.

Largamos o povo na villa, onde eles iam jantar a comida da Giuseppina, e fomos de Alfa até a pizzaria do Francesco, ver o fatídico jogo Itália x Bulgaria. Quando estávamos estacionando ouvi a seguinte frase: "em francês também se diz assim..." e logo identifiquei a fonte. Eram cinco brasileiros sentados a uma mesa do lado de fora. Cinco engenheiros, na Itália a trabalho, todos de Santa Catarina e muito simpáticos. Ficamos horas batendo papo, e foi nessa que descobri que o Francesco falava português. Quando subi pro segundo andar, onde o Leo tinha sentado porque tinha telão, ele já tava no fim da pizza. O papo com os meninos tinha sido tão legal (talvez pra eles não, porque eu falei pra caramba, até ficar com sede) que a fome até voltou e comi uma lasanha básica. Depois do jogo fomos dormir que ninguém é de ferro.

Postado por leticia em 12:32

21.06.04

Siena

Background histórico

Os símbolos de Siena são a balzana (um escudo preto e branco) e a loba amamentando os gêmeos Rômulo e Remo – o mesmo símbolo de Roma. De acordo com uma antiga lenda, Siena teria sido fundada por dois filhos de Remo, Senius e Aschius, que, ao deixar Roma, levaram com eles uma estátua da loba, roubada de um templo de Apolo. Eles teriam se estabelecido nas colinas toscanas. Senius tinha um cavalo branco e Aschius um cavalo preto, o que explicaria a escolha das cores da cidade.

A área onde fica Siena provavelmente já era habitada desde a época etrusca (séculos VII – V a.C.), mas os romanos fundaram Siena como uma colônia militar (Sena Julia) nos tempos do imperador Otaviano Augusto (27 a.C. – 14 a.C). Durante o período de dominação romana, a cidade se desenvolveu muito pouco economicamente, porque estava longe das rotas de comunicação mais importantes, que eram a Via Aurelia a oeste, seguindo a costa do mar Tirreno, e a Via Cassia a leste, que atravessa o vale do Chiana e o vale do rio Arno. Mais tarde, lá pelo século IV d.C., a cidade começou a crescer, juntamente com o Cristianismo, que ali se desenvolveu, dizem, com S. Ansano.

Os Longobardos invadiram a Itália em 568 d.C. e trouxeram muita prosperidade à cidade, que alargou suas fronteiras, roubando Rapolano, Sinalunga e Asciano da rival Arezzo. Essas cidades até hoje pertencem à província de Siena. Além disso, as áreas em torno da Aurelia e da Cassia estavam se deteriorando, e com isso Siena se viu em uma situação importante, em meio a uma nova linha de comunicação: a via Francigena. No século VII, Carlos Magno derrotou os Longobardos e Siena passou a ser domínio francês. Foi nesse período que nasceu a nobreza senese, bem do coração de famílias longobardas e francesas.

Depois de alguns séculos de calmaria econômica, política e cultural, a cidade voltou a crescer, a partir do ano 1100. Lentamente Siena voltou a expandir seus limites e foi ali que começaram as primeiras brigas com Florença, cidade guelfa (anti-imperial, ou seja, a favor da mistura Igreja-Estado, enquanto que Siena era ghibellina, pró-imperial, ou seja, os papas não têm que meter o bedelho na política). A partir do século XIII a cidade se tornou um centro urbano propriamente dito. Nessa época nasceram os primeiros bancos (o Monte dei Paschi di Siena é o mais famoso, fundado mais tarde, em 1492, se não me engano, e que é uma das potências bancárias da Itália. A agência aqui de S. Maria é bem bonitinha.) e um grande hospital, Santa Maria della Scala, que existe até hoje. Infelizmente Florença acabou levando a melhor e Siena se rendeu ao seu domínio, mas a partir daí a cidade conheceu um longo período de paz, durante o qual nasceu a escola senese de arte. No século XIV a cidade entrou em decadência outra vez, em parte por causa da peste que tinha abalado a Europa em 1348, e nesse mesmo período a religião ganhava cada vez mais força. São dessa época personagens famosos como Santa Catarina de Siena e São Bernardino de Siena.

Durante o Renascimento Siena voltou ao seu esplendor, especialmente na vida cultural: a escola senese passou a integrar os novos estilos florentinos de pintura e escultura, e houve muitas novidades também na área da arquitetura. Lógico que depois desse período veio uma nova onda de decadência, de opressão por parte dos franceses e dos Habsburgos, e as guerras contra Florença não paravam, até que a cidade caiu nas mãos dos espanhóis (Felipe II), que em 1557 vendeu a cidade a Cosmo I da família Medici, um nobre florentino. E assim Siena passou a fazer parte do Grão-Ducado da Toscana, perdendo sua independência política mas mantendo a independência administrativa.

No século XII foram fundadas a Universidade de Siena e as academias de artes e ciências. Também foi nessa época que a tradição do Palio di Siena foi consolidada. As contrade (os bairros, digamos) passaram a ganhar importância e a rivalidade entre elas também foi crescendo, coisas que se observam claramente ainda hoje, na época do Palio e fora dela também.

E quando a Itália deixou de ser um amontoado de reinos, cidades-estado e outras coisas estranhas e passou a ser um Estado, Siena, obviamente, foi simplesmente incorporada e virou a província que hoje é.


21 de junho

Acordei cedo, como sempre, mas dessa vez quem me acordou foi o Leo, aos berros no telefone. Felizmente ele saiu de casa às 8:30 pra levar a Renault pra Florença e pegar o outro carro pro Salame. Novamente esperei que ele saísse pra finalmente ir tomar meu banho, comer meus grissini e continuar minha leitura. O dia estava lindo, mas soprava um vento frio sem parar. Deveríamos chegar à villa às 11 já com o novo carro pra acompanhar a família a Siena, mas Leo chegou depois das onze pra me buscar. Eu fui dirigindo o novo monovolume, um Fiat Ulysse, e ele foi com a Alfa. Botamos todo mundo nos carros, eu fui com Leo e todos os outros machos no Ulysse e a Morena Simpática foi com o resto da mulherada dirigindo o Ford. Tivemos que parar no caminho porque a Blonde Teenager, coitadinha, não aguentou as mil curvas da estrada e vomitou feio. Mas chegamos vivos a Siena.

Largamos a família sozinha, como sempre, e fomos estacionar na Piazza dell’Indipendenza, bem ao lado da famosa Piazza del Campo. E aqui cabe uma explicação teórica. O Leo é como se fosse um taxista de luxo, que entra na categoria NCC (noleggio con conducente, ou carro alugado com motorista), o que lhe dá acesso às áreas ZTL (zona traffico limitado), onde normalmente carros não podem passar. Só que a licença NCC se refere ao carro, e não ao motorista. Ou seja, quem tem autorização pra entrar em ZTL é a Alfa, e não o Leo dirigindo outros carros. Só fui entender isso mais tarde, porque deixamos os carros na praça e fomos a um internet café pra eu traduzir uns emails pra ele, e quando voltamos um policial tava lá todo feliz multando os dois monovolumes. Leo ficou puto da vida, dizendo que era muito azar porque ele conhecia todos os policiais de Siena e justo nesse dia que tinha clientes importantes e ele tinha se afastado um minuto dos carros, lá vem um policial que ele não conhece fazer multas que ele não merecia (aham). Rolou uma confusão danada porque ele não queria abrir os carros pra pegar os documentos, já que a autorização NCC tava no nome dele e nos documentos da Avis no porta-luvas dos carros estavam, obviamente, os nomes de membros da família Salame, que eram quem deveria dirigir, em vez do Leo. O policial queria porque queria ver os documentos, o Leo argumentando ridiculamente que não podia invadir a propriedade de outras pessoas, porque os carros estavam no nome dos clientes e não no seu, o policial perguntando então comé que ele tava com as chaves dos carros se não eram dele, acabaram chamando outros dois policiais da central, e no final o Leo ganhou duas multas, e escapou por pouco de levar uma terceira por desacato à autoridade. Achei Ó-TE-MO.

Ficamos o dia inteiro pastando na praça. Eu conheço Siena e não tava a fim de passear, preferi ficar por ali mesmo, lendo e me esquivando do Leo. Mais tarde o Salame ligou dizendo que eles queriam jantar em Siena mesmo, mas tinha que ser cedo, por causa das crianças. Pra achar um restaurante que abrisse às seis e meia da tarde pra fazer macarrão com manteiga e frango grelhado pra um bando de americanos foi um parto, do qual fiz questão de não participar, já antecipando que eu não receberia nem um obrigado, quanto mais uma graninha extra, por fazer gentilezas que não estavam no programa. Fiquei quietinha sentada no carro, protegida do vento frio, lendo meu livrinho e comendo uma focaccia de alecrim, que foi meu almoço às 4 da tarde (lembrem-se que a raiva é a única coisa que me tira a fome, e o Leo me irritou MUITO desde o primeiro minuto desse trabalho). Encontrado o bendito restaurante e encaminhados os Salames, Leo entrou no carro comigo e cismou de bater papo, contando, com seu hálito de esgoto, coisas sobre a sua vida pelas quais eu não tinha o mínimo interesse e não fiz nenhuma pergunta. Ele diz que trabalhou 18 anos em rádio e por isso fala berrando. Que delícia.

A parte mais deliciosa veio depois: a Morena Simpática tava cansada e não queria dirigir. Quem foi dar uma de motorista? Euzinha. Não me levem a mal, eu ADORO dirigir, mas se devo dirigir profissionalmente, ainda mais com a GIGANTESCA responsabilidade de ter gente desse calibre dentro do carro, quero ganhar mais por isso, e quero, principalmente, saber que haverá a possibilidade de ter que fazê-lo, antes do trabalho começar, em vez de ser pega de surpresa. Mas tudo bem, fora um caminhão-jamanta que quase nos matou na estrada porque não nos deu a preferência, que era nossa, não aconteceu nada de grave. Largamos o pessoal na villa e fomos jantar.

Comemos no único restaurante que achamos aberto em S. Gimignano: Il Trovatore (Via dei Fossi, 17. Tel. 0577.942240), muito bonitinho e simpático, com Tosca rolando no telão. Comemos pici (pronúncia pitchi. São iguais aos strangozzi umbros, que são spaghetti super grossos e de farinha de grão duro, ficam super al dente) alle briciole, ou seja, com tomates-cereja e farinha de rosca por cima (briciole quer dizer migalhas de pão). Durante o jantar ligamos (liguei) pros EUA pra falar com a assistente pessoal do Salame, porque o dinheiro que deveria ter chegado ao banco do Leo não dava sinais de vida, e ele precisava pagar a Avis. Também tinha o lance do microônibus, que às onze da noite, quando deixamos os Salames na villa, a Mulher do Salame cismou que queria pro dia seguinte, pra eles viajarem todos juntos. Precisávamos de autorização pra pagar por esse ônibus, que não estava no contrato inicial com o Leo. Os Salames não lidam com dinheiro, quem administra essas coisas é essa assistente pessoal do Salame, que nos implorou pra nem tocar no assunto grana com eles – é uma preocupação que eles não querem ter. No final ela deu carta branca pra usar o número de cartão de crédito deles pra comprar, alugar e obter qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, que eles desejassem. Então tá.

Exaustos, fomos pra casa dormir.

Postado por leticia em 11:59

20.06.04

San Gimignano

(Vou falar mais da cidade e botar fotos mais à frente, nesse dia a gente não viu quase nada porque não deu tempo. E não reparem na qualidade péssima das fotos. Eu sou péssima fotógrafa, por isso prefiro comprar cartões-postais.)

Acordei cedo, como sempre, mas não ousei botar o nariz pra fora até o Leo sair de casa. Fiquei lá, deitadinha lendo meu livrinho, ouvindo todos os rumores corporais dele no banheiro, a torneira aberta por horas a fio, os passos pesados arrastando os chinelos, o pigarro, o assoar do nariz, os resmungos, o telefone que tocou e ele respondeu aos berros, os arrotos ocasionais, uma fineza só. Quando ouvi o estrondo da porta da frente batendo e o barulho do carro indo embora, levantei, fiz a cama e fui tomar banho, fingindo não notar o estado lamentável do banheiro – coisa de quem não tem nem bom senso, nem uma companheira em casa pra dizer Leo, VAI SECAR O CHÃO DO BANHEIRO, PORRA, nem respeito pela pessoa com a qual ele é forçado a dividir o banheiro nesse momento. Comi uns grissini di alecrim de café da manhã sentada na cama, olhando pela janela. O tempo estava esquisito, um vento super forte, nuvens que passavam correndo, escondendo e mostrando o sol. Tomei coragem e saí.

Eu tinha marcado com as babás de encontrá-las no hotel delas às onze. A família tinha nos dispensado; queriam ver a cidade sozinhos, sem babás, guias ou intérpretes. Fui a pé ao hotel, porque adoro caminhar, a paisagem é linda, é só uma colina de distância, e porque não tinha outro jeito mesmo, já que Leo saiu com o carro. Calculei mal o tempo e acabei chegando cedo demais. A recepcionista simpática me disse que elas tinham saído pra jantar na noite anterior e chegado muito tarde. Pronto, pensei, vou ficar esperando aqui até meio-dia e meia. Mas tadinhas, às onze e meia desceram, sorridentes, e fomos a pé até a cidade, que é linda.

Claro que fomos direto almoçar, que já era hora. Entramos no primeiro restaurante que vimos, Taverna Paradiso (de Raffaela Scialò; Via S. Giovanni, 6. Tel 0577.940302), bem no início da ladeira que leva à Piazza della Cisterna.

O restaurante era microscópico, e a proprietária estava usando um lindo vestido do Renascimento, cor de vinho, e penteado de época também. Pedimos bruschette e depois cavatelli (uma massa curta que parece um nhoque pequeno com um corte longitudinal) alla Medici, ou seja, com bacon, molho de tomate e nozes – uma delícia. As meninas comeram tiramisù de sobremesa, batemos papo com a proprietária e saímos. Fomos dar uma volta na praça: tavam passando os Cavalieri di Santa Fina, a outra santa padroeira da cidade. Os cavaleiros são esses coloridos e armados de lança, à esquerda na foto, mas mal dá pra ver, eu sei.

Tomamos sorvete de maracujá e chocolate na Piazza della Cisterna, demos uma voltinha rápida por alguns becos e voltamos pra pegar o carro na garagem do hotel, porque elas tinham que estar na villa às três da tarde, pra dar uma geral na casa e ver se a família precisava de alguma coisa.

Chegamos à villa, botamos roupas pra lavar, arrumamos umas telhas pra fazer peso no varal de chão, que senão o vento levava embora, e ficamos batendo papo sentadas nas espreguiçadeiras da piscina. Dali a pouco o Leo liga dizendo que o Salame tinha ligado pra ele reclamando de alguma coisa do carro, mas ele, obviamente, não tinha entendido o que era. Liguei pro Salame (ele, a mulher e cada uma das babás ganhou um celular novo especialmente pra essa viagem) e ele explicou que tinha uma luz esquisita acesa no painel e ele não sabia o que era, e que volta e meia alguma coisa apitava, mas ele também não sabia o que era, porque as mensagens no painel eram, obviamente, em italiano. Como o carro andava sem problemas, concordamos que eu ficaria na villa esperando por ele (como se eu pudesse sair dali, sem carro...) pra tentar descobrir o que era. Uma hora depois eles chegam: o problema era na Renault. Peguei o carro e fui até a cidade mas não piscou nem apitou nada. Voltei e encontrei Ruivona já pronta dentro da Astra, de saída pra um mercadinho pra comprar umas coisinhas pras crianças. Lá fomos nós de novo pra cidade, ao único alimentari aberto, comprar as tais coisinhas: iogurte, manteiga de amendoim (que, obviamente, não tinha), coca-cola, água mineral, brioches, Nutella, manteiga, papel laminado, pregadores, um papel higiênico mais macio do que o que tinha na villa, essas coisas. Levamos horas porque toda hora o Salame ligava pra Ruivona pra adicionar alguma coisa à lista. Finalmente voltamos à villa, e às 8 da noite Ilaria, simpática co-administradora da villa, fez a cortesia de levá-los pra jantar na cidade, já que o Leo tinha ido resolver a vida dele sei lá onde e eu, além de estar a pé, não sabia onde ficava o restaurante. Eu fui jantar com as meninas num outro hotel-restaurante perto do hotel delas. Fiz elas provarem a ribollita, aquela sopa de verduras e leguminosas com pão dentro, típica da Toscana e absolutamente deliciosa, comeram pão com provolone derretido, eu fui de spaghetti com crustáceos, a Ruivona encarou um filé mignon com berinjela, abobrinha, batata e pimentão na grelha, e a Filipinona foi de frango com aspargos. Voltamos todas à villa, onde o Leo tinha acabado de chegar, e dali eu fui dirigindo a Renault atrás dele com a Alfa, porque no final das contas o Salame queria porque queria mudar de carro e a companhia de aluguel fica em Florença, por isso a substituição teria que rolar na manhã seguinte, bem cedo. Leo queria comer; fomos a uma pizzaria, La Taverna del Granducato (Viale Roma, 6. Tel 0577.907049. Falar com o Francesco, que é casado com uma brasileira e fala Português muito bem), onde tive que suportar a companhia do Leo por mais de uma hora enquanto ele atacava umas carnes na brasa com salada. Chegando em casa, tomei um super banho e fui mimir.

Postado por leticia em 10:51

19.06.04

Pequena introdução pra galera se situar + capitolo primo

Leo é uma mala sem alça. Ele aluga carros pra turistas americanos e ingleses, e na maioria das vezes vai buscá-los no aeroporto e os leva pro hotel ou pra villa alugada. Na verdade esse "transfer" é a sua especialidade. Não poderia ser de outro modo, já que ele não fala quase nada de Inglês e é completamente desprovido de classe, e por isso fica limitado a dirigir o carro mesmo. Eu fui chamada pra trabalhar como intérprete, quebra-galhos ocasional e boa companhia.

Ele trabalha, na maioria das vezes, com clientes de uma conceituada agência de aluguel de ville (lembrem-se que o plural em italiano não tem s), com sede em Londres. Esse grupo que acompanhamos na Toscana nesses 12 dias é composto de 13 pessoas, que fizeram contato com a agência de Londres através da agência de turismo deles nos EUA. Não posso dizer nem o nome da família nem o da cidade onde moram, porque é gente MUITO rica e conhecida. Digamos que a família se chama Xis. Essas 13 pessoas são: o Salame, filho do poderoso patriarca Mr. Xis (quando um homem é um bundão, em italiano, se diz que è un salame. Bundão como esse eu nunca vi, por isso o apelido), a Mulher do Salame, os Quatro Filhos dos Salames (digamos Salaminhos 1, 2, 3 e 4, em ordem cronológica), a melhor amiga da Mulher do Salame, que chamaremos de Morena Simpática, sua única filha, que chamaremos de Sardenta Sorridente, dois dos três filhos do seu segundo marido (ela ficou viúva quando estava grávida de 8 meses da Sardenta Sorridente, e anos depois casou com um viúvo com 3 filhos), que chamaremos de Moreninho e de Blonde Teenager, o melhor amigo do Salame, doravante chamado Super Stronzo, e as duas baby-sitters, que chamaremos de Ruivona e Filipinona (o motivo do aumentativo é puramente estético – a Ruivona é ENORME e a Filipinona, de origem obviamente filipina, é bem, bem gordinha). A família Xis tem tanto, mas tanto, mas tanto dinheiro que eu não consigo nem explicar. Mas vou dar exemplos ao longo dos posts e vocês vão entender o nível dessa gente.

A família Xis alugou uma villa em Larniano, uma colina pertencente a San Gimignano, província de Siena. Na Toscana quase tudo que é colina tem um nome, como se cada uma fosse um bairro, todos pertencentes à cidade principal. A villa di Larniano é simplesmente uma torre construída no ano 1000. Isso mesmo que vocês leram, ano 1000.


É bem grande, tem um monte de quartos, um monte de banheiros, máquina de lavar louça e máquina de lavar roupa, piscina imensa, quadra de tênis, cozinha confortável, salões e mais salões, TV com DVD player. As babás ficaram hospedadas num hotel 4 estrelas na entrada da cidade.

Os carros de aluguel eram 3: duas monovolumes (uma Renault Espace modernérrima, com cartão em vez de chave, e uma Ford cujo modelo esqueci) e uma Opel Astra pras babás.

Os Salames não trabalham, seus filhos não vão à escola mas são homeschooled (e as babás, ambas de formação pedagógica, ajudam, juntamente com os infinitos professores particulares). O Super Stronzo é arquiteto e antipático. A Morena Simpática é ex-bailarina e coreógrafa, elegante, linda, super sorridente. O velho Mr. Xis é um dos maiores acionistas de uma das mais importantes publicações dos EUA, e tem tantas, mas tantas empresas que um dia resolveu dar uma de presente ao melhor amigo de cada filho. O Super Stronzo se encarregou de falir a que ele ganhou.

Os Salames têm casa na Suíça, em um outro lugar dos EUA onde passam o verão inteiro, e em outros lugares que eu já esqueci. São muito religiosos e seriamente envolvidos com a sua igreja, que não sei qual é porque esse assunto realmente não me interessa.

Background completo, vamos ao relato propriamente dito...


Sábado, 19 de junho

Acordei super cedo e saí de casa antes das seis e meia. Fui até Todi encontrar o Leo e o microônibus. Logo de cara já me irritei: quando perguntei onde deveria sair da estrada, ele falou "pega a saída de Todi". Só que Todi tem duas saídas, uma chamada Todi-Orvieto, que é meio lateral à cidade, e outra chamada Todi-San Damiano, que fica bem de frente pra Todi, e foi onde eu saí. Liguei pra ele pra avisar onde eu estava, e seguiu-se o seguinte diálogo:

Leo: Por que você saiu em San Damiano?
Leticia: Porque você é super esperto e sabe dar indicações muito bem, e mesmo sabendo que eu não conheço NADA de Todi nem se preocupou em dizer qual saída pegar. Super legal, adorei. Adoro me perder.

Tudo bem, ele veio me buscar, demos a volta toda de novo. Deixei o carro estacionado em frente a um centro commerciale, subi no microônibus, cujo motorista se chamava Massimo, e fomos pro aeroporto de Roma. Leo foi pegar outros clientes no centro de Todi, que teriam que ir ao aeroporto também – dois coelhos com uma porrada só.

Chegamos cedo demais. Fiquei uma hora batendo papo com o Massimo no ônibus, sem entender quase nada – ele é de uma cidadezinha minúscula perto do Lago Trasimeno e tem um sotaque horrível, além de ser super bronco, o que invariavelmente atrapalha a dicção. A hora da chegada do vôo dos Salames foi se aproximando, e eu fui ao portão de chegada esperar, com aquele cartazinho ridículo na mão, escrito Family Xis. Nunca imaginei que um dia fosse passar por uma situação dessas. Ao meu redor, amontoados num canto do portão de desembarque, mil outros Leos, cada um com seu cartazinho escrito à mão e com grafia errada, enchiam o saco dos passageiros que saíam perguntando que vôo era aquele que tinha acabado de aterrissar. O monitor avisava que o vôo dos Salames estava desembarcando, e nada do Leo chegar. Chegou, todo suado, praticamente junto com eles. Um bando de crianças louras e sorridentes, e TRILHÕESSSSSSSSSS de malas enormes, do tipo que cabem dois cadáveres dentro, confortavelmente instalados. Cumprimentos, apertos de mão, carregamos o ônibus de malas, todo mundo sobiu, Leo montou na sua Alfa preta, e lá fomos nós pra Todi, onde íamos parar pra almoçar.

A viagem a Todi é tranquila; alguns minutos de bate-papo desconfortável e formal intercalados com meias-horas de sono. Em Todi almoçamos no La Mulinella (Località Pontenaia - Todi (PG) - 075.8944779), os Salames numa mesa linda no jardim, embaixo de uma árvore, e eu com o Massimo, no ar condicionado dentro do restaurante. Comi tagliatelle com molho de ganso, super bem feito. Eles fazem um pão com nozes que é de comer chorando. As crianças Salame comeram macarrão com manteiga – sacrilégio, italiano odeia manteiga. A Mulher do Salame conseguiu convencer o garçom a trazer um cappuccino pra ela em plena hora do almoço, coisa incrível, já que normalmente os italianos são extremamente puristas quando se fala de comida, e quase sempre se recusam a cometer heresias alimentares, não interessa quem está pedindo. Mas ela lançou um sorriso de Mulher de Salame Milionário e o garçom trouxe o cappuccino, não sem revirar os olhos, claro.

Acabado o almoço, era hora de tocar pra San Gimignano. Leo me veio com a novidade: eu tinha que levar o carro das babás até a Toscana, coisa que não estava prevista nos nossos acordos iniciais. Esse carro já deveria estar em Larniano, com os outros dois, e em momento nenhum se falou em Leticia dirigindo. Mas, como não tinha outro jeito, lá fui eu dirigindo a Opel Astra – carrão, aliás, motor tinindo, ar condicionado super power.

A viagem foi um saco. As estradas depois da saída pra Siena estão em obras há anos e o tráfego corre em uma única fila em cada direção. Levamos séculos pra chegar a S. Gimignano, mas pelo menos a paisagem é bonita. E vi uma coisa insólita, num lugar insólito: um velho pastor de ovelhas, de cajado e tudo, sentado à sombra de uma árvore, enquanto os carneiros pastavam num pedaço de campo às margens da autostrada Roma-Firenze, uma das mais movimentadas do país. Eu tinha decorado o número do quilômetro, mas não anotei e agora esqueci. Mas a imagem incongruente ficou gravada na minha cabeça, e vai ser uma das últimas a sumir se um dia eu tiver Alzheimer.

Chegando à villa, as crianças foram direto trocar de roupa e pular na piscina. Na cozinha encontrei a Giuseppina, toscana de sovaco cabeludo que prepara refeições a domicílio pra turistas endinheirados, com a ajuda do filho rastafari Simone. O jantar daquele dia estava na grande mesa do terraço: como antipasto, bruschette de berinjela e de tomate e lindos barquinhos de massa recheados com creme de abobrinha e flor de abobrinha. De primo, spaghetti com molho de tomate fresco, e de secondo, asas e coxas de frango assadas. Vinho branco e água mineral. Claro que ninguém comeu nada, porque tinham se entupido de besteira no ônibus. Giuseppina ficou puta da vida, mas disfarçou bem. Nós ficamos resolvendo os últimos pepinos com o Massimo, administrador da villa – providenciando mais toalhas, aprendendo a mexer na máquina de lavar roupa, etc. Fomos até o hotel das babás (Relais Santa Chiara - Via Matteotti, 15 - S. Gimignano (SI) 0577.940701), que nos seguiram no Astra, e depois finalmente nos dirigimos a Racciano, uma outra colina ali perto onde eu e Leo ficamos hospedados numa outra casa do mesmo dono da Villa di Larniano. A casa era minúscula, dois quartos, um banheiro, uma sala/cozinha e um rustico embaixo, com lareira e uma mini-cozinha. A minusculidade da casa foi um IMENSO motivo de irritação: não tenho a MENORRRRRRRRR intimidade com o Leo e dividir aquela casa microscópica, e, pior, dividir banheiro com ele, foi uma das piores experiências da minha vida. Mas enfim.

O bom da casa é a vista: Racciano fica numa posição exatamente oposta à colina onde fica S. Gimignano, por isso da janela da cozinha dava pra ver as torres da cidade:


Leo saiu pra comer pizza. Eu fiquei em casa lendo A Brief History of Time e acabei adormecendo, mas acordei com ele chegando em casa. Ele mora sozinho há anos e, sem ter ninguém que dê uns toques de vez em quando, foi ficando incrivelmente barulhento, fala e resmunga sozinho, fala alto, deixa a torneira aberta enquanto vai beber água na cozinha, um PORREEEEEEEEEE. Também não toma banho todo dia e não vi nem sombra de escova de dentes.

Postado por leticia em 19:45

18.06.04

uhuuu

Amanhã cedinho parto pra Todi, onde vou encontrar aquela mala do Leo, deixar o meu carro estacionado sei lá onde, e juntos vamos ao aeroporto de Roma pegar aqueles americanos milionários pra quem eu vou trabalhar como intérprete. Talvez eu volte amanhã mesmo e só comece a trabalhar de verdade do domingo até o começo de julho, mas de qualquer maneira não se assustem quando eu sumir: estarei rodando pela Toscana, vendo lugares maravilhosos que eu ainda não conheço, e podem deixar que estou levando meu diário convencional e quando voltar faço o relato completo.

E falando em gente cheia da grana, nem contei a história do canadense e seu Car from Overseas.

Estou eu entrando na agência outro dia, com a sólita má-vontade, quando vejo uma ruivinha sentada à frente da Roberta, uma das secretárias. O sotaque era inconfundível: ou era americana ou canadense. E era canadense. Ativei meus Super Ouvidos de Tuberculoso pacamanca Inc. e pesquei a seguinte história: ela era a assistente pessoal (será que um dia eu vou ser tão rica que vou precisar de assistentes pessoais em outros países?) de um canadense que comprou uma casa no monte, atrás de Assis (avaliada em 400.000 euros), e que, apesar de ter cidadania italiana, não tem residência oficial aqui, e por isso não pode comprar carro. Como aqui não rola nada sem carro, ainda mais pra quem mora no morro, ele quer trazer o carro dele do Canadá pra cá. Vou repetir, se alguém não entendeu direito: ELE QUER TRAZER UM CARRO DO CANADÁ PRA CÁ. E a discussão toda era em torno da possibilidade ou não de fazer uma coisa do gênero, em termos assicurativos. Parece que depois de sei lá quantos meses aqui, um carro estrangeiro tem que obrigatoriamente ser registrado na Itália e pegar placa italiana. Fiquei curiosíssima, needless to say, e outro dia, quando ela voltou com o tal canadense, que aliás é muito simpático e não tem a menor cara de milionário, até porque é bem jovem, eu bem dei um jeito de me intrometer e bater papo em Inglês. Não deu tempo de descobrir como é que essa criatura ganha toda essa grana porque o maldito cliente com quem eu tinha horário marcado chegou, mas eu já falei pra Roberta perguntar, assim como quem não quer nada, a próxima vez que ele aparecer lá (ele tem que ir levar e assinar uns documentos).

Postado por leticia em 09:31

17.06.04

nhoque

Ontem fomos jantar na Sagra degli Gnocchi em um subúrbio de Perugia. Ano passado também fomos, mas não lembro o menu. Esse ano tinha, novamente, muita gente. O sistema deles é diferente do clássico esquema das sagras: você vai numa casinha chamada Segreteria (secreteria, mas me digam o que esse nome tem a ver com a sua real função) e pega um menu como esse abaixo, que tem um número pré-impresso na capa. Como sempre, marca-se a quantidade desejada ao lado do nome do prato disponível e depois vai-se a outra casinha onde meninas bonitinhas estão sentadas ao computador pra inserir os pedidos. Pendurado no teto da casinha, um mostrador digital diz em que número a fila está. Quando chega a sua vez basta ditar o pedido, dar um nome (o nome-código do Mirco nessas sagras virou Gino), pagar e ir procurar lugar numa mesa. Logo logo um dos velhinhos encarregados de pegar os pedidos vê você sentado lá sem nada na tua frente, à mesa, e vem pegar uma cópia do pedido (te dão duas cópias quando você vai pagar). Crianças e adolescentes da comunidade são encarregados de botar a mesa, e o fazem com muita dedicação e seriedade, é muito engraçado. Mesa posta, logo chega o jantar.

Tinha música programada praquela noite, mas o Perugia tava jogando contra o Fiorentina na disputa por uma vaga na série A. Perdeu. Antes ele do que eu.

**

Chegando em casa, em menos de 5 minutos o Mirco já tinha ativado o seu Super Roncator Plus Tabajara, e eu fiquei vendo Portugal x Rússia. Peguei-me torcendo pelos portugueses. Tenho que admitir que ultimamente venho me interessando mais por Portugal, e não é só porque meu pai tá morando lá. Sempre tive um grande desdém por Portugal, por vários motivos. Primeiro pela inércia de um país que já fez grandes coisas e hoje não produz mais nada de interessante. Aqui na Itália ninguém nem sabe que Portugal existe, o que tem pra se ver lá, que tipo de vida eles levam, o que eles comem. Durante a nossa viagem pela Itália, eu e Valéria não encontramos NENHUM português. E o meu desprezo por gente que não viaja só não é maior do que o que eu sinto pelas religiões em geral. E olhem, vejam só, Portugal é super católico (muito mais do que a Itália, tenho certeza, porque a Itália é falsa católica).

A família da minha mãe é portuguesa, eles têm vários amigos portugueses, e cresci observando, porque sou observadoríssima, e discordando plenamente, do modo de pensar e viver deles. O exagerado valor dado ao trabalho, a incapacidade de se divertir, a necessidade de sofrer pra dar valor às coisas boas, tudo isso me dá uma irritação impressionante. E não vou falar da famosa burrice, porque generalizar é feio, embora eu conheça de perto alguns exemplos que corroboram perfeitamente essa teoria. Hoje creio que eles sejam simplesmente muito infantis, bobinhos – o que não se pode chamar de burrice, acho.

A verdade é que só não fui a Portugal ainda porque as companhias low-fare não vão a Portugal, e, quando vão, só a Faro, que fica longe da casa do meu pai, e ainda por cima com a Ryan eu teria que sair daqui de Roma, ir a Londres, dali a Dublin, pra só depois chegar em Faro. Nem fo*endo. Mas tenho vontade. Tenho lido coisas interessantes sobre Portugal na internet, visto belas fotos, e fiquei feliz desse campeonato europeu estar sendo realizado lá. Quem sabe assim o país não acorda pra vida – e consequentemente o mundo não percebe que Portugal existe de verdade e vale a pena conhecer...

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Ah, nem comentei porque me pareceu irrelevante: nada de Rio em julho ou agosto. Passagens completamente esgotadas, ou então com preços desumanos.

Postado por leticia em 09:23

16.06.04

ah!

Falei no telefone de novo com a Cora, agora há pouco. É CA-LA-RO que ela se enrolou e não conseguiu passar aqui pra me visitar, mas pelo menos batemos uns mini-papos telefônicos. Ela estava na fila de embarque no aeroporto de Amsterdam, indo pra Barcelona, se entendi bem. E ficou uma promessa de encontro real, ou aqui, ou no Rio – o que vier primeiro.

Postado por leticia em 18:32

votando

Pois então, fim de semana passado rolaram as famigeradas eleições pro Parlamento Europeu. Como todo mundo já tá careca de saber, não existe uma "consciência européia". Cada um quer resolver os problemas do seu próprio país – coisa muito normal, aliás, principalmente quando pensamos que a Comunidade Européia é formada por gente muito, mas muito diferente, em todos os sentidos. Difícil chegar a um denominador comum. E basta dizer que quase ninguém foi votar. Em países como a Polônia e as nações Bálticas, que acabaram de entrar na CE, só uns 20% do povo foi às urnas.

Mas aí. Como tudo aqui na Itália, o sistema eleitoral deles também é muito confuso. As eleições pro Parlamento Europeu coincidiram com eleições locais em algumas cidades e regiões (tipo a Sardegna, que tem um regulamento diferente em relação ao resto do país por ser desavantajada, em muitos sentidos. Essa palavra desavantajada existe? Estou confundindo tudo com o italiano.). Em Bastia teve eleição pra sindaco (prefeito), mas em outras localidades não. Não entendi o padrão, se é que existe; não tenho a menor idéia de por que uns votam agora e outros não. Só sei que o voto ainda é no esqueminha ridículo de marcar xizinho na cédula de papel (que, aliás, é colorido, dependendo da região).

A Umbria é considerada uma região "vermelha", e esse ano a surpresa ficou por conta de várias cidades tradicionalmente mais moderadas mas que dessa vez votaram em massa nos partidos de esquerda, acompanhando a tendência regional. Honestamente política não é um assunto que me interessa, ainda mais aqui, num país governado por um homem ridículo, baixinho, que fala tudo errado (lembram da história do Romulo e Remulo? Socorro!) e que comanda TODOS os canais de TV. Como eu digo sempre, a Itália é um país divertido, porque é um verdadeiro teatro do absurdo, e nada mais me surpreende aqui. Acompanhei muito pouco a propaganda eleitoral, que aqui felizmente não interrompe a programação normal e se limita a entrevistas e debates, sempre divertidíssimos, com gente falando tudo ao mesmo tempo, gesticulando, com jugulares pulando. Uma vez, depois do jantar, deixamos a TV num canal onde estavam rolando entrevistas com candidatos. Aparece um senhor grisalho de oclinhos e jeito enfezado abanando o fura-bolo no ar: era o Advogado Esqueci o Sobrenome Dele (aqui se usa muito o título de estudo da criatura, ao dirigir-se a ela, principalmente se for Avvocato ou Ingegnere), da Lista Consumatori, ou Partido dos Consumidores. Naquela enfezação toda e sempre usando linguagem muito coloquial, falou mal de tudo e todos, e reclamou de todas as coisas que também nos irritam aqui, sendo que o exemplo que eu lembro agora é o do raio do canone, ou assinatura, da TV. O que ele disse foi o que eu sempre pensei: se a qualidade dos programas da RAI chegasse pelo menos no dedão do pé dos da BBC, e se não houvesse propaganda, tenho certeza que ninguém reclamaria de pagar o canone – que custa a bagatela de quase 100 euros por ano. Mas pagar pra ver porcaria, intercalada com intervalos comerciais de até 5 minutos, é coisa de doido! Mas a parte mais engraçada foi quando ele tirou do bolso uma caixinha de jóias, daquelas clássicas de anel de noivado. "Fui à joalheria... comprar umas cerejas!" Ele abre a caixinha e estão lá duas cerejas de verdade. Demos tanta risada que ficamos sem ar. É que as cerejas esse ano custam os olhos da cara, chegando até a 14 €/kg, porque choveu muito, o frio se prolongou demais, caiu geada, e a cereja é uma fruta muito da fresca que se esburaca por qualquer coisinha. A produção caiu pra burro, em algumas regiões em até 70%, e a bichinha ficou cara mesmo, com preço de jóia. Mas que a cena foi engraçada, foi.

Sei que o Berlusconi ficou com cara de tacho porque a sua nojentíssima extrema-direita perdeu o trono em muitas localidades. Tenho escutado muito rádio, a estação da RAI, que transmite notícias, entrevistas, etc, e nada de música italiana horrorosa. Fala-se de tudo, de economia à guerra no Iraque, de problemas de saúde com médicos especialistas ao vivo no ar a erros de gramática ou conteúdo encontrados em livros, jornais, cartazes, placas estradais, etc. Aprendo horrores e ainda por cima me divirto porque o pessoal liga de casa pra dar o seu pitaco e a quantidade de imbecilidades disparada por minuto é impressionante. Mas tem-se falado muito dessas eleições e da situação da Europa como um todo e, claro, muito sobre a economia italiana. Muita gente contradizendo no ar o seu Berlusca, que de vez em quando dá o ar da graça e vai pro ar pra falar as suas besteiras mentirosas. Outro dia peguei o Berlusconi dizendo que iria baixar os impostos (é a mais nova promessa ridícula da direita) AINDA MAIS do que já tiham baixado. Liga um senhor e começa, ma Signor Presidente del Consiglio, MAS ONDE FOI QUE BAIXARAM ESSES IMPOSTOS, que eu não vi? Eu pago sempre mais impostos, todo ano! Se o senhor quiser lhe mostro a minha papelada! Nunca paguei taxas tão altas na minha vida, e as pensões nunca foram tão baixas!

Infelizmente tive que desligar e sair do carro bem na hora mais emocionante da discussão, porque tava atrasada pro trabalho.

Os cubanos (...) é que têm razão: homem que trabalha perde tempo precioso. Trabalhar só atrapalha a vida da gente.

Postado por leticia em 18:18

14.06.04

ui

Sábado aproveitei a tarde de sol pra dar banho nos cachorros. O primeiro seria o Legolas, assanhadíssimo com a bolinha nova que minha mãe tinha mandado pela Marcia e eu sempre esquecia de levar pra ele. Normalmente ele vem quando eu chamo e fica quietinho enquanto eu o lavo, com aquela cara de sofredor resignado, mas dessa vez ele só queria brincar com o raio da bola e não parou quieto um segundo. Terminado o banho, fui pro campo jogar a bolinha pra ele correr e secar. Ele insistia em ficar passeando no meio do mato, pulando feito um cabrito pra lá e pra cá. Quando me abaixei pra pegar a bolinha (coisa que eu normalmente evito de fazer porque conheço bem o meu cachorro; me abaixo pouco e mantenho o rosto levantado, pra poder saber onde o Legolas está. Técnica aprendida depois de várias cabeçadas no queixo), que eu não conseguia ver exatamente por estar no meio do mato, ele levantou de repente e deu um pulo, pronto pra sair correndo e pegar a bolinha que eu ainda nem tinha jogado. Ô cachorro bobo! E foi nesse pulo que ele me deu a cabeçada. Imaginem um cachorro cabeça-dura, de mais ou menos 40 quilos, batendo com a cabeça no seu zigomático direito. Sacaram? Vi estrelinhas e fiquei parada rodando no meio do campo feito uma bêbada até alguém perceber que não, eu não estava mais brincando com o Leguinho, que a essa altura já tinha largado a bola e tava roendo um galho, amarradão. Senti logo a maçã do rosto inchando. E toma gelo. E como doía.

Passei o jantar todo (pizza feita em casa, salame feito em casa, pão feito pelo primo padeiro, vinho feito em casa, presunto feito em casa, salame de avestruz feito em casa, tomates da horta da tia do Mirco) com o gelo no rosto, mas mesmo assim ficou inchado, e super vermelho. Resolvemos dar um pulo no hospital em Perugia pra fazer um raio-X e ver se tinha alguma fratura. A médica de plantão disse que semana passada chegou um senhor com o punho quebrado. O labrador dele foi meio efusivo demais ao cumprimentá-lo depois de um longo dia de trabalho, o cara caiu e apoiou mal a mão. Show.

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Eu nunca tinha ido ao hospital aqui, a não ser pra acompanhar diversos familiares do Mirco. E quando fui ao pronto-socorro com o Ettore foi no outro hospital, que normalmente é mais tranquilo, o Monteluce. Dessa vez fomos ao Silvestrini, que concentra todo o movimento da província de Perugia, e a fila era enorme. Velhinhas bigodudas com pernas inchadas enfiadas em velhas Birkenstock, velhinhos de boina e óculos fundo de garrafa, um africano azul de tão preto numa cadeira de rodas, aparentemente com o tornozelo torcido, uma senhora com um polegar sangrando. Mirco, completamente avesso ao ambiente hospitalar, ainda mais depois da traumática operação do joelho, tava pálido feito vela. E eu só lembrando das histórias bizarras dos plantões de domingo/noite no Antonio Pedro, há anos-luz atrás. Engraçado que eu não sinto a menorrrrrrrrrrr nostalgia do ambiente hospitalar em si, mas sim da sensação que eu um dia já tive de estar à vontade ali dentro, de achar tudo natural, de pensar, de verdade, que o meu lugar era ali. Que boba que eu era.

Aqui neguinho quase não usa jaleco. Usam-se os pijaminhas verdes da cirurgia, ou então o uniforme do hospital – no caso do PS, calças laranja-gari (mesmo pra quem não trabalha de paramédico, fora, em ambulância) e camisa polo branca com um bordado no peito: o mapa da Umbria em verde, o número de emêrgencia médica, 118, em vermelho, e embaixo a inscrição Provincia di Perugia.

A fila é aquela esculhambação italiana de sempre: ninguém sabe quem chegou primeiro, quem é paciente e quem é acompanhante, o que tem que fazer, nada. Na porta, um aviso em Times New Roman:

O PRONTO-SOCORRO NÃO É AMBULATÓRIO PSICOSSOMÁTICO NEM RESOLVE PROBLEMAS SOCIAIS.

O PRONTO-SOCORRO NÃO É PRA QUEM PRECISA DE CONSULTA COM ESPECIALISTA, PEGAR RECEITA DE MEDICAMENTOS DE USO CRÔNICO, ETC.

O PRONTO-SOCORRO NÃO É PRA QUEM PRECISA SOMENTE DE APLICAÇÃO DE MEDICAMENTOS ENDOVENOSOS, NEBULIZAÇÃO, ETC.

Tem coisas que não mudam, não interessa a latitude...

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Uma paramédica descabelada me chama pra uma das salinhas. Dou um dos sobrenomes, ela insere no computador, nada. Eu tenho outros 4 sobrenomes, minha filha, vamos ver com qual deles eu fui inserida: Vieira. Pronto, lá vem toda a minha ficha técnica: onde eu moro, codice fiscale (como o nosso CPF), número da inscrição no sistema de saúde. Ela chama a médica sorridente, que vem com aquelas calças cor de abóbora horrendas me atender. O requerimento da radiografia sai da impressora, ela assina e me manda pra uma sala do outro lado do corredor, "depois dos elevadores, à esquerda". Cartazes escritos à mão indicam o caminho da Radiologia. Uma enfermeira simpática bate a chapa (coisa mais P.I.M.B.A. esse bate a chapa...), me dá o laudo e me manda voltar pra médica. A essa altura o Mirco já viu uns dois acidentados chegarem de ambulância e está verde de nervoso. Espero mais um pouco, um outro paramédico antipático pergunta quem tem que mostrar algum exame, lá vou eu, a médica lê o laudo, olha a radiografia, não fica satisfeita, vai pedir uma opinião a alguém lá fora, volta, me diz que tá tudo bem, digita "crioterapia", a impressora cospe outra página, volto pra casa com uma cópia do laudo radiográfico e a conduta a seguir.


Postado por leticia em 14:28

13.06.04

curtas

Estou lançando um desafio. Quero que alguém me explique pra que serve um teto solar. Vamo lá, quero ver.

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Almocei köttbullar hoje. E gostei. Mas com molho de cranberries não, per carità.

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TÁ CHOVENDO OUTRA VEZ.

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Legolas me deu uma cabeçada involuntária na cara ontem. Estou com o olho direito roxo, mas a radiografia deu normal, nada de fratura. Desenvolverei esse assunto mais tarde.

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Eu AMO C.S.I.

Postado por leticia em 21:48

12.06.04

Por que as pessoas insistem em usar crase antes de substantivo masculino? Antes de verbo? Por que tanta dificuldade em distinguir a, à e há? Por que, céus, POR QUÊ???

Postado por leticia em 08:18

11.06.04

Sei que estou em falta com posts e e-mails, mas é falta de saco mesmo. Daqui a pouco eu volto ao normal. Quero falar das eleições pro Parlamento Europeu (amanhã e depois), da jornada IKEA de amanhã com FeRnanda e Fabio, do tempo maluco. Mas agora tô sem saco. Aguardem e confiem.

Postado por leticia em 17:38

07.06.04

Promessa é dívida

Os quatro pimpolhos na mala do meu carro, sábado à tarde. Notem o comprimento ainda discreto da língua do Legolas.

Esses buracos no chão são feitos pelos javalis, que saem do bosque (a área do Monte Subasio é um parque nacional e há várias zonas de bosque, obviamente tudo com caça proibida) pra procurar trufas e outros tubérculos.


Alguns dos buracos podem perfeitamente ter sido feitos por outros cachorros tão bobos como o Demo, que ficou horas cavando sabe-se lá o quê.


E depois daquela escavação toda ficou assim:

(atentem pra terra na língua. Espetáculo.)


Legolas, feliz com a bola de baseball na boca.


Legolas enfeitado com flores do campo.


Uma sequência do já não discreto comprimento lingual do Legolas.


Demo não aguentou mais e capotou de cansaço.


E os quatro pimpolhos na mala do carro, prontos pra voltar pra casa.

Postado por leticia em 10:44

06.06.04

troy

Eu nem falei, mas semana passada fomos ver Troy. Achei tudo muito divertido, a começar do nome do filme, que não foi traduzido pra Troia porque troia, em italiano, quer dizer piranha – e não estou falando do peixe amazônico. Hohoho.

Não, falando sério: o filme é descaradamente ridículo, mas não por isso menos gostável. Eu adoro essas tranqueiras, filmes épicos, kolossals e porcarias do gênero. Então vamos aos prós e contras:

Adorei:
. Os figurinos das mulheres. Tecidos lindos, penteados legais, brincos ma-ra-vi-lho-sos. E a Helena? Não sei como se chama, mas a garota é linda mesmo...
. As armaduras, até aquelas que deveriam ser de couro mas tinham toda a pinta de borracha.
. As locações externas. As gravações começaram no Marrocos, mas depois, por motivos de segurança, foram transferidas não lembro pra onde...
. O cavalo de Tróia, lindo! Talvez meio modernoso demais, mas eu adorei.
. Os barcos, deliciosos.
. As cenas de batalha, bem razoáveis. Já comentei aqui várias vezes que eu adoro cena de batalha, desde que seja pré-pólvora. Tiro não é comigo. Só que eu acabo morrendo de pena dos cavalos, que se ferram sempre nesses casos, e no final das contas nem curto muito...

Odiei:
. Os diálogos. No comments pra esse roteiro.
. As roupinhas dos homens, todas de barriga de fora. Olha, todos os arqueólogos do mundo podem vir me dizer que era assim mesmo, que era suuuper na moda na Antiguidade, mas eu não acredito. Uma coisa assim tão ridícula não pode ter sido considerada normal, em nenhum período da história da humanidade. Homem de top não, não, não, não. Por favor.
. As roupitchas tie-dye. Please.
. Os cabelos amarelos do Brad Pitt. Tadinho, não acho que ele seja grandes coisas em termos de beleza (e com certeza tem as ventas mais feias do cinema americano) mas como ator até que funciona. A cara de tacho dele durante a conversa com o rei Príamo foi bem convincente. E também gostei dele em Ocean’s Eleven e Fight Club. Mas cabelo oxigenado não, não, não, não.
. As cuecas, que não deveriam estar lá. Por puro preciosismo histórico, naturalmente.
. O Hulk-Ettore. De barba até que ficou melhor, deu mais volume ao queixo e consequentemente mais cara de macho, mas não sei se é aquele leve estrabismo que lhe dá um jeito de panaca que não me convence, não tem jeito.
. As locações internas. Cada templo mais feio que o outro! O que era aquela estátua de fibra de vidro pintada de dourado, representando Apolo em frente ao templo? Os deuses sempre gordos nas estátuas, não gostei não.
. Aquiles garanhão, pegando todas. Na boa, ele não era viado?

Tô querendo ver Harry Potter, mas ainda não tivemos coragem de enfrentar as hordas de peruginos-sem-coisa-melhor-pra-fazer-do-que-ir-ao-cinema-no-domingo.

Ah, e ontem aproveitamos o tiquinho de sol pra ir ao Subasio com os cachorros. Tenho só que subir as fotos. Vocês vão ver, entre outras coisas, O Cachorro de Língua Gigante. Leia-se Legolas depois de ir buscar a bolinha 4.259.856,74 vezes.

Postado por leticia em 11:32

04.06.04

Brigada a todo mundo que mandou sugestões de música. Vou passar o fim de semana selecionando e baixando e queimando. Depois digo como ficou.

A entrevista hoje foi meio estranha. Não é exatamente numa editora, mas numa loja de uma grande editora. Tipo uma franquia. O trabalho é como se fosse de vendedora mesmo, só que o público é meio bizarro porque eles trabalham basicamente com livros de ensaio, teatro, filosofia e outras coisas estranhas. A loja fica numa rua movimentada de Perugia, mas é meio escondida. Eu mesma já tinha passado ali em frente várias vezes mas, não achando que tinha muita cara de livraria, nunca tinha entrado.

O proprietário me pareceu napolitano, pelo sotaque. Não é um bom começo. O salário, por um horário part-time, é de 300 euros por mês. Hahahahaha! Dá pra pagar só o aluguel e olhe lá. Mas, como eles gostam de dizer, “há possibilidades de crescimento, de fazer carreira”. Aham. Honestamente, preferiria trabalhar na Libreria Grande. Pelo menos é mais perto de casa, e tem uma boa variedade de livros. Mas fazer o quê, né, já estou atirando pra todos os lados há meses, quero só ver se um dia esse perrengue vai dar resultado...

Acho que qualquer imigrante entende bem o cansaço que o livro que a Mary tá lendo menciona. Eu estou exausta. De tantas coisas...

Postado por leticia em 16:54

01.06.04

ajklsfnmviweoruosfam.

O tempo tá uma bosta de novo. Meu humor, idem. Tô tão chata que nem eu me aguento, só me tacando no mar. Só que aqui não tem mar.

Meu cabelo está crescendo em todas as direções, que nem o meu tomilho no vaso, na varanda. Essa umidade é mortal pra juba, não tem jeito.

Hoje, pela segunda vez essa semana, a festa da primavera aqui embaixo foi cancelada por causa da chuva. Tá chovendo MOOOITO. Minha sala tá entupida de vasos de flores que salvei do afogamento, e entre a mesa e a porta-janela da varanda pus o varal de chão, cheio das roupas de banho molhadas do Mirco (nadar faz parte da fisioterapia pós-joelhal dele, e a piscina coberta de Bastia é nova e, dizem, super modernosa. Não sei, nunca fui).

Amanhã é feriado, felizmente. Não sei quem foi que inventou o feriado, mas eu gosto desse cara.

Sexta-feira de manhã a mala do Pino não vai trabalhar (e eu também não, óbvio, que não sou boba. Também, não tem nada pra fazer mesmo...) e eu vou aproveitar pra 1. ir doar sangue em Perugia e 2. fazer uma entrevista de emprego aparentemente muito interessante em Perugia mesmo. É numa editora. Vou repetir: é numa editora. Das grandes. Quem sabe rezar, reze. Quem conversa com anjo, dê umas indiretas básicas assim no seu anjo de estimação, quem sabe. Quem acredita em duendes, deixe uns brownies no canto da sala pra ver se eles dão uma força. Tá valendo tudo, até sentar embaixo da pirâmide. Basta que as good vibrations funcionem.

Hoje comecei e terminei um livro que a minha mãe mandou pela Marcia ontem. É A Casa da Mãe Joana, de Reinaldo Pimenta. Dentro do livro veio uma resenha da minha mãe, com a qual não posso discordar, depois de ter lido o livro: o cara é super babaquinha, cheio das piadas ridículas, mas o livro até que é legal, embora a parte melhor seja a bibliografia. E tome wishlist...

Dentro do livro também veio um recorte da Veja falando do prêmio espetacular que a Lygia Bojunga ganhou. Aquele de 260.000 dólares. Aquele que ela ganhou porque escreve bem pra cacete. Vai ter mãe assim otimista lá na casa do chapéu.

Não tive forças pra sair hoje à noite. Marco e Michela nos esperávamos no bar de sempre às 10:30, mas mandei o Mirco sozinho. Não sou boa companhia hoje. Quero ficar sozinha odiando tudo. Pior que nem Carabinieri tem mais, acabou a temporada. Justo agora que entre Andrea e Andrea (calma, um é menino hômi e a outra é menina muié) tava rolando um sentimento! Nao é justo. Por essas e outras que eu odeio tudo.

Postado por leticia em 23:37