31.10.03

Sexta-feira é dia de chocolate

Sexta-feira é dia de chocolate quente. O lindão tatuado que recarrega as vending machines vem sempre às sextas-feiras, e nos dá sempre uma bebida de cortesia. Chocolate quente pra mim, café pra menina da calça dourada, chá pra Martinha. Já sabe de cor o gosto de cada uma e toda sexta-feira é esse mimo.

Aí a menina da calça dourada foi RP de uma boate famosa aqui da zona e vive sempre cheia de panfleto pra entrar com desconto. Visto que a Martinha encalhou de novo, a menina foi lá sondar com o gatão tatuado, assim como quem não quer nada, perguntando se ele queria um panfleto a mais pra namorada, sei lá... Enfim, perguntinhas totalmente inocentes. Ele respondeu que não tem namorada, mas que amanhã provavelmente trabalha numa outra boate, como leão de chácara (que em italiano se chama buttafuori, literalmente bota-fora). Ui.

**

FeRnanda e Fabiao vieram jantar ontem. Detonaram o arroz com feijão, sobrou só um tiquinho. Ainda trouxeram vinho (Santa Caterina e Poggio Belvedere Caprai), bistecas e biscoitinhos pra sobremesa. Comi também, e bastante, e hoje acordei com dor de barriga outra vez. Mula.

E estou morrendo de vontade de dançar, mas nesse domingo a boate onde rola música gay fecha porque no dia dos mortos não se dança, etc etc. Peguei uns panfletinhos com a garota da calça dourada, mas já fui a essa boate algumas vezes e não gostei. Mas pode ser que role, sei lá. Tô precisando me enfeitar um pouco e dar umas peruadas por aí.

Postado por leticia em 10:42

30.10.03

uhuuu

O jantar foi um verdadeiro su (abreviação de sucesso). Comeram pra caramba, repetiram, Samuele trouxe 8 barras de chocolate Perugina compradas na Eurochocolate que terminou domingo passado*, a biruta da Bettina cantou e tocou violão (tem uma voz linda, pena que praticamente só canta música religiosa), tomamos champagne que o Massimo trouxe, a torta de limão foi embora que é uma beleza, todo mundo quis levar o Legolas pra passear, depois começou a chover forte, trovões e raios, Legolas no canto entre a máquina de lavar e a tábua de passar escondido com medo, muita conversa, Skank no CD player, meia-noite e meia foi todo mundo embora e fui dormir.

Adoro cozinhar assim pra um monte de gente. Mas confesso que depois de uma certa hora começo a me irritar. Durmo com as galinhas e ter gente batendo papo até tarde em casa vai me dando um nervoso, fico querendo que todo mundo vá embora logo pra eu poder tomar meu banhinho, tirar a maquiagem, passar meu creminho nos pés, botar minhas meinhas de lã e dormir.

**

O tempo está uma bosta. Chove sem parar. Quem sofre é o coitado do Legolas, que mal pode botar o focinho pra fora de casa. Eu também sofro, porque como tenho que fazer tudo a pé, acabo sempre molhando os pezinhos, que ficam gelados. Pra não falar do cabelo, que com toda essa umidade fica uma porcaria.

**

A menina da calça dourada agora também tem casaco prateado, no melhor estilo NASA. Ela tem o péssimo hábito de ler em voz alta tudo que chega via fax ou e-mail ou carta. Lê inclusive coisas que já sabemos, e continua lendo mesmo quando alguém diz que já leu, que já sabe o que é, que já resolveu, que pode até jogar fora. O que será que leva uma pessoa a ser assim?

**

Estou me preparando psicologicamente pro próximo fim de semana. No ano passado 2 de novembro foi um feriadão, e a cidade lotou, quase enlouquecemos na loja de tanto fazer sanduíches e vender trufas. Esse ano não é feriado prolongado (que aqui se chama “ponte”) mas, considerando a importância que eles dão aqui a esse feriado, vai ser feia a coisa. Pra se ter uma idéia, não se casa em novembro, não se dao grandes festas, nem se pode escolher ou experimentar a roupa do casamento no mês de novembro (a Miss Almoxarifado e o Mister Toner aqui da empresa se casam no ano que vem e já estão vendo essas coisas, mas só vão poder experimentar as roupas em dezembro). Mas que atraso, vou te dizer...

**

E a expressão italiana de hoje (embora mais adequada a ontem...) é:

Ma va a mori’ ammazzato! = literalmente, vai morrer de morte matada!

* O chocolate vai ficar ali no alto da geladeira, do lado do Toblerone intocado que papai me deu e que não tenho a menor vontade de comer. Hoje vou ver se a FeRnanda vem jantar lá em casa, pra ajudar a matar o feijão que sobrou, porque não sou eu quem vai comer. Excrusive já entendi que não posso mais comer essas coisas. Me dá náusea, enjôo e diarréia. Tenho que ficar no macarrão sem molho com coisinhas light tipo cenoura e atum, ou então no filé de merluzo com abobrinha que eu vou almoçar hoje, se estiver com vontade de comer/cozinhar. Fiquei praticamente alérgica a comida. Que lindo.

Postado por leticia em 18:32

29.10.03

janta

E hoje é a noite do grande jantar brasileiro! Vocês sabem que eu não sou modesta, então lá vai: meu feijão ficou su-pim-pa. Resta saber se o povo vai gostar ou vai achar temperado demais, como sempre.

Não estou nem um pouco animada, principalmente, mas não somente, porque meu nariz continua tapado, e ontem no final da tarde me veio uma dor de cabeça de matar, rapidamente eliminada com um sachet de Spidufen (ibuprofeno em pó, faz efeito rapidinho). Fui jantar na casa da Marta; tinha torta al testo, e a essa altura do campeonato todo mundo sabe que eu amo torta, e quando fazem, me chamam hehehe Foi ótimo, batemos muito papo, a família dela é ótima. Hoje de manhã fiz a torta de limão, que agora está na geladeira esperando o momento final do jantar. Só falta o arroz e a farofa, que obviamente são melhores feitos na hora. Os pães de queijo vou deixar pra Carmen e a biruta da Bettina fazerem pra mim, porque tenho que lavar os cabelos e limpar a casa antes dos meninos chegarem. Não necessariamente nessa ordem.

Postado por leticia em 16:56

28.10.03

Curiosidades da lingua italiana

Tizio = Fulano
Caio = Beltrano
Sempronio = Sicrano (é com esse ou com cê?)

Postado por leticia em 11:53

Chegando em casa ontem, peguei o Legolas e fui dar um pulo na praça comprar mais meias, dessa vez compridas, pra usar com os mil pares de botas que eu tenho. Agora sou a feliz proprietaria de um par laranja, verde e bordeaux com alces, um outro xadrez em tons de laranja, um listrado em tons de rosa com uma menininha no alto, uma com listras azuis e um pinguim saltitante, e a vermelha e amarela com patinhos, que estou usando hoje. Uhu.

Aí me deu crise de tédio depois que cheguei em casa me sentindo o cocô do cavalo do bandido, e fui passar roupa. Passei até as fronhas, coisa que eu nunca faço – passar roupa é a tarefa doméstica mais odiosa do mundo, e normalmente o faço uma vez a cada 15 dias, porque lençol eu nao passo nem que a vaca tussa, e a maioria das minhas roupas é wash and wear. Só que a minha máquina de lavar, cortesia da Arianna, tem uma centrífuga que é um detonador de roupas. Sai tudo lá de dentro como se tivesse saído da boca do cachorro (não o meu cachorro, que o Legolas não tem o hábito de destruir coisas). Não posso mais deixar a bicha funcionando enquanto estou fora de casa, porque tenho que estar perto dela pra desligar a centrífuga depois de umas duas rodadas. Levei HORAS pra esticar uma camisa de gola alta que eu amo, mas que, coitadinha, tava que nem papel alumínio re-esticado depois de ser amassado em forma de bolinha, saca? Pelo menos passou o tempo. Ainda levei o Legolas de novo no parque, voltei, nem jantei nada porque não tava nem com fome nem com vontade de comer, tomei meu banhinho e fui mimir.

E hoje já estou beeem melhor. Minha técnica de beber muita água pra fluidificar as odiosas secreções parece que funcionou. Dormi com dois travesseiros e nem morri sufocada durante a noite. Acordei outra!

O dia está lindo, já cozinhei o feijão pra amanhã, agora só falta temperar; já estendi a roupa no varal, já varri a casa e passei pano, já bebi muita água, já escutei Rita Lee, já li tudo que é blog que eu não conseguia ler porque tinha sempre algum mala aqui dentro do escritório me enchendo. Hoje me recuso a ensacar cartuchos. Hoje não quero fazer nada de útil. Vou ligar pra meia dúzia de clientes e o resto do dia vou passar respondendo a e-mails, pra aproveitar que os chefes estão de bobeira em Firenze. Hohoho.

**

Ainda falando de cachorros. Outro dia a Carmen me dizia, muito espantada, como o Leguinho é educado, que nem me arrasta quando o levo pra passear. Espantada fico eu, quando alguém me diz uma asneira tipo “mas ele não me obedece!”. Ora bolas, só existe um dominado se existe um dominador. Se o cachorro não entende que o chefe não é ele, a culpa é do dono que se comporta como dominado. O Legolas é completamente alpha leader quando está com outros cachorros, mas dentro de casa o alpha leader sou eu, ora bolas. Quem manda no terreiro sou eu, e é ele que tem que me obedecer, ué. Muito simples o relacionamento. Eu digo, vai comer, ele vai. Vai dormir, vai, e ele vai, mesmo que a contragosto. Solta o tênis, e ele solta. Estamos no parque, eu estou congelando e decido voltar pra casa; basta chamar* e ele vem, enfia a cabeça sozinho na coleira, e vamos todos saltitantes pra casa. Só faltava essa, eu ter um cachorro tirânico! Tirana sou eu, eu, hein.

* Chamo assim: gatão, negão, cabrito, gostosão, maravilhosão, coisa preta, cachorrão, meu filho, garoto, menino, foca, zé mané, bestia nera, coisa linda, meu amor, filhinho, fedorentao. Sim, eu também canto pra ele enquanto andamos na rua, canto coisas muito profundas como “cachorro mais lindo do mundoooooo, você é fedorento mas é lindoooo, lalalalaaaaa, minha coisa preta gostosa e maravilhosaaaaaa”, e così via.

**

O mais chato de estar com o nariz entupido, além do óbvio desconforto causado pela dificuldade de respirar, é não sentir gosto de nada. Eu já andava meio sem paladar por conta da raiva constante e interminável, mas ontem realmente eu almocei macarrão sabor nada com molho de nada, queijo ralado sabor nada, e um copo de suco de nada. A parte boa foi que, pra não ir dormir de estômago vazio, comi uma maçã que o Fabrizio me deu no domingo (tinha uns stands da sociedade italiana contra a esclerose múltipla que vendiam sacos de maçãs, e ele obviamente comprou um saco, e deu um par de maçãs a cada uma de nós). Tenho a leve impressão de que a coitadinha tava azeda que só, até porque o Legolas cuspiu longe o pedaço que eu lhe dei. Ainda bem que não senti gosto de nada.

Postado por leticia em 10:06

27.10.03

Senta que o post é longo

O fim de semana foi OK. Sexta-feira o Ralph, o cão corso aqui do escritório, mordeu a batina de um padre que veio comprar cartuchos. Cachorro esperto! À noite fui jantar com o Samuele, que não conseguiu convencer a Carmen de nos acompanhar. Eu tava exausta e concordei em comer uma pizza, uma coisa rapidinha, mas o menino me chega de gravata pra me buscar! Eu semi-molamba, com jeans novos e suéter de lã normalzinho, mas não tive saco de mudar de roupa. Acabamos indo pro Bistrot, aquele do risoto ão (camarão, salmão e açafrão). Ainda comemos um secondo e a sobremesa, um tiramisù com creme de gianduia em vez de mascarpone. Nada de vinho porque ele é abstêmio. Conversamos, ele me explicou os detalhes da caça ao javali, eu falei pouco porque estava muito cansada e já sentia os primeiros sintomas do resfriado que agora chegou pra valer.

Sábado Martinha não trabalhou; vim pro escritório com o Stefano, que faz os cartuchos inkjet, e voltei com outro Stefano, o marido da microsarda. Só que em vez do horário costumeiro de sábado, das 9 ao meio-dia, trabalhamos das oito e meia à uma. E todo esse tempo passamos, todos nós, em pé, limpando, etiquetando, ensacando, encaixotando cartuchos. Minha hiperlordose agradece. Em casa almocei correndo, fui ao supermercado comprar a base da minha alimentação ultimamente (água mineral e leite desnatado), deixei o Legolas em casa e fui a pé até S. Maria pegar o ônibus pra Assis. No meio da tarde me liga a Ane, que estava comemorando um ano de casamento na Umbria, em Trevi, não muito longe daqui. Acabou vindo com o Alfredo me visitar na loja. Conheceu a figura que é o Fabrizio, viu a mostra do fotógrafo sem mão, batemos muito papo, compraram um molho de trufas e cogumelos, foi ótimo! É tão bom reencontrar gente legal e querida. Levantou meu astral. Depois trabalhei sozinha com o louco do Fabrizio das quatro às oito, fui pra casa, levei o Leguinho na rua, tomei banho e fui dormir.

Dormir uma vírgula! Passei a noite inteira no banheiro, vomitando sabe-se lá o quê, já que não tinha comido nada além do almoço (frango grelhado com abobrinha e cenoura) o dia inteiro. Uma dor de cabeça avassaladora, enjôo, dor nas costas, frio, tudo junto. Uma clássica noite de merda. E no domingo acordei, levei o Legolas no parquinho, botei roupa pra lavar, tomei banho e lavei os cabelinhos, varri a casa, liguei pro Ettore, que não podia vir pegar o Legolas porque ia colher cogumelos sabe-se lá onde, troquei de roupa e saímos, eu e Leguinho, em direção a S. Maria. Deixei-o na casa do Ettore com os outros cachorros, voltei pra Basilica pra pegar lugar pra sentar no ônibus e lá fui eu pra Assis de novo.

[Pausa para reflexão: na meia hora em que fiquei sentadinha no banco da praça esperando o buzão, contei cinco exemplares diferentes de Jaguar, 12 de Audi, 23 de BMW, 20 de Mercedes, vários modelos novos da Lancia. Entre outros.]

O problema é que as pessoas nao lêem, não olham, não observam, foi o que eu falei no post filosófico-cachorral. Se você quer ir pra estação e tem escrito outra coisa no ônibus, você não pega, certo? Pega o ônibus onde tem escrito “Stazione”, ou não? Não. Aí neguinho chega no meio do percurso, vê que o ônibus não está descendo o morro mas subindo, e entra em pânico pedindo pra descer porque senão perde o trem. Aí o motorista fica puto e pede pelamordedeus pro pessoal OLHAAAAAAARRRRRRRR as placas dos pontos de ônibus, e olhar o destino da linha, que fica piscando no alto do ônibus. O pessoal ainda erra o jeito de botar o bilhete na máquina pra “obliterar”. Tipo, se a maquininha tem que carimbar uma data e um horário no seu bilhete, e a maquininha engole o bilhete de todo mundo, faz trrrr-trrrr, depois cospe o bilhete com um beep!, e você bota o bilhete, a maquininha chupa o bichinho e o cospe com um biiiruuuubiiiruuuu, será que não dá pra perceber que você botou o bilhete do jeito errado? Não. E lá vai o motorista explicar pros passageiros mongos que o biiiiruuuuubiiiruuuu significa que a maquininha não carimbou o bilhete (coisa que dá pra saber simplesmente olhando o bilhete, lógico. Mas só vê quem olha, e a maioria não olha). Ontem o trânsito estava horrível, e o motorista estava particularmente irritado. Já chegou na Basilica di S. Maria com quase meia hora de atraso, de forma que quando chegou na parada principal, a de S. Francesco, já em Assis, o ônibus que vinha meia hora depois dele chegou praticamente junto. Aí dá-se a seguinte cena, impensável em qualquer outro pais mais sério e consequentemente menos divertido (leia-se Alemanha): o motorista desce do ônibus, e grita pro motorista do ônibus que vinha atrás:
- Andrea!!! Você tá subindo?
Deduz-se que o Andrea disse que sim, porque o nosso motorista subiu de novo no ônibus e gritou pra galera:
- Quem quiser ir pro ponto final desce e pega o outro ônibus, que esse aqui mudou de itinerário e vamos voltar pra estação!

Desce todo mundo do ônibus, um bando de senhoras inglesas distintíssimas que não estavam entendendo nada mas davam muita gargalhada, um outro bando de napolitanos mal educadíssimos, um monte de adolescentes, um punhado de freiras. Subimos no ônibus do Andrea, que aliás era um pedaço de mau caminho, e pronto, tutto a posto. No final das contas levei 50 minutos pra chegar em Assis, ao invés dos 15 minutos habituais. Chego na loja e tá rolando um furdúncio como nunca se viu! Claudia e Fabrizio desesperados fazendo uma média de 57,6 sanduíches por minuto, e ao mesmo tempo explicando pros clientes que o nosso molho de trufas é melhor porque no supermercado é misturado com pasta de anchova e de azeitona preta pra parecer que é trufa e o nosso é só trufa, e explicando que o salame coglione di mulo não é feito de colhão de mulo e sim de suíno, mas tem esse nome por causa do formato, e fazendo contas, e fazendo notas fiscais, e por aí vai. Resultado: trabalhamos feito loucas (porque depois o Fabrizio foi pra casa e nos deixou sozinhas, eu, Claudia e a louca da Bettina) até umas cinco, quando não havia mais uma migalha de pão de qualquer espécie, e eu e Claudinha almoçamos pão de hot-dog, que só sobrou porque eu separei, senão nem esse tinha sobrado, com capocollo e queijo – tuuuudo a ver. Capocollo, como todos os frios umbros, é muito temperado, e é mais gostoso com um pão mais simples, como o clássico pão umbro sem sal. Eu fui de presunto cozido mesmo e um queijinho básico, esquentei na chapa, virou um misto quente em pão fofinho, fiquei toda feliz.

E aí chegamos no ponto crucial: a louca da Bettina. Bettina é uma alemoa, que pra não fugir à regra é imensa, feia e super mal vestida, e graciosíssima como ela só, e só não é ranzinza porque é completamente biruta, e passa o tempo todo rindo sem motivo, como uma japonesa. É meio freira, tipo, não fez os votos mas os cumpre anyway, e vive em meio a rosários, beatificações e aparições de santos. E queria botar música religiosa no rádio da loja, a Claudia quase infartou quando soube, e cortou logo as asinhas da alemoa. Mas coitada, é biruta mas é um amor, muito bem intencionada, toda simpatiquinha. Largou um vida de pecado, segundo ela mesma diz, pra esposar-se com Jesus. Eu acho esse termo horrível, ser “noiva de Jesus”.

A coisa mais chata de gente que tem religião é a mania de catequisar. Essa é a diferença principal entre ateus e fiéis: ateu não perde tempo tentando convencer os outros de que Deus não existe, até porque, se pra ele não existe, qual é o sentido de discutir esse assunto? Mas os cristãos, nãaaaao, esses são todos meio jesuítas, uma encheção de saco. Bettina é assim; deve ter sido uma garota super interessante quando era pecadora, mas agora é só uma quarentona muito da chatinha. Ficou a tarde toda nos contando histórias da Bíblia, no seu jeito particular de falar, como se a história tivesse acontecido com amigos dela, ou como se fosse um filme muito maneiro ao qual ela tivesse assistido. E quando a história acabava, invariavelmente com final feliz, ela ficava toda empolgada, dando mil risadas, felicíssima. Deve ser ótimo ser bitolada assim. Pelo menos ela come de graça em tudo que é convento – e todo mundo sabe que em convento se come muitíssimo bem, primo, secondo, contorno, pane, dolce, frutta e caffè todo dia. Depois a Claudia foi embora e a Bettina ficou tentando me convencer a fazer um curso sobre amor humano (?!?!), ou então a ir à Iugoslávia (nesse frio!) num tal monte famoso onde N. Senhora teoricamente aparece todas as noites. Tô mais pra Paris, Bettina, respondi. É mole?

Cheguei em casa destruída. Passei uma outra noite do cão, aliás, sem cão, porque o Ettore só me trouxe o Leguinho de volta hoje de manhã. Passei a manhã toda ensacando cartuchos no almoxarifado, mas agora realmente não estou me aguentando em pé; já caminhei até a agência dos Correios pra depositar meu salário e pra mandar meus currículos, mal deu tempo de comer, tá um frio do cacete. Precisaria de uma semana de coma induzido pra descansar direito, sem falar língua nenhuma, sem falar com ninguém, sem mastigar, sem pensar, sem cachorro, sem influências externas, nada. Assim pra zerar totalmente o céLebro.

**

Quarta-feira, jantar brasileiro em casa. Fiquei com pena da Bettina e chamei-a também. Vêm os castelanos (o engravatado Samuele já me trouxe o feijão preto e os limões verdes), Carmen, que acaba de terminar com o namorado e já está fazendo sua carteirinha do Clube das Infelizes no Amor, Claudia, vice-presidente do Clube. Menu: pão de queijo, arroz com feijão preto e farofa, nada de carne porque senão neguinho vai morrer de tanto comer. E de sobremesa a torta de limão da vovó. Os meninos estao curiosíssimos pra saber se além de linda e interessante, eu também sei cozinhar bem (palavras deles. Não tenho culpa de ser interessantíssima, o que me torna automaticamente bonita, mesmo que eu não seja bonita de verdade). Na geladeira tem duas cervejas que o finado lanterneiro deixou e eles vão ter que me ajudar a desencalhar, porque estão me incomodando ali, ocupando espaço. O Massimo me emprestou um aparelho de som, assim pelo menos tenho companhia durante o almoço, e vamos ouvir muita Marisa Monte e Rita Lee no jantar de quarta. Mas ele me fez um super favorzão: escuto meus CDs velhos que há séculos não ouvia, e escuto com calma os dois CDs que a Marcinha me mandou, eras atrás. Considerando a qualidade da TV italiana, acho que estou melhor com a música do que com a TV...

Postado por leticia em 17:38

25.10.03

E a palavra italiana de hoje é...

Imbranato = burrinho. Exemplo: alguém a quem eu mando um formulario em 4 vias, com uma carta explicando DETALHADAMENTE que so precisa firmar em um campo, e que nos devem enviar a pagina rosa e a pagina azul, e esse alguém que me devolve todas as quatro paginas, sendo que so uma esta assinada, esse alguém é uma mula, ou seja, completamente imbranato.

Postado por leticia em 12:47

24.10.03

blah

Que tempinho bunda! Uma chuva chata, um vento gelado, um saco!

Ontem eu e os meninos de Castello fomos tomar um vinho do Porto num barzinho de Bastia antes de ir ver a Claudia dançar música latino-americana no Country, boate in da metrópole bastiola. Falei tanto e dei tanta risada que hoje acordei com dor de garganta. Hoje eu e o Samuele, o grandão, vamos comer uma pizza em S. Maria (Massimo, o outro, que aliás anda dando umas zoidas aqui no blog, tem um jantar da torcida do Milan hoje e não pode vir). O Samuele tem um escritório de contabilidade com o pai, coisa que por aqui é muito comum e dá muito dinheiro; já lutou judô mas parou por causa do joelho que deu tilt, e faz um monte de strikes no boliche, as garrafas saem voando. Já eu, needless to say, perdi todas as partidas de boliche quarta-feira hehehe. O Massimo tem uma filial de um supermercado lá em Città di Castello. São dois amores! Pena que a monga da Carmem anda em crise de agitação porque amanhã parte pra Salerno rever o namorado, e em momentos assim pré-viagem fica insociável, e não foi nem ao boliche, nem hoje quer ir comer pizza. Chata.

Momento diarinho over.

Hoje preparei 40 currículos pra mandar pra escritórios de tradução no norte da Itália, mas como rolou greve geral (já comentei aqui o quanto os italianos adoram uma greve?) não deu pra botar as bichinhas no correio (e não vou mandar do fax do escritório que não sou boba). Amanhã elas partem pra Torino, Bologna, Milano, Varese, Bolzano, Udine, Genova, Roma é claaaaaro, entre outras. Vamos ver se rola alguma coisa. Acendam velinhas, plísi.

Postado por leticia em 17:28

E a palavra italiana de hoje é...

Rimbambito = meio bobo. Essa noite dormi mal, ou então, Ontem bebi demais, hoje tô toda rimbambita (toda retardada).

Postado por leticia em 10:32

23.10.03

E a palavra italiana de hoje é...

Scombussolato = atolado, confuso. Mas não no sentido de SER atolado, mas de ESTAR atolado.
Exemplo: Pô, fulano entrou aqui morrendo de pressa, falou 400 coisas diferentes, deixou um monte de papel na mesa, fez a maior zona, agora ficou todo mundo scombussolato!

Postado por leticia em 10:40

22.10.03

Firenze e outras coisas

A visita a Firenze foi meteórica mesmo. Trabalhei de manhã; Martinha me deixou na estação em Assis às 13:10, comi meu sanduichinho básico com suco de banana e maçã, peguei o trem das 13:30 direto pra Firenze (direto quer dizer que em vez de ir direto, ele vai parando em tudo que é lugar, feito cata-jeca). Cheguei a Firenze com um pouco de atraso por causa do trem, como sempre. Meia hora depois o shuttle do Sheraton passou na estação de S. Maria Novella pra me pegar. Fomos batendo papo, eu e o motorista (que é filho do dono da empresa de shuttle, que serve vários hotéis em Firenze), até o hotel ? o cara me contou a vida dele toda, já que eu não quis contar a minha. Desço do microônibus e vejo papai descendo do buzão com mais vários portugueses engravatados. Fizemos o check-in, subimos, batemos papo e lá foi ele sair de novo, pro jantar de apresentação do novo Fiat Idea (vi os depliants, é bem bonitinho). Eu fiquei no quarto, apesar do não frio, porque o hotel fica longe do centro. Fiquei vendo TV, coisa que não fazia há meses, e fazendo a tradução pro fotógrafo sem mão, usando o laptop do papai. Pedi jantar no quarto (filé mignon ao molho de pimenta rosa com arroz selvagem; vieram vários pãezinhos fresquinhos com manteiguinha, e grissini. Tudo acompanhado de uma Coca-Cola daquelas de garrafinha pequenininha), vi um filme chato com o Tommy Lee Jones e a orelhuda da Ashley Judd na TV, e dormi. Papai chegou lá pra meia-noite, eu acordei, ficamos batendo papo até quase duas da manhã. Depois custei muito pra dormir, com muita dor de cabeça, como aliás vem me acontecendo frequentemente ? a raiva e a irritação constantes me fazem fechar a mordida com muita força, o que me dá dores de cabeça e nuca lancinantes. Acordei destruída hoje. Tomamos um super café da manhã, como faço sempre que durmo em hotel, e logo às nove papai já foi pra reunião, eu peguei o shuttle de volta pra estação, fui aos correios pagar meu INPS, comprei mais meias coloridas na Calzedonia*, peguei o trem das 11, que veio parando em tuuuuuuuuudo que é estação, até umas mixurucas que eu nem sabia que existiam, andei a pé debaixo da chuva até em casa, desfiz a bolsa, sentei no sofá e fiquei parada olhando pra parede até a Marta chegar. Levamos a avó dela ao hospital de Assis pra fazer um Doppler venoso das pernas e viemos trabalhar.

Estou AAAAA MASSA FALIDA hoje, cansada, mental e fisicamente, com uma cara de quem voltou da guerra, com dor de barriga, cólicas menstruais que eu nunca tive, a dor de cabeça dentária de sempre, e nenhuma vontade de fazer nada. Meno male que o chefe hoje está fora.

Outra coisa que fiz e não fazia há muito tempo foi me olhar num espelho de corpo inteiro. Explico: essa modernidade de ter o espelho colado dentro da porta do armário, como no Brasil, aqui ninguém nunca nem ouviu falar. Quem quer espelho de corpo inteiro compra aqueles com apoio pra ficar em pé, pra ocupar bastante espaço, sabe. Desde agosto que só me vejo do peito pra cima, no espelho do banheiro. E me assustei. Tinha percebido, claro, que as calças estavam mais largas, e que várias outras nas quais eu não entrava há muito tempo me estavam caindo pelas pernas abaixo. Mas me assustei anyway. Os anéis também me caem, mas basta que me fiquem os dedos...

Hoje à noite rola um boliche com os meninos de Città di Castello. E eu com toda essa vontade de socializar?

*Agora, além das meias azul-marinho com vaquinhas malhadas, das meias azul turquesa com caranguejos laranja, da meia creme com ursinhos brancos, das múltiplas meias listradas, também tenho uma meia vermelha com patinhos laranja, uma preta com fantasminhas e abóboras halloweenescos, e mais três listradas pra coleção. Pena que a que eu mais queria, a dos patinhos abaixados mostrando a bunda pra nós, estava em falta. Que puxa.

Postado por leticia em 17:24

20.10.03

fds

O fim de semana foi meio barro, meio tijolo. Sábado tava um frio desgraçado, eu aqui no escritório fazendo um orçamento chato cheio de códigos estranhos, com os dedos congelados, o vento uivando lá fora. Almocei rapidinho, fui ao supermercado e aos correios, e depois fui a pé até S. Maria pegar o ônibus pra ir pra loja trabalhar. Lá pras sete já não tinha ninguém na rua, por causa do frio e da chuva, e fechamos e fomos pra casa. Dormi super cedo.

Já ontem o dia começou horripilante como sábado. Num intervalo da chuva levei o Leguinho pro parque, voltamos pra casa e dormi de novo. Acordei às oito e meia com o sol brilhando lá fora, não entendi nada. Lá pra meio-dia o Ettore passou, fofocamos, ele levou o Leguinho embora pra passar o dia com ele; eu almocei uma coisinha qualquer, o Fabrizio ligou dizendo que tava estressado e não queria trabalhar e por isso eu deveria ir trabalhar às 13:30 em vez das 16, e que vinha me pegar em casa. Beleza, ultimamente os domingos são meus dias preferidos da semana, exatamente porque trabalho na loja sem aquele louco fulminado do Fabrizio. Ficamos eu, Claudia e Carmen fofocando, rindo, trabalhamos super bem, é ótimo, me dá uma baita levantada no astral. E foi assim mesmo; muitos clientes simpáticos, muitas risadas, algumas gorjetas, muitos americanos, uma venda de 573 euros a um casal do Michigan, comemos muita torta al testo com queijinhos bons e molho de tartufo, o fotógrafo da mostra do outro lado da praça entrou na loja 500 vezes só pra me ver (além de velho coroco ele não tem uma mãooooooooooooooooooooooooooooooooo, mas tadinho, ele é SUPER gentil e no sábado me deu de presente uma fotografia que eu escolhi, e que ele estava vendendo a 50 euros cada) mas as fotos que ele fez de mim não ficaram prontas ainda, a Claudia foi embora às 17:30, lá pras 19 chegaram os meninos de Città di Castello, aqueles que vieram uma vez comer e desde então voltam todo domingo porque um deles, o Massimo, dá em cima da Carmen, vendemos ainda umas coisinhas, fechamos a loja e fomos pra um barzinho novo em Bastia. Rimos muito, comemos pouco, eu e Massimo detonamos uma garrafa de vinho sozinhos porque a Carmen não tava no clima e o Samuel não tava a fim, e fui dormir às onze e meia da noite, sem o Leguinho, que ficou com o Ettore.

E amanhã vou a Firenze encontrar papai, que vem em visita-relâmpago de negócios. Uhu!

Estou mais tranquila. Ontem de manhã conversei com o dono do apartamento, que me garantiu que arruma um outro inquilino rapidinho. Se tudo der certo, estou em casa pro Natal. Agora é só juntar grana pra passagem, achar passagem, achar uma passagem com cachorro, renovar o passaporte, e arrumar um jeito de mandar minha tralha pra casa pagando pouco.

Ou seja, preciso do carro do atum.

Postado por leticia em 11:34

17.10.03

aham...

Ih, olha, eu hoje bem ia falar da minha teoria de que é a raiva que move o mundo, e a Bia jah falou tudo. Vao lah ler, vao.

p.s.: aquele lance da preguiça parece escrito pra mim.... meus genes de Itabuna nao sao faceis de combater, vou te dizer.

Postado por leticia em 18:01

16.10.03

nada x nada

Uma das revistas que a Marcinha me mandou foi a Marie Claire. É claro que ver as calças com elástico no meio da perna e sapatos brancos como última moda não me surpreendeu nada; afinal, essa moda já tava rolando aqui há muito tempo. Mas putz grila, que moda feiaaaaaaaaaaaaaaaaa! Blusas estilo morcego, calça com gancho lá embaixo feito MC Hammer, scarpin branco, socoooooorroooooo scarpin branco também entra na lista de coisas que deveriam ser proibidas, ali do ladinho do dente de ouro...

Meu cabelo cresce que nem capim. Não tem nem 3 meses que relaxei e cortei e já estou com um arbusto amorfo na cabeça de novo. Semana que vem, depois que eu receber (ô coisa de pobre!), dou um jeito de amansar o bicho.

Hoje fomos premiados, eu e Leguinho, com um lindo nascer do sol. Como vou dormir às oito e meia da noite por falta de coisa melhor pra fazer, acordo ainda mais cedo do que normalmente já acordo. Fico enrolando, tirando lentamente a roupa do varal, cortando devagarzinho as abobrinhas pro almoço, limpando a casa, até dar um horário mais assim de gente, tipo quinze pras sete. Hoje botei a luzinha pisca-pisca da bicicleta presa na coleira do Legolas, porque ainda estava escuro quando saímos e ser atropelada às quinze pras sete da manhã não deve ser uma coisa muito legal. Botei minha música gay nos ouvidos e lá fomos nós, eu correndo, o Legolas trotando e piscando, e o sol nascendo. Lindo! Lindo e frio, porque já tá um frio do cacete.

Ontem almocei risoto de aspargos, daqueles prontos, de saquinho. Fiquei esperando pra ver se o xixi depois ficava com cheiro de aspargo, como dizem que fica, mas não ficou! Devo ter alguma enzima maluca que metaboliza o cheiro do aspargo...

Postado por leticia em 10:21

15.10.03

oba

Conteúdo, sempre eclético, do pacotão que chegou hoje do Brasil:

- 1 twin-set preto
- 1 blusinha decotadinha cor-de-burro-quando-foge
- 1 par de mocassins vermelhos
- 1 Bubaloo sabor morango
- 2 pastilhas Garoto
- 2 pacotinhos de sopa tabajara, uma de feijão com macarrão e couve, a outra de galinha com macarrão e verdura, 6 porções cada pacote (ou seja, 3 porções por pacote...)
- 1 pacote de banana passa
- 2 pacotes de absorvente
- 1 lençol pro Leguinho
- 2 pacotes de courinho digerível pra cachorro, tipo batata frita
- 1 pote de meio quilo de Toddy (lá em casa é todo mundo anti-Nescau)
- váaaarias bijouterias em prata que a Carmen e a irmã vão vender pra mim
- 1 escova de dentes
- 2 caixinhas de cotonete

E hoje pro jantar fiz uma sopa de ervilha show de bola. Eu AMO ervilha :)

Postado por leticia em 17:34

repito:

Preciso do carro do atum...

Postado por leticia em 10:06

...

E hoje o tempo tá uma bosta, contribuindo pra minha melancolia. Um vento horroroso que já derrubou todos os vasos de planta que cercam o escritório, e que já me esta dando dor de ouvido (a família do meu pai tem algum defeito de fabricação nos ouvidos, que anatomicamente são meio tabajara, mal ventilados, e vivem inflamando. Não sou exceção. Com o passar dos anos fui aprendendo a ignorar zumbidos, pontadas, dorezinhas, mas quando rola um vento assim não tem jeito, doem mesmo).

***

Ontem acordei tão cansada! Lembro de ter tido vários sonhos estranhos, onde eu estava discutindo com alguém que eu sei muito bem quem é. Devo ter falado e gesticulado horrores enquanto dormia, porque acordei exausta e com a boca seca, e com uma sede danada. Acordei até o Legolas, coitado, que por sua vez me acordava com patadas no braço. Tadinho do bicho. Dormimos mal, eu e ele.

Postado por leticia em 10:06

modéstia à parte - mesmo.

E já que estamos nos assuntos polêmicos, e respondendo a um e-mail muito legal da Julie, vamos falar de modéstia hoje.

Em vez de fazer aqueles adesivos “a inveja é uma merda”, eu faria um escrito “a modéstia é uma merda”. Modéstia é um daqueles sentimentos que, como a piedade, não serve pra coisa nenhuma. Quem tem pena fica depenado, e ter pena mas não tomar uma atitude não adianta nada, entao é melhor poupar seu sistema límbico e nem sentir essas coisas. Na minha opinião, acontece o mesmo com a modéstia, que não serve pra bissolutamente nada. Se você nao tem nem o direito de curtir um talento especial, ou o resultado de um esforço hercúleo, qual é a graça da coisa?

Sempre achei que quem é bom em alguma coisa tem mais é que se achar bom mesmo. Acho que o Romário tem todo o direito do mundo de dizer “eu sou foda”, porque ele é mesmo, oras. Acho a arrogância um defeito super light, desde que justificado. Há defeitos piores, muito piores.

Claro que não ser modesto não significa achar que não se pode melhorar. Perfeição não existe, e sempre há espaço pra melhoras. Saber que você é ótimo em alguma coisa e ao mesmo tempo saber que pode ser ainda melhor não é modéstia, nem humildade. É coerência. Admitir que não sabe uma coisa nao é humildade, é sinceridade. Humildade é outra coisa que eu detesto. É coisa de pobre, seja de bolso que de espírito, e a pobreza é sempre, sempre uma coisa ruim, limitante. A humildade é limitante. Dizer “pô, cara, não sei, não entendo nada disso” não é humildade, é honestidade. Assim como admitir que se é bom em alguma coisa também é um sinal de honestidade.

Eu sou honesta comigo mesma. Sou ótima em um monte de coisas, e horripilante em milhões de outras. Quando me perguntam alguma coisa que não sei, primeiro penso bem, porque pode ser que eu saiba mas ache que não sei, e se não sei mesmo digo que não sei e pronto (ficou meio Rolando Lero essa frase, mas é isso).

Pior que a modéstia é a falsa modéstia. Essa, então, é de lascar! Você sabe que o sujeito se acha o ó do borogodó, você elogia, e ele fala, “aaah, mas são seus olhos...” Seus olhos o escambau! É como dizer a uma modelo lindíssima (estou falando de bonita mesmo, não esses varapaus de rosto horroroso que vemos nos desfiles famosos, mulheres que só desfilam porque são secas de corpo, mas têm orelhas de abano, pouco cabelo, cara de cavalo, dentes tortos, enfim. Feias.), você se acha bonita? E ela dizer, não, não me acho bonita. Ora, faça-me o favor! Tá querendo enganar quem, jacaré? Claro que ninguém se acha linda todo dia, o tempo todo; todo mundo tem dias em que acorda com cara de sei lá, mas sejamos coerentes, né. Ou então uma magricela, como a menina da calça dourada, que de repente diz “estou tão inchada hoje”! Eu agora aprendi a responder “é, tá mesmo”.

É como quando entram americanos na loja do Fabrizio o Louco e perguntam de qual parte dos EUA eu venho. Quando respondo que sou do Brasil, a reação é invariavelmente a mesma: nooooooooossa, mas seu ingles é óooooootimo! Vou responder o quê? Ah, não, impressão sua, depois que eu começo a falar mais se percebe que não sou americana? Eu falo, falo, falo e ninguém percebe coisa nenhuma, então eu respondo “brigada” e já tá muito bom. Só me faltava ter que ficar arrumando desculpas por ser boa em alguma coisa! E não faz diferença nenhuma o fato de que eu ter jeito pra línguas é independente do meu esforço, porque eu realmente não me esforço nada, tenho facilidade e pronto, assim como escrevo bem sem fazer esforço; me vem naturalmente. Deveria me sentir culpada por isso? Eu não, acho é muito bom, detesto estudar e sempre tive uma enorme vantagem sobre meus colegas de escola que era não precisar estudar nem português, nem inglês, nem literatura, nem redação. Sobrava mais tempo pra ler Tolkien e outras coisas.

Já pra outras coisas sou uma negação total. Dê-me seu ano de nascimento e eu levarei no mínimo 5 minutos pra calcular quantos anos você tem. Retardada numérica total e absoluta. E não tenho a menorrrrrrr intenção de mudar isso, porque detesto calcular, detesto fazer continhas, meu modo de pensar é totalmente anti-matemático.

E pra fazer esportes? Nossa, eu sou AAAAA prega. Fora que não tenho o menor espírito competitivo, e mesmo quando ganho fico com pena de quem perdeu e não consigo nem curtir a vitória. E quando perco fico com pena de mim mesma, então não é legal. A única coisa que eu gosto de jogar é conversa fora...

Postado por leticia em 10:00

14.10.03

conceitos

Ontem escrevi à Criss contando as minhas atuais intenções, que são 1) voltar pro Rio e 2) depois não sei bem o que fazer. Ela me respondeu mais ou menos assim: que tem raiva da bagunça, do descaso, do falso moralismo, do modo nojento dos italianos de falar mal de estrangeiros e acrescentar “mas com você é diferente”. Bom, pra começar, acho a bagunça deles muito parecida com a nossa. O descaso idem. Falso moralismo também não é exclusividade deles. E quanto ao modo de falar mal dos estrangeiros, vou dar o meu pitaco. Precisava mesmo de um gancho pra falar de preconceito...

Não acho que o preconceito seja uma coisa necessariamente horripilante ou abominável. E acho que vai existir sempre, porque é uma forma de defesa, baseada predominantemente em estatística. Por exemplo: se TODOS os marroquinos que eu já vi, e todos os que eu vi foram aqui na Itália, são filhos da puta, a próxima vez que eu vir um, ainda que em outro contexto, vou ficar de pezinho atrás que eu nao sou boba. Se quase 100% das brasileiras encontradas num vôo Rio/SP/Roma são mulatinhas caça-gringo, que falam alto, se vestem como as prostitutas que são, jamais aprendem a língua e vêm pra Italia pra virar um misto de escrava sexual e doméstica, é ÓBVIO que quem pega um vôo desses e não conhece a realidade da classe média alta das grandes cidades brasileiras vai ficar achando que todas as brasileiras são assim. E quer saber? Não estão errados não. Ontem mesmo vi uma caça-gringos, nos correios em Bastia. Chamava-se Rosemeire (meus olhos mais afiados do que o Hubble conseguiram ler de longe os endereços nos caixotes que ela queria enviar à Freguesia do Ó, a uma pessoa chamada Maria Pureza. Ui.). Vestida como uma piranha, parada em pé na fila emanando aquela vulgaridade que só as mulheres latino-americanas têm, os olhos lançando aquela pobre arrogância sem sentido que só os brasileiros furrecas que vão morar fora adquirem (lembrem-se dos patetinhas brasileiros que se acham oooooooos germânicos. Aqueles do forum. Aqueles que me acusaram de ter comprado o diploma porque não gostei de Berlim. Hohoho). Podemos realmente culpar os europeus por ter essa imagem horrível de nós, mulheres brasileiras? Eu acho sinceramente que não. Acho que é só estatistica mesmo, é defesa; eu também não gostaria de ver esse tipo de gente desfilando pelas ruas da minha pacata cidade, se eu fosse nativa de uma pacata cidade. Não tenho raiva nem de quem acha que eu sou ou fui prostituta, nem raiva dessas pobres mulheres, que OBVIAMENTE não se submeteriam a sair do conforto de seus lares pra virar escravas sexuais se houvessem um lar confortável, um emprego legal, famílias normais, um mínimo de grana pra se divertir. Tenho raiva de nós, que escolhemos mal nossos governantes; tenho raiva dos nossos governantes de merda, que com seu descaso e filha-da-putice criam uma massa de gente sem perspectiva, que acaba tendo que se submeter a tudo pra ter o que comer, pra ter um mínimo de conforto; tenho raiva dos nossos órgãos de divulgação, que só vendem bundas, bundas, sempre essas MERDAS de bundas, como se no país todo não houvesse nada de mais interessante; tenho raiva de quem deveria coibir o turismo sexual mas fica de bico calado; tenho raiva dos hotéis que admitem prostitutas, de luxo ou não, quando há turistas estrangeiros; tenho raiva de todos os homens idiotas do mundo que têm que pagar por um buraco pra enfiar o dito cujo.

O dia em que eu encontrar um marroquino, ou cigano, ou albanês, que não seja filho da puta, eu também vou pensar “mas você é diferente”. A amostra pode ser pequena, afinal tive contato com muito poucos aqui, mas se 100% dessa amostra é filha da puta, alguém pode querer que eu tenha uma boa opinião sobre eles? Levanta a mão quem, mesmo depois de ser assaltado cem vezes por gente de cor (e não vou entrar no mérito disso agora, não venham me chamar de racista porque todo mundo sabe que quem assalta é pobre, fora os retardados drogadinhos filhinhos de papai, e os pobres são negros, e os negros são pobres porque foram escravos, e etc etc etc. Mais uma vez, é pura estatística.), não fica com medo quando vê um negão suspeito na rua, no ônibus, na porta de casa. Levanta a mãozinha, quero ver.

O que quero dizer é que preconceito não é ódio gratuito, e não é uma coisa contra a qual se deve lutar cegamente. Não adianta nada eu sair por aí dizendo que nem toda brasileira é caça-gringo, se na TV as propagandas que se referem ao Brasil só mostram bundas, se os vouchers de companhias de turismo que voam para o Brasil só mostram bundas, se a imensa maioria das brasileiras no exterior é caça-gringo mesmo. O que adiantaria seria, e aqui sou muito hipotética porque não creio absolutamente que o Brasil tenha jeito, a gente ter um país melhor, com oportunidades mais justas, de modo que ninguém precisasse sair caçando gringo por aí.

Estou indo embora. Não sei quando, preciso me livrar do apartamento, mas vou embora. Não porque aqui tem preconceito, porque aqui tem bagunça, porque isso ou aquilo. Vou embora porque sair de casa, ainda mais pro brasileiro, e mais ainda pro carioca, é muito difícil, um sacrifício muito grande. Sacrifícios valem a pena se há um objetivo, uma compensação. Senão deixa de ser sacrifício pra virar desperdício, e pra mim desperdcio é sinônimo de imbecilidade. Como estou longe de ser imbecil, vou-me embora. Vim, como muitas outras brasileiras educadíssimas, pra curtir uma história de amor. A minha história acabou, e com isso acabaram também as minhas razões pra ficar nesse fim de mundo. A Umbria é pequena demais pra mim, não tem mais nada a me oferecer. Vou ficar fazendo o que aqui, jogando fora a minha juventude, a educação que meus pais me deram, meu céLebro brilhante, vou jogar fora tudo isso numa cidadezinha onde nada acontece, em um emprego chatíssimo, com um chefe que eu desprezo profundamente? Se eu ainda estivesse em Roma, ou Firenze, ou Bologna, ou qualquer outra cidade animada, cheia de gente diferente na rua, cheia de opções de lazer ou cultura, se eu tivesse um emprego muito legal, um chefe super interessante que me ensinasse taaaaaantas coisas, provavelmente não pensaria em voltar. Mas não é absolutamente o caso. Regredi. Saí do conforto do meu lar pra ir parar num buraco onde nada acontece, onde vivo sozinha e faço sozinha todas as refeições, a menos que chame alguém pra jantar em casa, não tenho carro, a bicicleta que uso não é minha, nao tenho TV nem telefone fixo nem computador nem internet. Regredi! Então chega, chega de andar pra trás! É hora de cortar o cabelo e voltar correndo pra casa. Assim que encontrar alguém pra ficar com o apartamento, é claro – o aviso prévio é de seis meses...

Eu gosto da Itália, e acho que um dia vou acabar voltando. Acho um país muito divertido, cheio de pessoas divertidas. Só sair na rua e ver aqueles italianos todos vaidosíssimos, montadíssimos, cheios de gel, de óculos abelhão, de calça justa, de olhar Cepacol, sempre gesticulando muito, batendo papo até enquanto dirigem lambreta, a gente já tem vontade de rir. Eles sabem se divertir, mas, ao contrário dos espanhóis, que segundo testemunho de amigos que moram na Espanha não querem saber de dureza, os italianos trabalham muito. Mas brincam, sacaneiam uns aos outros, cantam, comem bem, bebem idem. Claro que ainda são terceiro mundo em muitos aspectos – nos banheiros sem ralo e na frequência com a qual se lavam, no serviço bancário que é neanderthalesco, no quesito atendimento ao cliente em qualquer loja/banco/agência dos correios, nos correios que funcionam malíssimo; claro que há muitos defeitos – as cenouras que são nojentamente adocicadas, o limão que não é verde mas aquele abominável amarelo, o pão sem sal de todo o centro da Itália, a mania de comer lentilhas com molho de tomate, a mania de fumar em tudo que é lugar, enfim. Mas pombas, o paraíso nao existe, e home is where the heart is. Ou não?

Postado por leticia em 18:18

13.10.03

E obrigada pelos muitos elogios pelo post cachorro-filosofico. Assim voces ainda me forçam a escrever um livro...

Postado por leticia em 10:45

Sábado eu e Leguinho tivemos uma experiência meio surreal, ou exotérica, como dizem os inguinorantes. Fomos correr de manhã cedo, mas tava uma neblina impressionante. Nunca tinha tido nenhuma experiência neblinal. Achei muito estranho correr em meio às brumas, com visibilidade baixa, uma umidade dolorida, um cheiro muito particular. Pra me sentir em Avalon só faltava a maluca da Viviane (e o lago, e os barquinhos, e os sinos do convento, e... não, não tinha NADA a ver com Avalon, mas enfim.).

**

Mas o mais surreal mesmo foi o Fabrizio o Louco me presenteando com uma trufa negra, que custa tipo 500 dólares por quilo, ou mais. Não entendi, mas também não recusei. Repassei a bichinha pro Ettore e pra Arianna. Gosto de trufa, mas ultimamente tenho um eterno sabor de nada na boca, não sinto gostos, nada me agrada ou satisfaz, então em vez de desperdiçar a preciosidade, a dei a quem sabe apreciá-la. Fiz o mesmo com a porchetta que o Ettore me trouxe ontem: dei de presente à Carmen. Porchetta feita em casa é boa demais, mas não me sobrou serotonina nenhuma, estou incapaz de apreciar. Carmen ficou toda boba : )

**

E ontem foi um outro dia estranho. Foi o dia da Marcha pela Paz; um monte de gente que veio a pé de Perugia até Assis, fazendo a maior bagunça e sujando tudo, como em toda manifestação boba que não leva a nada. A mala da mulher do Fabrizio veio nos pegar, a mim e a Carmen, lá pro meio-dia, porque de ônibus não rolava, já que os horários foram todos alterados e sozinhas não chegaríamos jamais a Assis. Fabrizio foi embora logo que chegamos, entao ficamos eu, Claudia e Carmen trabalhando sozinhas. Sem ele trabalhamos muito melhor, sem stress; e de fato o faturado do dia foi o mais alto dos últimos meses. Tinha muito americano passeando, e normalmente gastam muito, compram muito azeite e vinhos caros.

A loja fica na Piazza del Comune, e o prédio do lado oposto da praça é a Pinacoteca Comunale, onde de vez em quando rolam mostras, exposições, etc. No sábado tinha vindo à loja cumprimentar o Fabrizio o fotógrafo da mostra que está rolando agora na Pinacoteca. É um senhor que faz fotos bonitas, mas na minha opinião coloridas demais, em lugares como Burundi, Mali e outras coisas estranhas. Ontem ele passou na loja de novo, quando o patrão já tinha ido embora, e nos convidou a ir ver as fotografias. Fui eu só, e ele ficou horas me explicando tudo; grudou no meu pé e não largava mais. Fez questão de me fotografar, eu com cara de choro (minha prima já tinha me ligado e eu já tinha chorado rios), sem vontade de ajeitar nem a alça do sutiã, que provavelmente apareceu na foto, sempre gorda, embora ultimamente tenha perdido já uns 7 quilos, e ele me fotografando. Sábado vou ver como ficaram as fotos. Ainda me deu uns textos pra traduzir, umas explicações sobre as fotos que ele pretende distribuir aos turistas estrangeiros que entram pra ver a mostra, que tem entrada franca. No final das contas ainda me convidou pra jantar, a múmia. É mole? Tudo bem que depois da experiência lanterneirídica preciso de um homem maduro, mas não caído do galho já...

**

Hoje pro almoço, já que estou precisando de uma carninha, vou fazer tagliatelle alla zingara, mas com linguiça em vez de bacon. Uso tagliatelle feitas de massa com ovo. Tiro a pele da linguiça, refogo com alho e pimeita-do-reino como se fosse carne moída, corto em tirinhas (ou em fiammiferi, palitos de fósforo, como se diz aqui) umas cenouras, e cozinho levemente as bichinhas com espinafre nesse refogado linguiçal. Massa al dente, saltata in padella, queijo parmesão por cima. Pronto.

Postado por leticia em 10:43

10.10.03

Post cachorro-filosófico

A única parte da minha vida que não mudou nada aqui na Italia é o Legolas. Mesmo depois de tanto tempo na casa da Carol, lá no Rio, e depois de todos esses meses na casa da Arianna, aqui na roça em Santa Maria degli Angeli, ele não perdeu nenhuma das suas manias. Me acorda em torno das seis e meia sempre do mesmo jeito: senta ao lado da cama e fica me encarando. Eu me finjo de morta; ele começa a respirar forte, fazendo barulho. Eu continuo de olhos fechados, morrendo de vontade de rir, e ele começa a abanar o rabo. Continuo quieta, e ele finalmente me dá uma nada sutil patada no braço, e aí não tem jeito, tenho que levantar.

Nada mudou na nossa rotina, mas mesmo assim ainda me espanto com a facilidade com a qual ele entende as coisas, memoriza percursos, assimila hábitos. Depois de um aquecimento rápido vamos caminhando através do parque, pegamos a rua Vietnam, e é só a gente virar na estrada transversal por onde corremos sempre, e ele já começa a acelerar, olhando pra minha cara, as orelhas saltitando. Quando nos aproximamos de casa ele começa a se agitar; quando chegamos se deita no capacho do lado de fora e fica quietinho lá no sol, enquanto eu dou uma varrida na casa. Quando volto do trabalho, na hora do almoço, ele vem com a cara toda amassada de sono e um tênis na boca (nem sapato nem chinelo, sempre tênis, sabe-se lá por quê). Quando cruzo os talheres ele sabe que eu acabei de comer e logo vou levá-lo pra sair, então é só ouvir o barulho do garfo e da faca sobre o prato que ele levanta todo animadinho, doido pra dar uma volta. Ou então se estou no telefone, é só ele ouvir um “então, tá...”, ou então “um beijo!”, ou ainda “allora ci sentiamo dopo”, que sabe que acabei a conversa e posso voltar a dar-lhe atenção, e já começa a se agitar.

A infantilidade dos cachorros me encanta : )

Mas aí entramos na questã principal dessa história: é impressionante a capacidade que algumas pessoas têm de passar batido pela vida, sem olhar pros lados, sem observar, sem aprender nada. Outro dia estava com Leguinho no parque em frente de casa quando passa a minha vizinha de cima, a que tem o jardim no final do edifício (o apartamento dela equivale a dois apartamentos do andar térreo, onde eu moro, e ela ainda tem o jardim no térreo ao final do lado esquerdo). Ela vai caminhar todo dia de manhã com a Nina, insuportável basset velha e chatíssima, infernal latidora que faz um escândalo quando passo com o Legolas em frente à grade do jardim. Leguinho foi lá cheirar a cachorra – normal, cachorros se saúdam. A mulher não só não me reconheceu (nem a mim, nem ao Legolas, e olha que nem eu nem ele costumamos passar inobservados em terras italianas), como ainda botou a cachorra, que a essas alturas já estava latindo como uma doida e avançando no Legolas com a petulância que só os microcães têm, protetivamente no colo. Isso porque o Legolas nem encostou nela; cachorros pequenos são, pra ele, mera curiosidade e pouco dignos de interesse. A vizinha pediu pra eu afastá-lo porque a Nina estava com medo dele. Tipo, hello? Você tem cachorro há anos (a Nina é bem velhinha) e mesmo assim não entende NADA do assunto? Não sabe que macho e fêmea não brigam, e quando brigam é a fêmea que bota o macho pra correr? Não conhece nada de raças, não sabe que labrador, depois do tatu-bola, é o bicho mais bobão do mundo? Nunca viu meu cachorro na rua comigo, brincando com as crianças que saem da creche na hora do almoço, com velhinhos que passam de bengala e param pra dar bom dia bem embaixo da janela dela?

Imediatamente lembrei de uma coisa que muito me surpreendeu, ano passado. Tudo bem, eu sempre fui espertinha, além da média; sempre tive o hábito de reparar em tudo, perguntar tudo, querer entender tudo, de ler tudo, de fazer comparações com coisas já vistas ou ouvidas, de extrapolar, de aprender. Mas hoje em dia entendo que eu não sou tãaaao acima da média assim, ou melhor, não sou tão fenomenal assim – é a média é que é baixa. Porque as pessoas simplesmente NÃO OLHAM o que há ao redor. São incapazes de assimilar, de comparar, de aprender. Ano passado, antes de voltar pra Itália, dei aula de Inglês pra uma turma muito, digamos, complicada. Todos adolescentes, sem saber uma palavra de Inglês (o que, sejamos sinceros, já é muito estranho. Não saber NENHUMA palavra de Inglês, nos dias de hoje? Meninos e meninas da classe média baixa? Mas nenhuminha mesmo, nem good morning?). Um dia boto no quadro, como introdução a vocabulário novo, a palavra hard. Entre os alunos, dois com camiseta do Hard Rock Cafe. Pois não é que me olharam TODOS como se nunca tivessem visto a palavra na vida? Ainda perguntei, mas vocês realmente nunca viram essa palavra escrita em lugar nenhum? Não. Fiquei chocada. Como é possível um ser humano passar tão incólume pela vida? Como é possivel ignorar coisas que nos são bombardeadas todo dia, o tempo todo? Como é possivel uma pessoa ter um cachorro e não entender NADA de cachorro? Como é possível uma pessoa ter um videocassete em casa e não saber nem ligá-lo? Como é possivel alguém comer um prato particularmente gostoso e não querer saber que ingredientes leva? Como é possivel alguém usar uma camiseta e não ter a mais longínqua idéia do que está escrito nela?

Sou eu que sou maluca?

**

Coisas a incluir na lista de coisas que deveriam ser proibidas, junto com dente de ouro: malhar/correr/caminhar com tênis sem meia (sinto o chulé fúngico só de pensar, as micoses borbulhantes, todos os funguinhos fazendo festa no suor, aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah), malhar de cabelo solto, malhar maquiada, malhar de argolona nas orelhas. Muito dedo no olho pra essas criaturas.

Postado por leticia em 10:24

08.10.03

freddo

Hoje estou dando uma de responsavel de RH, fazendo entrevista e analisando candidatos.

Hoje também estou dando adeus oficialmente aos meus dedos dos pés. De hoje em diante, até o proximo verao europeu ou até eu voltar pro Rio (o que vier primeiro), soh vamos nos ver no chuveiro. O frio chegou de vez; hoje foi um dia lindissimo, de céu muito azul e poucas nuvens flutuantes, mas aquele ar frio que nao engana: alegria de pobre dura pouco, o outono virou irmao gemeo do inverno, tah frio mesmo e o negocio é tirar as meias e as botas do armario. Tchau, dedinhos.

Postado por leticia em 18:29

07.10.03

Essa noite sonhei que tinha ganho 20.000 dólares jogando paciência numa slot machine em uma casa de bingo. A coisa foi meio estranha porque, 1) eu estando na Itália deveria ganhar em euros, e não em dólares, 2) não sei se tem paciência em casa de bingo, e 3) eu jamaaaais frequentaria uma casa de bingo; acho jogos de azar a coisa mais ridícula já inventada pelo homem, depois da tanga fio-dental, e tenho pena de quem perde tempo com essas coisas. Mas foi um sonho bem legal. Acordei antes de decidir se ia pras ilhas Cayman abrir uma conta ou se enfrentava os pesados impostos italianos, que me comeriam 6.000 dos meus 20.000 dólares. Vou interpretar o sonho como um sinal do universo de que o carro do atum é meu e ninguém tasca.

Hoje vim sem maquiagem. Marcinha, padroeira dos brasileiros expatriados, me mandou umas revistas com umas fotos do Rio, que devem chegar hoje aqui no escritório. Como não consigo ficar olhando pra um pacote sem abrir, sei que vou abrir, olhar e chorar, e pra não incluir borrar nessa lista de verbos, vim com a cara limpa, acqua e sapone, como se diz aqui.

Postado por leticia em 11:03

06.10.03

...

Ontem tinha tudo pra ser um dia chato. Chuva, vento gelado... Levei o Leguinho ao parque de manha bem cedo, mas voltamos pra casa quando começou a chover. Dormi de novo até umas dez, quando o Ettore telefonou dizendo que passava lah em casa pra visitar o meu furadissimo cachorro, que alias nao estah mais furado, jah se formou a casquinha sobre o machucado e ele estah otimo, lindo e espetacular como sempre. Ficamos batendo papo até uma e meia da tarde! Ele acabou levando o Leguinho pra casa, eu almocei rapidinho e FeRnanda, Fabiao, a irma da Fernanda e o namorado, e mais a tia solteirona do Fabiao com o cachorrinho mala dela passaram pra me pegar. Sabado foi dia de S. Francesco e ontem teve feirinha na praça em Assis. Demos algumas voltas, mas tava chovendo moooito e ventando mooooito frio, eu totalmente Jade protegendo meus cabelos da chuva com uma echarpe, e às quatro fui trabalhar. Fabrizio o Louco nao estava (ele diz que Deus o manda ficar em casa com a familia nos domingos e nos deixa em paz trabalhando sozinhas na loja); bati papo com a Claudia e a Carmen, demos muita risada, Claudia foi embora e ficamos nos duas ralando. Mais tarde chegaram Samuele e Massimo, duas figuras de Città di Castello (a uma meia hora daqui) que foram comer na loja uma vez e desde entao voltam todo domingo pra comer e paquerar a Carmen. Mais risadas; fechamos a loja às oito e meia e fomos tomar uma caipiroska num bar tabajara em Santa Maria. Rimos muito, brindamos muito ao meu carro do concurso do atum, tomamos sorvete. Cheguei em casa antes das onze, Ettore foi levar o Leguinho lah em casa, dormi, acordei à uma e meia pra dar antibiotico pro negao, dormi de novo, no friinho, embaixo do meu super edredom de pena de ganso. Sonhei com o Rio a noite toda.

E' hora de cortar o cabelo de novo. E' hora de voltar pra casa.

Nao estou bem.

Postado por leticia em 09:53

03.10.03

ah, a esperança...

Eu agora participo de tudo que é concurso que oferece carro como prêmio. Meu sonho é ganhar o carro do concurso do atum. É um Cooper Mini, carérrrrrimo e charmosérrrrrimo e suuuuper na moda, que eu obviamente vou vender quando ganhar, pra comprar uma fubica qualquer e ficar com o resto da grana. Todos por favor acendam velinhas que tô precisando de um pouco de sorte ultimamente.

Postado por leticia em 17:32

o horror

O negócio do Legolas foi o seguinte: estávamos muito placidamente, ontem pela manhã, sentados no parque onde o levo sempre pra brincar. Eu sentada no meu banco, lendo Giovanni Verga, e o Legolas sentado no gramado olhando os estudantes que chegavam pra estudar (tem uma escola no fim da rua). Sei que eu também estava errada, porque o Legolas estava solto, mas aqui tudo que é cachorro anda solto pela rua, até cachorro que mora em casa e tem um quintal pra correr. As ruas são deles, e pelo menos nunca vi nenhum tipo de problema, brincam entre eles, se conhecem, passeiam juntos. Todos os velhinhos de Bastia conhecem o Legolas, nos dão bom dia de manhã; as crianças da creche que fica exatamente em frente à minha casa não têm medo dele, que fica sentado no capacho pegando sol enquanto eu cozinho. Como todo labrador, é um cachorro bobo, mas é cachorro, e macho. Por isso se aproximou do tal dogo argentino, que veio com o dono de bicicleta, como sempre, mas que eu não tinha visto que estava chegando. A sorte do Legolas foi que o cachorro pegou de mau jeito na bochecha dele, e pelo visto o esquema é como o do pitbull, que trava a mandíbula uma vez que morde, porque se o Hannibal tivesse aberto a boca pra ajeitar a mordida e pegar melhor, tinha esmigalhado o crânio do meu cachorro. As it was, foi uma mordida de um dente só, que no entanto furou a pele da bochecha do Legolas. Eu ainda consegui puxar o Leguinho pelo rabo, o que ajudou a aumentar a distância entre os cachorros e assim a reduzir o dano, mas o diabo do cachorro não largava de jeito nenhum! Eu gritando feito uma louca, xingando o cachorro em português, em italiano, em inglês, em aramaico; Legolas rosnando; o Hannibal em pé nas patas de trás com a bocona fechada e aquele dentão furando a bochecha do meu cachorro. Me lembro de ter gritado como nunca gritei antes (aliás, minhas duas únicas crises histéricas antes dessa foram por raiva, mas dessa vez foi por medo mesmo, e é muito diferente e uma sensação HORRIPILANTE), me lembro dos alunos em frente à escola com as mãos nos cabelos e os olhos esbugalhados, lembro da pele da bochecha do Leguinho esticando, esticando, e eu pensando vai rasgar, vai deixar um rasgo na boca do meu cachorro, bestia bastarda, figlio di una mignotta, bastardo puttano, cazzo di cane di merda, cazzo di padrone di merda, cazzo di vita di merda, andate tutti a fa’n culo, branco di disgraziati, até que não se sabe como mas o Hannibal largou, puxei o idiota do Legolas pela coleira, que por ele ainda iria continuar a rosnar como um imbecil, a boca do Hannibal cheia de sangue, a cabeça do Legolas toda babada. A conclusão brilhante do dono do Hannibal: realmente eles não se dão bem... Se estivesse armada eu juro que matava. Aliás, preferiria ter matado a chutes, pra fazer sofrer bastante, quebrar todas as costelas, esmigalhar os olhos, estourar os órgaos internos. Cheguei em casa com as pernas tremendo. Lavei a cabeça do Legolas mas só fui ver o machucado quando ele, como todo cachorro ridículo depois que se molha, começou a esfregar a cara no chão. Vi o rastro de sangue que ficou no pavimento, olhei com cuidado e vi aquele buraco fundo, fundo, que quase se chegava a ver os dentes do outro lado do furo. Fomos até o veterinário, perto do supermercado de pobre: aberto a partir das 10:30. Eram 8:30. Voltei pra casa, olhei pra máquina de lavar, decidi resolver o problema. Saímos de novo pro centro, comprei fita isolante, voltei pra casa, virei a máquina de cabeça pra baixo, olhei, vi que a fita não iria resolver. Levei meia hora pra desencaixar o tubo que estava rachado, fiquei com as mãos pretas porque o bicho se desintegrou na minha mão. Voltei à loja, comprei outro tubo e duas presilhas, voltei pra casa, usando faca como chave-de-fenda apertei as presilhas em volta do tubo, botei a máquina em pé de novo, botei meus lençóis dentro, liguei. O vazamento se reduziu a umas gotinhas bobas, fiquei feliz. Opa, dez e meia. De novo ao veterinário. Na minha frente, um senhor levando dois cachorros pra tatuar. Meia hora depois entramos nós; o pêlo em volta do buraco foi devidamente raspado, a ferida foi devidamente limpa, o dogo argentino foi devidamente amaldiçoado, 15 euros foram devidamente gastos. Na volta passamos na farmácia barateira pra comprar os antibióticos – uma semana acordando meia-noite pra dar ¾ de comprimido enrolados em uma fatia de queijo de plástico (tipo americano) que o Legolas engole sem nem mastigar, ainda bem. Almocei arroz com feijão do dia anterior, fui lá fora checar a correspondência, vi que tinha chegado a senha do cartão do banco pelo correio. Fomos aos correios (que ficam do lado do veterinário) ativar meu cartão do banco, voltei com os pés em chamas de tanto caminhar. Marta me manda uma mensagem; tem que passar em 3 bancos antes de ir trabalhar, chega tarde ao escritório. Tudo bem, respondo, vou a pé até Santa Maria e pego a bicicleta que tinha ficado na casa da Arianna desde o jantar com os brasileiros, e de lá pedalo até o escritório.

Fui dormir às oito da noite. Hoje meus braços e ombros estão doloridos por causa da força que fiz pra puxar o Legolas ontem. Ele está bem, todo pimpão como sempre. Agora o levo ao parquinho do lado da creche, onde em teoria cachorros não podem entrar, mas eu considero as garrafas de cerveja quebradas e as guimbas de cigarro muito mais prejudiciais às crianças que eventualmente queiram brincar lá do que o xixi do Legolas (o cocô eu recolho sempre). O parque é grande, então ficamos lá na outra parte, longe de onde estão o balanço e a gangorra. Ninguém frequenta o parque mesmo, a não ser casais de namorados, tarde da noite.

Eu queria saber é o que é que se passa na cabeça de uma criatura que compra um cachorro agressivo desses. Será que o cara acorda de manha e pensa, “hoje vou comprar um cachorro bem malvado, daqueles que matam onça na fazenda, mesmo eu não tendo fazenda, nem vacas, nem onças na floresta do lado da fazenda”. Ou será que ele entra na loja de animais e pede o cachorro mais agressivo que existe no mundo, o mais anti-social, porque é suuuuuper legal sair com o bicho e não poder nem perguntar as horas pra alguém que esteja com outro cachorro? E o mais legal de tudo é que um idiota desses não pensa nem de longe em amordaçar o pimpolho. Bastardo.

Postado por leticia em 17:23

02.10.03

O jantar foi um sucesso. Comemos tanto que depois ficamos batendo papo no parquinho pra digerir, o que deu origem a uma profundissima discussao sobre o que é respeito, o grau de idiotice dos fumantes, entre outras coisas. Hoje nao de tempo pra escrever, embora eu tivesse um post muito longo na cabeça, porque hoje às oito da manha meu cachorro foi mordido na bochecha por um dogo argentino (isso vai render um outro post longo) e passei a manha andando a pé pra lah e pra cah, do veterinario pra farmacia, e depois aproveitei pra resolver outras coisas, como ativar meu cartao do banco nos Correios e consertar minha maquina de lavar roupa que tava alagando a casa inteira. Legolas estah bem, com a bochecha esquerda inchada e com um buracao deixado pelo dente do desgraçado do cachorro, que se chama Hannibal (por que todo dono de cachorro agressivo é idiota e tem tao pouca imaginaçao pros nomes dos bichos?), mas fora isso tah tudo bem. Antibiotico por uma semana e limpeza diaria da ferida, que drena linfa furiosamente. Mas ele é um cachorro fodao e jah nem se lembra do acontecido; quando voltavamos do veterinario ele quis is ao parque de novo, onde rolou a mordida.

Hoje à noite nao tenho nada pra fazer, e vou aproveitar pra escrever na mao mesmo o que estah minhocando na minha cabeça. Depois se der transcrevo aqui.

Beijos anti-dogo argentino (também, vindo da Argentina, podia ser boa coisa esse cachorro? Tao certos os meninos do Casseta e Planeta, que queriam comprar a Argentina e transforma-la em Estacionamientos Tabajara pra solucionar o problema de vagas no Brasil. Sempre achei otima essa idéia hehehe).

Postado por leticia em 18:26

01.10.03

Quer dizer, a rendiçao soh amanha, porque hoje à noite a Carmen e a Claudia vao jantar lah em casa. Vou fazer quibe, que fez o maior sucesso da outra vez, e o classico arroz com feijao e farofa. Sim, sim, é meio nada a ver, mas eu adoro quibe e adoro arroz com feijao e todo mundo gosta de farofa, entao foda-se. Tem uns pacotes de pao de queijo Yoki que também tenho que desencalhar. Soh falta a sobremesa, mas sem limao pra fazer a torta de limao boazona da minha avoh fico com pena de gastar minhas duas ultimas latas de leite condensado. Entao as convidades que me tragam sorvete, quero nem saber.

Postado por leticia em 11:59

A Paula, amiga da FeRnanda que virou minha amiga também, veio ontem da regiao de Marche pra Perugia pra fazer a matricula na Università per Stranieri. Ontem nos encontramos em Assis, depois do trabalho. Eu tinha vindo trabalhar de bicicleta depois do almoço e deixado o Legolas na casa da Arianna. Saih do trabalho, deixei a bici na casa da Arianna e peguei o Legolas, pegamos o onibus até Assis (com o Leguinho sentado no ultimo banco do onibus, se achando o maximo) e lah encontramos FeRnanda, Paula, o Fabiao da FeRnanda e outro Fabio, amigo da Paula. Batemos papo num barzinho e depois fomos jantar no Mario. Mario é um barrigudo dono de um restaurante onde o Fabiao e a FeRnanda vao sempre e jah viraram amigos do Mario e da louca da mulher dele, a Lorella. Legolas ficou dormindo num canto do lado da nossa mesa, filando um pedaço de queijo de vez em quando. Educadissimo como sempre, ficou lah na dele, sem encher o saco, quietinho, espetacular. ("O cachorro é mais quieto do que a dona, que nao parou de falar a noite toda", foi o comentario do Mario. Que Mario? Hohoho). Foi super agradavel, dei uma boa relaxada. E ainda por cima ficou no ar a promessa de cozinhar "brasileiro" pro Mario no restaurante dele qualquer dia. Agora é soh marcar a data.

E hoje parece que a irritaçao e a exaustao emocional finalmente se somatizaram, e estou com uma dor de garganta insuportavel. Posso ignora-la e assim fazer com que ela passe, ou posso render-me a ela e ficar em casa debaixo do meu edredom vermelhao de penas de ganso. Estou muito tentada à rendiçao.

Postado por leticia em 11:58