sobre ser mulher e velha

Saiu hoje o penúltimo episódio da segunda temporada do Maria Vai com as Outras, podcast da Revista Piauí. Recomendo esse podcast pra todo mundo; a primeira temporada já foi ótima, mas a segunda tá totalmente ahazany. Esse penúltimo episódio foi sobre envelhecimento e tá muito interessante.

O fio condutor dessa segunda temporada é o corpo da mulher e o mercado de trabalho, o que torna difícil a identificação da minha parte, pois trabalho de casa há trocentos anos e também nunca fiz parte do mundo corporativo; nunca precisei pensar em “roupa de trabalho” ou aparência adequada pra trabalhar fora. Dar aula de inglês ou ficar sentada numa sala quente traduzindo não requer terninho nem salto alto, afinal.

As duas convidadas desse episódio são muito lúcidas, mas de maneiras diferentes, com posições diferentes com relação ao envelhecimento. Engraçado que são duas posturas diferentes, mas ambas peitam muito bem essa coisa do idadismo e dos dois pesos e duas medidas quando o assunto é mulher e envelhecimento.

O deixar transparecer a velhice e foda-se da Heloisa é, a meu ver, tão louvável quanto o não vou me render às regras, e às favas quem não gostar que a Marcia defende. Pessoalmente, estou no meio do caminho entre as duas. (A Marcia eu já tinha ouvido nesse episódio EQUISSELENTE do Dragões de Garagem, por sinal. OUVÃO!)

Sempre fico imaginando, ao ouvir os episódios, como seria a minha postura no lugar das entrevistadas. Há muitos anos trabalho de casa, então aparência física simplesmente não entra na equação no meu caso, de modo que honestamente não sei como reagiria se, sei lá, alguém implicasse com a minha tendência a falar besteira, fazer referência a memes e fazer caretas quando dou aula. Talvez por isso a maior parte das pessoas com quem convivo voluntariamente hoje em dia sejam bem mais jovens que eu – nunca me lembro que estou velha e que segundo o cânone, deveria estar rindo mais discretamente e falando menos palavrão (ao que eu respondo: foda-se). Acabo tendo pouca paciência pra quem se enquadra nas regras não escritas da velhice para mulheres. Mas não deve ser nada fácil enfrentar tudo isso no mundo corporativo, de modo que tiro o chapéu pra quem encara numa boa.

AMEI a fala da Marcia sobre o dever de peitar esse sistema idiota por parte de quem não é tímida e consegue se fazer ouvir. Sempre foi a minha política também, mas acho que nunca tinha formulado isso de maneira organizada na minha cabeça; simplesmente não conheço outro jeito de fazer, eu saio falando e simplesmente nunca sequer contemplei a possibilidade de não ser ouvida. A gente que tem mais cara de pau e desenvoltura tem, sim, a obrigação de desbravar o caminho pra quem tem mais dificuldade. Quando me demiti daquele manicômio onde trabalhei em Foligno, acabei falando muita coisa em nome da minha colega alemã, que falava um italiano bem pior do que o meu e tava nitidamente desesperada por não poder se emputecer com fluência. Eu ia falando as coisas e via, de rabo de olho, ela fazendo sim, sim, sim com a cabeça. Como eu sou desenvolta mas obviamente também tenho meus momentos de trava, sei bem como é estar com tanta raiva (ou medo, ou qualquer outra emoção intensa) que as palavras não saem, e o alívio que se sente ao ter alguém que dê voz ao que você não consegue expressar naquele momento é uma coisa palpável.

Ou seja, na dúvida, obedeçam à Angela Davis: assim como, segundo ela, “numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, numa sociedade onde mulheres não são ouvidas e não são incentivadas a serem assertivas o suficiente pra exigir que sejam ouvidas (essa frase ficou horrível, as concordâncias devem estar todas erradas), não basta não interromper a colega. É preciso que a gente que tem cara de pau dê aquele chega-pra-lá maroto quando necessário, tipo DEIXA ELA FALAR, CACETA, e tenha atitudes que inspirem e facilitem o caminhar dazamigas tímidas. Nunca ninguém me disse “que coragem você tem de não pintar o cabelo, também queria ter”, afinal de contas não sou inspiração pra ninguém, mas gosto de imaginar que alguém um dia pelo menos pense “olha só que engraçado, ela é grisalha e tem uma vida normal” ao me ver. Se uma única mulher que jamais parou pra pensar nessas coisas me olhar e pensar, eu já me considero no lucro. Fazer as coisas – qualquer coisa – em um nível consciente, fora do automático, da manada, da expectativa de terceiros, da pressão social, muda a sua vida, de verdade.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *