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Acabou de tocar a campainha. Fui toda sorridente abrir a porta achando que era a Arianna, pra sessão vespertina de babação de neta, mas dei de cara é com um padre. Com aquele negocinho de água benta na mão. Confesso que fiquei sem reação: apesar de saber que de vez em quando eles passam pra benzer as casas, isso nunca tinha acontecido com a gente. Aliás, acho que eu nunca tinha visto um padre tão de perto, se vocês querem saber.

Vejam bem, eu não tenho nada contra padres, individualmente falando, embora ache que qualquer pessoa que escolha uma estrada de celibato e puxação de saco papal e estudos muito sérios de contos da Carochinha e histórias pra boi dormir não pode estar muito bem da cabeça. Eu só não quero é que venham me torrar a paciência e me catequisar. Coitado, duvido que quisesse me catequisar, mas tenho certeza bissoluta que ele ficaria esperando uma oferta no final da baboseira lá dele. Jamais me passou pela cabeça deixá-lo entrar, logicamente, apesar de saber que uma bênção sem sentido e uns esguichos de simples H2O sejam completamente inofensivos; digamos que é contra a minha religião ;) Mas também nunca pensei de antemão em que tipo de resposta dar nesse tipo de situação. De modo que quando ele sorriu e perguntou “Posso?”, eu sorri muito educadamente e disse com o máximo de delicadeza possível, “Não! Desculpe, mas não!”. Ele ficou me olhando com cara de bunda; também não deveria estar preparado pra essa resposta vinda de alguém obviamente não muçulmana. Depois sorriu, apontou pro enfeite cor-de-rosa pendurado na porta e disse, “De qualquer maneira, felicidades por esse evento tão feliz”. Sorri de volta, agradeci, pedi licença e fechei a porta.

Enquanto isso, em Terni, um professor que retirava o crucifixo da parede da sala de aula antes de começar a lecionar e o pendurava respeitosamente outra vez antes de sair (lembro-vos que o crucifixo não tem nada que estar ali, to start with; as escolas do governo são laicas, por lei) foi suspenso e multado. O mundo laico italiano está dando o maior apoio pra ver se consegue-se livrar o cara da sentença absurda e aproveitar o fuzuê pra acabar com essa palhaçada de crucifixo em tudo o que é lugar público. Um juiz judeu chegou a ser preso porque se recusou a trabalhar num tribunal com um crucifixo gigante pendurado bem atrás dele na parede, mas já foi liberado. Não preciso nem dizer que nenhuma das duas histórias ganhou muita notoriedade na imprensa.

É por essas e outras que eu quase, quase tirei o crucifixo do meu quarto do hospital e deixei um post-it no seu lugar dizendo “Volto logo”.