momento albanesa

Hoje perdi a manhã inteira no Commissariato de Assis pra renovar a bosta do permesso di soggiorno. Eu, albaneses, marroquinos, E A SUELY MARIA, que obviamente fiz questão de fingir que não vi/não entendi quem era. Cheguei pouco depois das nove, quando abre, e a fila já era grande. Pelo menos agora na primavera a fila fica do lado de fora, no meio de um jardim lindo e com vista pras velhíssimas casas de pedra rosa de Assis, em vez de todo mundo enfiado no corredor estreito, aquele cheiro de gente fedorenta no ar, como acontece no inverno.

Pois então. As duas policiais que trabalham ali são muito diferentes em termos de personalidade. A de cabelo comprido é um amor, tranquila, simpática, fala devagar quando percebe que o estrangeiro não está entendendo a língua. Foi ela quem tirou minhas digitais meses atrás, batemos o maior papo, é uma simpatia. A de cabelo curto tem seus momentos megera, de gritar, chamar neguinho de burrinho, mandar você voltar pra casa se ficar faltando um documento que às vezes nem é importante e você poderia perfeitamente trazer mais tarde, quando fosse pegar o documento definitivo. Hoje peguei a de cabelo curto, que felizmente estava bem humorada e não criou problemas. Os documentos que faltavam eram realmente importantes, e lá fui eu fazer a estrada de volta a Bastia pra ir ao Comune pegar um papel e passar em casa pra pegar outro papel.*

Meno male que passear de carro nessa época do ano é uma maravilha: o sol que bate esquenta e deixa aquele cheiro de sol na pele, e o vento fresco refresca. As árvores de fruta estão todas em flor, há pessegueiros cor-de-rosa por todos os lados, margaridinhas selvagens amarelas e papoulas vermelhonas crescem em qualquer pedacinho de terra, o capim é verde claro, os campos são de um verde quase radioativo, há turistas na rua, crianças em excursão da escola, velhos passeiam com cachorros, as lojas estão cheias de fregueses, todo mundo tomando sorvete na rua. Nem mesmo os mil ônibus de turistas e os carros que vêm de fora e atravancam a estrada por não saber direito aonde ir estragam o passeio cheio de curvas, com vista privilegiada pro vale.

O único grandíssimo perrengue do momento é a mattonata, estrada de tijolinhos que vai do centro de Assis até a estação de S. Maria. As pessoas mandam dinheiro pra igreja, que bota seus nomes nos tijolos (mattoni) vermelhos que pavimentam essa calçada. Só que, como tudo que vem da igreja, essa coisa já sugou mais dinheiro que… que, bom, que obra de igreja. Já houve vários processos por fraude e desaparecimento do dinheiro desses otários, a obra ficou interrompida por anos, e agora recomeçou, interrompendo o trânsito. Tudo isso só pra você passar por uma calçada vermelha, com os nomes dos otários marcados nos tijolos: Famiglia Rossi, Roma. Famiglia Proietti, Milano.

Meu nojo pelas instituições religiosas é tão gigante que não tem nem como medir.

*O detalhe é que o prazo pro permesso definitivo ficar pronto é de 3 meses. Ou seja, se o meu tutor-ator não conseguir ativar o amigo dele que trabalha na Questura em Perugia, nada de Brasil esse ano, já que com o provisório eu não posso sair da Itália, senão perco o direito ao permesso. Bom, né.

tolinha

Diálogo surreal na padaria ontem:

Cliente: …então eu acho que vou deixar esse sonho com chantilly e pegar o Diplomata. Tem menos calorias.
[O tal Diplomata é um doce de massa folhada com crema pasticcera e, last but not least, açúcar de confeiteiro por cima. Só pra ilustrar.]
Eu (que tenho o péssimo habito de meter o nariz onde não sou chamada): Senhora… No final das contas é capaz do Diplomata ter mais calorias do que o chantilly…
Cliente: Não, não, a crema pasticcera é mais leve, a massa folhada da Maria é muito leve…
Eu: Imagino que seja leve, não posso dizer com certeza porque não gosto de doces desse tipo, mas sei que de qualquer forma a massa folhada leva manteiga, assim como a crema pasticcera.
Cliente: Não, não, engorda menos. Olha que eu entendo um pouco de cozinha, sabe…
Eu: Bom, se é por isso, eu, além de cozinhar, sou formada em Medicina, ou seja, entendo um pouco também do valor nutricional dos alimentos…
Cliente, com cara de cu: Ah, a senhora é médica? Trabalha em Assis?
Eu: Não trabalho como médica.
Cliente: A senhora deveria experimentar o Diplomata, vai ver como é leve.
Eu: Não gosto de doce desse tipo, senhora.

A cliente sai. A padeira, que há anos serve a família do Mirco e já me conhece, olha pra mim com cara de coitada:
– Mas se a massa folhada leva manteiga, como é que pode engordar menos…?
– Exatamente.
– Bom, mas ela tava tão convencida… Melhor deixar quieto, né?
– É que eu tô cansada de ouvir besteira na boca do povo por aí, sabe…

Ela deu uma risada, embrulhou meu pão sem sal e eu fui embora.

o tempo que o tempo tem

E já que o assunto sempre acaba caindo nas condições climáticas, falemos da forte dependência que o resto do mundo tem da previsão meteorológica. Nós tupiniquins, que até o ciclone de Curitiba (ou foi o tornado de Florianópolis? Não sei) sempre tínhamos passado longe dos extremos das intempéries, temos uma certa dificuldade em entender as maluquices climáticas dos outros países. Eu só comecei a notar isso nas últimas vezes em que estive nos EUA, quando via repetidas previsões meteo na TV. Aqui, e creio que em toda a Europa, não é diferente, por um simples motivo: o frio é um porre e muda mesmo a vida da gente. No Brasil, e no Rio em particular, só temos dois climas, o quente e o muito quente, ou seja, nada de muito bizarro acontece, meteorologicamente falando, e nada que requeira mudanças de hábito que vão além de andar seminu pela rua quando esquenta pra valer.

Aqui, a cada meia hora há um telegiornale, e depois de cada TG vem a previsão meteo, que, ao contrário do que acontece no Brasil, não se resume à garota bonita que estende a mãozinha e diz aqui chove, aqui não, e mostra as temperaturas. Aqui fala-se de coisas estranhas como pressão, ventos (todos os ventos têm nome), há previsão do tempo pra toda a Europa, contam-se causos e curiosidades sobre essa imprecisa ciência que é a meteorologia.

O mais engraçado é que em muitos canais quem faz a previsão é um coronel ou marechal das Forças Armadas. No início eu achava estranhíssimo ver aqueles homens fardados, engomados e limpinhos explicando que vai chover no feriadão, que há neblina na Pianura Padana, que por causa do mar muito mexido a conexão marítima da Itália continental às Ilhas Maiores (Sicilia e Sardegna) foi interrompida, que por causa da neve intensa é obrigatório dirigir com correntes no Friuli, no Alto Adige, no Piemonte. Hoje já me acostumei, e até já tenho um preferido: o capitão Guido Guidi, um baixinho com MUITA cara de italiano que é uma simpatia.

Mas o melhor de tudo é o tipo de informação que eles dão. Porque acabam falando, como eu já disse, de ventos, de pressão, de massas de ar de formação complicada, e usam uns termos esquisitos que já viraram piada. Por exemplo: nos últimos dias a região central da Itália foi “interessada” por uma onda de mau tempo… Interessada ficava a sua avó!

Toda essa informação incompreensível vem, obviamente, ilustrada por imagens de satélite, gráficos estranhos, setinhas que se movem, símbolos absolutamente indecifráveis.

E a galera só querendo saber se vai dar pra ir al mare no feriado…

Falta pique também pra continuar nesse trabalho chato. Meu tutor já sacou que eu não tenho nem saco nem vocação pra coisa, porque vive me perguntando o que é que eu gosto e o que eu não gosto, e quando me apresenta aos clientes diz que eu estou em período de teste, pra saber se quero ou não trabalhar nessa área. Hoje fomos visitar um cliente odontotécnico com um consultório lindo e simpático, e me deu a maior vontade de arrumar um emprego part-time assim bem idiota, tipo secretária de médico ou dentista. Pouco empenhativo pro céLebro e pouco time-consuming, ou seja, perfeito. Já voltei a comprar jornal pra procurar emprego. Vamos ver o que rola. Acendam velinhas.

eventinho básico

E ontem foi dia de uma feira internacional de transportes em Verona. Lá fomos nós sair de casa às 6:30 da manhã, porque o Mirco ganhou convites de um fornecedor de tinta e, sabemos, de grátis até injeção na testa. São mais ou menos 4 horas de viagem. A estrada até Cesena é péssima, esburacadíssima, estreita, e ainda por cima interrompida em alguns pontos por causa de obras que se arrastam há anos. Mas o visual compensa: é um longuíssimo trecho elevado, como um viaduto mesmo, por cima do vale do rio Savio. A paisagem é deslumbrante, e é interessante ver como tudo vai mudando de aspecto à medida em que nos aproximamos da Emilia-Romagna, terra da Franzoca. As colinas emilianas são menos gentis, mais rochosas, os verdes são mais escuros; as casas não são mais grandes casas de campo feitas de pedra, mas de alvenaria. Depois de Cesena caímos na autostrada com 3 pistas em cada direção, e a viagem ficou mais fácil. Passamos por Forlì, por Faenza, por Imola (trânsito horrível porque ontem foi dia de corrida), passamos por fora de Bologna, pegamos a estrada na direção de Modena, cidade famosa pelo vinagre balsâmico, e chegamos a Verona.

A feira, no Riocentro lá deles, era muito menor do que se esperava pra uma feira internacional. Mas eu, com anos de experiência de congressos médicos, não vi nada de diferente dos nossos eventos, guardadas as devidas proporções: mulheres magras, bonitas e pouco vestidas apresentando furgões, stands oferecendo os onipresentes salgadinhos, batata frita, balinhas, café e refrigerante, vasos de flores já meio murchas espalhados por todos os cantos, gente fazendo fila pra tirar foto na boléia do caminhão, brindes inúteis distribuídos, muita papelada – panfletos, estudos, artigos de jornal e revista, propaganda, cartões de visita, posters, muitas sacolas de plástico e papelão. A viagem de volta foi mais tranquila porque o tempo melhorou, mas ficamos com fome até as 4 da tarde, pois não queríamos parar pra comer antes de Imola com medo de pegar a galera voltando da corrida. Queríamos ir ao cinema, mas faltou pique.

de titio, raios & cia

Sábado recebi um telefonema deliciosamente inesperado do meu tio Égas, irmão mais velho do meu pai. Acabei falando também com meu avô, que fez 93 anos dois dias depois do meu aniversário, com a minha tia Ilse, e com a mulher do meu tio, a tia Iara. Acho que bateu a nostalgia geral porque a filha do tio Égas, a Paola, tá morando na Dinamarca e ficou todo mundo meio bobo com essa debandada das netas mais velhas. De qualquer maneira fiquei muito feliz dele ter ligado.

Na noite de sábado rolou uma forte tempestade aqui na zona, e hoje o telefone da agência não parou de tocar por conta de clientes que queriam denunciar danos causados por raios. Um raio caiu na torre da praça central de Assis, bem do lado da loja do Fabrizio o Louco, e derrubou um pedaço de pedra da torre da igreja que caiu dentro de um escritório – não sei os detalhes, não vi o telejornal regional ainda. Ainda bem que aqui em casa deixamos tudo desligado antes de sair pra jantar com o Fabio e a FeRnanda, por isso não queimou nada.

de titio, raios & cia

Sábado recebi um telefonema deliciosamente inesperado do meu tio Égas, irmão mais velho do meu pai. Acabei falando também com meu avô, que fez 93 anos dois dias depois do meu aniversário, com a minha tia Ilse, e com a mulher do meu tio, a tia Iara. Acho que bateu a nostalgia geral porque a filha do tio Égas, a Paola, tá morando na Dinamarca e ficou todo mundo meio bobo com essa debandada das netas mais velhas. De qualquer maneira fiquei muito feliz dele ter ligado.

Na noite de sábado rolou uma forte tempestade aqui na zona, e hoje o telefone da agência não parou de tocar por conta de clientes que queriam denunciar danos causados por raios. Um raio caiu na torre da praça central de Assis, bem do lado da loja do Fabrizio o Louco, e derrubou um pedaço de pedra da torre da igreja que caiu dentro de um escritório – não sei os detalhes, não vi o telejornal regional ainda. Ainda bem que aqui em casa deixamos tudo desligado antes de sair pra jantar com o Fabio e a FeRnanda, por isso não queimou nada.

Instruções:

1. Pegue o livro mais próximo de você;
2. Abra o livro na página 23;
3. Ache a quinta frase;
4. Poste o texto em seu blog junto com estas instruções.

“Now, Michael!” his wife said. “Keep calm now, Michael, dear! Keep calm!”

Do conto “Taste”, do livro Completely Unexpected Tales, Roald Dahl.

Não lembro mais qual foi o primeiro blog onde eu vi isso.

blah blah

Dois balacobacos rolando por aqui, um bobo e um sério. O sério: dez novos países, alguns bizarros, estão pra entrar na Comunidade Européia. Eu não tenho nada a ver com o peixe, mas tô achando que tá virando um samba do crioulo doido, saca só: Hungria, Polônia, Malta, Chipre (Chipre!!!), República Tcheca, República Eslovaca, Eslovênia (ai!), Lituânia (ei!), Letônia (ui!) e Estônia (hein?). De qualquer maneira, espero que a entrada na CE dê um empurrãozinho de desenvolvimento a esses países. Pobreza não tá com nada.

E eu tenho a maior vontade de conhecer a Estônia, juro. Tenho visto vários documentários interessantes sobre a Estônia na TV ultimamente, e tudo me parece muito bonitinho. Quanto à língua, a única coisa que eu sei é que eles têm duplas e triplas vogais, com valor distintivo, ou seja, uma palavra tipo agua significa uma coisa, aagua outra e aaagua outra. Estudei com uma garota estonese (existe isso?) em Perugia por alguns meses no longínquo 2002. Pena que era muda feito um peixe e ninguém aprendeu nada sobre a Estônia com ela.

O outro bafafá é o assunto principal lá na agência nos últimos dias. Entrou na programação da TV essa semana o comercial de uma companhia de seguros que não tem escritórios fixos, só trabalha por telefone. A propaganda, que eu achei muito cruelzinha, é assim: um cara chega numa agência de seguros, senta e diz que precisa fazer um seguro pro carro. O agente de seguros pega uma máquina de calcular, digita um valor inicial, o valor do seguro propriamente dito, e depois começa a adicionar:
– Tantos euros pelo aluguel da sala, tantos pela minha gravata…
– Peraí! Tenho que pagar o aluguel da sala também?
– Você tá pensando que isso tudo aqui é de graça?

Na verdade o que acontece é que essas agências de seguro por telefone se multiplicam e morrem na mesma velocidade. Como o dinheiro pra reembolsar os sinistros vem dos prêmios pagos pelos clientes, se os prêmios são muito baixos a empresa não consegue cobrir todos os sinistros, e é nessa que você se fode – é o famoso barato que sai caro. Você paga uma merreca, mas quando bate o carro e precisa do reembolso a empresa demora a pagar, ou não paga nunca, paga em parte, ou, pior, já faliu e você nem percebeu. O caso dessa agência da propaganda é particular, porque eles são conhecidos no mercado, mas de qualquer forma acho muito feio fazer comercial atacando os outros. Até porque, por exemplo, a empresa onde eu estou estagiando é uma das mais antigas da Itália, tem costas largas e está bem no mercado acionário, e paga os sinistros rapidinho, sem lenga-lenga, e é por isso tudo que custa um pouco mais. Quer pagar um pouco menos? Basta pesar a relação custo-benefício, o mercado é livre, ninguém obriga ninguém a pagar mais só por pagar.

Sei que as grandes empresas de seguros do país estão se mobilizando pra tirar o comercial do ar, e fazer com que essa agência da propaganda se retrate publicamente na TV. Claro que a essa altura do campeonato o estrago está feito, mas, enfim…

Eu me divirto horrores com essas polêmicas italianas.