o maior defeito italiano

(Não, não é falar gritando, que pra mim é gravíssimo).

Eu falei outro dia que o governo tá caindo matando em cima dos sonegadores de impostos. Aí resolveram dar uma blitz em Cortina d’Ampezzo, cidade de montanha famosa pelos VIPs e ricaços que frequentam a sua estação de esqui. Como sempre, havia muitos políticos e artistas. E choveram multas. Um cliente do Mirco estava lá e disse que viu oficiais da Guardia di Finanza de butuca na porta de joalherias e lojas de casacos de pele; o freguês que saía da loja com sacola na mão era parado imediatamente, tinha que mostrar os documentos, que depois serão usados pra cruzar os dados do valor da compra e da renda declarada pra ver se são compatíveis, e a nota fiscal.

Um dos personagens políticos mais odiosos da Itália, a plastificadérrima Santanché, reclamou, junto com muitos outros políticos, dizendo que essa blitz foi muito discriminatória, feita em Cortina “só porque é uma cidade rica” (maddai?), que foi uma coisa arbitrária e coisa e tal (provavelmente deve ter falado que foi coisa de comunista também, não sei), que prejudica o turismo da cidade e consequentemente a economia local. Ao que o responsável pela operação respondeu: imagina, nós fizemos foi muito bem à economia local, visto que o faturamento registrado foi 300% maior do que no mesmo dia no ano passado… Hohoho! (Claro, todo mundo que nunca bate nota fiscal começou a bater com medo de ser pego pela Finanza). Morri de rir.

Mas esse é um bom exemplo do que eu considero o maior defeito italiano: a mania de ficar puto da vida quando está errado. Cara, que ódio que isso me dá, vocês não têm noção! É o que acontece no trânsito, toda hora: o cara encosta o carro todo torto na baia do ônibus pra mulher descer pra comprar jornal na banca, o ônibus quer encostar no ponto e não pode, buzina, e o desgraçado no volante ainda fica puto! Bota a mãozinha pra fora, Italian-style, e pergunta “ma che cazzo vuoi?”. Como assimmmmmm? Tá errado, bota o rabo entre as pernas e cala a boca!

Uma vez, na nossa pizzaria preferida, entrou um fulano todo esbaforido avisando que tinha um guarda multando os carros estacionados na calçada. Veja bem, estamos falando de uma cidade com 15.000 habitantes, com um único sinal de trânsito, engarrafamento zero, nenhum problema pra estacionar o carro, mas TODO MUNDO prefere estacionar em lugar proibido só pra não ter que caminhar duzentos metros se parar um pouco mais longe. Então o guarda tava passando dando canetada na galera. Saiu todo mundo correndo da pizzaria pra tirar o carro da calçada – cena mais ridícula é difícil de imaginar – enquanto nós, que tínhamos parado meio longe mas logicamente em vaga permitida, ficamos lá rindo e comendo nossas pizzas quentinhas. Gradualmente o povo começou a voltar pras suas pizzas já frias, e de repente entra um muito puto da vida, as jugulares pulando, os amigos segurando, querendo brigar com o guarda porque ele não apitou antes de multar? Hein? Peraí, então o guarda tem que avisar antes de multar pra você ter tempo de tirar o carro? E você que estava com o carro EM CIMA DA PORRA DA CALçADA se acha no direito de ficar puto com o que quer que seja? Caraca, que raiva. Se eu tivesse um cacetete tinha ido lá dar umas porradas no cara. Vai ser incivil assim na China, putz!

Até hoje só levei uma multa, por estacionamento. O negócio é o seguinte: aqui as vagas sinalizadas com faixas azuis são a pagamento, e as brancas são gratuitas. Um dia estacionei na ruazinha em frente ao supermercado, numa vaga onde sempre parávamos quando íamos ao cinema em Bastia (hoje em dia moramos mais perto e vamos de bicicleta). Como depois das oito da noite não se paga pra estacionar nem nas vagas azuis, a gente parava o carro e ia embora, sem nem olhar pro parquímetro nem pra cor das faixas no chão, então eu simplesmente nunca tinha percebido que a tal da vaga era azul. No dia em que fui ao supermercado parei o carro e fui-me embora sem nem olhar também, exatamente como sempre fazíamos à noite. Quando voltei, exatamente 13 minutos depois, tava lá a multa no meu pára-brisas. Olhei imediatamente pras faixas azuis no chão, pensei “anta”, e dali fui direto aos correios pagar. Tenho o direito de ficar puta? Não, né, visto que eu estava errada, embora em boa fé; foi falta de atenção mesmo. Se fosse outra pessoa teria contestado na Justiça, usando essa ou aquela justificativa. Conheço duas pessoas que contestaram multa porque na foto do pardal não dava pra ver quem tava dirigindo, embora eles soubessem exatamente que eram eles mesmos no volante. É muito mau caratismo ou sou eu que sou moralista?

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