reflexões

São cinco e quarenta da tarde e acabamos de almoçar. Mirco saiu pro trabalho às sete e meia da manhã e só voltou agora. Eu também trabalhei o dia todo, entre aula particular, tradução e estudo pra faculdade (também vi o último episódio do Volume 2 de Heroes, que eu também sou gente). O detalhe é que hoje era feriado, dia da Madonna (foda-se ela). Amanhã é domingo e tanto o Mirco quanto eu temos que trabalhar novamente. Aí entra o detalhe: agora às três da tarde um amigo nosso passou na oficina pra pegar uma coisa com o Mirco, e comentou, com a maior naturalidade, que além de comprar uma bolsa da Louis Vuitton de mais de 1000 euros pra mulher de Natal vai comprar pra ele mesmo o maior sonho da sua vida: um Rolex modelo não sei o quê, porque não me interessa. Ele não é empresário, não é de família rica, tem um emprego normal como todo mundo. Então durante o almoço falamos de várias coisas:

. Eu sei muito bem qual é a bolsa que ela quer, um modelo carteiro grande absolutamente comum que ela jamais teria notado em nenhuma vitrine se não fosse da LV. Eu não sei vocês, mas desfilar com uma bolsa *plain*, sem absolutamente nada de especial, que custou o salário de um mês do seu marido me parece mais que ligeiramente obceno.

. Não conheço o relógio, mas eu tenho o mesmo tipo de relação com praticamente todas as coisas tangíveis dessa vida: se faz o que tem que fazer pra mim já tá muito bom. Partindo do pressuposto que a dada coisa funciona, ou seja, é eficiente, aceito um preço adicional por imensa inovação em design, e só (essa inovação em design pode simplesmente deixar uma coisa incrivelmente bonita, ecológica ou confortável). Um relógio é só um relógio, e o fato de custar quase 3000 euros não significa que ele mostra as horas 30 vezes melhor do que um que custou 100. Também duvido que dure 30 vezes mais.

. O pior de tudo: o sonho dessa criatura é ter um Rolex não sei o quê. Vou repetir: O SONHO DELE É TER UM RELÓGIO ASSIM E ASSADO. Mas hein? Eu devo ser doente mesmo, porque meu sonho é ter tantos livros a ponto de ter que mudar pra uma casa maior (entendam: ler livros significa saber coisas), é ter filhos saudáveis (e não batizá-los, logicamente), é aprender mais umas duas ou três línguas antes de morrer, é viajar moooooito, é entrar na faixa “saudável” de peso de acordo com a OMS e nunca mais sair, é morrer sem nunca ter nenhuma cárie, é ver o fim da caça às baleias e dos casacos de pele, é ver o Berlusconi na cadeia, junto com os anões do orçamento e mais alguns, é não ter nenhuma doença ou acidente horrível. Sonhar com um relógio? Incompreensível. Que pequenez.