cosa nostra, ainda

O livro do Falcone, que acabei de acabar, é muito interessante. Na verdade é uma coletânea de entrevistas que ele deu a uma jornalista siciliana, correspondente de um jornal francês. Aprendi muitas coisas:

. Que a máfia siciliana está por trás daquela calabresa (a ‘ndrangheta) e que abomina a camorra napolitana, desorganizada, descentralizada e segundo eles, desprezível.
. Que a máfia siciliana deu origem à máfia americana, mas que hoje são completamente independentes e autônomas.
. Que siciliano fala pouco pra não falar demais. Que o comportamento mafioso não é nada além da exacerbação do comportamento siciliano. Que mafioso não mente nunca; quando não pode dizer alguma coisa, fica calado.
. Que não existem diferentes variedades de assassinato, dependendo da ofensa cometida pela vítima: a máfia escolhe simplesmente a modalidade mais rápida, segura e viável.
. Que a Cosa Nostra não administra oficialmente nenhum tráfico de drogas nem de prostituição, apenas fecha os olhos pros seus membros, que podem fazê-lo sem problemas, desde que não envolvam a organização.
. Que não foi o envolvimento com o tráfico de drogas que tornou a organização particularmente violenta; sempre o foi, quando necessário, e quando não é necessário é mais conveniente pra todo mundo ficar só nas ameaças mesmo – mortes devem ser necessariamente explicadas, ainda que o corpo seja dissolvido no ácido e portanto deixe de existir.
. Que hoje a máfia siciliana não é comandada por famílias de Palermo, mas pelos Corleonesi – estamos falando de Provenzano, portanto.
. Que não vai ser o desenvolvimento econômico da Sicília a eliminar a máfia, muito pelo contrário: a máfia se nutre desse desenvolvimento, porque está diretamente envolvida nas licitações pra obras públicas e essa é talvez a maior fonte de renda da Cosa Nostra hoje.
. Que é difícil combater a Cosa Nostra por vários motivos: é centralizada e ritualística e onipresente como uma religião; a Itália é um país jovem e ainda descentralizado e heterogêneo; os italianos têm mania de tratar os sintomas e não as causas, e inventam leis malucas cada vez que a máfia vai longe demais e começa a falar-se demais dos banhos de sangue na Sicília, mas leis que não resolvem a essência do problema e permitem a eliminação dos peixes pequenos e só; a máfia está de tal forma entranhada na política que são indissociáveis; o egocentrismo italiano causa uma personalização dos métodos de combate à máfia, em vez do trabalho em equipe.
. Que o envolvimento da máfia com a política ocorre só quando é inevitável; não é interesse da Cosa Nostra assumir o poder oficial – eles trabalham na ilegalidade, afinal.

E agora dá licença que ainda dá tempo de ler mais um capítulo de Il Cammello e la Corda, que comprei na Libreria Grande sábado de manhã, por sugestão das meninas de lá. Por acaso também se passa na Sicília. Depois digo o que achei.