a primeira prova

Hoje fiz minha primeira prova de verdade na faculdade, de Linguistica Italiana. Na verdade não posso nem chamar de prova de verdade, já que foi uma múltipla escolha muito da furreca, enquanto que as outras são orais, com um bando de gente na sala escutando as asneiras que você responde.

Eu só assisti a meia aula de Linguistica. Se tivesse feito o endereço lingüístico durante o curso de italiano em 2002, em vez do cultural, não teria que ter feito essa prova agora, já que a matéria é seguida por todos os cursos da universidade, inclusive o de italiano que eu fiz. A professora é uma baixinha gordinha com cabelos avermelhados, roupas engraçadas e uma vozinha aguda que mesmo no microfone não dá nem pro buraco do dente. É muito simpática e me autorizou por e-mail, no sábado, a fazer a prova mesmo sem número de matrícula.

Eu estudei, vocês sabem. Também sabem que eu sou boa em línguas em geral, e tenho facilidade pra tudo que fala desse assunto. Não assisti a nada de aula além daqueles 45 minutos que nem serviram pra nada porque eu tava pensando em outra coisa. Li com calma um dos livros do currículo, hoje de manhã terminei um outro, e o terceiro ficou abandonado porque não tive tempo. Mas tirei a prova de letra. Só vou saber o resultado quando conseguir a matrícula, mas sei que passei.

Pra quem ainda não entendeu que eu moro realmente no interior do Gabão, vou descrever a cena da prova: chego uma hora antes na faculdade, com livrinho novo na mão (daqui a pouco falo dele). Sento num banco em frente à porta da reitoria e fico meio lendo e meio vendo o pessoal passar. Aquele bando de gente vestida igual (os locais), mais um monte de gente estranha (os estrangeiros). Vai amontoando gente em frente à Aula Magna, amontoando gente, amontoando gente, eu fui lá pra porta pra conversar com as meninas da minha turma, todo mundo com dicionário gigante embaixo do braço e eu pensando eu devo estar ficando maluca porque não sinto a MENOR necessidade de dicionário. O pessoal amontoando, até que abriram as portas e a galera começou a se empurrar pra dentro. Sabrina, Maria Marta, Pfaender, sacam amontoamento na porta do auditório em dia de prova de Dermato, Gineco ou Anestesio? Assim. Todo mundo sentado praticamente um no colo do outro, e eu gargalhando, porque é MUITO terceiro mundo isso. Quando a professora chegou, neguinho aplaudiu, porque ela é muito engraçada mesmo. Resolveu dividir a enorme cabeçada em três grupos. Fiquei no primeiro e demos tanta, mas tanta risada enquanto ela fazia a chamada com todos aqueles nomes estrangeiros bizarros, que ela mesma não agüentou e começou a gargalhar. O resultado é que o primeiro grupo começou a prova às seis, quando o horário oficial era às cinco.

Mesmo com a turma dividida, ainda era gente pra burro, e lógico que a colação correu solta. Um colega grego me aconselhou a sentar perto daquelas meninas ali, que sabem tudo de italiano. Eu também sei, quérido, respondi, e fui sentar lá atrás, sozinha numa fileira. O pessoal trocando prova, abrindo livro, trocando páginas de caderno, uma coisa de louco. Fiz a prova em cinco minutos (o tempo regulamentar era vinte), feliz da vida por não ter precisado colar nada. Eu sou boa coladora, tenho olhos de lince e ouvidos de tuberculoso, mas hoje, pela primeira vez na vida, tive o prazer de saber um monte de coisas só porque estudei. Donde nota-se que passei a vida estudando coisas erradas, já que nunca tive paciência pra estudar nada. Não tinha grandes prazeres tirando nota boa em português, inglês ou redação, porque eram matérias que eu nunca precisei estudar; por outro lado, nunca tive saco pra estudar clínica, cirurgia e coisa e tal. Durante toda a minha vida nunca estudei porra nenhuma nem fiz dever de casa. Nunca. Minhas boas notas no colégio e as razoáveis na faculdade devem-se à minha boa memória e ao meu sobrenatural senso de observação. Aprendi muito com os debates de caso clínico que rolavam durante as provas – porque a minha turma era FO-DAAAA e o pessoal não colava, debatia. Sabrina e Bernardo, o Casal Mais CDF do Planeta, não sabem, mas as conversas cochichadas deles discutindo caso clínico durante provas de tudo que é matéria me ensinaram mais do que qualquer Harrison ;) Nunca fui coladora de copiar todas as questões idênticas dos outros; quando eu não sabia uma questão, via o que os outros marcavam, e tentava entender o porquê, fazia mil anotações, e na maioria das vezes aquilo era suficiente pra engatilhar todo um processo de raciocínio que me levava à resposta certa, entendendo por que era a certa, entendem.

Mas então. Eu gosto de línguas. Gosto de lingüística. Gosto dessas teorias meio que inúteis sobre o que é dialeto e o que é língua, por que a vogal final do napolitano tem aquele som estranho que não existe em outras regiões, por que os peruginos falam bortsa em vez de borsa, por que certos pronomes de tratamento são reservados a certos cargos, por que vírgula aqui vai bem e aqui não. ADORO essas coisas. Então estudei com prazer mesmo. Como estou estudando o livro do Rifkin (interrompi pra pegar Linguistica) pra Studi Culturali, cuja prova não sei ainda se vou fazer porque o professor ainda não me respondeu. Como tenho certeza que vou estudar os dois livros pra Organizzazione Politica Europea, apesar de valer só três créditos. E a facilidade pra fazer a prova depois de estudar uma coisa da qual você gosta muito é uma sensação MUITO, MUITO legal.

E olha o pedaço do Swallowing Grandma, de Kate Long, que calhou d’eu ler bem antes da prova:

“They’re underrated as a pastime, exams. There’s something about the adrenaline rush, the legitimate isolation, the whole regulated nature of the exam experience that makes me feel the school hall is my natural element.”