um dia de fúria

Eu me considero uma motorista muito civilizada. Não buzino, dou a precedência sem rancor, sempre ligo a seta antes de virar, de sair de uma vaga ou numa rotatória, paro na faixa de pedestres pro povo atravessar, não supero o limite de velocidade, não estaciono onde não devo. Não incomodo, enfim. Mas tem o seguinte: quando eu sei que estou com a razão, eu peito. Não me interessa se quem tá errado é um caminhão jamanta gigante (a única exceção são caminhões que transportam animais vivos, esses eu não peito por motivos óbvios): se o cara tá errado, eu encaro. Quer furar fila? Na minha frente não passa DE JEITO NENHUM. A única vez que me pegaram, digamos assim, foi um dia em que um idiota me pegou distraída e me ultrapassou na rampa de saída pra Foligno, já na parte zebrada, muuuitos metros depois do fim da faixa tracejada que dava direito à ultrapassagem, e obviamente me deu um susto danado. Jurei que nunca mais aconteceria, e desde então fico ligadona toda vez que pego uma saída da estrada. Se vejo alguém vindo desembestado pela minha esquerda com pinta de quem quer me ultrapassar na rampa, jogo o carro pra esquerda coladinho na faixa. Meu sonho é um dia empurrar um filho da puta desses pra esquerda até ele bater com a fuça no guardrail a 120 km/h. Se depender dos motoristas italianos, um dia vou conseguir.

Mas então. Isso dito, estava eu hoje saindo do estacionamento do Ipercoop muito placidamente, sem pressa nenhuma. Desde que ampliaram o estacionamento, parece que nem eles conseguem dar jeito no labirinto que aquilo ficou, e toda vez que vou lá mudaram alguma coisa na conformação das saídas. Hoje, por exemplo, a saída do estacionamento coincidia com a fila de entrada no posto de gasolina, que vende combustível com desconto pra quem tem a carteirinha do supermercado. Então tá, né, não tem jeito, vamos encarar a fila. Parei no sinal de Stop e liguei a seta, pedindo que alguém deixasse eu passar. Só que no carro que poderia ter dado permissão pra eu passar, que não estava na minha frente mas bem pra minha direita, o motorista estava ocupado contando dinheiro, com direito a lambida no polegar e tudo. Atrás dele, uma fila gigantesca de motoristas putos da vida, já todos com as mãozinhas fazendo o gesto italiano de “ma che cazzo succede?”, internacionalmente traduzido como “wtf?”. E aí eu, apertadíssima pra fazer xixi, fiz uma coisa antipática, mas não necessariamente errada: fui e passei. Veja bem, não atrapalhei ninguém, não furei a fila, não dei fechada em ninguém. Simplesmente considerei a distração do cara como permissão pra passar, que mais cedo ou mais tarde ele ou alguém teria me dado mesmo. Passei e o cara nem percebeu, tanto que as buzinas começaram a tocar só um momento depois e o cara ainda demorou um pouco pra chegar na bunda do meu carro. Pelo retrovisor vi que ele tava putinho, gesticulando feito um doido. Juntei as mãozinhas e inclinei a cabeça, indicando que só passei porque ele tava dormindo no volante feito um dois de paus. Caraca, o homem virou bicho! Quando vi que ele tava soltando o cinto de segurança corri pra fechar o pino da porta. Bem na hora, porque ele veio até o meu carro e tentou abrir! Eu olhando muito pacatamente pra cara dele, e ele gesticulando feito um maluco: “eu tava dormindo, é? Agora quem espera na fila tá dormindo, é?”. E eu imitando o que ele estava fazendo, fingindo que contava dinheiro. O cara ficou lá agitando os braços e eu: “vai me bater? Vai me bater?”. Até que ele cansou e voltou pro carro, e lá ficamos nós parados na fila, eu ouvindo minha musiquinha e ele fazendo gestos de “Mas veja só, macacos me mordam”.

Na próxima vez juro que eu desço do carro correndo antes do cretino e me coloco em posição de combate de caratê (na verdade vai ser uma pose da Chalene mas ninguém precisa saber disso) no meio da rua. Com a raiva que eu fico quando essas coisas acontecem, claramente visível na minha cara, du-vi-do que alguém tenha coragem de me encarar.