Não custa repetir: Roma é tudo na vida…

A intenção ontem era das melhores. A irmã do Mirco voltava da Holanda pra temporada de verão no agriturismo toscano onde ela trabalha há três verões e precisava de carona pra buscá-la no aeroporto. Seu vôo chegava às 17:35 no aeoporto menorzinho de Roma, o Ciampino, e decidimos aproveitar a viagem à cidade que é tudo na vida pra entrar de graça no Museu do Vaticano, que abre grátis no último domingo de cada mês. Deveríamos ter saído cedo de casa, mas com o horário de verão que entrou na madrugada de sábado pra domingo, não tivemos forças pra sair antes das 8:30. Considerando que daqui a Roma são quase 2 horas de viagem, mais o tempo pra ir do aeroporto ao centro, quando chegamos já era a hora do almoço. Mas vamos com calma.

Como o Mirco, além de odiar dirigir, tava morrendo de sono, eu acabei pegando no volante enquanto ele roncava no carona. A viagem foi agradável e tranquila, o dia estava leeendo, fora os bancos de neblina entre Fratta Todina e Acquasparta, a temperatura estava amena, Live tocando no CD player. Deixamos o carro no estacionamento do aeroporto e pegamos um ônibus que nos deixaria em Anagnina, estação final da linha A do metrô de Roma.

O buzão faz um caminho muito esquisito, passando pelo centro da cidade de Ciampino, que é horrorosa, feito com uma cidade qualquer do Vale do Paraíba; por uns cruzamentos perigosos; pela autostrada onde o limite de velocidade é 130 km/h; tudo muito estranho. Descemos na Anagnina, que deve ser uma das estações de metrô mais esculhambadas do mundo. Saca feirinha de coisas inúteis? Saca camelódromo? Agora bota um bando de chinês ilegal vendendo essas coisas inúteis em barracas ou em panos estendidos no chão. Imagina uma quantidade indescritível de lixo, papel, guimbas de cigarro (malditos fumantes escrotos), copos e garrafas de plástico, bilhetes velhos de ônibus e metrô, tudo isso esvoaçando pra lá e pra cá e se amontoando nos cantos. Imagina um mar de gente feia, mal vestida e fedorenta comprando essas muambas ridículas. Parece com alguma estação que você conhece? Conheço várias no Rio que poderiam ser a Anagnina.

Enfim, pelo menos conseguimos lugar pra sentar no metrô, já que o pegamos na estação inicial. 19.786.641,72 estações depois descemos em Cipro e fomos seguindo as plaquinhas pra chegar no Vaticano, crentes que íamos descolar uma tarde cultural di grátis. Como somos inocentes! Não imaginávamos que TANTOS outros unhas-de-fome como nós estariam lá, formando uma fila grossa e incrivelmente longa, e que ainda por cima, por ser italiana, era tão confusa que tinha que ser organizada por guardas de trânsito. Lógico que o programa cultural furou. Pegamos o metrô de novo (os ônibus não passavam no horário porque várias ruas estavam interrompidas por causa da Maratona di Roma) e descemos na Piazza di Spagna. Acabamos almoçando no McDonald’s, porque almoçar em cidade turística é sempre muito arriscado, então preferimos cair no “risco seguro” do Mc. Depois fomos à sorveteria La Palma, atrás do Pantheon, pra tomar sorvete: eu de maracujá e doce de leite com Nutella, o Mirco de maracujá e babà (é um doce napolitano).

Fomos dar umas voltas, o Mirco mancando porque não quis levar a muleta e eu morrendo de vontade de apertar o passo, porque pra mim é muito difícil andar devagar. Acabamos indo parar na minha piazza preferida, a Navona, onde fica a nossa embaixada. Mirco deitou num banco e dormiu no sol, feito um mendigão, enquanto eu olhava o desfile de turistas e artistas de rua. Em um certo momento esses três loucos pararam pra bater papo: o de fraque já vi várias vezes em diversas piazze de Roma, com seu monociclo; o patinador eu nunca tinha visto mas tinha uma cara de louco que nem te falo; o outro obviamente fazia esculturas de balão.

Ali mesmo na Navona barganhei com um africano uma bolsa fake da Prada muito bonitinha. O engraçado é que o mercado informal italiano é todo segmentado: africanos vendem bolsas falsas, paquistaneses e indianos vendem castanhas e, quando chove, guarda-chuvas, chineses vendem coisas inúteis, como gafanhotos de papel e as clássicas quinquilharias paraguaias. Cada um na sua, sem invadir o segmento de mercado de ninguém.

Voltamos à Piazza di Spagna e pegamos o metrô de volta a Anagnina. Não tinha UM italiano no nosso vagão, eram (éramos…) todos imigrantes, de tudo que é lugar do mundo. Gosto de cidades cosmopolitas, mas não nesse estilo – estilo pobre-feio-mal-educado-desdentado-fedorento que vai pra Zoropa ganhar a vida mas continua se vestindo com casaco de plástico imitando couro, botas felpudas, roupas azul-royal, cabelos mal tingidos de louro. Mas fazer o quê, é a vida. De Anagnina pegamos o buzum de novo pro aeroporto, Stefania chegou pouco depois, e picamos a mula de volta pra casa. Jantamos na Arianna e vim pra casa dormir que não me aguentava em pé.

p.s.: essa é a Poppy, “labratriz” simpaticíssima que encontramos no Pantheon.

mindinho verde

Minha floresta varandal, transferida da varanda da sala pra varanda do quarto pra tomar banho de sol da tarde. Lá no alto, o cactuzinho estranho com suas estranhas “flores” vermelhas. Nos três vasos médios, da esquerda pra direita: tomilho, o manjericão tímido, as tulipas do supermercado. No vasão de cima, a sálvia. Ao lado dela, no vaso menorzinho, os brotinhos de cravo (tão vendo os pontinhos verdes? São eles :) E na parte de baixo da foto, meu alecrim querido.

ui!

Ontem, na TV, no meio de uma das enésimas reprises de Hunter (essa porcaria passava no Brasil?) – aquelas reprises tipo tapa-buraco-na-programação – vejo o George Clooney novinho, FEIO, com cara de mexicano, e usando ombreiras!!! A Mastercard tem razão mesmo: certas coisas não têm preço…

jean e mel

E fomos ver I Fiumi di Porpora 2, que não sei como é em português – Rios de Sangue, talvez? Rios Vermelhos? Eu gosto de thrillers com tema religioso. Acho a história de qualquer religião uma coisa tão sinistra que não consigo imaginar um background melhor pra ambientar um filme desse tipo. Então fui toda pimpona, crente que ia ver um filmaço, tipo Second Name, do qual gostei muito. Doce ilusão, ó paca.

O filme começa mais ou menos bem, com algumas belas imagens e o charme antipático do Jean Reno. Mas logo o roteiro começa a mostrar-se como é: incrivelmente esburacado e sem sentido. Não se explica nada, não há nenhuma noção de tempo ou de espaço, os personagens não têm nenhuma profundidade, TODOS os lugares do filme são sinistros e lúgubres (vai ser óbvio assim na China), e há vários absurdos científicos que só podem ser resultado de duas coisas (ou uma combinação delas): 1) a certeza de que os espectadores são todos idiotas E desinformados e 2) preguiça de fazer direito a pesquisa necessária quando se fala de anfetaminas, de Linha Maginot, de Bíblia. Saí do cinema decepcionada. E isso me deixa meio irritadinha.

Então começamos a falar sobre o filme do Mel (sentiram a intimidade?), que felizmente não vai ser dublado quando sair aqui, dia 7 de abril. Acaba que o Peppe, amigo carola do Mirco, já viu o filme, legendado em Inglês, num CD piratão que depois foi devidamente repassado aos frades do convento que ele frequenta (aquele onde fomos ver um jogo da Juve ano passado, vão lá procurar nos arquivos que eu não lembro mais quando foi). Vamos ver se ele faz a caridade cristã de nos fazer uma cópia do CD. Porque eu não tô a fim de pagar 7 euros pra ver esquartejamento de ninguém na tela, mas ao mesmo tempo tô morrendo de curiosidade…

caninos brancos

Ontem passei pela minha primeira experiência dentística aqui na Itália. O lance é que eu não ia ao dentista há séculos, porque obviamente confio mais nos dentistas brasileiros, mas como a viagem ao Brasil não sai, decidi parar de empurrar com a barriga e fazer a limpezinha básica de sempre.

Devo confessar que tava com uma certa meda. Não medo “de dentista” em geral: nunca tive cárie e as únicas vezes em que tive que tomar anestesia foram pra arrancar um dente de leite que se recusava terminantemente a cair e pra tirar um siso. Ou seja, nada de traumas odontológicos. Mas as histórias que circulam por aqui sobre um famoso dentista-açougueiro em Assis me deixaram meio relutante. E o Mirco não ajudava muito quando dizia que seu dentista não tinha alguns dentes. Não preciso nem dizer o quanto é grande meu desprezo por dentistas com dentes mal-cuidados – só se equipara ao meu desprezo por médicos que fumam. Mas como não tendo tu, vai tu mesmo, e eu já tava ficando nervosa sentindo meus dentes sujos, ontem fomos lá limpar nossos caninos.

Acaba que o cara é um amor, fez Medicina e se especializou em Odonto (há muitos anos atrás era assim que se fazia aqui), não tem dois dentes da frente porque nasceu sem (se chama “agenesia”. Lembro que meu primeiro cadáver, em Valença, tinha agenesia de um musculinho bobo da batata da perna…), fez vários cursos de especialização nos EUA, bate papo pra caramba, viaja pra burro, e tcham tcham tcham tchaaaaaaaaaam NÃO ME COBROU NADAAAA! Do Mirco cobrou 40 € em vez de 50, mas de mim, que sou “colega médica e ainda por cima brasileira” (a boa fama dos dentistas brasileiros é internacional, quéridos), não cobrou nada. ADOOOORO quando isso acontece, ainda mais quando estou completamente a seco no banco… ; )

Claro que o consultório do cara não é nenhuma chiqueza, não é todo tecnologicamente modernoso como costumam ser os dos nossos dentistas tupiniquins. Inclusive acho que ficaria muito estranho, já que o prédio dele fica na praça mais no alto de Assis, é super antigo e as salas são meio cavernas, como uma adega. Mas ele foi competente, usou todos os instrumentos aos quais estou acostumada, e ainda elogiou a minha técnica de higiene bucal. Mal sabe ele que 80% do mérito são da genética e dos antibióticos que tomei na tenra infância, que deixaram meus dentes menos brancos porém incrivelmente resistentes (como os do Mirco, que também nunca teve cárie).

a menina do mindinho verde desbotado

Fiz uma série de transplantes vegetais anteontem. Passei as tulipas pra um vaso maior, o tomilho pra um vaso mais bonito, a salsinha pra uma jardineira só dela, a primula pra um vaso maiorzinho, embora tão vagabundo quanto o velho, o cactus-zinho idem. Joguei fora o alho, que cresceu pra cima e pra baixo mas pros lados que é bom, nada. E quando fui remover a salsinha, fui achando umas raízes malucas que ocupavam todo o “subsolo” da jardineira, formando uma rede fortíssima que eu não conseguia arrancar nem com a vaca tossindo. Era o hortelã! Que planta desgraçada!!! Umas raízes grossas, fortes, compriiiiiiiiiidas, e folhinhas nascendo em tudo que é lugar, absolutamente sem terem sido convidadas! Falei ah, é?, e replantei várias mudinhas dela num micro-vaso. De repente assim, sozinho num espaço confinado, meu hortelã toma tento e pára de querer dominar o mundo.

Ainda no assunto jardinagem tabajara, ando preocupada com meus dons vegetalizantes. As sementes de cravo que eu plantei já estão brotando, e são a coisa mais linda de se ver! Mas o manjericão ainda nem deu as caras. Pode ser culpa do tempo, que há semanas anda no estilo Londres, com direito a fog, céu cinza, chuva, chuvisco, frio, encheção de saco. O manjericão é chegado num calorzinho, e tenho que admitir que se eu fosse ele também não teria brotado ainda, só de despeito. Dizem que no fim de semana o sol deve finalmente aparecer. Vamos ver se o manjericão resolve fazer o mesmo.

16 euros a pequena

O jantar em Deruta até que foi agradável. O restaurante, escolhido pelo Super Chefão da Iron, fica numa casa antiga de pedra muito bonita, mas com estacionamento precário e perigosíssimas escadas em caracol. O menu era fixo:

Antipasti:
Verdure grigliate – abobrinha, berinjela e pimentão na grelha
Affettati (frios fatiados) – prosciutto crudo, pancetta (bacon enrolado), salame
Fave – favas num molhinho picante delicioso
Fagioli e salsiccia – feijão e linguiça desmanchada num molhinho delicioso

Primi:
Macarrão curto in bianco (sem molho de tomate) com linguiça e aspargos
Macarrão longo alla perugina (molho de tomate com linguiça)

Secondi:
Carne fatiada com radicchio e vinagre balsâmico (nem precisa dizer que dispensei alegremente… Vinagre me faz vomitar e radicchio cru não é muito a minha praia)
Lombo fatiado com vagem refogadinha levemente picante (uma delicia)

Dolce:
Mousse de chocolate, miraculosamente bem feita – digo miraculosamente porque a maioria dos restaurantes acha que qualquer creme de chocolate é mousse, quando na verdade sabemos que mousse é aquela toda furadinha, aerada, leve, delicada.

Café, grappa, limoncello e vino liquoroso. Muita água mineral. Vinho tinto da casa, que era gostosinho, mas me deixou de herança uma dor de cabeça fenomenal hoje.

Tudo isso por 20 € por pessoa. Não é muito, se consideramos a quantidade de comida, mas é que a qualidade não era láaaaa essas coisas. O macarrão curto tava cozido demais, mas fora isso, convenhamos, massa com molho de tomate e linguiça é coisa pra se comer em casa. Quando como fora gosto de pedir coisas que normalmente não faço em casa, por falta de saco, habilidade, ingredientes, sei lá. Mas no final das contas nos divertimos, e é isso o que conta.

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Tive dois ataques de riso sérios ontem. Um por culpa dos galos de Deruta. Já expliquei aqui, pouco tempo atrás, que Deruta é famosa por aquelas cerâmicas majólicas horripilantes. A FeRnanda trabalha numa loja de souvenir em Assis que vende tudo que é cafonice de Deruta, de sininhos inúteis a porta-água-benta, passando pelas famigeradas jarras de vinho em formato de galo – o vinho sai pela boca. Quantas vezes fui visita-la na loja e ficamos horas discorrendo sobre a cafonice do galo!

Pois ontem quando chega o vinho dentro dos galos, na mesa, não resisti e mandei um SMS pra ela contando a beleza que era ter vinho servido saindo do bico do bicho. A resposta curta e rasteira me fez engasgar com o vinho:
– 16 euros a pequena.

Fiquei rindo feito uma besta por horas a fio.

Mas a pior mesmo foi a do Mirco contando suas peripécias da infância. Falava-se das aulas de catequismo, que os meninos só frequentavam pra poder jogar futebol nos intervalos e depois da aula; falava-se das freiras, que pegavam no pé dos alunos. E aí entra o comentário do Mirco:

– A irmã Fulana brigava comigo porque eu comia pedra.

Olhares estupefatos. Alguém (eu) tem a coragem de desenvolver o assunto:
– Como assim, comia pedra?
– Eu comia pedrinha. Claro que não qualquer pedrinha; eu escolhia aquelas que pra mim pareciam diamantes…

Comecei a rir e não consegui mais parar por 10 minutos, até porque cada um começou com a sua piadinha – mas a pedrinha era temperada, era al dente, era fresca, etc.

O problema é que chegamos em casa quase à uma da manhã. Acordei sozinha agora às 7, tomei banho, fiz beicinho pra névoa chata lá fora, e daqui a pouco tenho que ir pra agência. Tô mortinha…

potocas

E ontem foi meu primeiro dia de estágio (que aqui se diz em Inglês mesmo, stage, mesmo não tendo nada a ver). Não fizemos nada de especial: rodamos muito, conversamos com algumas pessoas, telefonamos a outras, mas aparentemente era um daqueles dias que não dão certo, porque a maioria das pessoas não respondia ao telefone ou não estava no lugar onde fomos procurá-las. Por isso resolvemos deixar o grosso do trabalho pra amanhã (hoje não vou à agência porque meu tutor é ator e está organizando uma peça de teatro pro próximo fim de semana, e hoje tava meio atolado com essa história).

Então hoje vou aproveitar pra fazer faxina que amanhã FeRnanda e Fabião vêm jantar (bruschette, massa com salmão defumado e abobrinha, e o petit gateaux da Marcinha) e amanhã não vou ter tempo de limpar nada. E vou transplantar meu alecrim pra um vaso maior, porque eu AMO alecrim e quero que a minha plantinha vire uma floresta de alecrim. E vou transplantar minhas tulipas de supermercado pra outro vaso também. Mas só vou tirar fotos da minha varanda florestal quando tiver plantado flores, coisa que me desaconselharam a fazer agora porque aparentemente vem outra semana de frio intenso por aí, e o que eu plantar agora vai murchar logo logo.

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Ontem à noite vimos a primeira parte do primeiro filme do Senhor dos Anéis que passou na TV. E, milagre dos milagres: lanterneiro, que odeia fantascienza (pronúncia “fantachentsa” e quer dizer sci-fi, ficção científica), adorou e quer que chegue logo a próxima segunda-feira pra ver a segunda parte.

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E hoje tem jantar em Deruta com os ex-colegas de trabalho do Mirco (aqueles da empresa import-export de ferro). Normalmente nos divertimos muito com eles, mas o último jantar, em janeiro, foi chatíssimo, não se sabe por quê.

E fomos também convidados pra jantar em Todi essa semana. Ando fazendo umas traduções de e-mail pra um cara que tem uma agência de aluguel de carros com motorista pra turistas abastados que querem ter um carro à disposição quando vêm pra Umbria. Todos os contatos são feitos via e-mail e esse cara não fala nada de Inglês, por isso me paga pra traduzir as mensagens. CA-LARO que perguntei logo de cara se não precisava de uma intérprete também, e com o e-mail a traduzir que ele me mandou ontem veio também um convite pra jantar pra discutir essa coisa alternativa. Nada mal rodar pela lindíssima Umbria em carro confortável, explicando pra americanos ricos que aquela villa ali foi construída em mil seicentos e alguma coisa, que aquela planta amarelinha se chama mimosa, que em Gubbio (ou Gualdo Tadino? Não lembro) San Francesco domou um lobo que aterrorizava a cidade… E ainda por cima ser paga pra isso. Tomara que dê certo.

weekend

Piano piano, devagar devagarinho, vamos voltando à programação normal.

O feijão com arroz de sexta foi ótimo. Sábado fomos ao cinema ver Gothika (gostei). Domingo a Renata, irmã da FeRnanda, e o marido Stefano estavam aqui procurando casa pra morar. Aproveitamos e depois dos respectivos almoços sograis fomos todos juntos visitar os descendentes diretos do meu espetacular cachorro.

Foi aí que a FeRnanda proclamou que, já que ela e Fabião estão indo morar em Ripa (o Mirco aprendeu a falar ripa na chulipa), e que há duas outras casas à venda por lá, a Renata e o Stefano TÊM que ir morar na menor dessas casas e eu e o Mirco TEMOS que comprar a outra, que fica fora dos muros da cidadela mas encostada neles – essa casa fora do burgo tem quintal, e eu PRECISO de quintal, vocês sabem. Então tá, respondi, ficou decidido, o novo consulado brasileiro na Itália vai ficar em Ripa. Falta só saber quem vai pagar a casa, já que dinheiro eu não tenho. Mas digam se não é um lugar divino, Ripa na Chulipa:

Voltando de Torgiano, ou seja, da oficina onde estão os cachorrinhos, resolvemos passar por Brufa em vez de pegar a estrada reta direto pra casa. Brufa é uma cidadezinha no alto de uma colina (classic), que pertence ao comune de Torgiano mas fica a meros 3 quilômetros daqui de casa – excrusive já fui a pé com o Legolas, que voltou com três metros de língua de fora porque a ladeira não é mole não. Fora uma fábrica de rações que fica no alto de uma das colinas do vale e estraga a vista, Brufa é um amor. Lindas villas espalhadas pelo verdejante vale, cipressos aqui e ali, esculturas modernas de aço inoxida… HEIN? O que fazem esculturas modernas (leia-se hediondas) em aço inoxidável, ferro ou madeira laqueada entre cipressos e villas centenárias?

Eu já tinha visto essas aberrações no meio da praça principal da cidade quando estive lá a pé, então lá fomos nós conferir.

A entrada da praça é esse trambolho de ferro que, além de ser horroroso, deve ter custado uma fortuna, segundo avaliações do lanterneiro, que trabalhou 5 anos em uma empresa import-export de ferro e sabe do que está falando. Dentro da praça, lá num canto, há uma… uma COISA em aço escovado que parece um biombo prateado, sem sentido nenhum. Uma mulher de lábios finos demais, uma senhora com ares de atarefada enfiada num moletom colorido, está saindo da sua casinha fofa perto da escultura. Abrimos a janela do carro e perguntamos se ela conhecia esse escultor ma-ra-vi-lho-so. E aí começa mais um episódio de Cenas Italianas:

Velha: “Não sei quem é não… Por quê?”
Mirco: “A gente queria bater nele, porque essas esculturas são horrorosas.”

Pronto! A velha se soltou:
“Aaaaaaaaaaah, nem me fala! Queriam botar esse mijador (referia-se ao biombo, N.d.R.) prateado na frente da minha casa, eu falei, só se passar por cima do meu cadáver!”
Mirco: “A senhora sabe se esse escultor mora aqui?”
Velha: “Quem mora aqui?”
Mirco: “Ele mora aqui?”
Velha: “Quem, eu? Eu moro logo ali, ó”
Mirco: “Não, o escultor!”
Velha: “Não sei não senhor, eu não entendo nada de arte.”
Mirco (rindo): “Mas e aquela entrada da praça, o quê que a senhora acha?”
Velha (se exaltando): “Oscena! (pronúncia “ochêna” e obviamente quer dizer obscena) Se tivessem botado um arco de pedras tinha mais a ver com a praça, mas aquele negócio de ferro é osceno
Mirco: “Eu acho que vou tirar umas fotos e mandar pro Striscia la Notizia, quem sabe eles não vêm investigar quem deu permissão pra estragar o visual assim?”
Velha: “Acho ótimo! Tem mais é que derrubar isso tudo mesmo! Coisa horrorosa! E o pavimento dessa praça? Todo feito com resto de pedras da prefeitura! A praça ficou toda torta, toda desnivelada, outro dia caiu uma velha aqui do lado! Mas… vocês não são parentes do escultor não, né?”
Mirco: “Deus me livre ser parente de alguém que faz um negócio feio desses!”
Velha: “Então tá… Agora dá licença que meu filho tá indo me levar ao cemitério.”

Ainda gargalhando, fomos embora. Desnecessário dizer que se tivéssemos ficado lá ela teria contado quem estava indo visitar no cimitério, há quantos anos morava ali na praça, teríamos trocado receita de ragù, ela teria nos convidado pra um café.