tá difícil, amiguinhos.

Não existe coisa mais frustrante do que tentar conversar com quem não está interessado em trocar informações. Discutir o óbvio é das coisas mais cansativas que o ser humano pode experimentar, e eu não sei vocês, mas estou exausta.

Essas últimas semanas foram de lascar. A polêmica do Santander, um episódio absolutamente inacreditável, foi tema de pseudodiscussões totalmente vazias entre pessoas que, como eu, nada entendem do assunto, mas que, ao contrário do que eu fiz, não foram buscar informações. Eu só fui formar a minha opinião depois de ler muitos artigos e ouvir três podcasts diferentes sobre o acontecido, porque não entendo absolutamente nada de arte e não me sentia segura em tomar uma posição sem entender como realmente estão as coisas.

Aí vem essa maluquice da liminar. Também demorei a me manifestar sobre porque não tinha entendido sobre o que se tratava. Meu irmão me indicou pra onde eu tinha que olhar – no caso, o último parágrafo da liminar, que diz:

“Sendo assim, defiro, em parte, a liminar requerida para, sem suspender os efeitos da resolução no 001/1990, determinar ao Conselho Federal de Psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade cientifica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte do CFP, em razão do disposto” etc etc

Vocês me desculpem, mas se até eu, alérgica a prolixidade e juridiquês, entendi que esse parágrafo quer dizer que NÃO PODE PROIBIR CURA GAY, não é possível que os reacinhas médios tenham entendido de outra forma. A liminar começa dizendo exatamente o contrário, que não existe cura gay, no mesmo estilo dos advogados das séries americanas, onde começa-se dizendo “sim, o réu é um merda, ele fez A, fez B, fez C e fez D. Mas não fez Z”. Sabem? Bora malhar o culpado, pra todo mundo achar que se até o advogado, que reconhece que o cara é um merda, acha que ele não fez Z, então não deve ter feito mesmo. A liminar é a mesma coisa: você começa achando “tá, é uma liminar sincera, ela diz que cura gay não existe, legal” – mas no final ela abre essa brecha nela mesma dizendo “cura gay não existe, mas não podemos proibir ninguém de fazê-la”. Sim, liminar não faz jurisprudência, mas o Judiciário faz algum sentido no Brasil? Segue as regras? Ou manda em si mesmo e faz como bem entende?

Essa brecha, esse precedente, é perigosíssimo. E mais perigoso ainda é a não-bolha estar achando tudo isso muito normal e inócuo. Se por um lado agradeço imensamente à Mamilândia, à Fê e ao Rafa, à minha mãe e ao meu irmão, por me ajudar a manter minha sanidade mental, por outro lado é só botar a cabecinha pra fora da bolha pra dar vontade de sentar e chorar.

Passei os últimos dois dias participando incrédula de uma discussão inacreditavelmente infrutífera sobre a liminar, que obviamente descambou pra um monte de outras coisas relacionadas vagamente com o assunto. A falta de conexão das pessoas – e estou falando claramente de homem brancos classe média, obviamente – com o mundo que as circunda é de cair o cu da bunda. Desprezar o feminismo como movimento, achar que ele não é necessário, achar que a liminar não é um problema, achar que a mostra do Santander era toda errada, achar que racismo é uma consequência espiritual (don’t ask, você vai querer distribuir cadeiradas nas gengivas alheias também), defender o Bolsonaro, negar o golpe e a ditadura que o seguiu – MEU ZEUS DO CÉU, O QUE ESSAS PESSOAS COMEM DE MANHÃ QUE AS DEIXA TÃO FORA DA CASINHA? O que acontece com as pessoas? Que falta total e absoluta de bom senso, de senso de observação, DE HUMANIDADE, CARALHO, acomete essas criaturas? O que é isso? O que podemos fazer pra parar essa maluquice que se alastra na velocidade da Escherichia coli?

A primeira mensagem que li hoje pela manhã foi de uma amiga muito querida da Mamilândia (que não tem Facebook), que, como eu, vem tendo sintomas físicos relacionados a essa maluquice toda, e que descobriu, com a terapeuta, que muito provavelmente essa onda empática, esse incômodo forte com os problemas alheios, vem do fato dela ter uma irmã lésbica. Fiquei pensando nisso a manhã inteira, e, como eu disse a ela, no meu caso em particular eu já sofria desse mal antes da saída do armário de pessoas próximas – enquanto mulher baranga e filha de socióloga, era meio inevitável a minha forte identificação com as minorias.

Fui levar a Carol à escola e no caminho da escola até a academia fui ouvindo esse episódio de Radio Ambulante. Quando cheguei na esquina da academia me dei conta de que estava chorando rios, pela Rosa Julia, pela crueldade alheia, pelo horror medieval que nos assola, e voltei pra casa. Não tive forças.

Ouçam o episódio. E depois venham na minha cara dizer que feminismo é mimimi. Mas prepare-se pra cadeirada nas gengivas que você vai levar. Porque eu não tenho mais paciência pra discussão amigável com quem nega o óbvio só porque não lhe atinge diretamente.

La Flor del Diablo

Uma ideia sobre “tá difícil, amiguinhos.

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